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Para a Kelly e a Maíra, lar significa o lugar que elas estão juntas. Esse pensamento teve início desde o começo da relação, em que elas se conheceram/se encontraram/e vivenciaram todo o início da pandemia de Covid-19 juntas. Para superar os desafios, estabeleceram o que chamam de “protocolos de bem-estar”: se uma está num dia mais corrido, a outra passeia com o cachorro, por exemplo, fazem de tudo para que a casa esteja harmonizada, assim como a relação entre elas. 

 

Kelly conta de um dia que ela levou uma “bronca” de um chefe e que a Maíra rastejou - para não aparecer na câmera - até chegar ao lado, pegar na mão e dar apoio durante aquele momento que sabia que estava sendo muito difícil para ela. 

 

Desde o começo da relação enfrentaram vários desafios e dificuldades. A Maíra, por exemplo, estava sem trabalhar porque seus atendimentos ainda não haviam migrado para o mundo online e estava bem difícil sustentar, enquanto a Kelly estava finalizando uma empresa que passava pela crise. Foi um suporte e apoio mútuo que uma proporcionou à outra. Elas relembram que isso ficou claro desde o início: partilharam felicidades e dores. Não houve um jogo único e exclusivo de sedução/de mostrar que a vida é só incrível, até porque estavam ali, literalmente sem maquiagens, desde o início. 

 

Hoje em dia, o relacionamento é um lugar seguro para ambas - serve de auxílio também. Elas sentem que terem se encontrado foi a mola propulsora para que vários outros ciclos se fechassem (como a Kelly parar de fumar, melhorar a relação familiar e encontrar sua família biológica). Entendem que nesse encontro algo realmente se encaixou e, não à toa, tatuaram um triângulo que se completa quando estão juntas. 



No momento da documentação a Maria estava com 32 anos. Ela é psicóloga e é natural de Curitiba, no Paraná. 

 

Já Kelly estava com 39 anos. Ela é natural de Governador Valadares, em Minas Gerais, e passou por algumas cidades até chegar em Curitiba, no Paraná. Hoje em dia trabalha enquanto programadora e estuda engenharia de software (esse, um sonho antigo, mas que nunca achava que seria capaz. Voltou a estudar através de um processo de incentivo que a Maíra colaborou muito para que acontecesse ♥).

 

Quando elas deram match num aplicativo de relacionamentos nem imaginavam que teriam tanta coisa em comum: foram 5 horas conversando (e brincam que não pararam de conversar até hoje!). Entre a conversa, foram descobrindo que frequentavam muitos espaços em comum, mas que não se conheciam pessoalmente, por exemplo: a Maíra fazia pós graduação no prédio que a Kelly trabalhava, elas já moraram em lugares muito próximos e, além disso, a Kelly morou no prédio que a mãe da Maíra morava. Também descobriram que ambas são formadas em artes cênicas como primeira graduação e ficaram chocadas com tantas coincidências. Se pegaram pensando: será que já pegaram o elevador juntas? Ou foram na farmácia na mesma hora? Mas entendem que o momento certo de se encontrarem foi aquele, no aplicativo.  



Depois de alguns dias conversando, foram pensando em protocolos de segurança que poderiam enfrentar para se encontrarem - estavam ambas isoladas em suas casas e gostariam de ficar isoladas numa casa só. Na época, não tínhamos informações precisas sobre a Covid-19 então tudo era muito perigoso, contagioso, mas ao mesmo tempo havia uma sensação de que “na semana que vem” tudo iria acabar. 

 

Num sábado a Kelly mandou uma foto para a Maíra de um frango com batatas, chamando-a para a janta, e ela decidiu ir. Foi a primeira vez que se encontraram: tirando a roupa que achavam estar contaminada (porque teve contato com a rua) na porta, colocando na máquina de lavar e correndo para o chuveiro para tomar banho.

 

Assim, elas ficaram de sábado até segunda juntas. Como a pandemia não estava nem perto de dar uma trégua, o relacionamento delas foi acontecendo, elas se encontravam e passavam dias juntas e decidiram depois de pouco mais de um mês fazer uma mudança mais sensata de viver na mesma casa. Maíra pensava nas comorbidades e temia o Covid-19, perante ser uma mulher com um corpo sobrepeso, então elas cuidavam ainda mais do isolamento e decidiram juntar os gatos com o cachorro e ficar em casa, no estúdio em que a Kelly morava. 

 

Foi um momento bastante intenso de estarem num espaço, juntas, 24h por dia. Porém deu tão certo que até hoje vivenciam essa realidade trabalhando de home office, numa rotina bastante caseira. 



Hoje em dia, elas têm um cuidado com a espiritualidade bem grande, por mais que não possuam religiões específicas. Já chegaram a estabelecer um ciclo de 52 semanas (um ano) com rituais espirituais entre textos, propostas, conversas etc. e a Maíra também faz parte do círculo sagrado feminino.

 

Entre a fé e a espiritualidade, elas adoram comemorar as datas: desde casamento, aniversários e outras datas importantes. Não necessariamente com festas, mas celebrando rituais como banhos de ervas, revendo anotações, trocando conversas… acreditam na valorização da trajetória que estão traçando juntas. Nesse caminho que está sendo o relacionamento, lavaram muita roupa suja de vivências anteriores que tiveram - e isso tudo aconteceu dentro de casa - então sentem que esses rituais colaboram na criação de um lar muito seguro, que nem sequer imaginavam ter. 



Kelly acredita que só o amor é capaz de transformar as coisas - se você consegue amar, você consegue propor mudanças reais no mundo.

 

Maíra acrescenta que amor não é hierarquia, é algo mais democrático. Tem espaço para a verdade e o papel de estabelecer conexão com as coisas que estão ao redor. Entre mulheres, amar é também nos protegermos, não é algo violento, é um elo. Ela cita um exemplo da presença do bolsonarismo no condomínio onde moram e da política do medo que isso implica ao ver bandeiras do Brasil nas janelas - a importância que há no nosso amor porque ele vira algo revolucionário, que demanda coragem.  

 

A Kelly conta que foi percebendo ao longo da relação o quanto a visibilidade lésbica é importante. Este foi o primeiro relacionamento que ela assumiu de verdade, que não diz que divide o apartamento com uma amiga, que trata a Maíra enquanto esposa. Termos atendimento num posto de saúde, por exemplo, acontece a partir do momento que mostramos a nossa existência e que as pessoas entendem o quanto é necessário ter atendimentos voltados à saúde da mulher lésbicas. A visibilidade é muito importante para mostrar que existimos porque isso reflete em termos documento, constatação social, políticas públicas, conhecimento e reconhecimento das nossas vidas. 

 Maíra 
 Kelly 
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