Por mais que a família da Kercya não tenha ido ao casamento delas, eles estão completamente apaixonados e empolgados com a vinda da Marina. E a família da Cássia já é maluca (no ótimo sentido) e vibrante por natureza, então está todo mundo feliz e empolgadíssimo diariamente.
Um pouco antes delas saberem da gravidez, estiveram na praia e postaram uma foto com a legenda: marinando. O destino deu seu jeito e tudo se juntou ao nome. Hoje em dia, vivem um novo momento, por conta da gravidez, de terem ficado sem emprego durante a pandemia, de estarem reaprendendo a se virar. Mas não deixam de aproveitar cada segundo com muita felicidade e muito amor.
Sonham com um mundo em que a Marina possa ser completamente respeitada sendo quem ela é, porque é isso que vão ensinar a ela desde sempre: a respeitar os outros como eles são. Pensam muito na vida dela na escola, no mundo, em tudo. Entendem que o amor pode muitas vezes caminhar próximo da dor, mas que ele é mais que um sentimento, é uma experiência, e por isso sempre estarão dispostas a dar tudo o que puderem a ela. Um amor que o olho brilha, que é de verdade e que sustenta.
A gravidez foi um desejo sempre pensado e sempre sonhado por ambas, a Cássia conta que sentia que queria gerar com a Kercya desde o primeiro momento porque quando olhava para ela e para a forma que ela lidava com as crianças já vinha dentro dela uma sensação de “é ela.”, e a Kercya completa que sempre quando elas viam casais com filhos pequenos falavam que “logo será a nossa vez”. Porém, contam também que a própria gravidez em si, por mais que muito pensada, foi também muito rápida, por conta de ter acontecido logo na primeira tentativa.
Quando começaram as pesquisas entenderam que seria muito difícil, por envolver muito dinheiro, tanto na fertilização, quanto na inseminação. Os custos de clínicas privadas eram bastante altos e o SUS (no caso da fertilização) mais próximo de Fortaleza/do Ceará, seria em Natal/RN, o que era muito longe e caro para elas. Foi então que chegaram no processo de inseminação caseira, mas entenderam que envolvem muitos riscos e por isso precisam de muito cuidado e muita pesquisa. Foi mais de um ano de exames e acompanhamento médico, até que conseguiram contato com um doador em Fortaleza e resolveram fazer a primeira tentativa no período de ovulação. O procedimento foi em casa, envolvendo ejaculação, seringa, luvas, tudo direitinho. No momento exato, estavam só as duas. Elas contam que se apegaram mais na possibilidade de não dar certo, pelo medo da frustração, por saberem das chances (que não eram altas), mas a partir do momento que tiveram o olho no olho, ali, juntas, mesmo com o não, era um momento bastante marcante. Tudo aconteceu no dia 30 de novembro. Algumas semanas depois, a menstruação não desceu, 8 testes foram feitos, todos deram positivos. O exame de sangue comprovou: estavam grávidas! Marina surgiu nesse mundo!
O melhor de toda essa história é que o ponto chave em que elas começam a conversar prova que o amor está disposto a enfrentar MUITOS desafios particulares, e um deles é que nessa época a Cássia estava voltando para a casa de moto, porque não se sentia bem pegando ônibus - ela desenvolveu uma fobia e não conseguia ficar dentro do transporte. Mas, em um dia específico, a Kercya ficou sem carro e na hora em que estavam saindo do trabalho perguntou que ônibus ela pegava, e no impulso a Cássia respondeu que pegaria o mesmo ônibus que a Kercya apenas para que elas pudessem ir juntas para passarem mais tempo, puxarem conversa, poderem ter alguma interação. O fato é que, desde o momento em que entraram no ônibus, a menina suou tanto frio que nem prestava atenção em nada do que a Kercya falava, de tão nervosa que estava. Só lembrou de antes de se despedir, pedir o Whatsapp para avisar quando chegar em casa e quando chegou mandou mensagem, desde então, começaram a conversar.
A Kercya não tinha noção de que a Cássia era lésbica, mas já havia compartilhado sobre o relacionamento que vivia e sobre as condições dele não estarem boas e as dificuldades que passava, foi num momento em que conversavam na escola que a Cássia puxou um “acho melhor falarmos disso em outro ambiente, vamos um dia lá em casa!”, a Kercya achou ok e topou, no fim de semana seguinte, estava lá.
Nesse dia, elas ficaram. Ou melhor, a Cássia atacou ela! Hahahaha! Foi assim mesmo! Ela disse que “vai ou racha!”. E foi. A Kercya terminou o relacionamento por ligação mesmo, visto estar insustentável e desde então elas não se desgrudaram mais. Se viam todos os dias, uns meses depois foram morar juntas e depois de um tempo se casaram, tanto no civil, quanto no religioso (no dia do casamento, inclusive, quando elas entraram, rolou um arco-íris de presente da natureza no céu!). ♥
Com o passar dos dias, a Cássia foi sustentando a paixão secreta e chegava cedo no trabalho, tentava sempre puxar assunto na recepção, fazia de tudo para soltar um sorriso da Kercya, mas ela não dava muita bola. Na época, tinha um relacionamento à distância com uma mulher que morava na Bahia e esse relacionamento era bastante escondido para ela, era algo bem difícil também, estava bem conflituoso, então conta que acabava se fechando bastante.
O fim do ano chegou e com ele a festa de confraternização da escola também, seria numa pizzaria e a Cássia armou toda uma situação para ficar sozinha com a Kercya no carro (que, infelizmente, deu errado). No dia, a Kercya tinha batido o carro, tido um dia difícil também no relacionamento, não estava se sentindo nenhum pouco bem, acabou que isso só foi descontado na Cássia e ela se sentiu mal e foi embora.
Mais uma vez, em uma desilusão amorosa, agora no fim de ano, ela cogitou o pensamento novamente da ida para a Itália... com o passar dos dias e a chegada do réveillon, ela fez uma viagem até a Paraíba e lá chorou vendo os fogos. Enquanto a Kercya, em sua virada, também passou o ano novo triste, chorando. Ambas sem saber o que seria de 2017 e sem boas expectativas.
A Cássia pensou muito sobre a volta para a escola no começo do ano e pensou em voltar nem que fosse para pedir demissão. Quando chegou no local, viu logo o sorriso da Kercya e sentiu tudo aquilo de novo, então não tinha jeito, resolveu ficar. Com o passar dos dias percebeu que ela (a Kercya) estava permitindo sorrir mais, ser mais simpática, mais aberta… e assim começou o ano letivo.
Foi depois de rodar o Brasil e voltar para casa que Cássia teve uma decepção amorosa e decidiu que sairia do país. Era fim de 2016, ela conseguiu uma rescisão boa em um emprego, conheceu uma mulher que organizava passagens de ida para a Itália (não vendia, mas organizava questões de baixa no euro) e se inscreveu na lista de espera. Até que surgiu um lugar que precisava de uma pessoa para fazer um trabalho de um dia para uma colônia de férias escolar, como um freelance, e ela topou, pois seria uma forma de entrar mais dinheiro.
Essa escola, sem ela sequer imaginar, pertencia à irmã de Kercya, pessoa que ela conheceu logo no primeiro dia, pois trabalhava na recepção. Quando ela chegou, animada, dando bom dia, foi respondida com um oi um pouco ríspido e já não entendeu muito qual era o clima, mas o dia seguiu bem e acabaram convidando-a para voltar no dia seguinte, ela topou pela questão financeira.
A proposta se estendeu para terça e quinta da semana seguinte e nesse segundo dia, ouviu uma conversa por alto da diretora comentando com outra pessoa sobre estarem procurando alguém para trabalhar de forma fixa ali, enquanto pedagoga. Um tempo depois, ela estava na rua e ouviu uma gargalhada muito gostosa vindo da sala da recepção, disse sentir algo único, era uma gargalhada única, e perguntou para um menino que estava por perto de quem era essa gargalhada, ele só olhou e respondeu “ihhhhhhh…” e então, quando ela passou pela sala, viu a Kercya de costas, com uma trança no cabelo, rindo. Preciso continuar explicando a cena? Foi paixão à primeira gargalhada, né. Ela conta que sentiu o coração amolecer. Quando viu a diretora (que nem imaginava que era irmã da Kercya), simplesmente resolveu dizer que ela não precisava mais procurar alguém para trabalhar ali, não!! Mas sim, que já havia encontrado! A diretora riu, achou que estava brincando, e ela confirmou que não era brincadeira, que a pessoa era ela mesma, pois estava estudando pedagogia e era a pessoa certa para o cargo. A diretora confiou, aceitou e ela foi contratada (hoje em dia, elas dão risadas e comentam que essa decisão foi bem criticada pela própria Kercya inclusive, que disse “como você contrata alguém assim, sem conhecer direito?!”).
Conheci e fotografei a Cássia, a Kercya e a Marina durante a passagem do Documentadas por Fortaleza, no mês de maio. As duas escolheram batizar a Marina com esse nome porque Marina significa o que vem do mar, além de ser o nome que se dá àquela linha do horizonte que divide o céu da água, e foi no mar também que nos encontramos, na praia, conversando, com os pés na areia.
Elas já chegaram falando “a gente olha pra cá e só consegue imaginar a Marina aqui, engatinhando”, foi assim que começaram a contar a grande aventura que foi planejar essa gravidez. Por mais que tudo tenha sido bastante pesquisado e feito com cuidado, elas brincam que as coisas meio que aconteceram, como tudo na vida delas… “o destino sempre dá uma ajudadinha”.
A Cássia tem 34 anos, é animadora de festa infantil e recreadora, trabalhava com festas de aniversários e já fez de tudo um pouco (há boatos que até participar de trio estilo carreta furacão participou! hahaha!). Ela já rodou o Brasil com mochila nas costas sem um tostão no bolso vendendo arte por aí, já empreendeu, já conheceu muita gente… e sempre sonhou em ser mãe.
A Kercya tem 31 anos, é gestora de recursos humanos, chegou a acompanhar o trabalho de animações por um tempo (dando vários auxílios, principalmente na produção), trabalhou em uma loja enquanto gestora até o meio da pandemia, adora fotografar (hobbie um pouco criticado pela companheira por motivos de falta de enquadramento, risos) e é uma eterna apaixonada por cinema.