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Gabriela e Aline se conheceram durante a pandemia de Covid-19, em 2021, se esbarrando online num aplicativo de relacionamentos.. Elas moravam sozinhas e estavam em suas casas seguindo todos os protocolos exigidos pelas organizações de saúde, então colocaram pequenas distâncias de quilometragens para o aplicativo encontrar apenas quem estava próximo - a ideia era não precisar pegar um meio de transporte para “ter um encontro/um date”. Enquanto Aline fez questão de analisar o perfil da Gabi e dar um ‘like’ proposital, Gabi deu sem prestar muita atenção, porque estava mesmo assistindo à novela. Mas o que importa é: começaram a conversar, e ainda melhor: viveram, pela primeira vez, uma paixão de verdade, dessas intensas, “clássico sapatão, que a gente sempre ouve falar”. Viram que tudo foi fluindo, ainda que bem rápido, construíram acordos, falavam sobre seus valores, o que desejavam, como se viam, sobre suas terapias, se viam de forma saudável e comentam como era diferente serem adultas e terem relacionamentos saudáveis pela primeira vez [finalmente, né?!!]. Criaram uma série de protocolos, por conta da pandemia, e em meio à sentirem a paixão chegando, mandando comidinhas por carro de aplicativos uma para a outra, o envolvimento aconteceu, chegou o momento de se conhecerem pessoalmente e os encontros seguirem acontecendo. 

 

Sentem que o começo envolveu muitas situações simultâneas: eram muitos ajustes e desafios a serem feitos/cumpridos. Se conheceram dentro de casa. Nos primeiros três meses passaram por mudanças, finalização de doutorado, decidiram firmar uma união estável por conta de vários processos burocráticos (e políticos também), a pandemia acontecia, o (des)governo, tudo somava. Gabi conta que era a pessoa que bagunçava para depois arrumar, enquanto Aline era quem se esforçava para não bagunçar. Foram aprendendo uma com a outra. Estavam sempre apostando na relação, mostrando que o relacionamento era a maior aposta delas naquele momento. Sentem que o mundo estava em catástrofe e que conhecer alguém num momento como esse, de alguma forma, é “puro”, é conhecer o estado mais puro de uma pessoa. É muito diferente de conhecer alguém quando está tudo bem. É conhecer a pessoa por inteiro, conhecer ela lidando com algo difícil. Conhecer alguém assim é entender que a pessoa está disposta à reconstrução, é mesmo sabendo que não há controle, querer ficar. 

Gabriela, no momento da documentação, estava com 34 anos. Ela trabalha enquanto assistente social e possui diversos estudos como mestrado e doutorado voltados à área da saúde. É natural de Porto Alegre e morou na cidade sua vida toda. Ama estudar, viver cercada de pessoas (amigos/família) e acredita ser um grande elo para quem a cerca. Brinca, junto da Aline, que na época em que se casaram quase abriram um processo seletivo para decidir os convidados, de tantos que seriam. Praticou dança aérea durante um bom tempo, adora arte e tudo o que é relacionado à música e a dança. 

 

Aline estava com 35 anos no momento da documentação. É natural de Porto Alegre, mas desde a infância já morou em diversas cidades brasileiras como Guarulhos (SP), Arroio do Meio (RS) e Brasília (DF). Voltou para Porto Alegre para estudar e hoje em dia fundou uma empresa que oferece serviço de soluções organizacionais para outras empresas. Ela e a Gabi moram no principal bairro boêmio da cidade e adoram a relação que possuem com os vizinhos, todos se conhecem, se sentem num bairro de cidade pequena. Ela adora tocar instrumentos como violão, ukulelê, também se aventura na cozinha, gosta de experimentar receitas, inventar coisas, passar horas… e transformar a casa num verdadeiro lar. 

 

Como a relação e a casa surgiram no decorrer da pandemia, diversos hobbies (como o próprio ato de cozinhar) foram surgindo em convivência com o lar. Entre eles, alguns mantém até hoje: como tomar um café da manhã demorado, passar bastante tempo com as gatas e dar valor à intimidade. Isso faz a rotina delas ser única. 

 

Sentem que, hoje em dia, existe esse lugar de segurança muito único dentro do relacionamento pelo fato de terem vivido muitas coisas no início e por sempre conversarem abertamente sobre tudo. É um lugar muito aberto, livre de julgamentos. Um espaço que deixa o relacionamento empoderado, fortalecido e amadurecido para falar sobre qualquer assunto. 

Quando pergunto sobre como entendem o amor que vivem, Aline explica que depois que começou a viver a relação com a Gabi, passou a falar muito mais sobre o amor. Acredita que esse falar/pensar em amor vem justamente por conta dessa aposta que fazem (e que falamos desde o início da nossa conversa). É o que nutre e o que faz bem, não é como uma certeza, um destino, algo que está dado, mas é algo moldado diariamente, construído, cuidado. É uma ação que precisa estar sempre sendo feita e pensada. Ainda mais entre mulheres porque se trata de um amor vigilante, um cuidado sobre onde podem amar e como será demonstrado esse amor: “Porque não são todos os lugares que se pode amar, apesar do amor estar sempre ali”. 

 

Gabi explica que trabalha com política de primeira infância e que nesse local sempre é criado ambientes acolhedores com vínculos seguros “que gerem autonomia para a criança saber explorar” e quando elas se conheceram ela estava estudando sobre isso e ficou muito tempo pensando como criaria essa liberdade dentro da relação, no sentido de estabelecer ambientes seguros para estarem confortáveis, possibilitar uma relação que pensa em conjunto e permite carinho, falar sem julgamento, expor as ideias e pensar diferentes rumos. E acredita que foi possível criar isso. E é em parte disso - somado a todo esse cuidado que possuem diariamente em manter o que foi feito até aqui - que está o amor.


Com aproximadamente três meses de relação, fizeram uma união estável, por vários motivos: para a Aline entrar no plano de saúde da Gabi, para conseguirem morar juntas reduzindo burocracias, por questões políticas que acreditavam… Logo no começo da relação, quando caminhavam pelo bairro, elas sempre passavam pela rua que moram hoje (uma rua completamente aleatória, mas cismavam em entrar) e olhavam os apartamentos procurando algum para alugar, até que um dia encontraram e entraram em contato só para saber quanto custava. Não era uma opção mudar, ambas já tinham suas casas e Gabi estava rumo à entrega do seu doutorado, uma mudança não era cabível. Mas elas acabaram recebendo uma mensagem sobre esse apartamento, decidiram fazer uma proposta e não esperavam ter a proposta aceita. Descobriram que conheciam a dona. Tudo caminhou para que desse certo - e deu! Descobriram também que ele tinha até um pátio com plantas frutíferas. No começo rolou uma crise de ansiedade forte (também, como não rolaria, né? tudo estava acontecendo muito rápido) e as perguntas eram: Como iriam morar juntas? E como a família iria lidar com isso? Eram duas mulheres. Também iriam ser vistas como uma unidade familiar. Pensaram na união estável como saída. 

 

E aí chegam novos acordos e combinações. Quando decidiram casar, por exemplo, tiveram que pensar em outras coisas: “Se sofrermos uma situação de violência/preconceito aqui, indo fazer a aliança, por exemplo, damos as costas e não fazemos ou fazemos por ser o lugar mais barato e não termos a opção de fazermos em outro local?” Enfim, como agir se tiver um preconceito aqui? São novos pensamentos a começar a se “planejar” caso algo venha a acontecer. 

 

Por fim, se casaram embaixo de uma figueira, num evento incrível. Riem contando que metade da relação foi planejando essa festa. Mas destacam, também, o quanto demorou tanto para planejar porque não achavam referências de um casamento que representassem quem elas são. Não queriam que fosse tudo LGBT com bandeiras e tudo mais, não porque não precise ter uma bandeira (tudo bem ter), mas porque o grande símbolo são elas. O grande símbolo é o amor delas. Queriam celebrar o amor e comemorar com quem amam. Destacam que como se conheceram na pandemia, muitos dos seus amigos/familiares não se conheciam ainda e o evento foi para juntar todos numa grande festa, então era uma celebração que representasse o jeito delas de amar. Foi muito difícil criar isso sem preconceito ou sem fazerem questão de colocarem em alguma caixinha. Mas era necessário e quando aconteceu foi incrível. 

 Gabriela 
 Aline 
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