Espaço de Pesquisas
Oi! Este é um espaço do qual você pode pesquisar e encontrar histórias de mulheres que participaram do nosso projeto por todo o Brasil! Legal, né?
Pra usar, basta digitar no espaço de pesquisa alguma palavra-chave, por exemplo: alguma profissão, alguma cidade, algum tema...
É o nosso verdadeiro banco de dados - o primeiro, da história das mulheres que se relacionam afetivamente
com mulheres - e precisa ser valorizado! ♥
197 resultados encontrados com uma busca vazia
- Jéssica e Priscila | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. No começo de 2023, Jessica era promoter de uma festa lésbica no Rio de Janeiro e criou um grupo no WhatsApp para informar sobre os descontos e ingressos especiais. Um amigo da Priscila soube do grupo e indicou para ela, que entrou e pouco interagiu, mas sempre visualizava as mensagens da Jessica desejando bom dia, interagindo com as pessoas e, mesmo não sabendo que era o trabalho dela, achou ela muito interessante. Numa interação no grupo, as pessoas mandaram seus perfis no Instagram e a Priscila viu o perfil da Jessica, mas não seguiu. Como nunca tinham interagido, achou que seria estranho seguir, mas vez ou outra entrava lá e via se ela postava alguma coisa com alguém (para entender se estava namorando ou solteira). O final de semana de uma das festas chegou e Priscila foi com os amigos. Viu a Jessica lá, achou ela interessante, mas não relacionou a pessoa que estava vendo com a pessoa que tinha visualizado o Instagram. Comentou com os amigos sobre ter interesse nela e eles incentivaram que ela puxasse um papo, mas mais uma vez ela achou estranho e não foi. Depois disso, viu que Jéssica estava acompanhada. A pessoa que acompanhava Jessica não era sua namorada, mas alguém que ela ficou um dia antes e que não deu certo, não estava legal, ela não estava se sentindo bem e sabia que não continuariam. Entre a Priscila ter interesse, comentar com os amigos e desistir de puxar papo, uma das amigas tomou iniciativa por ela e chamou a Jessica, apontando para Priscila e dizendo “Ela quer falar com você!”. Mas na hora que Jessica chegou, não entendeu nada, ficou uma situação estranha, ela achava que tinha sido chamada por conta do trabalho (afinal, estava trabalhando no evento) e acabou saindo sem entender. Priscila seguiu olhando ela pela festa e percebeu que o clima não estava legal com a acompanhante, achou até que esse desconforto era por causa da situação que havia acabado de acontecer. A amiga decidiu conversar com a Jessica e pedir desculpas pela situação, foi quando comentou que Priscila estava interessada, Jessica notou a Priscila e disse que também estava, mas que no momento estava acompanhada e por mais que não estivesse legal, não queria deixar as coisas piores. Passou o Instagram para a amiga entregar à Priscila. Priscila, quando viu o perfil, percebeu que era a mesma pessoa que ela “stalkeava” e não seguiu novamente. Após a festa, Jessica encontrou o perfil dela, seguiu e começaram a interagir. No começo, elas achavam que não iria acontecer nada para além do primeiro encontro de forma casual. Se veem enquanto mulheres muito diferentes, de culturas muito diferentes… e achavam que não iriam render. Aos poucos, foram gostando uma da outra, passando os finais de semana juntas e estabelecendo uma comunicação diferente. Se apaixonaram. Priscila estava com 29 anos no momento da documentação, é natural de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro. Estuda para ser comissária de voo e também cursa relações internacionais. É uma mulher muito livre, foi criada numa família muito solta, sem preconceitos e gosta muito disso. Preenche seu tempo livre com seus amigos, bebendo, passeando e deseja ao máximo viajar e conhecer novas culturas. Mesmo sendo brincalhona e risonha, acredita ter uma personalidade muito forte. Jessica estava com 26 anos no momento da documentação, é natural de Belford Roxo, baixada fluminense. É técnica em enfermagem e está terminando a faculdade de biomedicina, então optou por não trabalhar na área de enfermagem e seguir com os estágios e foco na faculdade até a finalização. É uma mulher que gosta muito de estar em família, demonstra seu amor no toque físico e nas palavras o tempo todo. Também adora sair de casa, ir para a praia, cinema, ver os amigos… E sonha em fazer um mochilão, deseja conhecer melhor o estado do Rio de Janeiro e o Brasil. Por mais que suas casas sejam bem distantes fisicamente (São Gonçalo e Belford Roxo), elas passam muito tempo na casa da Priscila, por Jessica fazer estágio em Niterói e ser um caminho próximo. Estar nessa relação significa a primeira vez que elas se sentem tratadas da forma que sempre desejaram - e por mais que considerem isso o mínimo, raramente identificavam tamanho carinho nas outras relações. Fazem questão de trabalhar a comunicação. Priscila explica que é difícil conseguir falar o que sente, compartilhar as coisas, principalmente pela independência da qual ela foi criada. Enquanto Jessica faz questão de demonstrar e compartilhar, desperta justamente o contrário: que podem criar novas linhas de conversa. Jessica sempre instiga Priscila a falar, compartilha o que sente e o que acha. Brincam que às vezes se sentem muito intensas e emocionadas, mas logo a razão vem e colocam o pé no chão entendendo o momento que vivem, entre desempregos e fim da faculdade. Parte desses momentos é refletir também que as coisas levam tempo para se estabelecer, que logo estarão conquistando seus sonhos, suas vontades de dividirem um lar e terem uma melhor vida financeiramente. Estabeleceram quase-que um código para demonstrar que algo não está bem, falam que “tá calor”, e nisso entendem que precisam de espaço, que estão se sentindo um pouco sufocadas. Respeitam esse tempo e desejam a presença uma da outra para passar pelos momentos difíceis, entendem o quanto isso é importante, mas sempre com suas individualidades preservadas. Nesse tempo de relação (pouco menos de um ano) já enfrentaram diversas situações difíceis e perceberam o quanto se fortaleceram juntas. É através das atitudes diárias que elas identificam o amor. Comentam que por mais que palavras sejam importantes, é muito mais fácil você dizer algo e não cumprir. Por isso, se apegam nas demonstrações diárias. Priscila não é tanto do toque quanto Jessica, mas demonstra o amor no cuidado e na presença, tratando bem. O amor que sente existe de uma forma muito natural, não é obrigação, é sobre o que gostaria de viver e como gostaria também de ser tratada, sempre pensa de maneira recíproca. Quando pergunto sobre a realidade delas em suas regiões (São Gonçalo, Belford Roxo) e sobre os locais que estão juntas, como se sentem e o que gostariam de ver mudar, elas respondem explicando a importância de ter mais respeito, educação e consideração nos espaços de convívio. Por serem mulheres (ou no caso da Priscila, mulher negra de religião de matriz africana) o medo do preconceito anda ao lado delas o tempo todo. E nesses momentos entre o medo entra também a coragem, a necessidade de falarmos sobre os nossos amores para que nos olhem com mais respeito, de nos impormos, de não deixarmos o preconceito ser mais alto. ↓ rolar para baixo ↓ Jessica Priscila
- Cilla e Fabiana | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Fabiana estava com 37 anos no momento da documentação. É professora de química e está atualmente fazendo doutorado na Universidade Federal do Pará. Além das aulas na universidade, também dá aulas particulares para estudantes do ensino fundamental e médio, ensinando química, física e matemática. É uma pessoa caseira, apaixonada por tarot, astrologia e espiritualidade, se considerando católica não praticante. Acredita que existem saberes para além das religiões tradicionais, e gosta de explorar esses caminhos esotéricos. Nos momentos livres, ama maratonar filmes e torcer para o Palmeiras, seu time do coração. Sua trajetória acadêmica é o grande motivo de orgulho, sempre quis estudar e se formar numa universidade federal. É licenciada em química e formada também em química industrial, se dedicou muito, por vezes abdicou de ter vida social e preferiu os estudos. Sabendo dessa prioridade, também, sempre é grata à sua família por ter apoiado, sido base para que ela conseguisse conquistar esse sonho. Cila estava com 34 anos no momento da documentação. É fotógrafa, filmmaker e social media. Apaixonada por fotografia desde a época das câmeras analógicas, além de ter uma forte ligação com a música: compõe, canta e toca alguns instrumentos. Tem músicas autorais publicadas até nas plataformas de streaming e já fez apresentações que envolviam outros artistas autistas. Atualmente, estuda produção multimídia na UFPA e também jornalismo, fazendo a modalidade EAD. Já morou em lugares como Paraíba e Canadá, mas enfrentando algumas situações difíceis, precisou voltar para Belém. Hoje em dia passou a entender seu modo de aprender, se acolher de melhor forma… Passou cinco anos cuidando do pai, já idoso, que estava bastante doente (uma fase que exigiu muito emocionalmente), agora reingresso na faculdade e se dedica ao que realmente ama: a fotografia, a arte e a comunicação. Cila fez a cirurgia bariátrica em 2024 e a recuperação não foi nenhum pouco fácil. Após muitos anos sendo militante contra a gordofobia, viu sua saúde prejudicada e optou pela cirurgia, sendo necessário passar por todo um processo desafiador. Fabi foi uma presença fundamental: se reinventou em coisas que não sabia, aprendeu a cozinhar, Cila a representa como uma luz: sempre aparece quando a escuridão ameaça tomar conta. Com ela, encontrou uma parceira de verdade, em todas as dificuldades. E mais do que isso: ganhou uma nova família - as tias da Fabi, por exemplo. Os vínculos, as famílias que se agregaram, a casa que constroem juntas, para as duas se tornou uma relação saudável que nem imaginava que poderia existir. Fabi, por sua vez, nunca tinha tido um relacionamento antes (com mulheres ou com homens). Nem imaginava que relações amorosas pudessem ser tão tranquilas. Conheceu Cila em 2022, por um aplicativo de relacionamentos. Já estava quase desistindo da ideia de usar os aplicativos, na verdade, porque as conversas não fluíam. Mas Cila fez de tudo para chamar sua atenção e começaram a conversar. O papo foi fluindo de forma positiva e a primeira proposta de encontro foi ir ao circo. Fabi adorou, achou super criativo, divertido. Infelizmente não deu certo, mas a outra proposta também foi legal: uma peça musical sobre Queen no teatro. Foram e, durante o intervalo, a conversa entre elas foi tão leve e espontânea que se sentiram em casa. Nas palavras de Fabi, pareciam se conhecer há muito tempo. O encontro teve que terminar cedo porque Fabi tinha uma prova no dia seguinte, mas antes de irem embora, Cila a convidou para sua festa de aniversário que seria nos próximos dias. Fabi foi, levou um presente, e esse gesto mexeu com Cila: ela quem sempre tomava as atitudes de presentear, se dedicar aos outros, pela primeira vez se via sendo cuidada. “Ela nem tinha me beijado ainda e já se preocupava em me agradar”, lembra. Não era pelo valor financeiro, era pela atitude. Depois que ficaram juntas pela primeira vez, no aniversário da Cila, elas continuaram se encontrando e nutrindo a paixão que ia acontecendo. Fabi viu em Cila o que ela nem sabia que era possível buscar em alguém, mas que admirava: uma pessoa responsável, carinhosa, dedicada ao trabalho, aos estudos e à família, principalmente, por ela cuidar do seu pai que estava doente, sendo a principal responsável por ele. Fabi, que por muito tempo adiou a vida amorosa por conta de estudos e trabalho, desejava uma parceira que entendesse esse ritmo, que tivesse paciência e vontade de construir uma vida compartilhada. Com Cila sentiu que isso pela primeira vez poderia ser possível. Em maio, durante o aniversário de uma amiga que sempre apoiou o casal, a amiga incentivou Fabi a pedir Cila em namoro. Cila chegou um pouco depois, direto do trabalho, e Fabi fez o pedido na frente de todos. Contam como foi legal, inesperado e simples. Sentiram-se respeitadas, celebradas, e desde então vivem uma relação de parceria. Juntas, já viajaram ao Rio de Janeiro, estudaram espanhol e foram para a Argentina…. Estão sempre topando o novo. Passaram por vários momentos difíceis, deixaram a comunicação afiada, e não largaram as mãos. Fabi também adotou as gatas que Cila trouxe do Canadá, agora são delas e tratam com muito carinho. Hoje vivem uma parceria sólida, com poucas brigas e muita escuta. Quando uma está em crise, a outra sabe exatamente o que fazer: um abraço forte, um gesto de cuidado, uma palavra certa, dar um tempo para uma ficar no quarto processando... São lugares de respeito. Quando Cila convidou Fabiana para morarem juntas, em maio de 2023, depois de um ano de relação, Fabi hesitou. Não faltava vontade, mas havia um medo de sair de casa. Ao mesmo tempo, sempre que passava o fim de semana com Cila e precisava ir embora, sentia uma tristeza, sabia que queria ficar lá. Foi conversando com a tia que recebeu o incentivo: se esse era o que o coração sentia, deveria seguir em frente, sem esperar aprovação dos outros. O medo existia por não saber como o mundo reagiria. Aos poucos viu que os medos eram pequenos (talvez nem fizessem tanto sentido assim) perante a relação legal que construiam. Cila sempre demonstrou muita maturidade e foi com ela que Fabi aprendeu a se libertar dessas inseguranças. Mesmo com o apoio da maioria da família, algumas pessoas se afastaram, mas as que permaneceram sempre estão presentes e são bastante respeitosas, carinhosas… A família de Cila também foi acolhedora. A mãe e irmã moram fora do Brasil, mas mandam presentes para Fabi, quando visitam estão sempre com as duas e fazem questão de incluir elas nos planos. Apenas a avó da Fabi ainda passa pelo processo de aceitação, o que traz dor, a ausência da Cila nos momentos felizes entre família quando ela está a deixa triste, não consegue entender como algo tão bonito como amar não pode ser aceito por uma das pessoas que ela mais ama e admira - como a avó - mas entende também que com o tempo isso pode ser mudado. Entendem que ela e Cila são um casal feliz, e isso deveria bastar. ↓ rolar para baixo ↓ Fabi Cilla
- Vanessa e Dayanne | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Dayanne estava com 34 anos no momento da documentação. Nasceu em Aracaju e é psicóloga, professora e musicista. Com três trabalhos que refletem suas paixões, a música sempre esteve presente na sua vida, enquanto a psicologia surgiu ainda na adolescência, em uma feira de profissões que a fez descobrir seu caminho. Depois, o mestrado a levou à carreira docente, onde também a realizou. Além da rotina intensa, ela adora assistir séries e viajar para conhecer novas culturas e lugares. No palco, seu talento brilha: toca surdo, teclado, instrumentos de percussão, canta e integra uma banda de samba, mostrando que a música é um caminho, samba é democracia. Vanessa estava com 32 anos no momento da documentação, é natural de Simão Dias, no centro-sul de Sergipe, e chegou a Aracaju em 2017 para estudar. Criada em um povoado, onde o ritmo da vida era mais conectado à natureza e respeitando o tempo das coisas, teve um grande choque cultural ao se mudar para a capital. Após abandonar o curso de enfermagem por dificuldades em conciliar trabalho e estudos, encontrou sua verdadeira vocação em marketing, alinhando a paixão pela comunicação ao seu histórico como produtora cultural no interior. No passar dos anos foi convidada para ser educadora e, mesmo tendo uma avó e uma mãe educadoras, nunca foi algo que ela tinha imaginado trabalhar - e aqui ressalta que sua mãe, merendeira, talvez nem saiba que era educadora, mas que toda pessoa trabalhadora de escola educa e merece ser tratada enquanto educador. Hoje, ocupa um lugar de educadora antirracista, acredita que é sua missão de vida - e que sua espiritualidade chegou para confirmar. Ambas destacam a importância de serem retratadas como mulheres pretas, candomblecistas, conscientes de seus corpos vulneráveis, mas plenas em sua capacidade de ocupar espaços - que até mesmo quando crianças não imaginavam que poderiam estar ocupando. Sabem que todos os lugares que habitam têm uma dimensão política, e levam isso consigo, seja estudando, conversando, refletindo ou se divertindo. Com personalidades vibrantes e muito ligadas à rua, ou melhor, “rueiras”, são mulheres que amam estar no mundo, vivendo intensamente e construindo histórias significativas. Dayanne nunca foi de paquerar, muito menos pelas redes sociais, mas em 2022 Vanessa a seguiu no Instagram e logo chamou sua atenção. Ela chegou a comentar com uma amiga: “Nossa, que menina bonita!”. Já tinha visto Vanessa em alguns sambas e resolveu segui-la de volta. Aos poucos, as interações começaram com reações aos stories e passaram a sugerir encontros presenciais. Quando finalmente se viram, parecia que já se conheciam há anos. A conexão foi imediata e diferente de tudo que já tinham vivido. Dayanne, em especial, enfrentava um momento de confusão interna e refletia: “É agora? É essa pessoa?”. Percebeu que o que sentia era genuíno e forte, e que o amor, como estava vivendo, poderia ser algo tranquilo, leve e livre, sem controle ou imposições. No primeiro encontro, combinaram de se encontrar no apartamento de Dayanne antes de irem a uma festa temática dos anos 90. Chegaram ao evento de mãos dadas, como se já fossem um casal. Riem ao lembrar que o local não era nada romântico: músicas do É o Tchan tocando alto, precisando gritar para se ouvir. Felizmente, o tempo no apartamento garantiu que se conectassem antes do caos da festa. Desde aquele dia, continuaram se encontrando, e tudo foi acontecendo naturalmente, com leveza e diversão. Com o tempo e muitas conversas, descobriram curiosidades que pareciam unir ainda mais os caminhos: os pais de Dayanne, por exemplo, se conheceram no povoado onde Vanessa nasceu. Esses detalhes só reforçaram a sensação de que já estavam ligadas de alguma forma. Tudo foi acontecendo de forma bonita e intensa, ao mesmo tempo que se estende de forma leve, divertida, tranquila, diferente do que já se imaginaram vivendo. Aprendem, assim, que o amor é sem querer controlar o desejo do outro, “sem querer fazer com que o outro seja o que eu quero que ele seja”. Dayanne e Vanessa fazem questão de manter uma comunicação aberta e honesta, sempre conversando sobre seus desejos e construindo a relação com cuidado e atenção. Como diz bell hooks, o amor é uma escolha. Não o que ele desperta na hora que você sente, mas o que você vai construir com isso, como ele vai ser construído na relação. Por isso, fazem questão de considerar seus desejos e falam sobre eles o tempo todo. Vanessa cresceu em um lar onde a igreja católica estava presente no mesmo terreno da sua casa, porque sua avó doou parte do terreno para a construção. Frequentou o catolicismo até os 18 anos, mas sempre teve interesse por outras culturas e religiões, simpatizava com tudo o que era do povo preto. Com o tempo, decidiu se afastar das igrejas e, quando conheceu Day, soube que ela já era parte de um terreiro em São Cristóvão (cidade em que fizemos as fotos). Apesar disso, Dayanne nunca a pressionou a frequentar - e tinha o cuidado de não a influenciar. Vanessa passou a visitar terreiros urbanos por curiosidade e interesse, mas frequentava de fato religiões. Na época, dividia o lar com a irmã, que era evangélica, e até se permitiu algumas vivências na religião dela também. Quando passou a frequentar mais os terreiros, sentia-se limitada por não poder vivenciar isso livremente em casa. As vivências se intensificaram perante o reconhecimento na religião e, em meios a essas conversas e necessidades, Day e Vanessa decidiram morar juntas para viver com mais liberdade e acolhimento. São Cristóvão se tornou um símbolo importante na trajetória delas. Além de ser a cidade do terreiro que conecta suas crenças, foi lá que aconteceu o pedido de casamento, em um show de Rachel Reis, cantora que amam. Agora, sonham em construir uma família candomblecista, dando continuidade ao amor, à ancestralidade e às crenças e aos valores que compartilham. Day conta que se abriu sobre sua sexualidade para a família há pouco tempo. Antes de contar, enfrentou o medo da rejeição, mas foi acolhida com amor e apoio. Sua família não apenas a aceitou, mas ajudou a realizar o sonho de comprar a casa onde vivem. Esse acolhimento foi crucial para que ela se sentisse segura sendo quem é, tanto em casa quanto em outros espaços, como no trabalho. Hoje, todos ao seu redor sabem que ela é uma mulher bissexual em um relacionamento lésbico. Até sua avó, católica e com mais de 80 anos, respeita profundamente o casal e suas escolhas, refletindo como o amor caminha lado a lado com o respeito e a admiração. Day destaca a importância de dar visibilidade à bissexualidade. Ela reconhece que sua compreensão sobre si mesma foi tardia porque, durante boa parte da vida, não sabia que poderia nomear essas experiências. Sempre teve paixões por meninos e “admirações” por meninas: que poderiam ter sido paixões, mas que ficaram sem nome. Ela ressalta como é importante acolher a bissexualidade desde o início, em vez de buscar culpados para algo que não é errado. Por isso, faz questão de não deixar o "B" ser apagado e discute a temática de forma aberta, especialmente por entender que se torna referência para seus alunos, criando um espaço de acolhimento e segurança. Vanessa, por outro lado, cresceu em uma família marcada por mulheres fortes, especialmente mães solo. Com poucos exemplos de casais ao seu redor, precisou construir sua própria ideia de afeto e relacionamentos. Aprendeu que não precisa estar em um espaço de sempre agradar ao outro e esquecer de si, mas sim de um relacionamento saudável, pautado em autoamor e troca. Como mulheres negras em um relacionamento entre mulheres, elas enfrentaram olhares de fetichização, julgamentos que tentam reduzir o relacionamento a uma fase ou curtição. Por isso, ambas se dedicam a construir um amor que foge dessas narrativas, valorizando o cuidado, o enaltecimento mútuo e uma nova forma de amar. Esse relacionamento reflete a força que encontram uma na outra, no enaltecimento. Tanto no âmbito pessoal quanto na luta por respeito e visibilidade. Para elas, o amor é sobre aprender, construir e cuidar, enquanto criam uma narrativa que reflete o afeto e a elevação que desejam viver. ↓ rolar para baixo ↓ Vanessa Dayanne
- Juliana e Luisa | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Luísa estava com 29 anos no momento da documentação. É formada em teatro, mas sua atual profissão é ser professora de inglês. Natural de Nova Prata, cidade interiorana do Rio Grande do Sul, viveu oito anos em Porto Alegre, onde estudou - e onde também mantém muitos amigos até hoje. É apaixonada (vamos dizer, fascinada) pelo universo do horror-terror, foi o assunto do seu trabalho de conclusão de curso e espaço escolhido para fazer a nossa documentação acontecer (um café temático em Porto Alegre), afinal, ela compartilhou sua paixão com a Ju durante o relacionamento. Juliana, por sua vez, estava com 36 anos no momento da documentação. Também nasceu em Nova Prata e viveu em Porto Alegre por uma década antes de retornar à cidade, em 2016. Filha mais velha de pais separados, descreve sua família como “bagunçada, mas com afeto”. Conta que precisou de muito tempo (e terapia) para entender seu processo e se livrar aos poucos das expectativas e dos padrões familiares que são impostos ao longo da vida. Em 2022, deixou o emprego formal para se dedicar ao bordado livre, arte que aprendeu com a avó, que era muito habilidosa e adorava costurar, bordar, trabalhar com madeira e outros artesanatos e, além do trabalho, Juliana também estuda psicologia atualmente. Quando começaram a namorar, o universo do horror era muito temido pela Ju. Ela sempre sonhava com os filmes, se assustava, tinha medo. Luísa aos poucos passou a incentivar outro olhar, um olhar de arte como algo provocativo e reflexivo, uma forma de expressão que incomoda para fazer pensar. Mesmo nas cenas de susto, quando chega a levantar os pés da cadeira e segurar firme a mão, aprendeu a rir depois, entender o susto e o que ele provoca. Hoje, o medo virou também um lugar de encontro, curiosidade e afeto entre as duas. Ao viver uma vida padrão esperada, a Ju acreditava que a felicidade viria no check dessa ‘lista’ imaginária - tinha a faculdade certa, o emprego estável, o relacionamento esperado. Mas ao chegar aos trinta e poucos anos, entendeu que nada disso preenchia um vazio. Se sentia frustrada. Nessa mesma época, aos 33 anos, participou da criação de um núcleo de mulheres na cidade, e foi colando lambes nas ruas, em plena pandemia, que viu Luísa pela primeira vez. Ainda sem compreender direito o que sentia, ficou encantada pela presença dela. Sentia que queria conhecer mais, chamar ela para sair. Foi nesse processo de frustração e descoberta que começou a pensar sobre ser uma mulher lésbica, mas ainda de forma muito calma, respeitando seu processo. Diferente da Ju (que não tinha muitas referências lésbicas ou bissexuais por perto) Luísa conta que sempre foi a “responsável” e a “certinha” entre os seus. Cresceu numa família majoritariamente feminina e cercada por primas que se relacionam com outras mulheres. Tímida, introspectiva e tranquila, sua sexualidade foi algo que surgiu de modo natural, quase como uma confirmação de algo que todos à sua volta já percebiam. Quando entrou para o teatro, o contato com outras formas de liberdade a fez repensar seu próprio lugar no mundo, e mudou um pouco a sua forma de se relacionar. Quase dois anos depois daquele primeiro encontro no coletivo de mulheres em Nova Prata, Ju criou coragem para enviar uma mensagem a Luísa. Parecia ser simples, né? Só enviar uma mensagem. Mas o receio da Ju é que elas tinham uma certa diferença de idade e ela não queria parecer uma pessoa muito aleatória fazendo um convite estranho. Mas o convite foi aceito e o encontro foi muito bom, tanto que já quiseram repetir em seguida. Logo estavam juntas, sem precisar de grandes planos ou certezas, apenas com o desejo de permanecer. Desde então, foram aprendendo a compartilhar um amor, uma forma de estar no mundo, a coragem, o humor, os desencontros… E Luísa ainda morava em Porto Alegre, então ainda aprenderam a compartilhar um pouco de distância também. Como o namoro da Ju e da Luísa começou entre Porto Alegre e o interior do Rio Grande do Sul, a semana era dividida em um tempo na capital, outro tempo na casa do pai da Ju, em Nova Prata - e esse foi o momento de apresentar às famílias também. O pai dela reagiu de uma forma até um pouco engraçada, afinal, ela não sabia o que esperar da reação dele e tinha certo medo. Ele não morava de forma fixa no Rio Grande do Sul e ela aproveitou uma vinda para falar sobre o namoro. Nas palavras de Ju, foi assim: “Pai, a gente tem que conversar. Porque eu estou saindo com outra pessoa. Eu estou vendo essa pessoa. E talvez ela venha aqui. E é uma mulher. E daí ele disse: ‘Tá. Tá bom. Tudo bem. Tu teve namoros muito ruins com homens, talvez tu seja mais feliz agora’” (risos). E foi nesse dia que eles se conheceram. Dias depois foram conhecendo outros familiares e as coisas foram se ajeitando da melhor forma, com serenidade. O namoro seguiu com espontaneidade. Em 2023, com um ano de relação e a Lu já morando em Nova Prata, decidiram se casar. O debate sobre o casamento homoafetivo voltava à pauta na Câmara dos Deputados e elas sentiam cada vez mais a certeza do afeto, então resolveram celebrar numa cerimônia pequena, num restaurante acolhedor, pouco antes do Natal, para que o pai de Juliana pudesse estar presente. Entre mesas apertadas, famílias misturadas, a sobrinha apaixonada pelas flores e pelo vestido, o cuidado onde cada familiar iria sentar… o momento se tornou um retrato delicado da união: simples, verdadeiro e cheio de amor. Depois da cerimônia de casamento, elas começaram a planejar a possibilidade do primeiro lar verdadeiramente seu. Ele deu certo em 2025 e, quando pergunto como está sendo, Ju explica que essa nova casa simboliza algo além do casamento: é a conquista da autonomia, o rompimento com antigos vínculos familiares e o início de uma vida guiada por escolhas próprias. Entre risadas, sustos de filmes de terror e silêncios confortáveis, as duas constroem uma rotina que traduz aquilo que buscavam desde o início: a sensação de estar, finalmente, em casa. Ju e Luísa passaram a ouvir com frequência comentários de amigos e familiares sobre como parecem ainda melhores juntas. A nova casa trouxe algo que antes faltava: privacidade e pertencimento. Com o tempo, aprendem também sobre os próprios limites e como eles podem ser diferentes entre si. Juliana, acostumada à convivência intensa da família, precisou entender o valor do silêncio e da reserva que Luísa prezava. Luísa, por sua vez, aprendeu a acolher essa espontaneidade familiar que faz parte da história da companheira. Nesse processo, a busca pelo convívio mais harmonioso foi o que permitiu que cada uma reconhecesse o que traz conforto e o que precisa ser ajustado. Reconhecem também o amadurecimento, o quanto a relação foi amadurecendo nesses anos. Elas atravessaram perdas e desafios: o luto, mudanças de trabalho, afastamentos de amizades, os sonhos que se materializaram… e assim o vínculo se consolida. O amor antes era uma idealização, algo romântico, agora é uma manifestação cotidiana de cuidado, escuta e apoio. A convivência se tornou um espelho de crescimento individual: quanto mais se fortalecem como casal, mais se transformam como pessoas. É movimento. ↓ rolar para baixo ↓ Luísa Juliana
- Susy e Pâmela | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Susy estava com 38 anos no momento da documentação. Nasceu em Imperatriz, interior do Maranhão e também já morou no Pará por um período de trabalho. Sua volta ao Maranhão foi motivada pela saudade da Pâmela, como ela brinca ao contar. Atualmente trabalha enquanto pedagoga em uma escola de educação infantil do bairro e também na Universidade Estadual do Maranhão, onde pesquisa gênero e sexualidades. Além da vida profissional, gosta de dançar, assistir filmes e séries. Pâmela estava com 37 anos no momento da documentação. Também é natural de Imperatriz, mas nunca morou fora da cidade. Enfermeira formada pela Universidade Federal do Maranhão, atua na área há mais de 13 anos e também dá aulas em uma faculdade particular. É apaixonada por leitura, cinema, cozinhar, fazer churrasco e explorar o universo do café, ainda que de forma simples, gosta de aprender um pouco. Afirma ser mais tímida do que Susy, mas se solta quando está em ambientes seguros e acolhedores. Em 2008, na universidade, Susy e Pâmela foram apresentadas por uma amiga em comum. Susy cursava pedagogia à noite e Pâmela enfermagem durante o dia (a amiga, por sua vez, cursava direito - eram áreas diferentes interagindo). Pâmela era envolvida na militância da universidade… Susy era mais na dela e não concordava muito com as greves. Mas algo foi se unindo: na época, Susy participava de uma igreja evangélica junto com a amiga e Pâmela, embora de família católica, também começava a frequentar a mesma religião que elas. Então a aproximação inicial veio desse espaço religioso e das atividades da universidade. A amizade se formou com naturalidade, até que se viram conversando muito mais que o normal - no início era por SMS, aproveitando os 60 minutos de ligação a cada recarga… depois migraram para o MSN usando os computadores disponíveis no laboratório da universidade ou no trabalho do pai da Pâmela... Fato era: estarem juntas ou trocarem mensagens o tempo todo era o que as deixava feliz, com uma intimidade crescendo junto da conexão. O ponto de virada aconteceu quando Susy organizou um aniversário para Pâmela, já que esse não era um costume em sua família. Preparou fotos, vídeos e depoimentos para exibir na igreja. Ao selecionar as imagens, encontrou uma em que Pâmela estava mergulhado no Rio Tocantins (rio que beira a orla de Imperatriz). Ao ver a foto, Susy ficou ‘paralisada’ um tempo, não conseguia parar de olhar e percebeu algo diferente: essa admiração não era a mesma admiração que tinha por outras amigas. Foi ali que entendeu, pela primeira vez, que havia algo além da amizade entre elas. A aproximação entre Susy e Pâmela foi deixando de ser só uma amizade de forma muito sutil: os abraços demorados, os carinhos discretos, tudo havia muito toque na pele. Aos domingos, Pâmela buscava Susy de carro para irem juntas à igreja e naquele momento criavam um espaço de intimidade não-nomeada. Mas o primeiro beijo só foi acontecer de fato no centro acadêmico da universidade, onde Pâmela era responsável por algumas coisas do espaço e lá poderiam se sentir seguras quando estavam sozinhas. Porém, junto do afeto veio também o peso da culpa, alimentado pelo ambiente religioso e pelo preconceito familiar. Ou seja: depois de ficarem juntas no centro acadêmico, entenderam em conjunto que estavam errando e decidiram por confessar o que aconteceu às lideranças da igreja - que orientaram cada vez mais o afastamento. Assim, em 2010, interromperam o contato próximo e se restringiram a uma amizade contida. Durante os próximos quatro anos muitas coisas aconteceram… Susy se mudou para o Pará, elas se formaram e a relação ficou suspensa nesse lugar da amizade - mas que internamente era puro desejo. Mesmo sem assumir o que sentiam, a atração nunca desapareceu: às vezes se encontravam e o toque na pele ainda deixava claro que havia algo ali. Mas, o conflito era intenso, sobretudo para Pâmela que enfrentava muitos comentários homofóbicos dentro de casa. Em 2015, fora do ambiente da igreja, decidiram finalmente dar uma chance ao relacionamento. O namoro começou às escondidas, sem que ninguém da família ou do círculo de amizades soubesse oficialmente. E esse sigilo durou: foram quase cinco anos vivendo o amor em silêncio, entre encontros discretos e afetos guardados pra ser vividos apenas sem ninguém por perto. Alguns amigos desconfiavam, mas não havia perguntas diretas e elas também não se sentiam bem para contar. Foi um período que o amor significou: se proteger. Durante uma viagem a Salvador, no ano novo de 2018 para 2019, Pâmela pediu Susy em casamento. Não havia ainda uma perspectiva clara de como concretizar esse passo, mas o gesto representava a certeza de que queria dividir a vida com ela. De volta à Imperatriz no começo do ano, a decisão de assumir a relação começou a pesar mais para Pâmela, especialmente por causa das questões familiares e da dificuldade em enfrentar a rejeição que sabia que poderia vir. Susy, que já morava sozinha, recebia Pâmela em sua casa aos finais de semana, e nesse período começaram a considerar morar juntas. Pensaram também em alugar ou comprar um apartamento, até que surgiu a ideia de formalizar uma união estável. Mas toda a conversa foi evoluindo: se fariam a união, então que fosse um casamento. Numa única noite, entre um papo corajoso e cerveja, decidiram tudo. No dia 16 de maio de 2019 oficializaram o casamento - e foi com o casamento que se assumiram publicamente. Decidiram que cada uma contaria para a própria família no mesmo dia e horário. Susy levou a mãe até sua casa, enquanto Pâmela saiu mais cedo do trabalho e também contou para sua família. A conversa foi direta: não se tratava de pedir autorização, mas de afirmar a escolha de viver juntas e de reconhecer que a relação já existia havia cinco anos. A decisão era simples, a reação nem tanto. A mãe de Susy não recebeu bem a notícia e desde então nunca aceitou bem a relação. Entretanto, mesmo com o preconceito enraizado das famílias, elas seguiram firmes na decisão e no compromisso assumido. Não foi fácil viver tantos anos um relacionamento escondido de todos, mas agora entendem que vivem o melhor do bem-estar e da maturidade que foi construída nesse tempo todo. Susy conta de um período de fragilidade que passou por uma cirurgia e que Pâmela cuidou dela de uma forma intensa e inesperada. Ainda depois de tantos anos, esse momento foi muito importante e fez a relação ultrapassar o campo do amor romântico, é um espaço de cuidado e entrega. Elas contam também como o amor se tornou referência. O próprio casamento que foi pioneiro em Imperatriz - antes a cidade nunca havia oficializado união entre mulheres no cartório. Hoje elas contam como frequentemente pessoas chegam para reconhecer a relação delas enquanto uma inspiração e como isso é importante porque elas não tiveram referências quando começaram. Susy mesmo citou que parecia impossível que lá, no “último DDD do mapa” (o DDD 99), parecia que essas coisas nunca iriam dar certo. Mas foram prova de que deu (e dá). Hoje em dia a naturalidade faz parte de tudo: seja sair de mãos dadas, trocar gestos de afeto, participar de eventos LGBTs na cidade… fazem questão de viver sendo quem são. O lar, marcado pelos dois gatinhos e por um canto seguro, também é o espaço acolhedor onde fazem questão de viver bem. Não há mais motivos para não ser quem são. ↓ rolar para baixo ↓ Susy Pâmela
- Keziah e Patricia | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Keziah estava com 26 anos no momento da documentação, é natural de Fortaleza e chegou em Pernambuco em 2021. Atualmente trabalha como engenheira de software, sendo desenvolvedora. Adora praticar esportes, escrever (inclusive já escreveu alguns livros independentes de romances sáficos) e cuidar dos seus bichos - gato, cachorro, papagaio, jabuti e calopsita. Sempre foi apaixonada por jogos e isso a fez cursar uma faculdade de desenvolvimento de jogos - que a levou para ciência da computação. Ao contar sobre a sua trajetória, destaca também que passou 16 anos frequentando a igreja, tendo uma família bastante conservadora, o que refletiu por muito tempo numa carga forte de culpa cristã que sentia em ser quem ela é. Atualmente, sente que as coisas mudaram e são mais tranquilas, mas faz parte de um longo processo de reconhecimento, pertencimento, auto acolhimento e maturidade. Pouco tempo antes da documentação, Patrícia e Keziah haviam visitado Fortaleza juntas e, pela primeira vez, Keziah apresentou uma namorada para os seus pais. Sente que foi muito legal esse passo, nem imaginava que isso um dia poderia acontecer. Estão namorando há anos e a família dela já sabia, mas agora que aconteceu o encontro sabem que é um passo considerável na relação. Patrícia estava com 32 anos no momento da documentação. É natural de Recife, trabalha como designer e adora ler - inclusive, foi por conta desse hobbie que conheceu a Keziah, em 2020. Ficou desempregada e começou a ler ainda mais no tempo livre, procurou pessoas que gostavam de ler para fazer amizades no Twitter e em meio às postagens conheceu um livro dela - leu, amou e procurou o perfil para conhecer mais sobre a autora. Enquanto para Patrícia a história começa quando ela lê um livro da Keziah, para a Keziah a história começa enquanto ela estava num relacionamento em meio à pandemia. Não estava sendo um bom relacionamento, não se sentia feliz e paralelo a isso seu livro estava em ascensão, recebia diversos elogios e comentários positivos diariamente. Decidiu que deveria procurar alguém que estivesse disposta a ler um pouco do que escrevia para dar uma opinião sincera: uma ajuda, um auxílio, iluminar os pensamentos… Então fez algo que até então nunca havia feito: postou que estava procurando essa pessoa. A Patrícia era a pessoa ideal para isso porque comentava muito sobre literatura no Twitter. Falava sobre diversos livros, reclamava ou elogiava, interagia em diversos posts… e foi assim que elas começaram a conversar de fato. A intimidade aumentou rapidamente, mas Keziah nunca levou muito a sério a possibilidade de algo, principalmente por morarem em estados diferentes no meio de uma pandemia. Conversavam, compartilhavam coisas da vida, faziam maratona de filmes, mas acreditavam que seria uma amizade e ela ainda tentava entender e processar o término da relação que vivia. Quando entendeu que estava solteira oficialmente, Patrícia começou a flertar de forma mais direta e até apresentou seus amigos de forma online, compartilhando grupos de jogos durante o período pandêmico. E cada vez mais, também, compartilhavam sobre sua escrita da forma que Keziah procurava: alguém para trazer opiniões e ideias criativas. Alguns meses depois de estarem nesse processo, em meio à pandemia, morando em estados diferentes, mas conversando e já desenvolvendo sentimentos, Keziah voltou a morar com os seus pais no interior do Ceará por conta das questões financeiras de estar desempregada e entendeu: agora está ainda mais distante a ideia dessa relação um dia dar certo. Mas, depois de muita conversa, entenderam o quanto se gostavam e queriam tentar se conhecer pessoalmente, seguir aos poucos a relação à distância. Keziah comprou a passagem para Recife de ônibus logo que algumas medidas de lockdown foram “afrouxadas”, numa viagem de 14 horas. Ficou mais de uma semana hospedada em um apartamento que alugaram para poder ficar isoladas e sem colocar a família em risco. O primeiro lugar que visitaram juntas foi o local que fizemos a documentação (o Marco Zero) e, por mais que Keziah nunca tivesse viajado dessa forma, todas as amigas estavam mais felizes que preocupadas, já torcendo pelo casal. Keziah estava decidida a fazer o ENEM novamente para voltar à faculdade e colocar a opção de cursar no Recife, fazendo sua mudança para lá. Deu a notícia para Patrícia com medo dela se assustar, afinal, estavam se conhecendo pessoalmente depois de tanto tempo… E ela respondeu que não estava nenhum pouco assustava porque na cabeça delas, já poderiam até se casar. Ela pensou: “Ufa, bom, na minha também! Então tá tranquilo!”. Conta que depois dessa primeira semana, se apaixonou completamente por Recife e não se arrepende da escolha que fez de morar na cidade, gosta muito de ter escolhido Pernambuco como seu lar. Cerca de um ano depois de se conhecerem pessoalmente, Keziah se mudou de fato para Recife. Diferente dos planos iniciais, não fez o ENEM, mas sim um processo seletivo numa empresa e já chegou na cidade com um trabalho fixo. No começo, alugou um apartamento, mas passava tanto tempo na casa da Patrícia que acabou indo morar lá de vez. A família da Patrícia, por sua vez, não aceitava no início o fato dela se relacionar com outra mulher… mas foi aprendendo a lidar (e adorar) a companhia da Keziah. Um dia, quando a Keziah ainda morava em Fortaleza e contou que gostaria de se mudar, ao se despedir a mãe da Patrícia disse para ela voltar mais vezes, pois adorava a “casa com barulho”. Pois vivem bem e a casa segue com barulho todos os dias. Passaram a entender o amor como uma escolha. Enxergam a paixão que sempre existiu, mas o amor que vivem nessa rotina, dentro de casa com os pais, com os bichos, com a saga por terminar a faculdade, os desafios do trabalho ou vivendo na cidade, são escolhas diárias que firmam compartilhar e ultrapassar juntas. Ficam positivamente surpresas quando enxergam o equilíbrio que lidam com as coisas e a construção que foi feita nesses anos. Ressaltam que é um amor que leva o tempo inteiro: desde uma acordar mais cedo para poder fazer o café para a outra ir na faculdade e não perder o horário considerando todo o trânsito que leva até chegar, todas as formas que consideram suas correrias e dividem os pesos para não ser tão pesado pra uma pessoa só… acreditam que tudo só dá certo por conta disso. “Eu acho que dá certo porque a gente estava sempre, tipo... Tentando se ajudar. Sim. O tempo inteiro.” Quando para pra pensar nesses 4 anos de relação, Keziah conta sobre um diagnóstico de depressão que foi dado há anos atrás e que, na época, o pensamento era que não havia perspectiva de coisas boas. Como se no futuro não houvesse lugar para nada de bom na vida pessoal ou profissional. Mas hoje em dia, de alguma forma, o relacionamento faz tudo parecer muito leve e é muito legal pensar sobre esse merecimento do amor. Hoje em dia também não há mais diagnóstico depressivo. ↓ rolar para baixo ↓ Patricia Keziah
- Gerando Renda | Documentadas
Gerando renda é uma forma de conectar mulheres através do mercado de trabalho. gerando renda para o projeto Manter o projeto não é tarefa fácil! Fazer viagens, pegar metrôs, ônibus, barcas... disponibilizar tempo e conseguir manter as contas pagas é um grande desafio. E como queremos documentar o maior número de casais possíveis, disponibilizamos o nosso PIX e aceitamos qualquer valor como quantia de doação! Qualquer valor MESMO. Tem 2 reais e pode aplicar no projeto? é super válido! De quantias pequenas a quantias maiores, se cada uma e cada um de nós ajudar um pouquinho, conquistamos o Brasil todo! Colabore com a documentação histórica do amor entre mulheres! Para doar é muito fácil! - Entre no aplicativo do seu banco e clique em PIX > transferir PIX. - Escolha o tipo de chave: o nosso é e-mail :) - Digite o nosso e-mail, você pode copiar aqui: fernanda@documentadas.com - Digite o valor desejado da doação :D - Aparecerá o nome da idealizadora do projeto: Fernanda Piccolo Huggentobler. Então é só conferir e confirmar! Prontinho, a partir de agora você estará ajudando a documentar o amor entre mulheres no Brasil todo! Ah! Uma coisa importante. Quer saber como funciona os nossos gastos e ver como a sua doação está sendo utilizada? dá uma olhada nos nossos destaques do Instagram, lá tem um chamado: Prestação de Contas ♥ quer conferir a prestação de contas no Instagram? clica aqui! gerando renda para a comunidade LGBT Acreditamos que - além de que contar histórias de mulheres - podemos conecta-las. Falarmos sobre seus trabalhos, compartilharmos situações, momentos e, enfim, gerarmos renda. O mercado de trabalho segue difícil e podemos nos apoiar contratando trabalhos de mulheres da comunidade LGBT, certo? certo! Tá precisando de uma arquiteta? de uma chefe de cozinha para um evento do qual você tá promovendo? ou quem sabe quer fazer uma tatuagem nova e queria escolher uma tatuadora inspiradora? aqui temos! No nosso espaço de 'busca', clicando AQUI você consegue pesquisar pela palavra-chave (o serviço que você precisa), ver qual profissional está à disposição, ler sua história e entrar em contato com ela. O contato pode ser feito clicando no botão aqui na tela indicando a profissional que você leu, conheceu a história e deseja contratar/solicitar um orçamento. Nosso papel será te conectar diretamente com ela! Bora fortalecer a profissional que você admira! quer conhecer o serviço de alguma profissional? clica aqui!
- Vanessa e Suelen | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Suélen estava com 27 anos no momento da documentação. É natural de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e cursa pedagogia, trabalhando enquanto monitora de inclusão. Mora com os pais e com duas gatas e uma cachorrinha, o que a faz ser apaixonada por animais (além de gateira de carteirinha). Também gosta muito de assistir séries no tempo livre - principalmente quando assiste em conjunto com a Vanessa. Vanessa estava com 24 anos no momento da documentação, também é natural de Porto Alegre e estuda psicologia, já prestes a completar a graduação. Adora falar sobre signos, sobre séries, filmes… e sobre seus dois animais, os cachorros Jake e a Malu. Além disso, seu hobby principal é o que envolve cozinha - não só cozinhar, mas assistir vídeos de pessoas cozinhando, realities etc. Os pais de Suélen se divertem vendo as tentativas de cozinhar, são sempre experiências. Vanessa e Suélen se encontraram em um aplicativo de relacionamentos, mas já se conheciam por conta de uma amiga em comum e se tinham nas redes sociais desde o Facebook, mas nunca haviam conversado. Durante a pandemia, participaram de um grupo e essa foi a primeira interação de fato, mas era algo muito superficial. Foi o aplicativo que fez elas entenderem o interesse para além da amizade. Desde a primeira conversa já se divertiram trocando figurinhas e contam que a paixão chegou bem rápido. Os assuntos foram fluindo entre signos, sobre a vida naquele período pandêmico… Por mais que demorassem um pouco para responder, gostavam de conversar com calma, atenção, e isso era algo que chamava atenção positivamente. Suélen conta que num dos dias durante as conversas, faltou luz na casa da Vanessa e ela mandou um SMS dizendo que não sumiu do nada, só estava meio incomunicável sem internet… e Suélen achou muito legal da parte dela, entendeu que ela estava se importando. A partir desse dia as conversas seguiram cada vez mais longas, até o momento que decidiram se encontrar pessoalmente - com cuidado e calma, por conta de ainda ser um momento de pandemia. O lugar escolhido para o encontro foi onde, anos depois, fizemos as fotos da documentação - mas ele era completamente diferente. Hoje em dia existe um shopping, na época era literalmente mato e a beira do rio, um lugar aberto, com árvores, gramado e a vista. Foi escolhido porque era perfeito para assistir ao pôr do sol. O dia do primeiro encontro foi o dia das namoradas, tomaram um café juntas e Suélen levou uma cartinha para Vanessa. Ela conta que, de alguma forma, sabia que iriam namorar. Antes de completar um mês do dia que tiveram o primeiro encontro, já assumiram o namoro. Estavam num shopping e entraram numa loja para olhar algumas alianças, quando comentaram com a atendente que nem estavam namorando ainda, só estavam de olho nos modelos e valores… Segundos depois, Suélen resolveu o problema: “Quer namorar comigo?” “Quero!”. Então pronto, agora podem ver os modelos já estando namorando. Para a família, Suélen já havia contado para a mãe e para as irmãs, que já estavam empolgadas para conhecer. O pai ainda estava na dele, ele via ela se arrumando para sair e comentava que ela iria encontrar um namorado, e ela afirmava que não era namorado, mas sabia que era um processo para ele entender e aceitar. Um tempo depois, Vanessa e a mãe de Suélen se conheceram numa ida ao shopping, tomando um café juntas, e a mãe deu a ideia de Vanessa ir à casa delas primeiro enquanto amiga, para o pai conhecer quem ela era primeiro, gostar dela, e depois processar que estavam juntas. Naquele dia, elas iriam dormir na casa da irmã da Suélen, até que quando saíram, o pai perguntou à mãe “ah, mas por quê elas vão dormir lá?” e a mãe respondeu “bom… tu sabes porquê”. Foi quando ele entendeu quem era a Vanessa. Como ele gostou dela logo de cara, mudou a postura e disse que não precisava dormir na casa da irmã, poderiam voltar e dormir ali, na casa deles. Foi um dia em que todos eles estavam aprendendo a se dar bem, medindo cada reação para tudo dar certo, todos meio sem jeito, mas entendem que foi legal da parte dele ter enfrentado o preconceito vendo como a filha estava feliz namorando alguém legal. E hoje em dia tudo já é muito mais tranquilo, tanto que eles se divertem e adoram a presença da Vanessa em casa. Para Vanessa, a aceitação em casa é mais difícil e caminha em passos diferentes. Sua família é bastante cristã, seu pai não sabe e sua mãe sabe, mas não acolhe. Passou muitos anos tentando tirar esse “demônio” que acredita existir na pessoa homossexual - e até Vanessa passou muito tempo não aceitando quem era. Hoje em dia, ela conhece Suélen, sabe que elas namoram e trata Suélen bem, inclusive é nítido que gosta de Suélen, o que ela não gosta é do fato delas namorarem. Mas entendem que isso também faz parte do processo de aceitação. Elas sabem que ela enxerga o quanto Vanessa é feliz no relacionamento. Tanto para Vanessa, quanto para Suélen, o que elas podem fazer é continuar mantendo esse amor existindo. O problema do preconceito é de quem tem o preconceito, elas sabem que isso vai amenizar com o tempo e com o afeto delas sendo demonstrado gerando coisas boas. Ainda que seja um processo difícil. Como tanto Vanessa, quanto Suélen ainda moram com os pais, ficam muito emocionadas quando percebem a família juntando algumas coisas e tratando elas enquanto um casal, pensando no momento de montarem o próprio lar. São duas mulheres que performam feminilidade então o tempo todo são tratadas como amigas. Os momentos que as pessoas e, principalmente, seus familiares, as entendem enquanto uma unidade familiar, significa muito. Contam que o pai de Suélen chama Vanessa de nora e já separou alguns kits de cozinha e decoração que ganha em promoções ou assinaturas de jornal e as presenteou dizendo ser para o lar quando morarem juntas. E, por mais que elas saibam que isso pode demorar um pouco porque querem estar formadas e com uma certa estabilidade, ficam muito felizes pela consideração e pelo apoio. Sentem que a relação dá certo pelo tanto que conversam. Quando não estão se encaixando, conversam com calma e decidem o que vão fazer sobre o problema em questão. No começo tinham muito receio das discussões, mas hoje entendem o fortalecimento disso. É como se uma “discussão”, ou melhor, uma “conversa séria” se torna um degrau a mais no relacionamento. Além disso, sempre buscam formas de manter a conexão, seja mantendo “dates” diferentes, presentes, palavras de afirmação… entendem suas linguagens de amor e querem que a relação seja leve com coisas boas, brincadeiras diárias, momentos felizes… mas principalmente com a segurança: não ter medo de que vá acabar o tempo todo, de poder confiar e poder contar uma com a outra para as coisas difíceis. Suélen explica que no começo, elas não sabiam viver uma relação que não fosse pisando em ovos, com medo da pessoa largar no primeiro deslize. Aprenderam juntas a ter uma relação realmente segura. E, para ela, um exemplo de amor seguro é o amor que sente pela família, que tá contigo independente das suas escolhas, porque te ama. Hoje em dia, enxerga Vanessa como sua família, um amor que se constroi ao longo do tempo e se projeta pra vida, sem medo de julgamento. ↓ rolar para baixo ↓ Vanessa Suélen
- Apoio Psicológico | Documentadas
O Documentadas oferece apoio psicológico para mulheres que amam mulheres e fazem parte da comunidade LGBT. saúde mental e apoio psicológico para mulheres de todo o Brasil Considerando a importância da representatividade para a construção da identidade de pessoas LGBTs e compreendendo as condições atuais do nosso país e do mundo, criamos no Documentadas uma rede de apoio psicológico. Através da psicoterapia ou da análise, uma profissional acompanhará, ouvindo e proporcionando um espaço de acolhimento para as vivências, sofrimentos e inquietações das mulheres que passam pelo projeto. Nesse primeiro momento, para atender mulheres que amam mulheres e que acompanham o projeto, criamos uma rede de psicólogas e psicanalistas que estão com vagas sociais para atendimentos individuais e online. Apostamos neste espaço porque sabemos o quão difícil é encontrar um ambiente seguro para ser escutada com atenção e cuidado. como funciona? Somos em dezoito profissionais - entre psicólogas e psicanalistas - e temos vagas à preços sociais, cada qual com a sua disponibilidade. Entendemos a importância de abrir essas vagas à valores mais baixos exatamente pela condição financeira particular de cada mulher e econômica que o país enfrenta. Estamos com o propósito de atender mulheres que precisam e que não encontram disponibilidade de atendimento de forma acessível nos meios particulares pagos. Toda mulher poderá se registrar na nossa plataforma acessando a área de login ao final dessa página. Assim, poderá fazer um cadastro dentro da nossa plataforma, consultando o perfil de cada profissional e a disponibilidade de horário/vaga que melhor se adapta à sua rotina. Todos os valores são iguais, o que difere na hora da escolha é a profissional identificada através do breve currículo e da sua disponibilidade. Assim que o prévio agendamento for realizado, o contato entre ambas será feito e a psicóloga mandará uma mensagem. Para ler maiores informações sobre a nossa Política de Privacidade e os Termos de Uso de plataforma, clique aqui ♥ nosso grupo de psicólogas e psicanalistas apoiadoras Viviane Psicóloga graduada pela PUCRS, especialista em Clínica Psicanalítica (UFRGS) e mestre em Psicologia Social na UFRGS. CRP: 07/23395 Maria Clara Goes Psicóloga mestra sobre saúde sexual de mulheres cis lésbicas, pela Universidade Federal da Bahia. Praticante da Psicanálise - CRP 03/27093 Marina Albuquerque Psicóloga graduada pelo Centro Universitário IESB e especialista em Psicologia Humanista. CRP-01/19203. Rayanne Moreira Psicóloga clínica, Pós-graduada em Gestalt-terapia. CRP 05/57973 Gabryella Neves Psicóloga Clínica, formada pela Universidade da Amazônia CRP 10/10695. Ariadne Sitaro Psicóloga Pós Graduanda em Gestalt Terapia e Reprodução Humana Assistida. CRP 02/28387 Júlia Psicóloga - Mestrado na Universidade Federal Fluminense em Psicologia. CRP 05/60076 Maria Célia Psicóloga clínica e social, PUC Minas (campus Poços de Caldas) e mestre em Psicologia pela UFMG. CRP: 04/78352. Mariana Milan Psicóloga formada pela Universidade Federal de Santa Catarina. CRP 12/26613 Ana Carolina Cotta Psicóloga pela Universidade Federal Fluminense - mestrado em Psicologia Social na Universidade do Estado do Rio de Janeiro. CRP 05/58463 Raquel Psicóloga formada pela Faculdade de Pato Branco/FADEP e pós-graduada em Gênero e Sexualidade CRP 12/23076 Camila Psicanalista. Membro provisório do Centro de Estudos Psicanalíticos de Porto Alegre/RS (CEPdePA) e Advogada Especialista em Direito Público Laís Tiburcio Psicóloga Clínica, Pós-graduanda em Gênero & Sexualidade, formação em Politica Nacional de Saúde LGBT. Estudos em Psicanálise. CRP 05/57276 Maria Freire Psicanalista pela Escola Letra Freudiana. Doutorado em filosofia. Deyse Van Der Ham Psicóloga - Especialista em Políticas Públicas e Assistência Social pela PUCRS. CRP 07/24426 Caroline Afonso Psicóloga formada em psicologia pela Universidade Luterana do Brasil Canoas/RS. CRP 07/38059 Gabriela Nunes Psicóloga formada pela UNISINOS e pós-graduanda em Psicologia Clínica pela PUCRS. CRP 07/41102 Talyta Psicóloga - graduada pela Universidade do Oeste Paulista (Unoeste) - estudos em psicanálise. CRP 06/169049 Priscila Dornelas Formada em 2022 pela UNIBRA – Centro Universitário Brasileiro. Atuo pela Abordagem Centrada na Pessoa. CRP 02/29904 Paula Psicóloga, formada pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro e pós graduanda em Psicopedagogia. CRP 05/63682 Thays Waichel Psicológa graduada pela Universidade Luterana do Brasil - Canoas/RS. Ênfase em Orientação Psicanalítica. CRP 07/37003 Jamyle Psicóloga - Mestrado em lesbianidades a partir de uma perspectiva interseccional, pela Universidade Federal do Ceará. CRP 11/18191 Ana Gabardo Pedagoga pela Universidade Federal do Paraná e psicanalista pela Associação Livre Centro de Estudos em Psicanálise Larissa Psicóloga formada pela Universidade Anhembi Morumbi em São Paulo. CRP 06/161422 Kíssila Psicóloga formada pela UFF e pós-graduanda em Fenomenologia Decolonial e Clínica Ampliada pelo NUCAFE. CRP 05/69513 Jade Psicóloga formada pela Uniritter - RS. CRP 07/34186 Ana Clara Ruas Psicóloga pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em Niterói. CRP 05/66226 quer ter acesso à terapia/análise ou entrar em contato com a profissional? clica aqui
- Vivian e Danielle | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Vivian é natural de Araranguá, cidade interiorana de Santa Catarina. Estava com 25 anos no momento da documentação e trabalha com marketing, sendo social media. Cursa faculdade de letras, adora cinema, música, literatura e tudo o que é relacionado à arte. Danielle estava com 20 anos no momento da documentação, é natural de Jacinto Machado, cidade interiorana catarinense, mas mora em Araranguá. Estuda educação física e deseja ser professora. No momento trabalha enquanto auxiliar de faturamento e no tempo livre adora praticar esportes, jogar videogame e desenhar. Por mais que agora tenham trabalhos distintos, Vivi e Dani se conheceram trabalhando no mesmo lugar sendo estagiárias de educação infantil, em 2022. Vivi conta que não gostava muito da Dani, achava ela chata, porque ela era estagiária de uma coisa só, enquanto Vivi precisava dar conta de muitas coisas ao mesmo tempo. Foi por causa das eleições presidenciais que começaram a conversar, sabendo dos seus posicionamentos políticos semelhantes. Dentro da escola, eram as únicas que possuíam um pensamento que não era conservador perante às eleições que se aproximavam. Conversavam sobre e se aproximavam através das ideologias em comum. Vivi ainda não sabia se realmente cedia para começar a gostar da Dani, primeiro como amiga, depois sentindo algo a mais… havia saído de um relacionamento héterossexual e passou por um processo para se ver sozinha e, depois, entender que estava gostando da Dani. Foi num passeio com os alunos da escola, quando Dani estava jogando bola com as crianças, caiu, e Vivi ficou muito preocupada… percebeu que sentia algo a mais. Na época a proximidade delas já era grande, Vivi ficava nas aulas de Educação Física auxiliando para estar mais próxima da Dani, brincavam com os alunos (e jogavam entre si)… Sentiam a relação crescendo naturalmente. Todos ao redor de Vivi tentavam dizer que ela não era uma mulher heterossexual, mas ela afirmava que era impossível. Hoje, percebe que só ela não havia percebido ainda - e que tudo bem, era o seu processo. Num dia, falou sobre isso numa rede social e Dani respondeu. Desde então, foram se permitindo acontecer enquanto um casal. Mas tudo levou o tempo que precisava levar, foi só em 2024 que ela se entendeu e assumiu de fato enquanto uma mulher que ama outra mulher. Na versão de Dani, o dia em que ela caiu brincando com as crianças sendo estagiária na escola também foi definitivo para entender que gostava da Vivi. Se sentiu meio solitária depois da queda, como se não tivessem dado muita bola, sendo que ela se machucou de verdade. E foi significativo Vivi ter se importado e realmente cuidado dela. Sente, também, que as crianças sempre souberam que as duas se gostavam - e sempre aceitaram. Não precisavam falar, não precisavam se justificar, era algo muito natural. Diferente das outras professoras e colegas, que eram preconceituosas, então precisavam esconder o máximo possível. Até quando assumiram o namoro, passaram a usar alianças e na escola não usavam ou disfarçavam. Tiveram algumas professoras com quem puderam contar - e alunos também, que sempre apoiavam, o que foi a salvação na maioria desse tempo. Como são pessoas jovens, sempre eram questionadas pelas outras professoras na escola, principalmente por uma delas estar com a aliança. Queriam ver fotos e saber “do namorado”. Foi mais de um ano de relacionamento vivendo uma realidade assim no trabalho, chegaram a morar juntas para facilitar a rotina por conta da casa da família da Vivi ser numa região mais central e Dani não precisar vir de tão longe para trabalhar e estudar, o que era melhor em alguns pontos, mas mais difícil para esconder o quão próximas estavam… até que saíram do estágio (em momentos diferentes) e puderam assumir o relacionamento de outra forma. Depois da escola, Vivi foi trabalhar em uma agência de marketing, ambiente totalmente diferente. Sente que não precisava se esconder, foi a primeira vez que chegou contando quem era e o relacionamento que tinha, sem restrição. E Dani voltou a morar com a família dela, comprou um carro, a qualidade de vida melhorou consideravelmente. Vivi conta sobre o quanto a relação com a Dani fez ela se enxergar de forma diferente. A autoestima dela não existia antes. Agora, conforme ela foi se conhecendo, conhecendo a Dani, permitindo que a Dani a conhecesse, foram evoluindo no amor de uma forma que ela nem sabia que poderia existir. Pôde se descobrir, ver quem era de verdade e encontrar um valor nessa existência. Antes não sentia que existia, agora sente que as pessoas vão gostar dela exatamente como ela é. Nas palavras de Vivi: “Tá tudo bem eu ser desse jeito. Inclusive pra ir comprar roupa, uma coisa básica, eu não conseguia escolher roupa. Eu não conseguia me olhar no espelho. E aí depois que ela apareceu, ela foi falando... Ai Vivian, tu é assim. Ai Vivian, te amo por causa disso. Eu gosto de ti por causa disso. Aí eu fui descobrindo que... Tudo bem, sabe? Agora eu consigo comprar roupa. Foi um processo que ela me ajudou muito. Com meu corpo, com as minhas inseguranças.” Para elas, o amor está no sentido mais completo, que abraça a família que possuem, os animais - a gata, o cachorro, o peixe, todos eles sendo da família - a forma que tratam e que são tratadas, como se incluem nos planos, em como tornam as pequenas coisas algo grande… Sempre foram mais fechadas, pessoas que não aceitam ajuda, não deixavam alguém fazer algo por elas porque davam conta sozinhas. Agora aprendem a compartilhar, entendem que não precisam ficar com todo o peso, soltam um alerta na comunicação quando está demais. E acreditam que nesses momentos o amor está presente também. No dia das fotos, Dani pediu Vivi em casamento, e foi uma honra para o doc ter participado desse momento. ♥ desejamos que esse amor siga feliz! ↓ rolar para baixo ↓ Vivian Danielle
- livro | Documentadas
Aline e Aya audio
- Alissa e Rafaela | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Foi num período em meio a pandemia que Rafaela decidiu submeter seu projeto para estudar mestrado em Santa Catarina, ainda sem esperanças, porque não conhecia ninguém na universidade e no Estado. Ela e Alissa moravam em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, e trabalhavam na área da saúde. Foi vivendo etapas longas do processo, e para a sua surpresa, passando em todas. Até que em dezembro de 2020 teve a resposta: foi aprovada! Se olharam e entenderam: “Vamos nos mudar para Santa Catarina!”. Organizaram toda a vida e no dia 7 de abril de 2021 estavam a caminho de Araranguá, cidade no interior do estado, onde começariam tudo de novo. Dizem que no começo foi difícil de “não endoidar”, era só elas, uma pandemia, a cidade conservadora e ninguém que conheciam. Mas aos poucos foram recebendo as visitas das suas famílias que adoram visitá-las por conta da praia (adoram tanto que parte da família hoje em dia se mudou também!) e criaram um grupo bem legal de amigos. Precisaram se apoiar muito, essa foi a base para tudo dar certo. Alissa voltou a estudar, desta vez em Criciúma, cidade próxima - e que hoje em dia é o lugar onde moram por conta da facilidade de mobilidade/trabalho/estudo - acharam fundamental se assumirem enquanto família, não escondiam mais quem eram, andavam de mãos dadas na rua, falavam nas entrevistas de emprego que tinham uma companheira, desde o início deixavam claro às novas amizades para combater o preconceito… Esconder-se não era mais uma opção. E, aos poucos, foram encaixando a vida nesse novo lar. No momento da documentação, Alissa estava com 25 anos. Ela é natural de São Luiz Gonzaga, no interior do Rio Grande do Sul. Estuda educação física e ama praticar exercícios. Antes de cursar educação física também estudou engenharia elétrica por 3 anos em Santa Maria, neste curso fez parte do time atlético de handebol e foi aí que começou a paixão pelo esporte. Rafaela, no momento da documentação, estava com 25 anos. É natural de Alegrete, também no interior do Rio Grande do Sul. É mestranda em ciências da reabilitação e pretende começar o doutorado em breve. Morou 7 anos em Santa Maria, onde fez faculdade e pós-graduação. Mudou-se para Araranguá, em Santa Catarina, por conta dos estudos, mas atualmente está em Criciúma, há cerca de um ano. Rafa nos conta que recentemente recebeu seu diagnóstico de TEA - transtorno do espectro autista - e que tem entendido mais as coisas depois que teve seu diagnóstico. Recebeu muito apoio da Alissa nesse momento, elas explicam que é muito difícil passar a vida inteira sendo algo que a gente não sabe o que é, não sabe nem nomear. Depois passou a entender suas oscilações de humor, ou sobre não gostar tanto assim do toque, de manter contato visual… Na relação, definiram detalhes para saber quando ela está bem ou não: como o bichinho de pelúcia, polvo do humor (Rafa coloca ele feliz ou bravo mostrando como está se sentindo no dia) e assim elas estão entendendo isso juntas. Em março de 2019, quando Alissa era atleta do time de handebol da faculdade, Rafa entrou como fisioterapeuta. Logo na primeira interação, Rafa achou Alissa muito chata: era domingo, 8h da manhã e ela chegou animada com uma lista em mãos… Rafa pensou: “Quem tá feliz num domingo de manhã?”. Na época, Alissa vivia um período de transição de entendimento enquanto mulher lésbica, achou a Rafa lindíssima, lembra que sentiu algo diferente e já comentou com uma amiga sobre. Os dias passaram e no final de semana de Páscoa elas precisaram viajar para jogar com o time, não teriam como visitar a família na volta e decidiram fazer um almoço em conjunto. Acabou que o almoço virou só delas. Conversaram muito e ficaram amigas. Por serem profissionais do time não podiam sair à noite, saiam escondidas. Demoraram um tempo para entender que não queriam ser apenas amigas, foi um processo natural de intimidade (e que Rafa, hoje com o entendimento de ser uma pessoa com TEA e TDAH, passa a visualizar diferentes os detalhes daquela época), tudo foi acontecendo até o beijo se tornar um desejo em comum. Depois que se beijaram, se relacionam um mês sem contar para ninguém, até irem se abrindo para os amigos e para algumas pessoas da família. Quando Alissa resolveu fazer o pedido, em junho do mesmo ano, preparou toda a casa, o quarto, fez várias coisas fofas… E na hora: travou. Brinca que era a primeira vez, ninguém a ensinou a fazer isso, não sabia o que dizer. Depois de algumas horas conseguiu pedir. Alissa e Rafa tiveram algumas questões logo no início do relacionamento, principalmente porque Alissa não estava mais indo para a faculdade e levando os estudos à sério. Na época, ela focava no handebol e em sair para bares, aproveitar a vida. Rafa, por sua vez, era bastante focada nos estudos e não queria se relacionar com uma pessoa que não desse o mesmo valor à carreira, então teve uma conversa séria da qual disse que faculdade pública não era bagunça, que alguém estava pagando por isso e que Alissa precisava “se ajeitar na vida” = ou ela contaria aos pais que não estava estudando, ou Rafa contaria. O problema é que se os pais soubessem que ela desejava cursar educação física, iriam fazer com que ela voltasse à sua cidade natal e estudasse lá. E se ela contasse, também, que estava namorando uma mulher, seria informação demais para assimilar ao mesmo tempo. O processo todo levou 8 meses para acontecer, e nesse meio tempo, a mãe da Rafa estava visitando ela e deu a ideia: “Chama a Alissa para morar aqui!”. Antes mesmo dela processar, Alissa chegou lá e a mãe mesmo fez o convite. Aos poucos a família foi entendendo - e reconhecem como é muito bom ter uma família que ama e apoia. Ao passar dos meses Rafa conseguiu um emprego para Alissa de secretária no mesmo lugar que ela trabalhava enquanto fisioterapeuta, e assim viveram até o final do ano. Quando a pandemia de Covid-19 chegou, no início do ano seguinte, seguiram trabalhando por ser da área da saúde, mas já estavam com a vida mais estável financeiramente e batalhando pelos estudos. Hoje em dia, entendem com clareza que Rafa trouxe a calmaria para Alissa, enquanto Alissa trouxe um pouco mais de agitação para a Rafa. A relação tirou ela de vários lugares (de conforto ou não) e trouxe um salto qualitativo. Alissa estava sem perspectiva, depressiva, Rafa a trouxe um novo olhar. Durante a nossa conversa, refletem que se não fosse a relação, talvez elas ainda estivessem naquela realidade ou vivendo ciclos de suas famílias, e que hoje saíram para crescerem juntas, estão muito maiores. No momento atual da documentação, já morando em Criciúma, vivem uma rotina mais tranquila. Sair de Araranguá foi decisivo para isso acontecer, lá estavam tendo horários bem difíceis e mal se encontravam perante as rotinas. Estão noivas, fizeram a primeira grande viagem juntas e estão construindo novos planos. Acreditam que celebrar o amor com uma festa de casamento é o que elas merecem por estarem há 5 anos construindo esse amor. Brincam que adoram ser emocionadas, que no começo as pessoas falavam que isso iria passar, mas que até hoje fazem café da manhã e levam na cama, gostam de estar juntas e alimentam essa paixão. Sentem que fazer isso é manter o propósito do amor - e por consequência, da vida. Alissa sempre se questionou muito sobre sua capacidade, enquanto Rafa sempre foi muito decidida, então aprende muito com ela. Rafa segura a sua mão e fala: “Vai, você consegue”. Agora constroem um legado juntas. “É: nós por nós”. Se apoiam nos medos, transformam em coragem. ↓ rolar para baixo ↓ Alissa Rafaela
- Ariadne e Barbara | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Barbara estava com 35 anos no momento da documentação. Natural de Recife, mora na casa em que fizemos a documentação desde que nasceu. É psicóloga, atende casais e trabalha também numa luderia - uma casa com jogos - que começou como um grande hobby e que se tornou um empreendimento com mais dois amigos. Lá é um dos lugares onde ela e Ari se sentem mais felizes, junto com os amigos, descobrindo novos jogos ou jogando os mesmos de sempre que adoram. Bárbara também é apaixonada por sua família e por seus bichos. Ariadne estava com 33 anos no momento da documentação. É formada em publicidade e também em psicologia, atua enquanto psicóloga atendendo na área da gestalt terapia (inclusive atende no documentadas!). É natural do Rio de Janeiro, mas cresceu em Recife e entende que precisou ser adulta muito cedo, saindo de casa e encarando a vida. É apaixonada por jogos, por literatura, crochê, artesanato… está sempre aprendendo algo novo. Em 2018, quando Ari e Barbara se conheceram, Ari estava num relacionamento que já durava cerca de seis anos com um homem e havia uma mudança planejada para São Paulo para morarem juntos. Fez uma entrevista de emprego, conseguiu passar, estava com a data marcada para começar o trabalho. No processo da ida para São Paulo, decidiram abrir a relação, já que estavam longe, e Ari entrou em um aplicativo de relacionamentos. Foi quando viu uma pessoa que estudava com ela na faculdade - a Barbara. Porém, na sala de aula, Ari não interagia com os colegas, ficava no seu canto e não chamava atenção. Quando começaram a conversar no aplicativo, Barbara não lembrava da Ari ser sua colega, e a foto da Ari era meio escura, não mostrava muito seu rosto porque ela não queria se expor… Barbara até sondou com os amigos: “Gente, quem é essa pessoa?!” mas ninguém soube dizer… até que uma amiga em comum a reconheceu. Durante o final de semana elas conversaram e marcaram um encontro na terça-feira, mas segunda iriam se ver na faculdade de qualquer forma e ficaram nervosas porque não sabiam como reagiriam. Brincam que foi a coisa mais vergonhosa que já fizeram, não se cumprimentaram na sala, Ari chegou a sentar próximo da Barbara/do grupo de amigos dela e piorou a situação porque o celular da Bárbara quebrou e ela queria uma forma de comunicar Ari sobre isso, mas ao invés de simplesmente dizer para ela, escrever um bilhete ou qualquer coisa semelhante, ela resolveu falar muito alto “EITA galera!! Meu celular quebrou!!!” jogando o celular no chão. E depois, deu todo um jeito de conseguir o número dela com um amigo, para falar com ela sobre o encontro. Hoje em dia dão muita risada sobre a imaturidade, era realmente só falar, mas faz parte do nervosismo que estavam tendo com a situação. Ari conta que Barbara foi o primeiro encontro dela tendo um relacionamento aberto, e ainda era a menina da sala dela na faculdade… Isso era motivo o bastante para estar ansiosa. Fumou um cigarro antes de chegar, depois se arrependeu por conta do cheiro do cigarro que iria ficar na roupa… Já chegou falando “Eu não fumo!! Isso aqui é de vez em nunca!” antes mesmo da Barbara perguntar. Tiveram um encontro muito bom, Ari contou que estava com a viagem marcada para ir embora, a conversa fluiu por muito tempo, passaram a madrugada e viram o dia amanhecer. Quando se despediram, falaram que se encontrariam na faculdade à noite e combinaram: como se cumprimentar, como agir. Para que não se repetisse o que aconteceu na segunda-feira. Continuaram se encontrando na faculdade, tendo o romance “com prazo de validade”, até que um dia estavam voltando da aula, Ari olhou e disse: “Eu nem vou mais viajar pra São Paulo” numa naturalidade imensa. Ari explica que percebeu o quanto o relacionamento não era um lugar bom, que estava há muito tempo querendo sair e que abrir para conhecer outras pessoas foi quase que uma fuga para que seu ex companheiro arrumasse alguém e conseguisse ficar em São Paulo sendo feliz, assim a barreira física não seria mais um problema. Percebeu que estava apaixonada por Bárbara, que não fazia sentido dar continuidade na mudança e nem que estava preparada para se mudar e mudar toda sua vida. Decidiu primeiro cancelar a mudança, não terminar a relação de imediato, mas cancelar os planos. Ari contou para o ex companheiro que estava se relacionando com Barbara e aos poucos foi ficando evidente o quanto elas estavam juntas, até o momento em que entenderam que seria melhor terminar. Barbara conta que durante esse processo, aconteceram dois momentos importantes: o primeiro foi um dia que elas se embriagaram e se declararam, entenderam que não era uma paixão momentânea e que estavam sentindo algo real, mesmo sendo sinceras porque estavam bêbadas. E a segunda situação foi durante uma cerimônia de Ayahuasca, em que conversaram e que Ari estava incomodada por não terem uma definição sobre o que elas eram. Bárbara foi muito direta: “Você namora e eu estou solteira. Quando você resolver sua vida, a gente namora.” e no dia seguinte Ari terminou sua relação. Entendem que, no fim, o processo foi intenso e rápido. Viveram outras relações longas que exigiam muito menos coragem. E juntas, desde o primeiro dia, fizeram coisas que em outros relacionamentos não conseguiram fazer: andar de mãos dadas com outra mulher na rua, por exemplo, de uma forma muito natural, espontânea, corajosa. Apresentaram suas famílias, ficam felizes por todos se darem tão bem e conviverem juntos, romperam muitas barreiras de forma rápida. Depois de um ano de relação, Ari e Bárbara viveram a pandemia de Covid-19 ainda morando em casas separadas, mas Ari passou um tempo morando sozinha e por conta das dificuldades que a pandemia demandava em mobilidade decidiram passar mais tempo juntas na casa dela ou na casa de Barbara. Decidiram morar juntas por um tempo no fim da pandemia, até que Ari devolveu o apartamento e conversaram sobre alugar um apartamento e formar um lar. Viram que os custos eram bastante altos, então o pai de Barbara ofereceu parte da casa onde ele mora - e lugar que fizemos a documentação - para que elas morassem com os bichos em um lugar espaçoso e confortável. Estão há pouco mais de dois anos morando juntas nesse novo lar e há cerca de um ano e meio abriram a luderia, casa de jogos de tabuleiros que empreendem junto com outros dois amigos. A ideia surgiu porque durante a pandemia começaram a alugar alguns dos seus jogos, entenderam o potencial e a demanda, ainda mais por não haver algo assim em Recife, foi quando abriram o espaço físico junto com um bar. Contando sobre a luderia, elas dão um exemplo de como se dão bem na comunicação e nos planos: numa situação, ficaram muito tempo tentando explicar uma coisa uma para a outra. Ari tentava explicar sua visão e não entendia a visão da Bárbara de jeito algum, enquanto Bárbara passava pelo mesmo, mas elas não desistiram de tentar se comunicar. Foi quando Bárbara disse como era legal ver o quanto elas se esforçaram para ouvir e falar, explicar os pontos, serem didáticas, até desenharam. Acreditam que isso se espelha em toda a relação e na forma que conduzem as coisas. Nunca tiveram brigas pesadas, sempre prezam pelo respeito e pelo carinho, acreditam que o amor está nesse lugar que respeita quem a pessoa é e acompanha o crescimento dela. ↓ rolar para baixo ↓ Barbara Ariadne
- Cynhia e Leylane | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Cynthia estava com 33 anos no momento da documentação, é natural de Recife, nascida e criada no bairro que fizemos as fotos: em Santo Amaro, na Universidade de Pernambuco. Formou-se em Educação Física, mas hoje em dia trabalha na área de finanças individuais e comportamentais, junto da sua companheira Leylane, que no momento da documentação estava com 38 anos, também formada em Educação Física e que além de atuar na questão financeira sendo consultora e ensinando organização e planejamento financeiro pessoal, também faz parte da saúde pública integrada ao SUS num serviço chamado Academia da Cidade. Leylane entrou na faculdade de Educação Física em 2005, fazendo o curso de licenciatura, depois especialização, bacharelado e mestrado. Como a universidade faz parte da sua vida há tantos anos e gosta muito desse espaço, passava muito tempo por lá. Cynthia, por sua vez, fazia parte de um projeto social da universidade que trabalhava com crianças e adolescentes da comunidade - ela, no caso, uma moradora da comunidade, frequentava a universidade antes mesmo de ser uma aluna. Ou seja, ambas viviam na universidade tanto tempo que nem sabem dizer quando de fato se conheceram, é como se sempre estivessem ali. Por mais que exista 6 anos de diferença na idade entre elas, ainda eram muito jovens e Cynthia, alguns anos depois (em 2011) passou para o vestibular. Nesse momento, todos já se conheciam - ela era amiga tanto dos professores, quanto dos amigos em comum da Leylane - e torciam para ela entrar no curso de educação física. Nessa época, Leylane já havia se formado em licenciatura e cursava bacharelado, foi quando se encontraram enquanto colegas. Leylane conta que se reencontraram num dia que ela foi jogar handebol e Cynthia fazer uma aula de dança, soube que ela estudaria na Universidade e parabenizou, disse que seria muito legal estudarem juntas… Quando as aulas começaram, ficaram na mesma turma e começaram a passar mais tempo do que imaginavam conversando. Leylane chegava do trabalho e Cynthia separava uma cadeira ‘de pessoa canhota’ para ela sentar, sempre faziam os trabalhos de aula juntas, passaram o semestre todo muito próximas, conversavam muito por SMS e, na época, “Oi Torpedo”… Até então se viam apenas como amigas, até que um dia conversaram sobre essa amizade estar “muito colorida” e sobre o medo do que poderia acontecer. Pensaram: “É muito bom, mas se melhorar estraga, então acho melhor ser só isso mesmo.” Porém, ao mesmo tempo, não queriam ficar longe uma da outra. Cederam à vontade e ficaram juntas. Mesmo com medo e pensando que não daria certo, dez dias se passaram e ficaram novamente. Desde então, continuaram. No início não nomearam aquela relação - ou o que sentiam. Aos poucos, como se entendiam enquanto mulheres heterossexuais, chegou num momento que conversaram sobre e decidiram não manter relações com os homens que mantinham antes, até porque iriam se machucar se continuassem. Eram muito mais felizes juntas, não precisavam de nenhum tipo de heterossexualidade compulsória. Todo o relacionamento de Cynthia e Leylane, no começo, era em segredo. Havia muito medo sobre o que as pessoas iriam dizer - elas mesmo estavam descobrindo aquele sentimento, tudo era novidade, e lidar com julgamentos não seria algo fácil. Só dois amigos sabiam (os mais antigos) e desde antes mesmo delas se relacionarem eles sentiam que existia algum sentimento ali e já “avisaram” sobre, então de alguma forma demonstraram apoio (e até hoje são amigos). Como outros amigos e, principalmente familiares, não imaginavam, o refúgio e local seguro delas era o campus da Universidade. A faculdade de educação física se tornou o lugar onde poderiam estar juntas sendo quem elas são, num cantinho - e, durante a documentação, lembram saudosamente os lugares que sentavam e ficavam juntas passando o tempo - só para poderem viver sem esse julgamento. Cerca de 6 meses depois, a mãe da Cynthia acabou descobrindo o namoro e, por mais que no momento ela tenha negado, no dia seguinte resolveu contar a verdade. Na hora, a relação dela foi bem ruim, disse coisas difíceis de ouvir, e mesmo gostando da Leylane (porque a conhecia enquanto amiga da Cynthia) verbalizou que preferiria ver sua filha se relacionando com uma pessoa que não tivesse uma boa vida (se envolvesse com drogas, por exemplo). Na hora, Cynthia defendeu a relação que elas possuem e a realidade da comunidade onde viviam, então saiu e buscou ajuda na casa de uma amiga. Um dia depois, a mãe da Cynthia contou para a mãe da Leylane e, por mais injusto que fosse elas não terem tido o momento e o processo do seu próprio tempo para conversarem com suas famílias sobre seus relacionamentos, foram proibidas de se encontrar. Novamente, a faculdade seguia sendo o refúgio dos encontros. Depois de cerca de quatro anos e diversas formas de lidar, Cynthia e Leylane foram seguindo o relacionamento e enfrentando o preconceito familiar, até que a mãe de Cynthia cedeu e resolveu voltar a aceitar Leylane em sua casa. Foram anos se encontrando na faculdade, na casa de amigos - que sempre foram grandes parceiros e colaboraram para que elas tivessem locais seguros onde ficar - ou em pousadas por Olinda e Recife. Aos seis anos de relação, Leylane passou em um concurso na cidade de Moreno. Financiaram um apartamento numa cidade próxima, Jaboatão, região metropolitana de Recife, e se mudaram. Brincam que queriam tanto morar juntas que já tinham um móvel em casa (guarda-roupa) que guardava só coisas de cozinha (panela, colher, vasilhas…) esperando o momento chegar - e entendendo que não teriam ajuda para a mobília. Então de tempos em tempos compravam coisas e guardavam. Conseguiram, no fim, alguns presentes da família - como eletrodomésticos - e ficaram bem felizes por isso. Em 2018, alguns anos depois, oficializaram o casamento com os documentos e direitos civis respeitados, pensando na importância que isso representa por serem respeitadas enquanto uma unidade familiar. Não iriam fazer festa, mas a mãe da Leylane deu a ideia de comemorarem com um bolo de noivas, chamou alguns familiares; O primo cozinhou, a prima ajudou, alugaram um salão de festas, compraram bebidas e comemoraram como mereciam. No momento da documentação, Cynthia e Leylane já estavam morando em Recife novamente. Desejavam trabalhar com algo que fosse delas, mesmo na área de educação física, e quando Cynthia conheceu o marketing digital e a educação financeira entendeu que gostava de trabalhar nessa área. Leylane havia feito alguns cursos de finanças para uso pessoal, administrando as próprias contas e sempre soube ensinar por conta de ser professora, então resolveu começar a compartilhar os estudos… foi assim que acabaram entrando de vez na área. Admiram o quanto dão certo trabalhando juntas e acreditam que isso é reflexo de tanto tempo de relação e de tudo o que já enfrentaram nesses anos. Ficam muito felizes quando veem os amigos e os familiares admirando o amor que possuem, quando voltam na universidade e os professores ficam felizes em revê-las depois de tanto tempo, sabendo que esse amor começou ali. Hoje em dia adoram andar de bicicleta, ler, sair para beber, dançar pagode, reunir os amigos, conversar (problematizar as coisas… inventar conversas complexas) ou compartilhar os assuntos que estão lendo. Confessam, também, que adoram passar o tempo trabalhando juntas. ↓ rolar para baixo ↓ Cynthia Leylane
- Claudia e Vanessa | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Cláudia estava com 54 anos no momento da documentação. É natural de Castanhal, interior do Pará, mas mora há anos em São Miguel do Guamá e é apaixonada pela cidade e pela região. Sua vida sempre foi atravessada pela arte, caminho que se intensificou quando morou em São Paulo por 15 anos. A mudança inicialmente era temporária, planejada para apenas dois anos de trabalho, mas acabou se prolongando quando ela decidiu continuar morando lá. Antes mesmo de se sentir sozinha em São Paulo, encontrou acolhimento na comunidade budista (que já fazia parte desde sua moradia no interior paraense) e decidiu seguir na capital, sabendo que tinha com quem contar. Nesse período, ingressou em uma escola de cerâmica, primeiro como agente administrativa. Aos poucos, sua curiosidade pela prática cresceu, até que se aproximou do laboratório e do torno. Um dia, vendo o laboratório vazio enquanto limpava, se arriscou e sentou para moldar uma peça. Como ela mesmo diz, “levantou” a peça do barro. E surpreendeu: quando voltaram, perguntaram quem foi que havia feito aquilo, pois havia ficado muito bom. O fato é que enquanto outros levavam anos para conseguir levantar a primeira forma, ela, apenas observando o processo, levantou de primeira. Apaixonada pelo barro, a cerâmica passou a ocupar um lugar central em sua vida. Depois de cinco anos distante do Pará, sem contato com conhecidos da região, decidiu retornar. Foi nesse reencontro com suas raízes que retomou o contato com a Vanessa (que conhecia desde criança). E é nessa volta que mais um momento da vida delas se cruza, mas não chega ainda a caminhar lado a lado. Vanessa e Cláudia se conheceram ainda crianças, quando tinham seis e nove anos. Cresceram muito unidas e, na pré-adolescência, a ligação entre as duas era tão perceptível que a mãe de Cláudia decidiu afastá-las, mandando ela para Manaus, com a desculpa de que iria trabalhar. O que seria uma temporada curta, apenas uma viagem como um experimento, acabou se estendendo por dois anos. Mesmo assim, sempre que Cláudia retornava (dessa ou de outras viagens que vieram a acontecer com frequência), as duas encontravam formas de se falar, ainda que de maneira breve e improvisada. Na adolescência e já adultas, mantiveram os encontros, guiados pelo boca a boca das pequenas cidades - todo mundo contava que Cláudia estava chegando, seja de barco ou de ônibus, até porque não havia celular ou internet para que se comunicassem. E nisso, havia também os desencontros: vez ou outra, Vanessa sabia tarde demais, Cláudia já havia partido de volta. Essa história, que foi se estendendo por boa parte da vida delas, também foi marcada por afastamentos. Ambas viveram outros casamentos, outras relações, construindo trajetórias paralelas. Um episódio marcante aconteceu quando tinham cerca de 30 anos: se reencontraram em Santa Maria, no interior do Pará. Cláudia chegou uma semana antes do que havia avisado à família, apenas para garantir o encontro com Vanessa, não deixando ninguém imaginar. No momento da documentação, Vanessa estava com 51 anos. Nascida em Salinas, vive há muitos anos em São Miguel do Guamá e também é apaixonada pela cidade e pela região. Foi pioneira numa das principais rádios locais, é uma figura importante falando sobre os direitos da mulher na cidade e tem diversas histórias relacionadas às figuras políticas locais. Sua trajetória e de Cláudia se entrelaçam o tempo todo com as histórias da cidade, afinal, desde que estão juntas dedicam todo o seu tempo para melhorar o lugar em que vivem. Vanessa lembra de uma cena que marcou a relação e a juventude delas: a mãe de Cláudia procurando sua mãe, conhecida como ‘Tia Alice’, para propor um trato: “Fique de olho na Vanessa, que eu vou ficar de olho na Cláudia, porque nessa idade pode acontecer qualquer coisa”. Para Vanessa e Cláudia, ainda adolescentes, aquilo foi doloroso e confuso. Não compreendiam ao certo o que havia por trás da vigilância. Faltava conhecimento, consciência e até mesmo uma certa malícia. Não sabiam nomear o que sentiam. Com o passar dos anos, Vanessa se casou, mas quando sua mãe adoeceu enfrentou muitos problemas na relação. A pessoa com quem se relacionava entendia que o adoecimento da mãe era um problema só dela e, por isso, ela não via mais sentido na relação, não se sentia numa relação de parceria. Nesse período, do nada, enquanto estava no hospital com a mãe, recebeu um telefonema: de Cláudia. Ela chegou a duvidar do que via na tela do telefone. “É você mesmo?”. Claudia chegou não só trazendo a lembrança de algo que ainda estava vivo, mas a companhia de poder compartilhar o cuidado, o carinho. Juntas, viveram o tempo do cuidado à mãe de Vanessa até ela falecer. Foi nesse reencontro que o amor, tantas vezes interrompido, reencontrou também seu espaço para existir. A mãe de Cláudia nunca conseguiu compreender como esse amor sobreviveu a tantas tentativas de separação - ela mesmo confessa. Hoje, porém, dá o braço a torcer e reconhece a força de um sentimento que resistiu ao tempo e às distâncias. Vanessa e Cláudia, por sua vez, também não sabem explicar com exatidão como, depois de tantos desencontros e caminhos diferentes. Talvez, precisasse mesmo ser assim. O que importa é que agora vivem “a vida é de nós duas”, como elas mesmo dizem, sem a necessidade da aprovação ou opinião de terceiros. Com a decisão de viverem juntas, assumiram não apenas o relacionamento, mas também uma paixão em comum: a cerâmica. Aos poucos, foram conquistando espaço e reconhecimento na cidade, criando laços através do trabalho artístico. Mantiveram seus empregos formais, mas logo passaram a ser conhecidas como ceramistas talentosas, com diversas encomendas. Há cerca de oito anos, Vanessa adoeceu. Foi diagnosticada com uma doença raríssima, esclerosante e degenerativa, somada à fibromialgia. O quadro grave fez com que Cláudia precisasse deixar o trabalho para cuidar dela em tempo integral, numa rotina com muita incerteza e sofrimento. No começo, desmaiava muitas vezes por dia, foi cogitado estar com câncer durante oito meses e chegaram a se despedir algumas vezes antes de terem o diagnóstico correto, mas Cláudia sempre dizia o quanto elas batalharam muito para ficarem juntas, não era agora que ela ficaria sozinha. Depois do diagnóstico e de acertarem os remédios, Vanessa respondeu com firmeza: teve uma melhora e pode seguir o tratamento em casa. Sem poder trabalhar e enfrentando limitações severas, elas sobreviveram graças às doações dos amigos. Pessoas das cidades vizinhas se mobilizaram, trazendo frutas, legumes, roupas e alimentos de bicicleta, partilhando o que tinham em suas casas. Mesmo sem nunca pedirem, a rede de afeto se formou de maneira natural, mostrando como eram queridas e como o amor que construíram ao longo da vida foi retribuído. Hoje, a doença está mais controlada, ainda que não consigam seguir uma rotina de trabalho, conseguem produzir algumas peças de cerâmica. A casa foi adaptada, o ateliê também. Celebram a chance de viver plenamente um amor que resistiu a tantas tentativas de apagamento e sentem a realização não só por estarem juntas, mas por verem o amor transbordando para os amigos, aproximando a família e inspirando os que conhecem suas histórias. ↓ rolar para baixo ↓ Cláudia Vanessa
- Emilly e Thuane | Documentadas
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Tabata Thuane no momento da documentação estava com 33 anos, é natural de Paulista, na região metropolitana de Recife. É formada em design de interiores, mas acabou seguindo os passos da família de músicos e se dedicou à música e à cultura. Estudou violão no conservatório, além de canto e percussão, e hoje se apresenta em restaurantes e hoteis do Recife, além de construir uma forte atuação na cena cultural das cidades de Olinda e Recife entre dança, percussão e carnaval. Uma de suas maiores conexões com a tradição vem do pastoril, dança natalina de origem portuguesa que aprendeu com a avó e transformou em um bloco que percorre as ruas no Natal. Lá, também ensina percussão, e foi nesse caminho que se aprofundou no frevo, na ciranda e no maracatu. Hoje, divide o palco e a dança com Emelly, tocando juntas no pastoril e em diversos blocos desde ciranda, maracatu, coco e xaxado, onde Thuane cuida da harmonia e Emelly assume a percussão. Emelly estava com 22 anos no momento da documentação. Nasceu em Olinda, mas hoje mora em Paulista com Thuane e Otto, o filho delas. Estudante de pedagogia, trabalha na área e tem uma paixão especial por atuar com crianças neurotípicas. Paralelamente, dedica-se à cultura popular, tocando percussão nos blocos e eventos onde se apresentam. Além disso, adora maquiar, pintar o rosto, ler e escrever, mas reconhece que, no momento, toda a atenção e energia estão voltadas para Otto e para a construção de uma maternidade cuidadosa e afetuosa ao lado de Thuane. A música e a cultura popular são o elo que fortalece a relação das duas, mas entendem que o que vivem hoje vai além dos palcos e blocos. Enxergam a família que construíram como um reflexo da tradição e do amor que carregam, tanto na dança e no som, quanto na dedicação diária à criação de Otto. Encontraram na música um ponto de encontro, mas é no dia a dia que constroem, com cumplicidade, os laços mais importantes. Em 2019, Thuane entrou para o grupo percussivo Tambores de Saia, em Olinda, um coletivo de samba reggae formado apenas por mulheres. Incentivada pela namorada do pai, mergulhou na experiência e logo se encantou com a força do grupo. No fim daquele ano, conheceu Emelly tocando lá. Fizeram amizade rapidamente, descobriram amigos em comum e começaram a se aproximar. No início de 2020, ficaram pela primeira vez. Durante o carnaval, ainda estavam se conhecendo, mas então veio a pandemia de Covid-19. Emelly, recém-completados 18 anos, e Thuane, morando em lugares diferentes, decidiram se isolar juntas. Emelly ainda vivia com a família, enquanto Thuane morava com o pai, que sempre foi muito tranquilo e a recebeu em casa. Desde então, a relação seguiu crescendo e hoje as duas moram juntas num lar só delas - agora com Otto, que chegou transformando tudo. Elas contam que foi desafiador iniciar um relacionamento no meio do caos, com a sensação de que o mundo estava acabando. Entre elas, não houve grandes conflitos - sempre conversaram muito e se entendem bem. Mas o período trouxe desafios familiares: a irmã de Thuane também se mudou para a casa com os filhos pequenos, tornando a rotina intensa. A pandemia trouxe dificuldades, eram desafios novos para todas as pessoas e elas, enquanto trabalhadoras da cultura, estavam totalmente sem renda, precisaram inventar outras formas de conseguir financeiramente se estruturar. A prefeitura até fez algumas apresentações online na época festiva do São João e assim elas conseguiram algum retorno, mas nada se comparava à vida presencialmente, o que ajudou mesmo a segurar as pontas foi a família. Hoje, comentam ao olhar para trás, que a sensação é como se já possuíssem uma relação de muitos e muitos anos, pela maturidade que precisaram construir tão rápido para passar por todos aqueles momentos (e pelos que viriam em seguida). Com a chegada das vacinas e uma leve estabilização da pandemia, Emelly e Thuane começaram a reorganizar a vida. Para garantir uma renda, passaram a personalizar kits de festa e entregá-los para quem comemorava em casa. O trabalho deu certo e, pouco depois, conseguiram finalmente conquistar o próprio lar, mudando-se para um espaço só delas. Aos poucos passaram a refletir sobre a maternidade, um sonho antigo que haviam deixado de lado por conta de frustrações por relacionamentos anteriores. A adoção sempre foi a primeira opção, pois nenhuma das duas pensava em gerar. No entanto, quando entenderam que seriam boas mães, começaram a pensar de fato na adoção e em todas as outras alternativas. Além do pensamento, partiram para a ação: foram estudar qual o processo e, tão importante quanto, o custo de cada processo. Foi assim que chegaram à opção da inseminação caseira. Queriam ser mães ainda jovens, mas também precisavam conciliar os estudos e outras responsabilidades. Pesquisando no YouTube sobre inseminação e o processo via SUS, entenderam o valor e o quanto isso demorava, assim como o processo de adoção. Diferente da inseminação, entre as pesquisas, encontraram grupos de doadores. Estudaram os critérios com cuidado, até que localizaram um doador e tiveram o primeiro contato. Para encontrar o doador, contaram com o apoio de uma rede de amigas e marcaram o encontro na casa de uma delas. Não queriam passar por esse momento sozinhas, então se cercaram de mulheres que as acolheram e tornaram tudo mais leve. O doador foi até lá, elas até prepararam alguns doces para ele como presente, e depois passaram a noite na casa da amiga, garantindo que tudo acontecesse de forma segura e tranquila. Ainda incrédulas com a situação, deram risada juntas, sem imaginar que daria certo de primeira. Mas, para a surpresa e felicidade delas, a gravidez vingou e Otto chegou ao mundo. Queriam um nome simples, mas composto, e escolheram Otto José. Embora já estivessem juntas há um tempo, fizeram questão de celebrar o casamento com uma festa como mereciam. Cada detalhe foi feito com as próprias mãos e com a ajuda da família: serraram troncos da rua para a decoração, a irmã preparou o buffet, a prima fez o bolo… tudo foi construído em conjunto. No mesmo dia, fizeram o chá revelação. A família inteira estava certa de que seria uma menina (ou até gêmeos!). Quando descobriram que era um menino, se olharam sem entender e até brincaram: "Emelly, sorri, senão vão achar que não gostamos!". Hoje, Otto é uma criança curiosa e esperta, sempre explorando o mundo ao seu redor. Como não tem contato com telas, elas percebem que ele está sempre em busca de algo novo, o que torna cada descoberta mais especial. Desde experimentar comidas diferentes até interagir com as pessoas… ele se mostra um bebê livre e sociável. E, com duas mães ligadas à música e à cultura, não poderia ser diferente: Otto já ama tambores, batucadas e tudo o que envolve ritmo e som. Emelly e Thuane enxergam o amor na forma como Otto expressa carinho no dia a dia. Apesar de ser agitado, é um menino extremamente afetuoso, que as enche de beijos, pega no rosto e faz carinho nelas. Vivem uma relação de parceria genuína, na qual tudo é dividido de maneira natural e equilibrada. Observam que, em muitas relações heterossexuais, a carga recai quase toda sobre a mulher, e quando o marido participa, muitas vezes é por obrigação. Com elas, tudo acontece por escolha e desejo. Brincam que estão sempre fofocando, rindo e se entendendo, sem precisar dizer muito. Para elas, nunca é apenas Emelly ou apenas Thuane - são sempre três: Emelly, Thuane e Otto. Por onde passam, são reconhecidas assim, como uma família. Sentem que, após o nascimento do Otto, algumas amizades se afastaram e a rotina mudou, pois não frequentam mais os mesmos espaços de antes. Ainda assim, quando são convidadas para algo, a inclusão é sempre dos três, e isso reafirma o significado de família para elas. Gostam de ser vistas como essa unidade, onde o amor e a presença são inquestionáveis. Desejam que Otto cresça como uma criança livre, que possa viver com autenticidade e alegria. Embora saibam que ele enfrentará muitos desafios por ter duas mães, esperam que a base de amor e segurança que constroem todos os dias seja mais forte do que qualquer preconceito. Querem que ele enxergue a própria história com naturalidade, carregando consigo a certeza de que foi muito desejado. ↓ rolar para baixo ↓ Thuane Emilly
- Carol e Andressa
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT. Carol estava com 26 anos no momento da documentação. É natural de Campo Mourão, no interior do Paraná. Já passou pelos estudos enquanto gastronomia e psicologia, mas se encontrou mesmo na perfuração corporal, antes da pandemia de Covid-19 começar. Faz cerca de 5 anos que está morando em Maceió. Ama cozinhar, passar o tempo com o Treva, gatinho que trouxeram do Paraná (e que é mascote do estúdio) e a Mel, que adotaram já morando no nordeste. Adora ir à praia e conhecer lugares novos. Andressa estava com 33 anos no momento da documentação. Também é natural de Campo Mourão. Formada em publicidade e propaganda, trabalhou oito anos na área, mas sentia que sua vida era só ficar no computador, foi quando decidiu ir para Maringá, cidade próxima de onde nasceu, e começou a trabalhar com tatuagens, junto com um amigo que trabalhava como tatuador. Juntos, abriram um estúdio na sua cidade natal, em 2017. Nessa época, Carol e Andressa se conheceram através dele, o famoso - e temido por muitas - rebuceteio: se conheciam por conta das suas ex. Andressa soube que a Carol estava solteira porque falavam que ela era muito legal e muito bonita. Elas se conheceram, se deram bem, começaram a se envolver e nem perceberam de fato quando já estavam namorando. Tudo aconteceu. Pouco antes da pandemia de Covid-19, Carol e Andressa já dividiam a vida e os negócios. Andressa tocava o estúdio de tatuagem durante o dia, enquanto Carol botava a gastronomia em prática à noite, servindo pizzas em pedaços no bar. A rotina era intensa, mas funcionava. Maceió sempre esteve no radar da família de Carol, especialmente do pai, que sonhava em se aposentar e se mudar para lá. Quando visitaram a cidade juntas, começaram a pesquisar mais a fundo: o turismo, custo de vida, oportunidades. Até que decidiram mergulhar nesse sonho antes mesmo dos pais dela. Venderam tudo e partiram para Alagoas, no meio da pandemia. Chegar em uma cidade nova como tatuadora foi desafiador, mas a determinação era maior. Foram conquistando clientes aos poucos, mas o maior choque foi cultural. Mesmo dentro do Brasil, perceberam o quanto cada região tem suas particularidades. No fim, a mudança foi também um processo de renovação - queriam se descobrir em um novo ambiente, explorar novas versões de si mesmas, sobretudo descobrir sua melhor versão. O sucesso do estúdio em Maceió não foi “do nada”, bem pelo contrário: meses de muito trabalho e, nas palavras delas “veio da vontade de evoluir como pessoas”. Não começaram com tudo pronto, foram construindo aos poucos. Chegaram na cidade dispostas a qualquer ‘freela’, depois buscaram estúdios para trabalhar - Andressa tatuando, Carol com as perfurações. Guardaram dinheiro para investir no antigo estúdio no Paraná, mas acabaram apostando tudo em um novo começo no Nordeste. Pensaram em desistir várias vezes. Mas sempre que uma ficava triste, a outra lembrava: “Já viemos até aqui, já vendemos tudo. Vamos continuar.” Quando as coisas começaram a reabrir no pós-pandemia, entenderam que era o momento certo para abrir o próprio espaço. Alugaram um local pequeno perto da praia, com uma maca, um autoclave e poucas ferramentas. No começo, atendiam muitos turistas que passavam e faziam tatuagens por impulso ou porque queriam uma lembrança de Alagoas. Com o tempo, foram se conectando com a cultura local e decidiram criar um estúdio feminino. Muita gente duvidou, dizia que não durariam nem dois meses, até porque o mercado da tatuagem é cheio de machismo. Mas no momento da documentação, o estúdio já completava três anos, agora em um espaço maior, mais estruturado. E mais importante é que vai além da tatuagem e perfuração: oferece cursos, eventos, troca de experiências e, acima de tudo, acolhimento. O começo foi difícil. O primeiro estúdio, perto da praia, trouxe desafios pesados: alagamentos com as chuvas, roubos na vizinhança, insegurança constante. Choraram, duvidaram se conseguiriam sustentar o espaço. Até que decidiram que não podiam mais conviver com o medo. Foi quando encontraram o novo local, onde trabalham e moram. E quando querem um respiro, alugam um cantinho em praias mais afastadas ou vão para o terreno do pai da Carol (o mesmo onde ele sonha morar quando se aposentar). O estúdio não cresceu só pelo esforço delas, mas porque outras pessoas apostaram nesse espaço. Formaram uma rede de apoio: tatuadoras, cervejarias, clientes que acreditaram no propósito de um estúdio feito para mulheres, fazem muita questão de agradecer. E é bonito como o amor delas transborda no que construíram. Quem chega já chama de “O estúdio das meninas” - e quando são chamadas assim, se sentem representadas. Foi um amor erguido com maturidade, conversas, carinhos, em agradecimento quando fazem refeições juntas... A vida é absurdamente corrida e demanda muito diariamente, mas reconhecem que nas pausas diárias, compartilhadas com os bichinhos também, existe essa dose de amor. ↓ rolar para baixo ↓ Andressa Carol
- Darlene e Viviane
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Darlene e da Viviane, quando o projeto passou pela Bahia!. Documentei a Vivi e a Darlene na casa delas, em Camaçari, região metropolitana de Salvador. Casa de número 13, assim como os anos de relacionamento que se completaram em 2023 e uma numerologia bastante presente. Foi entre uma longa conversa sobre a vida, a política, a pandemia e os carinhos dados ao Cazuza, o filhote canino que acompanha elas há dois anos, que me contaram um pouquinho sobre essa construção que vivem dentro do relacionamento. Relembram como eram diferentes no começo da relação e o quanto são felizes pelas mudanças que já viveram - Vivi era muito mais fechada, sente que até a postura era diferente, um tanto quanto travada. Hoje em dia, mesmo que quando conheça alguém ainda se sinta tímida, consegue se soltar e relaxar os ombros, ser ela mesma… Conta que até no próprio trabalho, por ser um ambiente majoritariamente masculino, conseguiu mudar de postura e se posicionar. Darlene reconhece que viver esse processo com ela foi um reconhecimento sobre si próprio muito grandioso e que amar também é respeitar, observar as individualidades e os pensamentos. Vivi conta que nunca imaginou viver um relacionamento tão duradouro - no começo era uma paixão louca, depois se tornou um companheirismo, aprenderam a respeitar limites, individualidades… e hoje em dia entendem suas rotinas de formas separadas, mesmo que conversem e compartilhem muito, desejam estar juntas. O que antes ela não imaginava viver, hoje não se vê vivendo sem. Viviane, no momento da documentação, estava com 47 anos. Ela trabalha com instrumentação industrial, com consultoria técnica e vendas. Atende o estado da Bahia, Sergipe e possui o foco na região do polo petroquímico. Conta o quanto sempre se viu nessa profissão majoritariamente masculina, e que começou sem nem escolher a área de exatas, mas pela necessidade de cursar algo e o curso técnico ser gratuito. A própria ausência de um curso superior no currículo a deixava muito insegura em relação às outras pessoas (inclusive à Darlene, que possui duas faculdades e sempre foi muito cobrada aos estudos pela família), então depois de um tempo resolveu cursar algo que realmente gostava e se formou em História, descobrindo uma grande paixão pela história da América Latina. Mesmo com a formação, segue trabalhando na empresa, já com um bom cargo dado em razão ao mérito. Darlene, no momento da documentação, estava com 37 anos. Ela se formou e trabalhou por muito tempo com secretariado executivo, mas não se sentia valorizada o bastante na profissão. Hoje em dia é esteticista, profissão cujo surgiu de um jeito aleatório e engraçado, segundo elas. Estavam num daqueles sites de compras coletivas (como o Peixe Urbano, Groupon…) e compraram uma limpeza de pele. Darlene foi fazer primeiro e saiu de lá com o rosto completamente inchado, o procedimento certamente tinha dado errado. Resolveu pesquisar sobre o valor que tinha sido cobrado, viu que era realmente muito inferior ao mercado e pesquisou cursos de esteticista. Foi assim que chegou até a faculdade e a profissão que possui hoje. Na época em que começou a atender, Darlene ainda trabalhava com carteira assinada e ao sair do trabalho às 18h ia atender seus clientes, porém, a demanda na área da estética ficou muito maior que o esperado e acabou saindo do emprego e trabalhando de forma autônoma. Deu muito certo, conseguiu se manter assim por bastante tempo, até que a pandemia de Covid-19 chegou. Infelizmente, na pandemia perdeu boa parte do investimento feito nos produtos pelo tempo que ficou em casa e por terem um prazo de validade limitado. Isso a deixou muito triste com o passar do tempo, por mais que tentasse se restabelecer de todas as formas. Hoje em dia, segue tentando manter seus clientes e fazer seu trabalho de esteticista, mesmo que as marcas da pandemia ainda apareçam de vez em quando. Elas contam como a pandemia foi algo muito marcante na rotina de casal que viveram. O começo enfrentaram bem, transformaram a casa quase que em uma academia e toda a ansiedade ou empolgação virava motivo de treino. Focaram, malharam, pensaram que tudo poderia passar logo. Foram tentando se manter bem durante todo o ano de 2020 e o começo de 2021… Mas, entre 2021 e 2022 sentem que as coisas foram desandando. Passaram por mudanças, apertos financeiros por conta de não conseguir voltar ao mercado de trabalho, foi realmente muito difícil. Sentem que se não fosse a conversa, não conseguiriam passar pelos problemas. Tem dias que sentem a necessidade de estar distante, enquanto outros dias o grude é demais - e são nesses momentos que entendem a base que construíram: sólida e resistente a tudo. Vivi trabalha há muitos anos de home office, então comenta o quanto notou uma diferença significativa após 2020. Por mais que não frequentem tanto Salvador, a mudança vem dos espaços de casa em si, o condomínio onde moram, as ruas da cidade…Antes durante a semana as casas eram vazias e não eram tão pensadas no nosso bem-estar, enquanto hoje mesmo durante semana são mais movimentadas, melhor pensadas e investidas. Foi em 2010, quando a Darlene foi assaltada e avisou os contatos por e-mail que estava sem celular, que ela e a Vivi conversaram de fato pela primeira vez. Ela recebeu uma resposta super solícita e solidária, falando dos medos de assalto, e entendeu que a Vivi era moderadora de uma comunidade no Orkut chamada “Beco dos Artistas”, um espaço LGBT super badalado na época, mas não eram próximas. A partir de então, começaram a trocar e-mails, MSN e conversavam quase diariamente. Na época, Vivi tinha acabado de sair de uma relação e Darlene ainda estava em uma, então não foi nada fácil, o futuro era totalmente incerto. Elas estavam ansiosas e marcaram de se encontrar. Na madrugada anterior, conversaram até o dia amanhecer. O primeiro beijo aconteceu de forma mágica, no trânsito enquanto o semáforo estava fechado, também passaram um tempo tomando açaí e conversando muito. Na semana seguinte era aniversário da Darlene e a Vivi deu um sapo de pelúcia para ela (que tem até hoje!) e, mesmo de forma complicada no início, com os términos dos antigos relacionamentos, começaram a namorar. Viveram vários processos, chegaram a se separar no começo, para voltar e nunca mais desgrudar. Vivi conta que era muito ciumenta e aos poucos foi entendendo que não deveria ser assim, que vem de uma criação muito diferente (por ter se assumido nos anos 90, ser tratada como doença, ter que ir à psicólogos e passar por muitos preconceitos) e que agora as coisas poderiam ser diferentes. Explica que aprendeu a pensar mais no amanhã e que a relação trouxe uma virada de chave, outra visão sobre as coisas e sobre a vida. Atualmente, amam os detalhes da vida de casal. Desde o quanto são diferentes ao ponto de se a Darlene não marca os médicos, a Vivi não vai. Até o quanto uma aprenderam a lidar com o mau-humor matinal da outra. Sentem que tudo faz parte da rotina da vida que formam juntas. ↓ rolar para baixo ↓ Viviane Darlene
- Jéssica e Brenda | Documentadas
Brenda estava com 31 anos no momento da documentação. Nasceu no Rio de Janeiro, passou a maior parte da vida na Rocinha e veio de uma família evangélica, com valores políticos conservadores dos quais ela não concorda, que nunca refletiram sua essência. Antes de se mudar para Arraial D’ajuda, em Porto Seguro/BA, era bancária e trabalhava no setor administrativo. Foi nessa rotina, durante 6 anos, que se sentiu consumida física e emocionalmente. A saúde começou a dar sinais de alerta: problemas de visão, ansiedade, ganho de peso e cansaço. Tudo culminou no esgotamento. Em meio à pandemia de Covid-19, decidiu mudar de vida, um impulso que começou após férias na Bahia, onde ela e Jéssica vislumbraram um novo modelo de existência. Em novembro daquela viagem, a Bahia mostrou um estilo de vida mais simples e feliz, livre da pressão do consumismo das grandes cidades: conheceram pessoas que viviam como nômades ou em home office, e, em Arraial d'Ajuda, sentiram uma conexão especial. Foi ali que o sonho começou a tomar forma. Jéssica, no momento da documentação, estava com 34 anos. É natural de Belford Roxo, baixada fluminense. Nutricionista de formação, é apaixonada por cozinhar e estudar alimentos, mesmo sem atuar diretamente na área. Antes da mudança, dirigia para aplicativos de transporte e trabalhava com energia solar e reformas de elevadores. Para ela, a família sempre foi tudo, apesar das dificuldades em aceitar sua orientação sexual no início. Hoje, sua mãe não só aceita, mas admira Brenda, reconhecendo nela alguém que inspira e impulsiona Jéssica. Na hora de partir para a Bahia, foi certeiro - ainda que Jéssica tenha sentido medo - vendeu o carro e Brenda retribuiu o apoio que teve nos momentos de dificuldade anteriores: disse “Vambora!”. Alugaram uma casa, partiram para um novo negócio. Agora, o sucesso ali não é uma obrigação, mas uma possibilidade. Se não der certo, sabem que podem recomeçar em outro lugar, porque ficar paradas já não é uma opção. Foi por meio de um aplicativo de relacionamentos que Brenda e Jéssica se conheceram. Jéssica, natural de Belford Roxo, não deixou que a distância fosse um obstáculo. "Vale a pena investir porque sou uma pessoa legal". E estava certa. Em apenas 13 dias, já estavam namorando. Foi tudo tão intenso que, após os primeiros encontros, Jéssica deu a Brenda um anel feito com folha de bananeira, em um passeio no Parque Lage, no Rio de Janeiro. Juntas, adoravam passar o tempo na Lagoa, um lugar que se tornou ponto de encontro nos primeiros meses. O primeiro lar que dividiram foi no Engenho Novo, onde começaram com pouco: dois colchões e duas televisões. Brenda já vivia no bairro com sua mãe - que via Jéssica como uma amiga. Aos poucos, enfrentaram desafios e momentos importantes com a família de Brenda, construindo laços e superando diferenças. Foram mobiliando a casa com muito esforço e dedicação, cada item, desde a decoração até os utensílios mais simples, ganhou um valor especial. Cada conquista representava a luta diária das duas. Depois de outras mudanças, anos mais tarde, moraram na Rocinha, voltando ao bairro onde Brenda nasceu. "Vamos embora. Não sei o que vai acontecer, mas vamos embora. E estamos juntas nessa." É assim que elas resumem as mudanças. No começo, Brenda era mais reservada, mas com o tempo, Jéssica viu nela uma transformação que trouxe muito orgulho. "Hoje vejo a Brenda conversando com minhas amigas e fico feliz de como ela mudou", conta. Com oito anos de relacionamento, ambas destacam a importância de se comunicarem com abertura e respeito. Por mais que nem sempre concordem, sabem que haverá compreensão. Essa base sólida de apoio e admiração mútua é também reconhecida pelos amigos, que veem na relação delas algo natural, leve e inspirador. Conversamos sobre não ser apenas sobre compartilhar a vida juntas, mas algo maior: um espaço onde é possível ser amiga de si mesma, aceitar as diferenças ao redor e, acima de tudo, viver em verdade. Planejando o que seria a nova vida em Arraial d'Ajuda, Brenda e Jéssica encontraram, pelo Facebook, a casa onde moram atualmente e decidiram transformá-la em um espaço acolhedor para mulheres viajantes. A ideia foi criar algo intimista, um hostel diferenciado, com uma rotatividade máxima de 06 hóspedes, permitindo conexões mais profundas, trocas e um ambiente propício ao aprendizado e segurança. Mais do que uma hospedagem, o sonho delas é um espaço que acolha e empodere mulheres. “Queremos mostrar que o mundo também é para nós. Que a gente pode, a gente merece”. As mulheres enfrentam muito pedo de viajarem sozinhas por conta de assédios, abusos e desconfortos, então lá seria o local ideal para estarem hospedadas. Para o futuro, querem implementar práticas como yoga, terapias e atividades na rua que cuidem do corpo e da mente. Fecharam o contrato da casa à distância, na “cara e na coragem”, sem sequer visitá-la antes. “Estamos rindo mais do que chorando, e isso é muito importante” - quando Brenda diz isso, resume o sentido da jornada que têm trilhado: ganhar mais do que perder, viver plenamente com o que têm hoje. Para ela, deixar o emprego que possuíam foi um divisor de águas. Sem a pressão da rotina exaustiva, não precisou mais de remédios ou óculos. Perdeu peso e ganhou saúde, no corpo e na alma. A mudança foi além da geografia – foi interna, profunda. “A gente é criado para acreditar que o dinheiro importa mais. Que o dinheiro vai te trazer qualidade de vida. Mas não era sobre isso”. Para Jéssica, estar com Brenda permitiu que ela expandisse suas próprias percepções sobre afeto. É algo que vai além do relacionamento: é sobre construir, juntas, um tipo de amor que inspira e transforma. Brenda complementa: "Acho muito legal quando as pessoas olham e falam: ‘Caraca, elas são parceiras mesmo!’" Seja em pequenos gestos, como carregar caixas lado a lado, ou no apoio e amor que compartilham diariamente, elas mostram o significado de uma relação baseada em parceria verdadeira. Mais do que um casal, elas se veem como militantes do amor e da proteção às mulheres. Não militantes políticas, mas militantes do dia a dia, mesmo. Vivem seu amor como um ato político. Uma forma de reivindicar respeito e espaço para as mulheres em um mundo que ainda carrega tantas barreiras. Enaltecem e protegem outras mulheres sempre que podem, fazendo de sua própria relação uma inspiração para quem cruza seus caminhos. Embora já se vejam como uma família, sonham em maternar no futuro. É um desejo que vem acompanhado de receios: o medo de não serem compreendidas ou aceitas enquanto família por seus próprios parentes. Ainda assim, acreditam na força que construíram juntas para enfrentar desafios e realizar sonhos. "Nosso amor é sobre isso", refletem. "Construir, apoiar, e, acima de tudo, lutar. Por nós e pelas mulheres que ainda precisam de coragem para serem quem realmente são." ↓ rolar para baixo ↓ Brenda Jéssica Quittéria
- Larissa e Claricy | Documentadas
Larissa estava com 33 anos no momento da documentação. É natural de Salvador, viveu a maior parte de sua vida na cidade grande, mas durante a pandemia de Covid-19 deixou para trás a agitação e se mudou para um lugar menor e mais tranquilo, o Vale do Capão, na Chapada Diamantina. Antes, havia sido dona de uma floricultura em Salvador e, embora sua formação fosse em arquitetura, sua atuação profissional se voltava para uma área um pouco distinta, mas sempre conectada à forma como os espaços se comunicam. Em Capão e nas viagens seguintes, Lari retomou sua carreira, direcionando seu olhar para a integração entre arquitetura e natureza. Inicialmente, morando com amigas, dedicou-se profundamente ao estudo da bioconstrução. Foi isso que a levou até Serra Grande, município próximo à Itacaré (onde nos encontramos): um amigo engenheiro desempenhou um papel importante na sua rede de apoio, chamou ela para trabalhar com bioconstrução por lá. Claricy no momento da documentação estava com 37 anos. Nasceu em Niteroi, no Rio de Janeiro, e se formou em economia. Após anos trabalhando no setor corporativo, começou a refletir sobre como poderia equilibrar sua vida profissional com seus valores pessoais em uma sociedade hipercapitalista. Decidiu, então, fazer uma mudança significativa: se mudar para Itacaré, em busca de uma vida mais simples, saudável e reconectada com o que realmente importava. Chegou à cidade sozinha, sem influências externas de amigos ou familiares, em uma tentativa de ‘resetar’ e se reconectar consigo mesma. O que inicialmente era para ser uma estadia de apenas um ou dois meses acabou se transformando em uma permanência de dois anos. No começo, Clari se encantou pela variedade de eventos e atividades que a cidade oferecia, mas logo sua paixão se voltaria para a natureza ao redor e para o estilo de vida mais tranquilo e genuíno que passou a adotar. Assim que Claricy chegou em Itacaré, cruzou com a Lari num aplicativo de relacionamentos e começaram a conversar. Trocaram seus perfis nas redes sociais, mas não marcaram um encontro de fato. Entenderam que Itacaré é um local muito pequeno e que provavelmente iriam se esbarrar em breve. Foi o que aconteceu, acabavam se esbarrando com certa frequência e sempre aos finais dos eventos - naqueles momentos meio que de bar em bar, fim de noite. Acontece que, por mais que interagissem online, pessoalmente mal se cumprimentavam, Lari nunca trocava olhares com a Clari e isso deixava ela num misto de chocada, intrigada… Não entendia o motivo. O tempo passou e num dia Lari interagiu com ela pelo Instagram e ela respondeu falando a verdade: “Você conversa comigo a beça aqui mas pessoalmente finge que nem me vê”. E então a ficha da Lari caiu: ela não fingia, ela realmente não via. Não estava percebendo as pessoas ao redor com a atenção que deveria. O tempo seguiu passando e Clari foi ficando mais difícil. Segundo ela, é porque Lari estava sempre se envolvendo com algum ‘carinha’ por aí. Lari confessa que era verdade: ela nunca tinha namorado e vivido de verdade uma relação com alguma mulher… e isso era um empecilho para Clari. Até que chegou um dia específico que um samba estava no fim, naquela mesma linha de encontros “de bar em bar” que viviam, caiu uma chuva muito intensa e Lari estava indo embora, quando ouviu um samba e avistou Clari dançando - mesmo que na chuva torrencial altas horas da manhã. O samba estava bom, embaixo da marquise, ela resolveu ficar. Chegou logo do lado da Clari. Já tinham se passado meses desde a última conversa, estavam diferentes e foi naquela noite que ficaram (e se conheceram, de fato). Amanheceram na rua, depois do samba. Clari conta que ela até poderia ter ido embora porque morava próximo, mas não queria, de tão legal que estava sendo aquele dia. Foi um dia muito bom para todos, muito divertido. Quando começaram a se envolver, foi tudo diferente do que imaginavam e Lari conta como isso foi importante - a forma em si como aconteceu foi sendo um guia para fazer com que ela entendesse os abusos que sofria nas relações de uma heterossexualidade compulsória; “Porque mesmo amando me relacionar com mulheres, mesmo vivenciando isso desde cedo, aquilo nunca era credibilizado”. Desde que começaram a ficar juntas, caminharam um longo trajeto até o momento da nossa documentação. Lari, por exemplo, é uma mulher não-monogâmica que acredita nessa política, enquanto Clari tem algumas dificuldades com a prática da não-monogamia, ainda possui muitas amarras, reproduções. Então o começo foi caminhando de uma forma muito delicada e comunicativa, entendem que não poderia estar apertado nem para a Claricy, nem para a Larissa, ao mesmo tempo que deveria caber e estar gostoso, confortável. Aos poucos tudo foi caminhando e tomaram a decisão de morarem juntas. Lari já morava mais distante de Itacaré, na região onde hoje em dia possui um terreno - em que fizemos as fotos e que estão planejando construir - e foi morando juntas que se aproximaram definitivamente, ficaram no que chamaram de “grude sapatônico”. Aos poucos foram amadurecendo a ideia de construir a casa no terreno, uma bioconstrução nos moldes que Lari estuda e trabalha. E, depois do primeiro ano de relacionamento, também optaram por uma nova casa, em Serra Grande, enquanto a construção toma forma no terreno. Antes de irem para Serra Grande, passaram um tempo entre o Rio de Janeiro e Salvador, ficando com suas famílias e fechando o primeiro ano de relação. Depois do primeiro ano de relação e das viagens, moraram em uma casa em Serra Grande, mas foi uma vivência muito difícil. Não havia cômodos, por mais que elas tentassem se comunicar da melhor forma, tudo era muito misturado, apertado, sentiam que eram pessoas muito diferentes tentando viver num espaço. Por isso, optaram pela separação por um tempo. Seguiram se relacionando, mas morando em cidades diferentes - Lari voltou para Salvador, Claricy ficou na região de Serra/Itacaré. No final, as rotinas estando tão diferentes ajudavam as coisas a ficarem descompensadas. Aos poucos, tudo foi se normalizando e reconheceram o momento. Foi difícil ter a maturidade de entender o que era preciso, mas nesse processo Clari entendeu muito sobre a solidão, sobre os amigos que vivem na cidade grande e teve novas percepções sobre o que desejava para a relação. Entenderam também novas importâncias de comunicações - é preciso saber comunicar e resolver, demonstrar a emoção, terem que lidar (e que bom lidar), resolverem, melhorarem e evoluírem. Desde o começo do relacionamento, Clari ouvia muito a Larissa falar sobre sua vontade de fazer uma comunidade unindo vários terrenos no lugar em que tinha comprado o seu, no quilômetro, próximo à itacaré. Ela sempre pensava: “Eu vou ser uma visitante? Eu vou morar lá? O que eu serei nesse terreno?”. Até que Lari fez a proposta delas morarem juntas e dela ajudar em toda a construção: arquitetar e construir a própria casa. O projeto, que já está em andamento, está sendo muito bem feito e frequentemente elas vão até o local, que tem nome - “Casa Jussara” - por conta da palmeira-juçara, nativa da mata atlântica, que possui em abundância no terreno. O terreno em si ainda está em mata fechada e a ideia é preservar o máximo que der. Abriram a parte da frente para entender os pontos de construção e desejam em pouco menos de um ano ter tudo pronto. Por fim, elas acreditam que o amor está nessa forma de viver que estão construindo juntas, desde a rotina, os rituais, o saber lidar com um monte de coisa e mesmo assim conseguir desacelerar. Não se torna algo utópico, uma ideia de que tudo é perfeito, mas algo que vem se construindo mesmo em tantos desafios. É no ritual que se tem ao acordar, no ritual que se tem cuidando dos bichos, no ritual de pensar como será a casa, no ritual de colher os alimentos que plantaram por tanto tempo. Ficam muito felizes quando percebem que finalmente vivem uma relação que desejaram por tanto tempo e que merecem viver. Clari conta que já tinha lido muito sobre filosofia, muitos livros, muita coisa, pensava que entendia um pouquinho sobre amor, mas agora percebe que vive um amor muito diferente, onde precisa se amar também, e vê o quanto está sendo bom para si e para os outros. ↓ rolar para baixo ↓ Larissa Claricy
- Jaque e Tainá
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Jaque e da Tainá, quando o projeto passou pela Bahia!. Ao conversar com Jaque e Tainá no Pelourinho, em Salvador, nem imaginava que minutos depois ao fazermos as fotos iria rolar o pedido de noivado delas. Nada estava combinado, seria uma surpresa da Jaque para Tainá e ela aproveitou uma ida ao banheiro para me contar (e perguntar se era possível que eu registrasse entre uma foto e outra). Achei a ideia maravilhosa e a cara do Documentadas. Assim, em meio ao inesperado, perguntei mudando de assunto repentinamente, o que elas pensavam sobre o amor: Tai explica que desde a primeira vez que o projeto chegou para ela, por conta de algum repost de conhecidos no Instagram, pensou sobre a potência do amor entre mulheres. Refletiu as suas vivências. Conta que já vinha trabalhando e entendendo o feminino, pensando nas mulheres ao seu redor, no quanto vivencia isso diariamente enquanto a maternidade, o trabalho, o relacionamento… Sente que as mulheres precisam cuidar uma das outras porque nosso amor é muito potente. E, por mais que tanto tenha demorado para pensar sobre sua sexualidade, hoje em dia entende o quanto é importante conhecermos nossos desejos. Tai passou o maior período da sua vida silenciando suas vontades, não se questionando e nem se permitindo nada por conta da sua criação, sempre fez o que mandavam fazer e hoje, ter uma vida cada vez mais livre, é também um ato de amor. Jaque completa que o amor está nesse insistir, na disposição. Nem sempre vai ser feliz, alegre, porque existem dias muito difíceis e por isso tentam buscar calma uma na outra. Conta o quanto admira na Tainá todo o feminino que ela carrega e no quanto juntas confiam nas mulheres. Para Jaque, o amor está em todas as ações diárias. Jaque e Tainá hoje em dia moram em Camaçari, região metropolitana de Salvador. Tainá, no momento da documentação, estava com 28 anos. Trabalha enquanto enfermeira na maternidade e num hospital em outras alas. Depois de muitos anos foi chamada para um concurso que passou, por isso, decidiu fazer a mudança para Camaçari - ou melhor, para Abrantes, cidade vizinha. Lá, mora com seu filho, de 4 anos. Jaque, no momento da documentação, estava com 35 anos. É professora de história, dá aula para os alunos do ensino fundamental e médio, mas no momento está afastada pois trabalha com assessoria política, é vice-presidente do Partido dos Trabalhadores em Camaçari e também estuda direito, está quase completando a graduação. No tempo livre, elas adoram estar no Pelourinho. Saem para comer, gostam de ir em sambas, beber cerveja e falar besteiras sobre a vida. Também não abrem mão do descanso, afinal, ser mãe é algo muito cansativo. Foi através da irmã mais velha de Jaque que ela e Tai se conheceram, Tai trabalhava na Prefeitura de Camaçari e a irmã de Jaque era sua chefe. Elas saiam bastante, eram bem próximas e no último carnaval antes da pandemia de Covid-19, em 2020, ela conheceu Jaque. Na época, não tinha clareza sobre sua sexualidade, nunca tinha ficado com mulheres e nem cogitava isso. O tempo foi passando, saíram juntas várias vezes, Jaque inclusive iniciou relacionamentos com outras pessoas e Tai foi passando pelos processos de entender melhor a sua sexualidade. Em 2022, Jaque viajou e mandou fotos da viagem num grupo de amigas que possuem em comum. Foi aí que Tai começou a ver as fotos e entendeu que sentia algo diferente por ela; Assim, decidiu investir, mandou algumas mensagens em tom de brincadeira pedindo presentes da viagem, o presente em específico era “Um crush ou uma crush” e Jaque gravou essa mensagem, foi algo marcante para ela. Na versão da Jaque, desde o começo conta que achou a Tai muito bonita, mas nunca cogitou nada porque a via apenas como a amiga hétero da sua irmã. Foi naquele período em 2022 que uma amiga em comum comentou com ela que, pelos comentários da Tai no grupo, parecia que ela estava dando em cima, e ela entendeu que nunca tinha percebido. Começou a dar bola, e depois, quando voltou de suas viagens, a chamou para ir ao Pelourinho numa sexta-feira. Acontece que, no dia que marcaram o samba no Pelourinho como primeiro encontro das duas, acabaram se vendo mais cedo na hora do almoço sem querer entre o pessoal do trabalho da irmã da Jaque. Elas reagiram como se nada fosse acontecer mais tarde, o que deixou Tai muito insegura, pensou até que o encontro não fosse mais acontecer. Mas aconteceu, se viram e Jaque fez diversos interrogatórios para ela, perguntando por qual motivo ela estava desejando se relacionar com uma mulher logo agora. Jaque explica que os interrogatórios não foram à toa, nem para constrangê-la, mas por querer entender de fato. Não gosta de ser objetificada por mulheres héterossexuais e nem ser usada como experiência, queria entender em que pé estava isso, essa “dúvida” e se poderia confiar no que estavam sentindo. Acabou que conversaram a noite toda e ao final do encontro se beijaram. Refletem, nesse processo, o quanto Jaque era de fato uma pessoa muito travada no começo. Se via de forma muito reservada. Foi/é um processo muito difícil de se abrir, Tai foi incentivando que ela se permitisse o ritmo da relação, desde sair nas ruas de mãos dadas para ir em lugares simples como a padaria, até conversar sobre os sentimentos básicos, desde coisas pequenas até grandes acontecimentos. Tainá conta o quanto “os sentires” foram diferentes. Tudo foi muito diferente do que ela já havia sentido e vivido, tanto no físico quanto no emocional. Primeiro, porque Jaque já conhecia muito sobre a história dela e ela já conhecia muito sobre a história da Jaque, então o quanto já se acompanhavam falava muito sobre seus medos, traumas, confianças… A relação ajudou a olhar de outra forma para a amizade que já possuíam, nas palavras dela, foi como dizer: “Tô aqui para você, mas precisamos ir juntas.” Jaque acrescenta o quanto sempre foi de falar sobre todos os assuntos do mundo, menos sobre o que está doendo nela. Então o esforço que Tainá precisava fazer, principalmente no início, foi muito grande. Um grande exercício de conversa. Jaque nunca foi criada na forma verbalizada do “Eu te amo”, mas sim na ação de fazer a comida, de cuidar, de ter as roupas limpas, a casa acolhedora… Fala do quanto viveu com a casa cheia, muitos militantes, o pai sempre foi militante e sempre acolhia os outros, então aprendeu a amar assim, na solidariedade, na ajuda e na caridade. Se fortalece na ideia do amor enquanto algo comunitário. E aprende diariamente nos esforços com a Tai que amor não é só tato, olfato ou audição, é uma mistura de tudo. Para Jaque, a relação que ela vive hoje ensina a amar melhor. Tai conta sobre suas vivências familiares e o quanto o amor pra ela às vezes pode ser diferente do que aprendeu, por isso, tenta dar a melhor educação para o seu filho (que as aceita e vê o relacionamento delas de forma natural), fazendo com que ele entenda o papel dos homens na sociedade, seja educado, respeitoso e assuma as tarefas de casa. Além disso, não quer mais entender o amor enquanto posse ou eterna gratidão, quer uma ressignificação do sentimento, ser ela mesma e ser amada da forma que é. Não quer ver as pessoas sendo donas uma das outras, ver o amor sendo desgastado enquanto relações tóxicas. Fica feliz por ter encontrado um relacionamento diferente de todos os outros que já viveu e por isso tentam sempre entender uma à outra, ouvir, conhecer e viver cada vez mais o que desejam. ↓ rolar para baixo ↓ Tainá Jaque
- Amanda e Iana
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Amanda e da Iana, quando o projeto passou pela Bahia!. Para dar início às nossas histórias de Salvador, nada melhor que duas mulheres nascidas e criadas nessa cidade que tão bem nos acolheu: a Iana e a Amanda. Brinco com o ‘nascidas e criadas’ porque assim elas se apresentam: Iana, 29 anos, nascida e criada em Salvador. E Amanda, 28 anos, nascida e criada em Salvador. Durante a nossa conversa, contam o quanto são felizes morando lá: se sentem parte da cidade, curtem os sambas, os cinemas de rua, a orla da praia… não enxergam Salvador enquanto um lugar preconceituoso ou hostil, pelo contrário. Gostam de ocupar os espaços da cidade sendo exatamente quem são. Dizem que só o amor não constrói relacionamento; O relacionamento precisa de afeto, diálogo, entendimento… Entendem que nos 7 anos que estão juntas já viveram muitas coisas, e que não foi somente o amor quem as mantém unidas, mas a vontade e a disposição de estarem juntas, segurando as mãos e percebendo que esse amor que vivem é a soma de todas as outras partes, vontades e sentimentos. Amor é gostar do que estão sentindo uma pela outra, de estarem presentes diariamente e de compartilharem a vida. Iana é formada em psicologia e marketing, hoje em dia trabalha enquanto assessora parlamentar e tem sua rotina misturada entre os espaços de militância: seja pela luta de movimentos trabalhistas, pautas sindicalistas, LGBTQIA+ e até mesmo pautas da juventude. Amanda também é psicóloga e no momento da documentação estava cursando pedagogia. Hoje em dia, ela já trabalha com crianças neurotípicas, com foco no autismo e também é militante política. Iana e Amanda se conheceram em 2014 na faculdade, onde cursavam psicologia juntas. Amanda foi caloura da Iana e durante a faculdade via muito ela liderando movimentos estudantis e DCEs, mas não tinham contato ativo na época - e era até mais específico: a Amanda morria de medo da Iana. O medo vinha perante sua posição de liderança, era respeitada dentro dos espaços acadêmicos e isso fazia com que a Amanda tivesse um receio/uma resistência de conversar com ela. Cerca de um ano e meio depois, quando Iana estava no último semestre, elas começaram a ter mais contato organizando a próxima entrada de calouros. Nessa época, durante uma semana participaram de brincadeiras com os mais novos, como “verdade ou consequência” e “eu nunca”, e descobriram que tinham um sentimento recíproco entre quererem se beijar. Mas o beijo só foi acontecer, de fato, na festa de aniversário de uma amiga em comum, num bar “super hétero top” que Iana jamais iria, mas foi pela consideração. Comemoram o relacionamento desde esse dia, com carinho pelo momento que estiveram juntas. Neste dia, Iana deixou a Amanda e as amigas em casa (pois todas estavam bastante embriagadas) e mandou uma mensagem assim que acordou no dia seguinte perguntando se Amanda estava bem/dizendo para beber bastante água. Amanda achou super fofo e se sentiu especial quando ela mandou a mensagem, mas a verdade foi que ela fez um copia e cola para a Amanda e para todas as amigas, já que sua preocupação não era tão específica assim. Brincam com esse fato, mas foi essa mensagem que fez com que elas passassem a se falar diariamente. Logo no próximo dia de aulas marcaram de se encontrar na faculdade. Nesse momento, Amanda já tinha contado para a Iana que morria de medo dela, mas Iana riu, entendeu, acolheu e se deixou disposta para que a Amanda a conhecesse de verdade, tirasse a imagem de medo e soubesse quem ela é e o que gosta de fazer. Na faculdade então, se encontraram, Iana levou Amanda até a sala e contam que desde então não se desgrudaram mais. Na época, o medo demorou um pouco para passar: elas até pegaram uma disciplina juntas e, num dia, Amanda pediu para a Iana sair da sala porque ela ficava muito nervosa na presença dela e não iria conseguir apresentar um trabalho importante. Entendem que aos poucos foram namorando e construíram o relacionamento com muita fé, amizade e cuidado. Por uma decisão de maior necessidade, foram morar juntas logo aos 11 meses de relacionamento. Amanda ficaria sem lugar para morar, seria inicialmente de forma provisória, mas assim estão até hoje. Contam que se dão muito bem morando juntas e que a vivência faz com que se conheçam por completo. Também já passaram por muitas coisas, o que fortaleceu o companheirismo. Em 2019 noivaram e entendem que estavam no pior momento do relacionamento. Foi como uma forma de assentar. Passavam por muitas coisas juntas e talvez se não tivessem noivado, acabariam se separando. Hoje em dia relembram como uma decisão ousada, mas que deu certo. Quando a pandemia aconteceu, ambas começaram seus novos cursos, tiveram outras prioridades. Adiaram o casamento, mas pretendem realizá-lo no dia 8 de dezembro de 2023, porque é o ano que fazem 8 anos, 8 é o símbolo do infinito - que elas carregam em si - e também pelo sincretismo religioso que possuem com o dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, representando Iemanjá. Por mais que os amigos as tratem como uma só e elas amam a companhia uma da outra, entendem e respeitam cada individualidade. Conversam muito (também pudera, duas psicólogas!) e costumam falar que dentro de um relacionamento existem 3 relacionamentos: o de você com você mesma, o da sua parceira com ela mesma e o de vocês duas juntas. Quando percebem que estão distantes, sentam e conversam. Veem sua relação como um coração batendo: é preciso ter altos e baixos, quando tudo fica numa linha só é como o fim da vida, então querem estar sempre assim: em movimentos rítmicos. Hoje em dia, gostam de viajar bastante, acordar e dormir juntas, estar com os amigos, sair para comer e ouvir samba. Iana é mais da rua, gosta de sair de casa e leva Amanda para os lugares. No Museu de Arte Moderna, lugar que fizemos as fotos, foi onde elas falaram sobre o que sentiam pela primeira vez, no sentido de: “Estou gostando de gostar de você.” e se sentem muito bem estando nesse lugar especial. Para Salvador, no mais, desejam maiores políticas públicas para a população LGBT em situação de vulnerabilidade e mais segurança para as mulheres. ↓ rolar para baixo ↓ Iana Amanda
- Dandara e Raquel
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Dandara e da Raquel, quando o projeto passou pela Bahia!. Foi por uma brincadeira entre a Dandara e a amiga que estava hospedada na casa dela, que a história de amor entre Dands e a Raquel começou. Vamos lá, eu explico: Era um dia ruim, ela estava chegando em casa triste e amargurada, quando abriu a porta e viu a amiga se divertindo olhando para o celular. Na hora, indignada, perguntou por qual motivo estava rindo, se tudo nesse mundo andava tão ruim. A amiga contou que tinha baixado o Tinder e estava conversando com um cara que de tão sem noção chegava a ser cômico - o papo era muito ruim, todo errado, mas ela estava até se divertindo e disse “Amiga, baixe o Tinder também, dá match com ele! Vamos ver se ele vai dizer o mesmo pra ti!”. Na hora Dandara imediatamente duvidou do algoritmo. Mas é aquela coisa: com algoritmos não se brinca. Ela viu a conversa, tomou um banho e decidiu baixar o aplicativo. Realmente achou o cara, deu match e aconteceu o que esperavam: um copia e cola da conversa com a amiga. Acharam tudo bizarro e riram a noite toda dessa situação. Entre rirem da própria desgraça, Dands resolveu usar o aplicativo um pouquinho, mesmo que não estivesse tão disposta a conhecer pessoas, até que deu match com a Raquel. Raquel, por sua vez, tinha acabado de sair de um relacionamento que fora bastante traumático e usava o Tinder para se distrair e conhecer outras possibilidades de conversas. Durante o ano de 2021, quando conheceu a Raquel, achou que ela seria uma ótima companhia. Foi quando conversaram, decidiram ir ao museu juntas e passaram o tempo todo só conversando, nem chegaram a se beijar. Depois do primeiro encontro que tiveram no museu, Raquel e Dandara seguiram conversando e saindo, até que ficaram. Um mês depois do primeiro beijo começaram a namorar. Dandara não aceitou o pedido de namoro da primeira vez - pois é, Raquel até pediu, mas ela disse: “Não.”. Nada mudou, seguiram ficando. Entendem que precisavam resolver outras situações, relacionamentos inacabados e medos de se relacionar seriamente. Precisavam entender seu tempo. Por mais que não queriam namorar, seguiam ficando e não ficavam com mais ninguém, foi quando Raquel desistiu e falou: “Não vou mais falar sobre o assunto. Ela está namorando, só não quer ver”. E assim seguiram, até que um tempo depois foi Dandara quem fez o pedido e oficializaram o relacionamento. Hoje em dia, no momento da documentação, anos depois do começo do namoro, nos encontramos num dia turbulento em meio à mudança de apartamento delas: vão morar juntas pela primeira vez. Entre carregar coisas de um lado para o outro, arrumar caixas e comprar móveis, tiramos um tempo para tomar um café no Pelourinho, lugar escolhido por ser bastante frequentado por elas. Dandara no momento da documentação estava com 26 anos, ela é natural de Salvador, trabalha enquanto estagiária em advocacia e tem um grande hobbie na fotografia - também trabalhando nessa área no tempo livre. Raquel no momento da documentação estava com 27 anos, também é natural de Salvador, trabalha com auditoria e conta que tanto ela quanto Dandara possuem ligações muito fortes com a Umbanda e o Candomblé, então além dos hobbies, no tempo livre estão muito presentes em suas religiões. Conversamos muito sobre o quanto o processo da mudança vem sendo algo significativo para elas - e como documentá-las nesse momento também é importante. Dands conta que é uma pessoa muito apegada aos seus bens materiais, que a grande maioria das suas coisas representa sentimentos, pessoas, momentos… e a mudança está sendo um passo muito grande em praticar o desapego. Uma nova e desafiadora fase. A mudança também representa o novo desafio da convivência, com questões de casa, detalhes do cotidiano, novos conflitos ainda não vividos… coisas que também são boas. Antes de se relacionarem, entendem que passaram por muitos momentos difíceis, traumas, situações que faziam com que não falassem e se abrissem, viviam com marcas guardadas. Juntas começaram o exercício de falar e investigar uma à outra e acreditam que morando juntas isso possa se tornar ainda mais forte. Para Dandara, amar é ser companheira. Ela acredita que ser uma mulher preta se relacionando com outra mulher preta é algo político 100% do tempo, algo muito intenso que fala também sobre sua própria raíz. Raquel não quer ficar falando o tempo todo que beija mulheres, ficar reafirmando, quer ser tratada com normalidade, mas entende também que colocar como normal não adianta num momento que precisamos reivindicar, por isso se coloca nos espaços de luta. Para ela o amor é uma construção contínua - você se descobrir e redescobrir. É também estar sempre acrescentando nas relações: “Talvez algo já existe em você e o outro te ressalta, te soma”. Ela conta que quando brigam ou discutem/se veem nessas situações difíceis, sente que precisa sentar, conversar, se localizar no que está acontecendo, colocar pra fora. ↓ rolar para baixo ↓ Raquel Dandara
- Lorena e Raissa | Documentadas
Raíssa e Lorena foram conectadas por uma amiga em comum, mas o início dessa história foi cheio de idas e vindas. Tudo começou no carnaval de 2015, quando Raíssa, curtindo a festa com sua amiga, perguntou se havia alguém interessante para apresentar a ela. A amiga sugeriu Lorena, mas logo avisou que ela estava "muito enrolada". Raíssa logo deixou claro: "Ah, não quero gente enrolada, não!" Meses depois, durante uma conversa na casa dessa mesma amiga, Lorena ouviu o quanto ela e Raíssa combinavam. Decidiu: pegou o celular e enviou uma mensagem - "Oi, queria muito te conhecer”. Raíssa aceitou, conversaram alguns dias e o primeiro encontro foi marcado, que acabou coincidindo com o aniversário de Salvador, e as duas se encontraram no show da Maria Bethânia, na praia da Barra. Cada uma levou um amigo, transformando o encontro inicial em um grupo. Em meio a tanta gente na praia, foi difícil se encontrar, mas depois de algum tempo finalmente se encontraram em um muro específico próximo ao show – lugar que inclusive fizemos algumas das fotos da documentação. Assistiram ao final do show e seguiram com os amigos para uma boate. Antes de saírem, passaram em casa para deixar o carro (que inclusive tinha dado problema no caminho, foi uma história à parte) e nesse momento, em casa, deram o primeiro beijo. Raíssa estava com 31 anos no momento da documentação, é soteropolitana de alma e coração. Atua na clínica, enquanto psicóloga, trabalhando com adolescentes e também em escolas, dedicando-se para um trabalho que ela acredita ter o poder de transformar o mundo. Foi ainda na faculdade, por meio da sua profissão, que ela começou a se enxergar como uma mulher negra e a se descobrir enquanto mulher que ama outra mulher. Além da psicologia, Raíssa adora estar em movimento: ama o mar da Bahia, os encontros de amigos em casa e, como dizem os baianos: é muito rueira - ama estar na rua. Lorena estava com 36 anos no momento da documentação. Nasceu em Remanso, no interior da Bahia, mas sua trajetória a levou para Feira de Santana e depois para Salvador. Embora formada em assistência social, Lorena encontrou sua verdadeira paixão na culinária, construindo um empreendimento de espetinhos, no condomínio do prédio onde elas moram. Brinca que foi cozinhando que conquistou Raíssa. Além da culinária, é apaixonada pela praia e pela energia do carnaval. Mesmo longe da carreira de formação, Lorena nunca abandonou seu interesse por política e adora mergulhar nos estudos sobre a cidade e seu funcionamento. Acredita que os seus propósitos e de Raíssa são muito ligados por conta das suas visões e entendimentos sobre a sociedade. Depois do primeiro encontro, tudo fluiu de forma leve e natural. Raíssa e Lorena descobriram rapidamente o quanto suas energias, pensamentos e perspectivas de vida estavam alinhadas. Compartilhavam opiniões políticas e sociais semelhantes, e isso reforçou a conexão. Na época, Raíssa estava cursando duas graduações (psicologia e serviço social) e uma das faculdades era próxima ao trabalho de Lorena, então logo no começo, quando ainda estavam se conhecendo, ela resolveu fazer uma surpresa e aparecer por lá. Esse gesto marcava o início de uma rotina com encontros em meio à correria diária que ambas viviam. Por mais que estivessem vivendo o frisson inicial, o primeiro ano de relação não foi fácil. Além das demandas da rotina intensa, Lorena ainda lidava com relacionamentos do passado que precisavam ser encerrados e precisava cuidar da sua saúde mental. Viveram diversos altos e baixos. Aos poucos, sendo honestas sobre quem realmente eram, conseguiram construir a relação e entender que realmente queriam seguir juntas. Ambas acreditam que a relação deu certo porque estavam dispostas a fazer acontecer. Os obstáculos eram muitos: questões familiares, saúde mental, responsabilidades acadêmicas e profissionais e o preconceito. Enfrentaram tudo juntas, fazendo verdadeiros malabarismos para equilibrar o amor com as outras prioridades. Hoje, conseguem dimensionar que essa dedicação mútua tornou possível a construção da base forte da relação. Antes da pandemia de Covid-19, Raíssa já atendia como psicóloga, mas, com o início da quarentena, precisou migrar para o formato online. O desafio era enorme: dividia o quarto com as irmãs e não tinha privacidade para realizar as consultas, enquanto a demanda por atendimento psicológico crescia de forma expressiva. Lorena, por outro lado, viu sua rotina de trabalho ser completamente interrompida no início da pandemia. Para passar o tempo, começou a cozinhar como nunca, principalmente fazendo bolos. Ir ao mercado se tornou a maior das felicidades. Com o tempo, decidiram que o melhor seria Raíssa se mudar para a casa de Lorena e sua família, assim teria mais espaço e privacidade para seus atendimentos - por mais que também não fosse fácil administrar uma mudança e morar em um novo lar, com novas pessoas. O próximo passo aconteceu meses depois, em novembro, quando decidiram morar em um novo apartamento, dessa vez só delas. Seria a primeira vez que teriam um novo lar. Com o apoio de amigos e da mãe de Lorena, organizaram a mudança em tempo recorde: um único dia. Foram montando a casa aos poucos, com muito carinho e cuidado, até que se sentissem representadas. Esse período de transição foi marcado por muitos aprendizados. Juntas, revisitaram os desafios dos primeiros anos da relação - bastante intensos - e reconheceram como o tempo e o diálogo trouxeram maturidade. A construção do lar também significou um novo capítulo, onde ambas começaram a se abrir mais para novas experiências e aprender a dizer mais “sim” do que “não”. Agora, com o lar e o trabalho próximo de casa (os espetinhos no condomínio) estão com um novo modelo de vida. Adotaram uma gata (e desejam em breve adotar outros), sonham com viagens, novos desafios e, acima de tudo, experimentar e conhecer coisas juntas. Para Lorena, o amor está profundamente ligado às mulheres que fazem parte da sua vida. Ela se dedica a ser uma presença que reverbera coisas boas ao seu redor, e nada deixa mais feliz do que perceber como sua relação com Raíssa inspira e desperta sentimentos positivos nas pessoas próximas. Muitos chegam e verbalizam a admiração pelo respeito que elas possuem uma pela outra, as procuram para pedir conselhos e enxergam nelas um exemplo de cuidado e carinho… Então sente: Estão trilhando o caminho certo. Raíssa, por sua vez, reflete sobre como os processos de transformação que viveram juntas foram cruciais. O amor entre mulheres sempre esteve presente em sua vida, graças às referências que cultivou. Porém, ela reconhece que esse amor, por muito tempo, foi carregado pelas imposições da sociedade - controle, dominação, opiniões alheias sobre corpos e uma carga de expectativas. Isso ofuscava a visão que ela tinha sobre os relacionamentos amorosos. Hoje, ao lado de Lorena, celebra ter mudado as ações e alinhado os compromissos, entende que respeitam quem são, e que aprendeu a amar Lorena exatamente como ela é - sendo amada desta maneira também. Esse entendimento do amor transbordou: tornou-se uma nova forma de enxergar as mulheres ao seu redor. ↓ rolar para baixo ↓ Raíssa Lorena
- Rosa e Sara
Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Rosa e da Sara, quando o projeto passou pela Bahia!. Há anos, Sarah fala sobre amor nas redes sociais, rondando temas como autoestima, superação de relacionamentos tóxicos e abusivos, ou desintoxicação do romantismo. Porém, foi a partir de 2022, quando mesmo após 5 anos de namoro ela foi expulsa de casa, onde decidiu mudar o rumo do seu perfil: começou o próprio processo de cura. O público, vendo essa mudança, passou a querer ficar para acompanhar o que estava acontecendo com ela e a Rosa, sua companheira. Tudo girava em torno do que estavam vivendo - e a própria exposição da situação ajudou outras pessoas que se identificavam, vivendo suas próprias caminhadas. Mesmo que tenha sido muito difícil passar pelo o que passaram expondo suas dores, sentem que compartilhando dessa forma foi menos solitário. No momento em que nos encontramos, no começo de 2023 em Salvador, estavam morando no novo apartamento há cerca de 5 meses. Contam com um sorriso no rosto o quanto estava sendo incrivelmente bom, mesmo que pouco tivessem sonhado com isso, porque sentiam bastante medo pela convivência ser complicada, mas que aos poucos entenderam que na verdade amavam os momentos que passavam juntas no espaços que estavam. Hoje, acreditam que vivem em equilíbrio, que ambas contribuem para a limpeza da casa, que o lar está em harmonia e que fazem as coisas serem felizes estando dispostas: no querer crescer se vendo bem. Rosa estava com 26 anos no momento da documentação, é natural de Salvador e está se formando em Enfermagem na UFBA. Atualmente, ela trabalha enquanto funcionária pública. Sarah Cristina estava com 27 anos no momento da documentação. Ela é natural de Feira de Santana, cresceu em Alagoinhas, no interior da Bahia e mora em Salvador há cerca de 8 anos. Sarah se formou enquanto assistente social, mas dedica sua vida ao trabalho de digital influencer e deseja entrar no mestrado em breve. Sarah conta que tudo começou em 2015, numa página de Facebook chamada “Desintoxicação do Romantismo”. A página era para mulheres, sobre autoestima e superação de relacionamentos tóxicos/abusivos. Sarah falava sobre não monogamia numa época em que o assunto era um grande tabu e a página viralizava diversos conteúdos, chegou a mais de 300 mil seguidores, foi então que percebeu aquilo enquanto um trabalho que não ganhava dinheiro. Quando tudo migrou para o Instagram, os conteúdos também cresciam rápido e bombaram, mas o problema seguia o mesmo: não havia retorno financeiro. Vendo a crescente geração de influenciadoras, decidiu que precisava dar um rumo diferente. Foi quando, em 2020, começou a estudar como ganhar dinheiro com as redes sociais e entender seus próprios processos - perceber que ela não existia na página, que o rosto dela não aparecia, que as pessoas não conheciam ela, apenas o conteúdo postado… e decidiu mudar as coisas. Entendendo que tudo precisava mudar, a página Desintoxicação do Romantismo passou a ter o rosto da Sarah, conteúdos feitos pela Sarah e também o nome da Sarah. Entender que abrir a sua vida enquanto digital influencer falava sobre suas inseguranças também foi um grande desafio muito importante a ser enfrentado - que fala sobre a coragem nesse processo (coragem redobrada quando expôs a situação que estava vivendo com a Rosa em 2022). Foi em 2017 quando se conheceram e começaram a relação, Rosa era militante do DCE e liderança dos espaços da saúde da UFBA e num espaço de militância do MST conheceu a Sarah. Elas brincam sobre a Sarah estar o tempo todo de olho na Rosa, mas a Rosa sempre estar muito focada/ser muito responsável e nunca nem perceber que alguém jogava charme pra ela. O que não faziam ideia é que em outra situação a Rosa já tinha visto a Sarah andando pelo campus de tranças e já tinha se encantado por ela, mas no dia que se encontraram ela estava com o cabelo de black e na hora não reconheceu. Sarah conta que ficou paralisada na luz que Rosa tinha ao falar sorrindo, no jeito dela, e fazia de tudo para estar perto. Ela tentou ficar com a Rosa e não deu certo, mas não desistiu, colocou as camas lado a lado no alojamento e acabaram ficando, mas ainda com certo estranhamento, entre as demandas da militância, tudo parecia estar errado. Foi quando Sarah, no dia seguinte, sentou na cama e pensou “Quem me guia, se for para ficar com essa mulher, que ela apareça em 5 minutos, e aí vou conversar com ela!” e ela apareceu… Não só apareceu, como foi a única pessoa que entrou naquela sala durante um bom tempo. Elas conversaram, se acertaram, ficaram bem. Voltaram para Salvador e seguiram se encontrando, durante as férias conversando, e seguem juntas até hoje. Pensando sobre quando começaram a namorar, em 2017, entendem que a vivência era completamente diferente. Era muito frustrante não serem assumidas, sentiam muito medo. Rosa saiu do armário em 2019 e Sarah ainda sente muita dor por ser recente, por não ter contato com algumas pessoas da sua família. Dói muito, mas ainda é menos doloroso que esconder quem ela é e algo tão puro como amar alguém. Sarah acredita que o amor acontece de forma saudável, mas exige muito esforço, não é algo fácil e precisa ser diário, pensando o tempo todo em comunicação. Para alugar o apartamento enfrentaram diversas situações, entre preconceitos e medos. E isso talvez reforce a valorização que dão diariamente nesse novo lar. Sobre a vida que vivem hoje em dia, Sarah conta que não queria pensar onde dar as mãos, não queria sofrer tanto racismo enquanto andam juntas (e também separadas). Hoje em dia não se sentem confortável enquanto um casal em todos os espaços e queria muito sentir. Queriam ser afetuosas nos espaços, nos bares, na rua, porque amam estar na rua e desejam ser quem são. Quando olham o caminho que já percorreram até aqui percebem como foi muito difícil começar a dar as mãos nos espaços públicos e foi preciso muita terapia para entender que poderiam dar as mãos, havia muito medo de serem atacadas fisicamente ou verbalmente… e ainda há medo, até mesmo dos olhares, mas o desejo de viver livremente sendo respeitadas precisa ser maior que o medo. Alguns dias depois do nosso encontro elas viveriam o primeiro carnaval juntas e estavam ansiosas para isso, o primeiro carnaval, mesmo em tantos anos de namoro, que estariam assumidas. É um misto de muito felizes, com medo, tristes pelo medo, mas se permitindo estarem felizes. No tempo livre, Sarah e Rosa adoram ir a praia, ao cinema, cozinham juntas - uma fica responsável pelo doce, outra pelo salgado, e estão aprendendo a sair juntas (coisas que não aconteciam antes) - uma novidade que está sendo muito legal! Elas também amam os pequenos afetos, os carinhos e valorizam os momentos juntas. ↓ rolar para baixo ↓ Sara Rosa






