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Espaço de Pesquisas

Oi! Este é um espaço do qual você pode pesquisar e encontrar histórias de mulheres que participaram do nosso projeto por todo o Brasil! Legal, né? 

Pra usar, basta digitar no espaço de pesquisa alguma palavra-chave, por exemplo: alguma profissão, alguma cidade, algum tema... 

 

É o nosso verdadeiro banco de dados - o primeiro, da história das mulheres que se relacionam afetivamente

com mulheres - e precisa ser valorizado! ♥

197 resultados encontrados com uma busca vazia

  • Samara e Rebeca | Documentadas

    Rebeca e Samara se conheceram em outubro de 2023, durante uma live de uma página voltada ao público lésbico e bissexual. A proposta da live era conectar mulheres, seja para amizades ou relacionamentos. Samara tinha saído de um relacionamento - que não havia sido fácil - há cerca de seis meses, tomou coragem e decidiu participar para conhecer pessoas novas. Foi então que Rebeca a notou e começou a seguir no Instagram. Começaram a conversar imediatamente e se deram super bem, as conversas se tornaram diária e vieram chamadas de vídeo e ligações. Construíram um vínculo à distância - uma morando na Bahia, a outra no Piaui - que durou seis meses, e decidiram se relacionar de forma virtual. Em abril de 2024, Rebeca disse para Samara que faria uma viagem para visitar o pai no interior. No entanto, dias depois, veio a surpresa: Rebeca não estava no interior, mas sim a caminho de Salvador. Com a ajuda de familiares, ela arquitetou uma mudança e aproveitou a ocasião para surpreender Samara em seu aniversário, deixando claro que já tinha os planos de conseguir um emprego por lá e ficar de vez. A falta de aceitação de sua sexualidade pela família, somada aos seis meses de conexão intensa com Samara, desencadeou o impulso de recomeçar. Tinha o medo de não dar certo por não se conhecerem pessoalmente? Claro. Mas arriscar era preciso. Após algumas entrevistas, conseguiu um emprego e começou a se estruturar. Como ela mesma diz: "Já vim com os planos de ficar perto da Sam, não queria mais voltar para o Piauí." Desde então, elas têm vivido juntas, transformando aquela conexão inicial em uma história de amor real e corajosa, e Rebeca não se arrepende e nem deseja voltar. Quando chegou em Salvador, Rebeca ficou na casa dos seus familiares que moravam na cidade, mas também foi recebida com carinho pela família da Sam. Após uns meses, decidiram começar uma vida juntas, em um lar só delas. Os primeiros móveis foram adquiridos com pressa, mas com a ajuda preciosa da família para facilitar o início dessa nova etapa, ainda que pagando em várias prestações. Com alegria, contam como frequentemente refletem sobre essa decisão e afirmam, sem hesitar, que não se arrependem - principalmente a Rebeca, de ter deixado o Piauí para construir essa história ao lado de Samara. O amor, que começou de forma tão inesperada, revelou uma força que surpreende até elas mesmas. O que torna a relação única, segundo Sam, é a forma como se sentem ouvidas e reconhecidas uma pela outra. "Não vale só assinar embaixo. Ela deixa eu falar," diz Samara, expressando a dinâmica de respeito mútuo que construíram. E isso que é muito interessante, no dia-a-dia, além de desafiador, mostra o quanto representa crescimento para elas e para a família. E nesse crescimento também aprendem a lidar com questões que nem sabiam que era possível: como os ciúmes, a vida financeira, a ter paciência e entender que conquistam as coisas aos poucos, de acolher nos momentos difíceis, não procrastinar a luta dos estudos… uma puxa a outra nos sonhos. O amor delas também se revela nos pequenos impulsos do cotidiano. Desde Sam que gasta todos os caracteres na hora de se declarar, até a forma mais tímida de Rebeca, que prefere ações a palavras. É o mesmo impulso que levou Rebeca a mudar de estado e que ainda as guia em decisões, como comprar coisas sem tanto planejamento ou dizer “sim, vamos” antes de pensar duas vezes. Esses gestos espontâneos mostram que, mesmo com os desafios, o que importa é fazer dar certo. Samara, no momento da documentação, estava com 26 anos. É formada em História pela UBA e vive em Salvador, onde trabalha como professora em uma escola particular. Apesar de amar sua formação, sonha em cursar Direito, algo que pretendia fazer desde o início, antes de se apaixonar por História. Determinada e cheia de sonhos, Samara ainda planeja voltar à faculdade e realizar esse desejo. No tempo livre, ela adora ir ao cinema, shows, ouvir música, ler e assistir séries. Rebeca estava com 21 anos no momento da documentação. Nasceu em Salvador, mas passou a maior parte da vida no Piaui. Recentemente, em abril de 2024, decidiu voltar para Salvador motivada pelo amor que construiu com Samara. Atualmente, trabalha como operadora de telemarketing e cursa Ciências Biológicas, mas seu grande sonho é estudar Medicina. Rebeca é apaixonada por música e se destaca ao tocar violão, guitarra e bateria. Embora não seja fã de leitura como Samara, ela ama ir ao estádio de futebol – um hábito que aprendeu com Samara, e agora ambas torcem juntas pelo Vitória. A praia é um dos cenários mais especiais para as duas. Apaixonadas pelo mar, elas encontram nesse ambiente o refúgio para criar memórias juntas. Assim como o futebol no estádio, os passeios à beira-mar se tornaram um dos momentos mais significativos do relacionamento, por isso escolheram o lugar para fazermos as fotos na documentação. ↓ rolar para baixo ↓ Samara Rebeca

  • Babi e Maria

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Babi e da Maria, quando o projeto passou pela Bahia!. Maria e Bárbara enxergam o relacionamento como um grande divisor de águas: no começo, tinham muito medo de se relacionar. Os traumas, as inseguranças… tudo se misturava e acrescentava para que não quisessem um novo relacionamento. Não achavam justo começar algo se o passado ainda não havia curado. Aos poucos, foram tentando e acontecendo naturalmente. Acreditam que a amizade e o cuidado agiram curando os traumas de forma que nem sabiam que era possível e até mesmo quando os gatilhos eram despertados elas tomavam à frente e tentavam ter o máximo de cuidado uma com a outra. Por mais que se entendam enquanto pessoas muito diferentes, que possuem realidades, estilos e vidas diferentes, se encontram a partir dos propósitos que possuem em comum. Maria conta que desde o começo entraram de cabeça uma nos planos da outra e não se veem mais distantes, se incluem em absolutamente tudo. Compara-se frequentemente aos seus pais ou suas tias que possuem longos relacionamentos e amizades, sentindo que está desde já criando as próprias memórias com a Babi. Desejam ficar juntas de forma duradoura e ficam felizes em ver desde já as memórias iniciais que criam e compartilham. Bárbara, no momento da documentação, estava com 23 anos. Ela nasceu no interior de São Paulo, numa cidade chamada Espírito Santo do Pinhal, mas mora na Bahia há mais de dez anos. Trabalha enquanto modelo, é artista e babá. Também faz curso de enfermagem e quer muito ser doula - agora que a melhor amiga está grávida, finalmente está investindo nesse sonho que acabava deixando de lado. Maria, no momento da documentação, estava com 27 anos. Ela é do sul da Bahia, foi morar em Salvador há alguns anos e atualmente mora em Abrantes, uma vila em Camaçari, região metropolitana de Salvador e mesmo lugar onde a Babi reside. Maria trabalha como professora de inglês. Quando já estavam juntas, numa época em que nada estava dando certo na vida da Maria, ela procurava apartamentos para morar em Salvador e não achava, então Babi falou sobre apartamentos muito mais baratos e seguros (por ser em condomínios) em Abrantes. Ela cogitou ir, já que nada mais a prendia na cidade grande já que suas aulas eram online, e conseguiu se mudar. Hoje em dia elas moram no mesmo condomínio, em casas diferentes. Foi em 2022 que Babi, mesmo nunca gostando de aplicativos de relacionamento, resolveu baixar o Tinder no auge de sua solteirice. Ela estava em Salvador visitando uma amiga e logo deu ‘match’ com a Maria. Maria mandou um “Oi, tudo bem?”, ela não respondeu e Maria pensou “Nossa, que rude!”... 10 minutos passaram e Babi respondeu pelo Instagram: “Tudo, e aí?". Conversa vai, conversa vem, elas viram pelo aplicativo que estavam muito próximas, descobriram que na verdade era na mesma rua e decidiram se encontrar. Contam que nunca tinham feito isso, estavam com medo de ser um homem e/ou uma pessoa casada, mas no fim deu tudo certo. Bárbara avisou que estava saindo, Maria nem conseguiu se arrumar, abriu a porta e ela já estava lá. Ficaram com os amigos em casa, tudo foi bem divertido. Conversaram a madrugada toda, só se beijaram na hora de dormir. No dia seguinte estavam pensando que “Ah, foi uma noite legal e só”, mas logo nos próximos dias já se viram, se viram, se viram… E até hoje o maior tempo que ficaram distantes foi no máximo por uma semana. Um mês depois do primeiro encontro o pedido de namoro saiu… e acreditam que justamente pelo tanto que vivem juntas sentem que o tempo de relacionamento parece ser muito maior do que realmente é. Hoje em dia, Maria voltou a dar aulas presencial. Estão vivendo mudanças bem legais, adoram cozinhar juntas, fazer coisas artesanais, escrever poemas, tocar instrumentos, ficar com os gatos… Maria conta que vê a Babi como alguém que entrou na vida dela para melhorar tudo. Sua vida deu um salto de qualidade gigantesco. Babi completa que foi recíproco, ambas melhoraram. Maria ajuda ela nas questões familiares, ensina sobre a independência, sobre correr atrás dos seus sonhos e lidar com os pais corujas. Para Maria, todo amor é uma construção, não é algo que acontece de um dia para o outro. Fala do amor dos pais, o quanto admira-os e o quanto precisou ser reconstruído dia após dia, por exemplo, quando ela se assumiu. Explica que se viu amando quando percebeu que confiava sua vida à Babi, e fica muito feliz que a construção delas tenha acontecido de forma leve, porque são uma para a outra o que sempre foram para os outros e que os outros nunca foram pra elas. Por fim, querem ressaltar que o relacionamento é marcado por “Primeiras vezes” desde que se conheceram, ou seja, sempre possuem primeiras experiências juntas. Como: primeira sessão de fotos, primeira vez viajando juntas, primeira vez que a família conheceu alguma companheira, primeira vez que foram no Festival de Verão de Salvador… e que escolheram ir nos brinquedos para tirarem as fotos porque é um lugar que amam muito, que se sentem felizes e que podem ser quem são de verdade. ↓ rolar para baixo ↓ Bárbara Maria

  • Andréia e Dalila | Documentadas

    Dalila estava com 28 anos no momento da documentação, nasceu em São Paulo, mas se mudou para uma cidade interiorana próximo à Campinas ainda jovem. É uma pessoa bastante calma, sempre encontrou formas de se adaptar aos diferentes cenários de sua vida - e por isso, gosta de se definir como um camaleão. Formada em contabilidade, começou sua carreira na área administrativa, mas foi aos 24 anos que aproveitou novas oportunidades, indo para hotelaria. Adora yoga e pilates. Andréia, no momento da documentação, estava com 47 anos. Nasceu em São Paulo, saiu de casa aos 17 para desbravar o mundo. Formada em contabilidade, tinha o sonho de trabalhar na Bolsa de Valores e chegou bem perto disso: ingressou em um escritório vinculado à Bolsa, mas o destino tinha outros planos. O departamento de hotelaria no mesmo escritório despertou maior curiosidade, uma das colegas tirou licença-maternidade e ela pegou algumas das suas responsabilidades. Dez meses depois, veio uma promoção e uma proposta: mudar para Recife trabalhando com isso. Era 2003, ela tinha pouco mais de 20 anos e topou na hora, sem nem pensar duas vezes. Passou três meses trabalhando em Angra dos Reis para entender como os hoteis funcionam, depois desembarcou em Recife e ficou por lá alguns anos. Desde então, já possui mais de 20 anos de carreira na área, trabalhando principalmente no nordeste. Juntas, Dalila e Andréia formam uma parceria que se complementa: Dalila é metódica, cuidadosa, calma. Lembra Andréia de levar o casaco, beber água ou ajeitar a postura. Andréia vem com a agitação, o espírito aventureiro, lembra Dalila de viver o momento, a juventude. Depois de passar anos morando no Nordeste, Andréia passou por algumas questões familiares e precisou voltar para São Paulo. Retornou sem emprego, sem contatos e sem um plano claro, considerando até mesmo a possibilidade de um intercâmbio. Enquanto isso, enviou alguns currículos e, em pouco tempo, recebeu uma proposta de emprego em um hotel conhecido em Campinas. Foi lá que conheceu a Dalila. No início, era complicado entender os sentimentos que começavam a surgir entre elas. Dalila tinha 23 anos, estava começando sua carreira. Andréia, além da diferença de idade, ocupava um cargo de liderança. A posição profissional pesava e decidiram manter o relacionamento em segredo. Por mais que a idade fosse um fator, Dalila sempre foi uma pessoa muito madura e isso nunca interferiu na relação, tinham mesmo era receio da questão profissional. Se conheceram um pouco antes da pandemia de Covid-19 e do lockdown acontecer. Quando foi declarado, o hotel ofereceu uma opção de demissão voluntária - os empregados se demitiriam mas teriam todos os direitos garantidos - e elas optaram por fazê-la, e assim, poderiam também assumir a relação sem mais o medo disso interferir no trabalho. Depois disso, passaram por um novo momento: assumir à família. Alguns meses depois, contaram para a mãe da Dalila. Era um momento bem significativo, a primeira vez que falaria da sua sexualidade, somado ao fato de estar com uma mulher mais velha e, ainda, o desejo de sair de casa. Apesar da complexidade, sua mãe, uma mulher incrível, acolheu a notícia com compreensão e amor. Esse período de adaptação levou alguns meses, mas foi essencial para fortalecer a relação entre elas. Ainda nesse processo, tiveram a primeira viagem juntas, o primeiro trabalho pós-demissão e receberam uma nova proposta para trabalhar juntas em Porto Seguro. A primeira mudança que fizeram para Porto Seguro a fim de trabalharem juntas foi um divisor de águas na vida da Andréia e da Dalila. Andréia assumiu a gerência, enquanto Dalila cuidava da parte operacional. Em meio à pandemia, estavam no único hotel aberto em Porto Seguro. Esse período marcou o início de uma vida compartilhada, tanto no trabalho quanto na relação pessoal. Mesmo em tempos desafiadores, encontraram maneiras de aproveitar. Passearam por Arraial d’Ajuda - o local onde fizemos as fotos - beberam água da fonte lendária que promete trazer de volta aqueles que a experimentam e visitaram Trancoso. Essa última viagem ficou ainda mais especial com uma pousada em que se hospedaram e da qual gostaram tanto que, três anos depois, decidiram arrendá-la e trabalhar nela como administradoras. Quando o contrato em Porto Seguro terminou, um novo destino chegou: Porto de Galinhas, em Pernambuco. Em Pernambuco trabalharam em hoteis distintos, exploraram novos hábitos alimentares e descobriram formas diferentes de viver. Foi nesse período que Dalila despertou um amor especial pela cozinha, criando cafés da manhã não só para elas, mas também para vender. Em 2022, surgiu uma oportunidade de retornar à Bahia, entre Porto Seguro e Trancoso, para trabalhar novamente com hoteis e pousadas. Decidiram voltar e, dessa vez, arrendaram a pousada que tanto haviam amado anos antes. Moraram em Arraial d’Ajuda e se deslocavam diariamente para Trancoso, onde gerenciavam a pousada. Dalila voltou a se dedicar à culinária, inclusive fazendo isso na pousada: elaborando cafés da manhã em sua maioria vegetarianos. Ficaram quase um ano nessa rotina. Após o período na pousada, seguiram para outros trabalhos, foi então que Dalila criou o Manhãs e Marés: um serviço especial de cafés da manhã, atendendo tanto pousadas/hoteis quanto clientes individuais. Atualmente, Andréia continua sua carreira na administração de pousadas e beach clubs, enquanto Dalila equilibra sua paixão pelos cafés com o suporte à administração. Hoje, além do trabalho e do tempo de qualidade juntas, Andréia e Dalila dividem o amor por uma gata que adotaram. A vida que construíram reflete a busca constante por leveza, equilíbrio e conexão. Elas se alegram com as pequenas e grandes mudanças que alcançam juntas, aprendendo a ser pés no chão, mas sem se cobrar demais. Dalila conta que Andréia traz a agitação para a vida dela e foi num desses momentos que surgiu o “Praciar” - ato que fizemos na hora da documentação: sentar na praça e observar. Compram uma cerveja, ficam de boa, assistem o movimento. Dalila gosta de dormir cedo, então ficam na praça até ela começar a sentir sono, e vão embora. Adoram a calmaria do relacionamento, acreditam que o amor próprio é a chave para ele dar certo e, ainda mais para a Andréia, que se vê enquanto uma pessoa agitada que sempre fez “muita balbúrdia”, a calma da Dalila a ensina o tempo todo. Entendem esse amor refletido no respeito por ser quem são, no momento de cada uma, nos limites das inseguranças e em enfrentar os momentos difíceis juntas. No momento da documentação, inclusive, haviam acabado de chegar de um encontro de famílias que só aconteceu depois de cinco anos de relacionamento, lá em São Paulo. Pensam na demora e na insegurança que tinham pelo fato da diferença da idade, por terem familiares mais velhos presentes, senhores e senhoras de 80 e 90 anos e que havia receio do que poderiam ouvir, ainda mais por verem Dalila como uma “menininha” e por ela estar namorando uma mulher mais velha. Todavia, foi incrível, acolheram Andréia de uma forma maravilhosa e admiraram a felicidade delas. Nesse ato elas enxergam o amor, entenderam que o importante é serem felizes, estarem em conforto e cuidado. ↓ rolar para baixo ↓ Dalila Andréia

  • Uine e Denise | Documentadas

    Uine estava com 31 anos no momento da documentação, é psicóloga e atua na área clínica. Natural de Salvador, mas boa parte da família reside em Minas Gerais, o que faz frequentar muito o estado e estar sempre nesses caminhos. Uine conta que uma coisa importante sobre sua vida é o processo de compreensão de sua negritude, que começou há cerca de seis anos, impulsionado por lacunas na sua vivência familiar – parte de sua família é branca – e pela autonomia adquirida ao morar sozinha e trilhar um caminho independente. Na época, Uine já estava em um relacionamento de 10 anos com um homem, que sempre foi de muita amizade e companheirismo. Porém, em dado momento sentiram a necessidade de abrir a relação, percebendo que ela não seria sustentável a longo prazo. Esse momento foi um divisor de águas: começaram a fazer terapia de casal e a explorar novos formatos de relação, incluindo a possibilidade de Uine se envolver com outras pessoas – e pela primeira vez, com mulheres. Essa fase de descobertas marcou os últimos três anos da relação. Denise estava com 37 anos no momento da documentação, nasceu em Salvador, mas vive em Lauro de Freitas, na região metropolitana. Formada em arquitetura, trabalhou por anos na construção civil, o que a levou a se mudar para Recife em determinado momento da carreira. Foi lá que vivenciou grandes transformações de vida, incluindo a descoberta de sua homossexualidade, de novas rotinas e de um novo modo de ser. Determinada a começar um novo ciclo, matriculou-se em diversos esportes, mas foi o crossfit que realmente despertou sua paixão. Ao retornar para Salvador, percebeu que o mercado da construção civil já não fazia mais sentido para ela e que estava em baixa no geral. Notando a ausência de boxes de crossfit em sua cidade, decidiu seguir um sonho e fundou a Crossfit Agreste, o primeiro box de Lauro de Freitas. Uine conta que os últimos três anos do relacionamento aberto trouxeram desafios intensos que refletiram diretamente em sua saúde. Sentia que tudo o que havia aprendido na faculdade era apenas a ponta do iceberg diante da complexidade que vivia. Esse período foi marcado por adoecimentos e pela necessidade de um cuidado maior consigo mesma, tanto na saúde mental quanto física. Em 2021, ainda em meio à pandemia, ela descobriu o crossfit, uma atividade que não só ajudou a manter o corpo em movimento, mas também proporcionou uma válvula de escape para conhecer pessoas e criar novas conexões. Mesmo após o término do relacionamento, Uine e seu ex-companheiro prezaram pela amizade construída ao longo de uma década. A honestidade continuou sendo um pilar importante em sua vida, especialmente com sua mãe. Quando ainda estava no relacionamento aberto, teve longas conversas para contar sobre seu envolvimento com mulheres, o que já foi um impacto para a família. Mais recentemente, seu relacionamento com Denise trouxe novamente essa necessidade de diálogo e enfrentamento de preconceitos, mas também marcou um novo tipo de aceitação. Denise, por sua vez, estava em um momento de recomeço. Após o término de um casamento de 8 anos, que havia começado junto com o sonho da Crossfit Agreste, Denise decidiu que o carnaval de 2023 seria o momento para se redescobrir. Era seu primeiro carnaval solteira e assumidamente lésbica, e estava pronta para aproveitar. Mas antes do carnaval, no dia 2 de fevereiro, foi até a praia e pediu para Iemanjá um amor tranquilo e outras coisas que são de importância para sua vida. Hoje em dia, brinca que foi quase delivery: no dia 3 de fevereiro, no bairro do Carmo, enquanto estava em um bloco com uma amiga, avistou Uine. Entre uma fila de banheiro e alguns passos de dança ao som de uma música, elas tiveram a primeira interação. Depois, já no mesmo grupo de amigos, dançaram e se beijaram. Foram ficando, o tempo passou, até que Uine comentou sobre os amigos dela que estavam ali e o marido. Denise disse: “O que? Tá maluca?” e se desesperou. Uine riu e explicou que estava tudo bem. Naquele dia, mesmo com Denise um pouco desconcertada depois de saber da relação, elas seguiram ficando, se adicionaram nas redes sociais e começaram a conversar. Ainda no bloco, a amiga em comum de Uine e Denise, disse para Uine: “Você não tava querendo uma dupla pra treinar no crossfit? E agora, a dona do crossfit?”, então foi assim que Uine descobriu sobre o trabalho de Denise e sobre a Crossfit Agreste. Nos dias seguintes, enquanto conversavam, viram que tinham coisas em comum e queriam logo se reencontrar. Porém, ambas iriam viajar no carnaval e Uine precisava preparar suas fantasias e de seus amigos. Deram um jeito, reorganizaram suas agendas e conseguiram se encontrar, num jantar em casa. Passaram a noite juntas e, antes da viagem, Denise ainda foi fazer uma surpresa para Uine no aeroporto. O carnaval passou com ambas ansiosas por um novo reencontro. Denise nunca havia experimentado uma relação não-monogâmica e, no início, lidou com inseguranças e crises sobre como seria vivenciar isso. A ideia de algo tão aberto e com tantas possibilidades parecia difícil de assimilar. No entanto, com tempo e diálogo, elas foram construindo uma base sólida de entendimento e respeito mútuo, ajustando os ritmos conforme as necessidades de cada uma. A confirmação de que queriam algo mais duradouro veio apenas dois meses depois. Denise presenteou Uine com a aliança que havia ganho de sua mãe, o anel mais importante que tinha - era a aliança que a própria mãe havia usado. O gesto simbólico marcou um compromisso emocional e o desejo de construir algo que fosse além de uma simples relação passageira, era o significado de: “Eu quero você na minha vida, me imagino casando com você”. Esse momento foi um divisor de águas, despertando nelas a vontade de ficarem juntas de forma mais definitiva, com planos e sonhos compartilhados. Atualmente, Uine mora em Salvador e Denise em Lauro de Freitas, mas passam a maior parte do tempo juntas. Essa proximidade tem levado Uine a considerar uma mudança definitiva para morar com Denise. Encerrar a relação anterior foi uma escolha consciente de Uine, ao perceber que já não cabiam mais as relações anteriores em sua vida. Ainda assim, os aprendizados desse período seguem presentes, ajudando a moldar a relação atual. Individualidade, comunicação e a desconstrução de expectativas sociais são pilares que fortalecem a conexão das duas. Para Uine, esse processo de transição trouxe mais liberdade, tanto no mundo quanto na relação afetivo-sexual. Ela percebe a importância de cultivar relações que vão além do romantismo, como aquelas com amigas, família e outras pessoas queridas. Para ela, o amor deve transbordar em todas as conexões às quais nos dedicamos, especialmente nos momentos difíceis. Esse entendimento reforça que o cuidado e o afeto não são exclusivos das relações românticas, mas algo que permeia toda a nossa rede de apoio. Uine também reflete sobre a relevância de ser uma mulher bissexual assumida e de estar à frente de um negócio. Para ela, é uma oportunidade de inspirar e quebrar estereótipos, mostrando que mulheres LGBTs são igualmente capazes, responsáveis e bem-sucedidas. No box de crossfit de Denise, essa visibilidade se torna ainda mais significativa, pois as famílias, incluindo crianças, reconhecem e respeitam o amor delas como parte de quem são. Demonstrar afeto abertamente e sem reservas não só fortalece o vínculo entre elas, mas também quebra preconceitos de forma concreta e faz com que todos admirem. ↓ rolar para baixo ↓ Uine Denise

  • Vitoria e Vanessa | Documentadas

    ↓ rolar para baixo ↓ Vitória, no momento da documentação, estava com 25 anos. Nasceu em Fortaleza, mas passou a maior parte da vida em Salvador. É estudante de administração e está procurando emprego atualmente, pois deixou seu último trabalho para fazer a mudança para Trancoso, acompanhando a Vanessa. No tempo livre, se dedica a estudar inglês, buscar freelas, e também adora ir à praia, uma de suas atividades favoritas. Vanessa, no momento da documentação, estava com 24 anos. Nasceu em Mutuípe, no interior da Bahia, mas viveu grande parte da vida em Brasília. Há dois anos, se mudou para Salvador à trabalho, e depois disso para Trancoso. Vanessa é engenheira civil e trabalha na área de obras. Assim como Vitória, ela ama estar na praia, e também gosta de acampar, embora ainda não tenha explorado essa parte em Trancoso. Vanessa compartilha o objetivo de melhorar seu inglês, algo que considera essencial para os planos que tem em mente: viajar pelo mundo. Foi em Trancoso que elas encontraram uma nova fase da vida, unindo os desafios profissionais e pessoais. Além disso, ambas têm em comum a paixão por viagens, então constantemente poupam dinheiro com o propósito de realizar seus sonhos pelo mundo, planejando novas experiências juntas. Vanessa conta que ainda na época em que vivia em Brasília, recebeu a notícia de que a empresa que trabalhava abriria uma filial em Salvador, fazendo obras. Em fevereiro de 2022, mudou-se para a capital baiana por conta do trabalho, deixando a família em Brasília. Apesar de ter parentes na Bahia, eram mais distantes, o que levou a buscar novas conexões, então baixou um aplicativo de relacionamentos para conhecer pessoas e foi ali que encontrou Vitória - ou Vick, mais carinhoso, né? O primeiro encontro aconteceu em março, e desde então as duas não se desgrudaram mais. Inicialmente, os encontros aconteciam apenas nos finais de semana. Vitória, que morava com a mãe, o padrasto e o irmão, costumava passar boa parte do tempo no apartamento de Vanessa, fornecido pela empresa. Lá, o ambiente era tranquilo, juntas compartilhavam momentos em casa, festas, passeios… e durante a semana a rotina voltava ao normal. Até que com o tempo a frequência dos encontros aumentou. O que antes era apenas nos finais de semana passou a incluir as sextas-feiras, segundas e, depois, quintas… quartas… Até que as roupas da Vick já estavam lá, já tinham uma escova de dente de casal… Apesar dessa convivência intensa, o relacionamento ainda não era chamado de namoro. Vanessa, que no começo queria curtir, se viu surpresa com a rapidez de tudo. Era uma experiência muito nova - ela nunca tinha se relacionado com outra mulher - e também já era muito independente, morava sozinha há um tempo. Do nada era chapinha para um lado, escova para o outro… ficou pensando: “O que está acontecendo aqui?!”. Tudo mudou em junho, quando decidiram oficializar o namoro. Nesse ponto, Vitória praticamente já dividia o apartamento com Vanessa, pegando suas coisas da casa da mãe e voltando para lá. Elas já sabiam o quanto se gostavam, por mais que o começo ainda fosse um desafio. Aos poucos, o carinho pela Vick tornou o processo mais leve. Apesar do susto inicial, Vanessa percebeu que gostava muito da companhia, e juntas, encontraram uma forma de transformar aquele início despretensioso em uma relação sólida. No começo da relação, Vitória e Vanessa enfrentaram algumas discussões enquanto ajustavam suas rotinas e expectativas. Quando brigavam, Vitória costumava voltar para a casa da mãe. Essa dinâmica deu a elas a impressão de que ainda não moravam juntas de fato. No entanto, tudo mudou no final do ano, quando decidiram passar o natal em Fortaleza com a família da Vick. O padrasto dela estava enfrentando um câncer e havia se mudado para a cidade para fazer o tratamento, levando parte da família junto. Durante esse período, Vick permaneceu com a Vanessa em Salvador e, então, ambas entenderam: estavam oficialmente morando juntas - e por consequência, quando brigavam, não havia mais para onde voltar. A virada do ano foi o marco de uma nova fase. Viveram intensamente o verão e o carnaval, celebrando estarem juntas. Em 2023 completaram um ano de namoro, mudaram de casa, ajustaram suas rotinas de trabalho, compraram uma moto no nome das duas… Entenderam que estavam fortalecidas, ali havia um compromisso mútuo. No final de 2023, decidiram comemorar os dois anos de namoro com uma viagem ao Chile, a primeira vez que sairiam do Brasil. Ralaram muito para pagar cada detalhe: passagens, hospedagem e passeios. Enquanto isso, a vida profissional da Vanessa passava por transformações. No mesmo período em que se formou em Engenharia Civil, ela enfrentava desânimo com o trabalho e a distância da família. Escolheu não realizar cerimônias de formatura, optando por uma colação de grau online, sem grandes celebrações. Se sentia esgotada, então começou a buscar novas oportunidades, enviando currículos para outras empresas. Em março de 2024, Vanessa foi surpreendida por duas notícias simultâneas: recebeu uma proposta de trabalho em Trancoso no mesmo dia em que foi desligada da empresa em que trabalhava. Para ela, aquilo foi um sinal. Vick deu o total apoio. Em duas semanas, Vanessa reorganizou sua vida e estava morando em Trancoso. A mudança para Trancoso foi (mais) um grande fortalecimento entre a Vanessa e a Vick, principalmente pelos desafios que enfrentaram. Como o apartamento onde Vanessa morava em Salvador pertencia à empresa, precisou ser devolvido logo após a demissão. Em Trancoso, encontrou inicialmente uma kitnet, já que o custo de vida na região é alto. Durante esse período de transição, Vitória permaneceu em Salvador para resolver pendências relacionadas ao trabalho e à viagem para o Chile, planejada há meses. A viagem ao Chile foi mágica. Ambas decidiram que seria o momento perfeito para um pedido de casamento, e, coincidentemente, planejaram o mesmo cenário: um ponto turístico em Santiago. Contaram para uma amiga, que tentou ajudar evitando gastos - sugeriu que comprassem alianças mais acessíveis, deixando para comprar algo mais sofisticado na cerimônia de casamento. O plano funcionou, mas a experiência acabou sendo ainda mais inesperada por conta de uma nevasca. O passeio ao local planejado foi cancelado e o pedido aconteceu na neve. Vanessa colocou o celular para filmar e pediu que Vitória olhasse para o horizonte para registrar a cena. Enquanto Vitória se virava, Vanessa se ajoelhou, mas foi surpreendida quando Vitória também tirou uma aliança do bolso. No total ficaram com quatro alianças, três solitárias e hoje elas usam tudo de forma misturada. Ao voltar de viagem, Vick pediu demissão do trabalho que tanto gostava em Salvador para se mudar definitivamente para Trancoso. Os três meses em que ficaram separadas, vivendo em cidades diferentes, foram desafiadores para a relação. E agora estavam noivas, né?! No dia 11 de julho, aniversário da Vick, ela finalmente chegou em Trancoso. A Vanessa e a Vick refletem um amor construído diariamente, superando barreiras da convivência e das diferenças na criação. Para Vanessa, o que elas têm vai muito além de um amor idealizado ou de momentos bons. "Não é só o amor bonito - por mais que seja também - é um amor que está presente todos os dias, nos bons e nos ruins.” Ela acredita que o verdadeiro amor está na escolha de estar ao lado de alguém em qualquer circunstância, sem fugir nos momentos difíceis, como era no início. Fala do sentimento de amor como uma mãe possui por um filho: "A mãe ama o filho na pior fase dele, e isso é o que define o amor para mim. Não é algo que apaga e acende. É duradouro, e é isso que torna os dias especiais." Para Vitória, o relacionamento foi uma jornada de amadurecimento e coragem. Ela admite que, no início, era mais fácil evitar os problemas e se distanciar. Porém, a construção dessa parceria a ensinou a enfrentar os desafios e a valorizar a força que elas têm juntas. "É isso que é casamento, essa parceria de segurar a mão e enfrentar o que vier. Com o tempo, você percebe que agora não é mais só você. Existe um 'nós' que se torna a prioridade". Vitória vê esse compromisso como algo natural e poderoso: "No começo, é abstrato pensar se a pessoa vai estar ao seu lado ou não. Mas com o tempo, você entende que agora é Vanessa e Vitória juntas, sempre." Elas reconhecem que suas origens familiares são muito diferentes. Enquanto uma cresceu em um ambiente de compreensão, afeto e diálogo, a outra viveu em um contexto mais rígido, onde decisões eram tomadas com base em punição. Apesar disso, encontram na relação um equilíbrio. Brincam sobre como será a criação de um futuro filho e especulam sobre qual traço de personalidade a criança puxaria de cada uma. Vanessa Vitória

  • Juliana e Bianca | Documentadas

    Juliana estava com 47 anos no momento da documentação. Natural de Salvador, é bibliotecária na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia. Já morou em várias cidades interioranas devido ao trabalho, e também é apaixonada por história e turismo, o que a fez cursar um MBA na área - se apaixonando, principalmente, pela história baiana. Bianca, por sua vez, estava com 43 no momento da documentação e também nasceu em Salvador. É técnica de TI. formada como analista de sistemas. Juntas desde os anos 2000, quando ainda cursavam faculdade, enfrentaram uma jornada de muitos desafios. Bianca, já segura de sua identidade lésbica, encontrou Ju num momento em que ela ainda enfrentava muito preconceito dentro de casa por descobrirem que se relacionava com mulheres. No começo, havia vivido um relacionamento com outra mulher - que até surgiam dúvidas de entender se era mulher ou homem gay, era uma sociedade com nomenclaturas muito falhas, entendiam enquanto um ser andógeno, mas para a Ju sempre foi algo muito natural, nada forçado, gostava dela assim - a questão é que a descoberta desse relacionamento trouxe conflitos intensos na família, com muitos episódios de rejeição e controle. Esse período turbulento acabou por uni-las ainda mais quando se conheceram. Decidiram morar juntas logo no início, construindo uma vida longe do preconceito e embarcando em um ciclo de mudanças. Cada nova cidade trouxe a oportunidade de vivenciar culturas diversas dentro da Bahia, um aprendizado que valorizam profundamente. Sempre que uma precisava buscar um novo trabalho, a outra acompanhava, foram anos vivendo uma parceria que hoje em dia entendem como a base do amor. Bianca acolheu Juliana nos momentos mais difíceis, quando o preconceito da família de Ju tornou insustentável sua permanência em casa. A situação passava muitas vezes do limite: alimentos e produtos de higiene eram separados e chegou a tomar banho com sabão em pó. Além disso, havia fofocas constantes na vizinhança por causa do relacionamento com outra mulher. Decidir morar juntas foi uma decisão necessária, e além disso, libertadora. Juliana reconhece que não foi expulsa de casa, mas a convivência havia se tornado muito dura. Sair de casa foi uma escolha para viver o amor com Bianca e também para dar um basta nas condições opressivas que enfrentava, até uma nova chance de lidar. Até porque, mesmo antes de conhecer Bianca, Ju vivia o preconceito - a relação lhe deu impulso para mudar. Ainda morando com a família, começou a buscar empregos nos anúncios de jornal e conseguiu uma bolsa na faculdade, o que a mantinha fora de casa durante o dia todo. Elas se conheceram por intermédio de uma amiga em comum. Ju não tinha o hábito de sair à noite, mas foi jantar com a amiga, que mencionava Bianca com frequência. Apesar de inicialmente relutantes sobre se envolver, naquela noite a amiga insistiu e Ju foi até Bianca, no outro lado da cidade. Quando chegou, Bianca disse para o amigo: “Essa é a menina da minha vida.” Foram em um dos bares gays da cidade - lugares chamados de GLS na época. Contam que a maioria dos bares gays limitavam um dia da semana para as mulheres frequentarem, outros elas entravam mesmo sendo - obviamente - minoria. Hoje, olhando para trás, Ju reflete sobre o quanto tudo já mudou – e o quanto ainda precisa mudar. “Naquela época, tudo era sobre ser ‘entendida’, mas entendida de quê?”, ela questiona. Hoje, fala com mais leveza sobre ser uma mulher lésbica, mas deseja um futuro onde rótulos sejam desnecessários. “Sonho com o dia em que não precisaremos justificar quem somos, onde seremos representadas na mídia de forma natural, porque estamos em todos os lugares na vida real. E queremos estar de forma segura.” Com apenas três meses de relacionamento, Juliana e Bianca decidiram morar juntas. Montaram seu primeiro lar em um bairro periférico, com poucos móveis, um cachorro e a certeza de que queriam construir esse relacionamento. Enquanto a família de Bianca frequentemente as visitava no início por morar nas proximidades, a família da Ju, que ainda não aceitava o relacionamento, não sabia onde exatamente ela morava. Cinco anos depois, a mãe da Ju decidiu se reaproximar, quis conhecer Bianca e entender como a vida delas estava. Esse reencontro foi bastante significativo, e ela ainda se dispôs a ajudar a comprar um apartamento e sair do aluguel. Hoje, a relação com as famílias é tranquila, mas a real prioridade dentro da relação é cuidar da parceria que constroem há mais de 24 anos, sempre com dedicação e amor, e seguir nessa manutenção diária para que as coisas sigam bem. Consideram as muitas mudanças que já passaram juntas, desde as cidades que já moraram no interior, principalmente sendo tão jovens e podendo ter a liberdade de viverem como um casal fora de Salvador, até montarem outros lares e enfrentarem a vida uma ao lado da outra. No começo, tiveram bastante receio e o preconceito que viviam dentro de casa se espelhou nos outros lugares, então demoraram para se assumir enquanto casal nos espaços de trabalho e nas novas amizades, mas hoje em dia tudo mudou e fazem questão de chegar deixando claro quem são, com orgulho, sem necessidade de se esconder num lugar que não lhe cabem. Ju e Bianca adoram olhar para trás e reviver os 24 anos de caminhada que construíram juntas. Para elas, o tempo só parece real quando percebem as mudanças ao redor: as crianças da família que agora são adultas, os primos que seguiram seus próprios caminhos, os amigos que já consolidaram suas carreiras. É ao revisitar essas transformações e observar o quanto seus próprios trabalhos e vidas evoluíram que se dão conta de tudo o que viveram. No entanto, isso não significa que se acomodaram - ainda têm muitos projetos e sonhos que anseiam alcançar. Talvez não sentem o peso dos 24 anos porque eles nunca foram monótonos. Marcados por constantes movimentos, com altos e baixos, desafios e mudanças. Não houve tempo para tédio ou estagnação, e essa sede de vida as manteve sempre ativas e motivadas. Nos últimos anos, o ritmo mudou um pouco: já não passam o dia inteiro juntas, trabalham em lugares diferentes, o tempo que compartilham durante a semana é mais limitado. Por isso, os finais de semana ganharam um significado mais especial, é o momento de reencontro e presença. Para Bianca, o amor é a vontade de estar junto todos os dias, aceitando tanto as coisas boas quanto as ruins. Ao pensar nas dificuldades que enfrentaram, ela afirma sem hesitar que viveria tudo novamente, pois foram escolhas conscientes e, acima de tudo, vividas com amor. Ju acrescenta que elas se tornaram uma referência de amor para amigos e familiares. Mesmo sendo diferentes - uma mais aventureira e a outra mais quieta - se complementam na maneira de enfrentamento à vida. ↓ rolar para baixo ↓ Juliana Bianca

  • Dede e Laura | Documentadas

    Laura, no momento da documentação, estava com 23 anos. É natural de Salvador. Artista multifacetada, ela canta, compõe, escreve poesias e também é empreendedora com sua própria marca de roupas e acessórios. Como mulher de axé, conectada ao Candomblé, sua arte e espiritualidade se entrelaçam. Além disso, Laura é autora do e-book “Fôlegos” e taróloga. Deise - Dede - estava com 42 anos no momento da documentação e também é de Salvador. Percussionista, toca com diversos artistas como Larissa Luz e a banda onde Laura também atua cantando. É artista e escritora do livro “Lesbiandade”, publicado pela coleção Feminismos Plurais. Foi através da arte que começou a compreender as estruturas de gênero, raça, classe e sexualidade, desenvolvendo uma visão crítica sobre como o machismo atravessa a vida das mulheres, especialmente as negras e as que desafiam normas ao assumirem sua sexualidade. A música não só transformou seu olhar, mas também fortaleceu sua luta contra as opressões. Além de seu trabalho artístico, Dede é assistente social e dedica-se ao apoio à população em situação de rua. Mestra em Estudos sobre Mulheres, Gênero e Feminismo pela Universidade Federal da Bahia, ela combina sua experiência acadêmica com sua vivência artística para construir espaços de resistência e transformação Em novembro de 2021, Laura foi a um show onde Dede se apresentava. Nunca tinha visto ela antes, mas assim que a viu tocando, algo a prendeu. Conhecia a banda, mas Dede era uma novidade, e Laura se sentiu vidrada. Naquela época, Laura ainda namorava, mas a presença de Dede deixou uma marca. Foram apresentadas rapidamente após o show, mas Laura sentiu que havia passado despercebida. Nos dias seguintes, tentou encontrar Dede nas redes sociais, mas acabou “deixando quieto”. No entanto, não conseguiu evitar voltar ao perfil dela de tempos em tempos, atraída por algo que ainda não conseguia explicar. Quase um ano depois, Laura já estava solteira, mas como Dede não havia mostrado interesse antes, decidiu não ir atrás. Enquanto isso, em outubro de 2022, Dede estava na praia quando uma amiga a chamou para um samba de mulheres pretas. Quando chegou, Dede viu uma mulher linda cantando e ficou hipnotizada. Sem hesitar, virou para a amiga e disse: "Vou casar com essa mulher!" A amiga achou graça e respondeu: "Tá doida?", mas Dede reafirmou, convicta. Aquela mulher no palco era Laura. Dede conta que o que a encantou foi algo subjetivo - talvez o swing, os gestos, ou a presença marcante de Laura no palco. Como já trabalhava com música, era mais fácil ela perceber essas coisas. Sentiu algo diferente naquele momento. Não sendo uma pessoa que paquera, ganhou coragem de ir falar com ela depois do show graças às cervejas que já tinha tomado. Quando chegou para conversar, elogiando a atuação de Laura no palco, ela respondeu dizendo que também conhecia o trabalho de Dede. Quando Laura disse que conhecia o trabalho de Dede, ela ficou surpresa e perguntou: “Que trabalho?”. Foi então que Laura relembrou o momento em que haviam se conhecido, um ano antes, naquele show em que Dede parecia não “dado muita bola”. Durante essa conversa inicial, Laura ficou confusa: “Será que ela está me paquerando ou só veio me elogiar?”. Dede, pouco depois, voltou a procurar Laura e foi direta: “Olha, eu não sei paquerar, mas te achei linda, então vim aqui falar com você”. Laura explicou que estava solteira, mas que naquele momento estava acompanhada. Mesmo assim, garantiu: “Te procuro no Instagram depois”. Melhor ser honesta que mentir, né? No início, a comunicação online foi complicada. Dede demorava para responder, enquanto Laura tentava chamar sua atenção de forma sutil. Aos poucos, começaram a conversar com mais frequência. Em novembro, se esbarraram por acaso em um show. Dede viu Laura, mas não foi notada e acabou mandando uma mensagem. Depois desse dia, combinaram um encontro no mesmo lugar onde a documentação aconteceu. O primeiro encontro foi intenso e muito especial. Passaram os primeiros dias juntas, conversando e criando uma conexão forte. Logo falaram sobre como estavam lidando com outras relações, mas depois de uns dias tiveram um desentendimento que as afastou por cerca de três meses. Em abril do ano seguinte, reabriram o diálogo, viajaram juntas e perceberam: estavam apaixonadas. Decidiram que só fazia sentido ficar juntas se fosse para namorar. Na viagem, criaram diversas músicas e, a partir delas, sonham em lançar um EP. Além das canções, adoram produzir poesias e outras formas artísticas uma para a outra, construindo não apenas uma relação, mas também um universo criativo compartilhado. Hoje, Laura e Dede dividem a vida entre Abrantes e Lauro de Freitas, na região metropolitana de Salvador. No novo apartamento, chegaram praticamente sem móveis, começando do zero: primeiro um colchão, depois os móveis e, por fim, as mesas e decorações. No primeiro final de semana, dormiram em um tapete de yoga, com o sol da manhã iluminando a casa vazia. Agora, com cada canto ganhando forma e se transformando em lar, sentem uma alegria imensa ao verem o espaço refletir a história que estão construindo juntas. Durante a conversa, conversamos como o amor delas ecoa na família quebrando barreiras. Laura menciona o exemplo de seu pai, pastor, que apesar dos preceitos religiosos e do julgamento externo, abre a casa para as duas com o coração cheio de acolhimento. Para ela, isso demonstra que o amor pode ser maior do que as convenções. Dede também destaca como esse apoio é um reflexo da conexão que construíram, que respeita a individualidade de Laura, sua religião e sua jornada pessoal. Dede complementa que o amor delas está nos detalhes do cotidiano. Desde o cuidado em lembrar a toalha esquecida no banheiro até os gestos que fortalecem a parceria diária, o carinho está sempre presente. Apesar da diferença de idade, Dede sente que isso não interfere na relação. Ela conta que Laura, com sua coragem e enfrentamento à vida, a inspirou a apresentar, pela primeira vez, uma namorada oficialmente à família, não apenas como “amiga”. Para Dede, esse passo foi poderoso, pois reconhece que dar nome ao amor é uma forma de enfrentamento ao patriarcado e ao preconceito. Mais do que isso, a forma como elas expressam seu afeto na música e na arte se torna uma inspiração para outras mulheres, especialmente mulheres negras, a se permitirem viver plenamente e lutarem por seus amores e suas existências. Dede completa sobre o amor nos detalhes do dia a dia, desde a toalha que uma esquece e a outra sempre faz questão de lembrar e deixar no box, detalhes de cuidados cotidianos. fala que mesmo com as diferenças de idade não sente isso latente no convívio, que tomou coragem de apresentar laura para sua família como namorada porque laura representa essa coragem no enfrentamento à vida. por mais que sua família sempre soube da lesbianidade, apresentava suas companheiras enquanto amigas, e agora apresenta enquanto namorada, esposa, companheira. entende o significado disso. a importância de chamar de amor ao invés de amiga. entende que estar falando do amor que elas sentem na música, na arte, é algo muito além que a relação que vivem, é algo que inspira outras mulheres - principalmente mulheres negras - a se permitirem viver o amor e combaterem o patriarcado. ↓ rolar para baixo ↓ Laura Dedê

  • Jana e Marcela

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Jana e da Marcela, quando o projeto passou pela Bahia!. Marcela e Janaina acreditam que crescem bastante juntas. Jana é de Salvador e trabalha com planejamento de obras na empresa baiana de águas e saneamento, mas seu grande amor é a música, tocando percussão. Marcela, natural de Pernambuco, está em Salvador desde 2013 e trabalha como fisioterapeuta, conta que voltou a ter contato com a música depois da relação com a Jana. Sempre tocou violão, mas por diversos motivos estava afastada. Foi com o incentivo que, além de tocar, fundou no trabalho um projeto de música enquanto auxílio no hospital, e ambas ficam muito felizes em ver o quanto está dando certo. Por mais que admiram o crescimento, explicam que não começaram a relação indo “de cabeça”: construíram aos poucos o que possuem e se enxergam enquanto mulheres livres, dentro de uma relação não-monogâmica, desejam que seus laços não sejam de dependência. Na sua rotina, adoram programações caseiras - como cozinhar, ver filmes e séries - mas também frequentam diversos bares e festas, como o lugar que nos encontramos, por exemplo, um espaço que adoram ficar e que encontram diversos amigos (Jana ensaia no Pelourinho, moram por perto e o local dialoga com grandiosa diversidade presente). Foi em abril de 2022 que se conheceram. Jana estava envolvida numa casa de cultura para mulheres em Salvador e durante um evento para mulheres que amam mulheres ela e Marcela se esbarraram pela primeira vez. Tinham diversas amigas em comum, mas não interagiram muito. Depois disso, em outro evento, Marcela e as amigas foram de novo e criaram uma piada interna sobre a Jana chamando-a de “gostosa tatuada". Acabou que a amiga comentou em voz alta e a Jana ouviu, olhando para trás, vendo todas as pessoas da roda rindo/zoando e a Marcela completamente série e posturada. Jana brinca que aquilo ali arrebatou ela, ficou encantada na Marcela. Depois disso, foi cada uma para o seu canto. Chegaram a interagir um pouco, ambas possuem tatuagens de sapinhas e brincaram sobre as sapinhas se beijarem enquanto encostaram a pele, mas não interagiram mais que isso. Se adicionaram nas redes sociais e começaram a conversar, Marcela até lançou uma cantada para a Jana quando ela contou que era planejadora de obras dizendo “vem planejar a minha vida”, mas elas nunca conseguiam se encontrar pessoalmente. Foi quase um mês depois, por acaso, que se encontraram no pelourinho. Jana tinha acabado um ensaio, Marcela estava por lá e foram no bar (que tiramos as fotos) beber uma cerveja, era feriado do dia 1° de maio e ao contar finalizam com: “Foi aí que começou essa amizade com afeto e amor que temos.” Durante a conversa, falamos muito sobre a questão da não-monogamia e como elas enxergam isso dentro da relação que mantém. Entendem que é um reflexo da vida que tiveram; não querem viver a monogamia que sempre controlou o corpo das mulheres, também entendem que isso é muito sobre conquistar uma independência. Jana explica que observou muito a vida para chegar no local de questionamento que está. Foi encontrando o lugar que ela ocupa no mundo, entendendo o que a oprimia ou o que tinha bom significado, que entendeu o que é o amor nas trocas com as pessoas. Dentro de todos os entendimentos, problematiza a hierarquização dos afetos e valoriza as mulheres na vida dela, portanto, não quer se sentir pertencente a alguém. Marcela fala do amor que aprendeu a ter com a família dela. Cresceu de uma forma muito solta, os pais trabalhando e ela sozinha, então pensa muito sobre a monogamia como uma dependência também - e não gosta dessa dependência. Entende que amar é ter coragem (ainda mais amando outra mulher) e que valoriza o que elas vivem como um todo em suas liberdades, desde serem mulheres desfeminilizadas, até a importância de serem reconhecidas (cita que visitaram a família dela no interior de Pernambuco e o quanto isso foi revolucionário para elas). Por fim, elas finalizam nossa conversa com uma fala sobre entender que se relacionar é trazer alguém para a sua família, doando e recebendo, entendendo que aquela pessoa faz parte do que você considera família a partir do momento que ela está contigo. ↓ rolar para baixo ↓ Janaina Marcela

  • Ingra e Lara | Documentadas

    Lara estava com 25 anos no momento da documentação. É natural de Ilhéus, morou lá a vida toda e atualmente trabalha enquanto psicóloga infantil atuando com crianças neurodivergentes. É uma área que ama trabalhar: lidando com crianças portadoras de autismo, acompanha principalmente as que estão na transição para a adolescência. Adora estudar e acolher todas as questões, analisar os comportamentos e estar nos ambientes escolares, no dia-a-dia da criança em si, sair do espaço da clínica num momento de consulta. Além do trabalho, também adora estar em Salvador visitando os amigos (inclusive foi lá que fizemos a documentação acontecer) e também gosta de ir até Itacaré fazer alguns passeios. Ingra estava com 24 anos no momento da documentação. Também é natural de Ilhéus e conta que cresceu com muitas referências femininas - dentro e fora de casa. Morou em São Paulo durante dois anos depois de terminar o ensino médio, enquanto ainda escolhia o que cursaria na faculdade. Quando voltou para Ilhéus, resolveu cursar psicologia. É apaixonada pelas múltiplas formas artísticas e sabe que isso influencia diretamente sua forma de ser: a arte ajuda ela a viver seus melhores momentos. Além disso, sempre soube que gostava de mulheres, mas de alguma forma não insistia nisso porque pensava que iria passar com o tempo. Ingra lembra de uma situação, quando ainda era criança, que sentia algo diferente por mulheres e escreveu num papelzinho, confessando na igreja “que por mais que sentisse que isso fosse errado por pressão social, não deveria pedir desculpas para Deus por isso, porque não era de fato maldoso”. Escondeu o papel atrás de uma santa e anos depois achou o papel novamente. Adora acessar essas partes suas que estão no passado e que complementam quem ela é hoje, de alguma forma acolhe a criança que era e a adulta que se está se tornando. Ingra procura voltar seus estudos em psicologia para gênero e sexualidade, mas também trabalha enquanto assistente terapêutica. Sua irmã mais nova possui uma síndrome rara, chamada de síndrome de rett, precisando 100% de suporte, então isso influencia na sua vontade de fazer diversos cursos e especializações - e também foi o que aproximou a relação dela com Lara. Ingra e Lara se conhecem desde a adolescência, pois estudavam no mesmo colégio, mas eram de turmas diferentes. Não eram próximas, no máximo se cumprimentavam. Lara lembra do processo de Ingra ir para São Paulo porque havia amizades em comum que comentavam. Depois de formada na faculdade, Lara já atendia crianças com deficiência (e já se entendia enquanto uma mulher lésbica também), enquanto a mãe de Ingra procurava uma nova acompanhante para sua irmã (que possui síndrome de rett). Lara conta o quanto a irmã de Ingra é famosa em Ilhéus por conta da síndrome rara que possui e diversos profissionais têm interesse em estudar o caso dela. Quando soube que Ingra estava de volta na cidade, em 2023, nem imaginava que ela se relacionava com mulheres - até lembra do seu estilo meio surfista mais jovem, dos amigos que tinha, não “dava muitos sinais” - mas uma amiga em comum comentou e surgiu um interesse. Logo em seguida, soube que Ingra havia ingressado na faculdade de psicologia e a amiga comentou “o quanto elas eram parecidas e tinham coisas em comum”. Quando Ingra chegou em Ilhéus, se sentia muito insegura sobre a sexualidade. Como se relacionar com outras mulheres na cidade em que nasceu? Conversou com sua mãe sobre, ela foi uma forte aliada, mas ainda existia muito medo das reações das pessoas na rua, principalmente por ela ser vista o tempo todo como uma mulher muito feminina. A amiga em comum que havia com Lara também foi muito importante nesse processo para desmistificar a ideia de que mulheres que se vestem e performam feminilidade não podem amar outras mulheres e viver de forma livre esse amor. Foi a amiga quem falou sobre Lara para Ingra, e assim elas interagiram no Instagram pela primeira vez - mesmo Ingra tendo certeza que provavelmente não iria dar em nada. Foi num restaurante o primeiro encontro de Lara e Ingra, depois de conversarem alguns dias online. Antes de sair, Ingra estava tão nervosa se arrumando que a mãe logo notou e perguntou se ela iria encontrar alguma mulher. Ela havia comprado até uma roupa especial, que conseguiu garimpando em algumas lojinhas do centro. Chegou ansiosa, atrasada e mais arrumada do que Lara esperava - o que, de toda forma, não era ruim. Lara, que não é de ficar nervosa, ficou. Conversaram e foram desenrolando a ansiedade, o que foi muito legal porque sentiram tudo mais leve. Mesmo Ingra sendo tímida e não gostando de se abrir sobre a vida logo de cara, adorou que Lara fez tudo fluir, as conversas seguiram bem. Acabaram se beijando no primeiro encontro, algo que até então não era comum para Ingra, mas ela se mostrou confortável e até saiu de mãos dadas do local. Foi algo marcante porque nos dias seguintes demonstraram o quanto gostaram e queriam continuar se encontrando. Lara apresentou seu primo para Ingra, passaram o ano novo juntas de um jeito simples e calmo, no mês seguinte oficializaram o início do namoro e por mais que fosse um início rápido, sentem que a dinâmica foi tradicional e no tempo que se sentiram bem. Ingra fala sobre o amor que a sua família criou por Lara e como isso foi fundamental para quebrar muitos medos que tinha enquanto uma mulher que ama outra mulher ao se pensar vivendo coisas tão básicas como apresentar a namorada para a família e/ou ter momentos em família. Quando contou para sua mãe que estava indo encontrar Lara, ela ficou feliz por saber quem Lara era, conhecer seu trabalho e admirá-la enquanto profissional, então desde sempre apoiou, mas respeitou/esperou elas começarem a namorar para serem apresentadas oficialmente. Marcaram uma janta na casa da família de Ingra para que Lara fosse apresentada oficialmente enquanto namorada, mas dois dias antes esbarraram com a mãe dela, na pracinha do bairro, comendo acarajé, então se conheceram antes do previsto. O dia era de comemoração:a mãe dela havia acabado de se matricular na faculdade de psicologia - curso que tanto Lara, quanto Ingra, já cursaram. A janta aconteceu de qualquer forma e foi até melhor que o esperado: Lara chegou e a mãe de Ingra já apresentou a filha mais nova sabendo que Lara iria gostar de conhecer. Haviam outras crianças em casa porque ela chamou alguns vizinhos para comemorar um aniversário de bonecas que criou de última hora com os brinquedos da pequena, Ingra estava focada em cozinhar a janta, e Lara se divertiu com a criançada. Ao mesmo tempo que estava nervosa por conhecer uma família grande e muitas crianças, estava num lugar muito confortável por estar com o que mais ama - as crianças. Comenta, também, que mesmo a irmã da Ingra não verbalizando, ela tem um olhar muito marcante e ficou nítido o quanto elas se deram bem naquele primeiro momento, era o que a deixava mais feliz saber que tinha dado certo. E foi apresentada como namorada de Ingra, recebeu um sorriso de todos, sente que foi aceita desde o início. Na família de Lara, elas sentem que sua mãe sabe mas ainda está no processo de aceitação, então vivem isso frequentando a casa e entendendo que o tempo age aos poucos. Desejam cada vez mais construir o relacionamento que possuem enquanto uma família - seja unindo suas famílias, se vendo enquanto uma unidade familiar sendo duas mulheres que se amam e, esperam que daqui um tempo, adotando uma nova vida sendo mães e gerando uma nova família. ↓ rolar para baixo ↓ Ingra Lara

  • Mariana e Viviane

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Mariana e Viviane, quando o projeto passou pela Bahia!. Mariana e Viviane são de Salvador, mas se conheceram em viagens à trabalho para a Chapada Diamantina. Num encontro bastante aleatório, Vivi estava sozinha em um bar bebendo uma cerveja no fim do dia, enquanto Mari passeava com o pai e acabou no mesmo lugar. Lá, em meio à música ao vivo, todos que estavam presentes interagiram, inclusive elas. Passaram horas conversando, além das trocas de olhares, beberam cerveja e riram de bobeiras. Decidiram trocar telefones e, quando a Mari chegou em casa, mandou uma mensagem pensando “Que mina massa! Vou agradecer pela nossa conversa que foi realmente muito boa!”. Depois de conversarem por mensagens, nos dias que se passaram a Vivi chamou Mari para ir na pousada em que ela estava beber uma cerveja. Mari avisou que tinha algumas garrafas em casa, então colocou na sacola e foi até a pousada. Naquela época, ambas tinham acabado de sair de casamentos héterossexuais, então em meio ao processo que viviam foram ficando cada vez mais próximas. Desde então, não se desgrudaram mais. Mariana, natural de Salvador, estava com 39 anos no momento da documentação. Ela trabalha enquanto advogada. Viviane, também natural de Salvador, estava com 43 anos no momento da documentação. Ela conta que “é um monte de coisa”: instrutora de yoga, doula, empresária, mãe, turismóloga… Seus filhos (o mais velho com 11 anos e a mais nova com 8 anos) adoram a Mari. Desde o começo eles saíam muito juntos, iam para o parque, o shopping, a praia… mas as crianças ainda não sabiam que elas namoravam. Até que um dia, num restaurante, a mais nova disse que o irmão estava falando que a mãe e a Mari estavam namorando, e ela respondeu: “Mas a gente tá!”. E pronto. Foi uma festona. Um misto de ficarem incrédulos com muito felizes. E aí surgiram as questões: “Mari, você vai ser nosso segundo pai?!” “Papai também vai namorar um menino?!” Os questionamentos naturais dialogam com a naturalidade que as crianças veem a relação. Hoje em dia, contam que a mãe namora e acham isso incrível. No começo da relação, brincam que se enrolaram um pouco. Estavam processando suas novas vidas e acreditam o quanto isso influenciou. Mas foi depois de uma viagem que a Mari fez para o Rio de Janeiro que a Vivi resolveu se abrir sobre seus sentimentos e falar o quanto gostaria de começar uma nova vida com ela. Mari nunca tinha se relacionado com mulheres, então passaram por momentos de se assumir para a família, o que gerou bastante medo para ela. A família não aceitou inicialmente, achava que a Mari nunca se relacionaria com uma mulher, porém as duas foram dando tempo para que eles processassem e tentando não gerar nenhum stress, hoje em dia todos já se dão bem em casa. Pelo lado da Vivi, o desafio foi contar ao pai. Na época ele estava com 82 anos, tem seus lados conservadores, mas depois de contar ele respondeu “Só isso?! Ah, então tá bom!” e ela ficou positivamente surpresa. Hoje em dia, mesmo morando em casas diferentes, elas amam se encontrar em praças e ir à praia (na praça que fizemos as fotos, inclusive. Por ser um lugar seguro e bom de ficar à toa). Elas brincam que não possuem hobbies específicos, porque no tempo livre se dividem entre dormir e ser mãe, recuperar o sono perdido nos últimos 11 anos. Vivi acredita que o amor precisa ser leve, pois quando há tensão/densidade/peso ela quer repelir. Entendem que no amor que vivem possuem muita liberdade e confiança uma na outra, então enxergam o momento atual enquanto tranquilo e confortável. Entendem que precisam de tempo para digerir processos internos, mas que a parceria faz parte da relação como um todo. Hoje em dia, vivem enquanto um casal tal qual viveriam enquanto heterossexuais, e não evitam de ser quem são. ↓ rolar para baixo ↓ Mariana Viviane

  • Laura e Carla | Documentadas

    Carla, no momento da documentação, estava com 34 anos. Nasceu em Itiúba, um pedacinho do bioma da Caatinga, no semiárido baiano, onde a chuva é um evento tão esperado que se torna motivo de festa. Aos 14 anos se mudou para São Paulo, foi morar com as tias. Dois anos depois, aos 16, já vivia sozinha, trabalhando com telemarketing. Desde criança é uma pessoa comunicativa: se aventurou em diferentes áreas, foi dançarina, atriz, trabalhou com noivas, em salões de beleza e se entende enquanto multifuncional no trabalho. Aos 29, entendeu que era a hora de voltar para a Bahia e, com a Laura, se mudou para Porto Seguro. Laura, no momento da documentação, estava com 39 anos. Nasceu no interior de São Paulo, em Embu-Guaçu, mas construiu a maior parte da vida na capital paulista. Ao contrário da Carla, fez sua carreira no regime CLT, trabalhou de forma sólida em uma universidade, onde liderava equipes e alcançou conquistas profissionais como graduação, pós-graduação e especializações. No entanto, viveu anos de rotina exaustiva, chegou ao limite, com stress, burnout e depressão. Decidiu se mudar para Porto Seguro para ter outra forma de vida. Quando chegou, até trabalhou em outras empresas, mas se viu começando a seguir os mesmos caminhos de muito trabalho e entendeu que só tinha mudado o local, o método estava seguindo o mesmo, até que recomeçou e foi quando surgiu a ideia de fazerem o Instagram/YouTube de turismo: Duas em Porto. Entendem que a vida em São Paulo trouxe muitas oportunidades para ambas, mas também uma rotina caótica. Carla saía de casa às 7h da manhã e voltava à meia-noite, vivendo para trabalhar e consumindo em excesso. Laura, por outro lado, enfrentava longas jornadas que, apesar de gratificantes em alguns momentos, a desconectava de si. Ambas sentiam que algo precisava mudar. Foi em 2017 que decidiram recomeçar em Porto Seguro. A ideia de trabalhar com turismo surgiu naturalmente - recebendo amigos e familiares que vinham visitá-las, perceberam o quanto adoravam mostrar a cidade e contar histórias da região. Decidiram investir nessa paixão e criaram o perfil no Instagram para divulgar o trabalho. Hoje, guiam pessoas que chegam buscando o destino e vivem com um ritmo de vida com propósito. A Carla e a Laura se conhecem há mais de 15 anos, pois frequentavam a mesma comunidade, uma igreja inclusiva em São Paulo chamada ‘Cidade de Refúgio’. Chegaram a se beijar algumas vezes, mas sem envolvimento e cada uma seguiu seu caminho. Os anos se passaram, tiveram outros relacionamentos longos, não mantinham contato. Depois de alguns anos se reencontraram, através de uma amiga em comum, e conversaram. Sentiam que existia um sentimento que estava ali mesmo não sabendo uma da vida da outra durante todo esse período. Quando Carla mandou mensagem, Laura estranhou tanto que pediu até uma chamada de vídeo para ver se era verdade, não acreditou. Por mais que elas nunca tivessem desenvolvido um sentimento, havia aquela sensação/desejo em querer conhecer mais. Laura sempre foi muito tímida, fechada, então as conversas eram limitadas, mas queriam conversar e saber mais sobre a vida uma da outra. Os primeiros encontros, depois de voltarem a conversar, eram estranhos - ou silenciosos demais, ou Carla sentia que falava demais. Mas continuavam insistindo porque sentiam que iria valer a pena. Quando começaram a se envolver, Laura foi visitar Porto Seguro porque sua irmã morava na cidade, então fez o convite para Carla fazer a viagem também. Ela topou e foi em Porto Seguro que Carla fez o pedido de namoro. Um ano depois, o pedido de casamento aconteceu, dessa vez em São Paulo, mas contrariando o atual modelo de vida, o planejamento nem passava próximo da Bahia… Elas sonhavam em morar na Irlanda. Estavam guardando dinheiro para o intercâmbio - e na festa de casamento o presente, inclusive, era dinheiro para a viagem acontecer. No ano seguinte do casamento acabaram indo algumas vezes para Porto Seguro em viagens de família. Além das viagens, Laura entrou num processo difícil por conta do burnout, começou o processo de adoecimento que durou cerca de dois anos. Viveu esse tempo tentando camuflar o que sentia e seguir trabalhando. Carla, em todos os momentos, tentou ajudar (com o auxílio da médica que acompanhava o caso), mas era uma questão psicológica muito delicada fazer Laura entender que era uma questão de saúde para além da responsabilidade com o compromisso dela de trabalho. Só conseguiram no final de 2019, quando o corpo dela já estava no limite, muito adoecido, e não aguentou mais. Foi numa viagem para Porto Seguro, também em 2019, que elas olharam para a cidade de um mirante e conversaram sobre uma possível mudança para lá. Decidiram intencionar isso, planejar, e assim foram fazendo aos poucos. Alguns dias antes da pandemia começar Laura foi desligada da empresa que trabalhava - e foi a maior felicidade que poderiam sentir. Na mesma hora, sem pensar duas vezes, decidiram realizar a mudança para Porto Seguro. Mandaram mensagem para os familiares da Laura que moravam na cidade, eles por sorte (ou destino) falaram de uma casa que havia na rua para alugar, já conseguiram o contato e em cerca de três dias elas já estavam com a mudança pronta. Avisaram os amigos próximos e foram. A pandemia de Covid-19 estava anunciada, se despediram dos amigos que conseguiram e pegaram o penúltimo voo antes do aeroporto fechar por conta do lockdown. Quando chegaram em Porto Seguro, passaram uma semana sem ver os familiares, não entendiam muito bem o que estava acontecendo, mas as informações sobre o Covid-19 foram chegando e as coisas foram se assentando. A cidade estava vazia. Se acalmaram e pensaram: “Tudo bem, vai passar. E quando passar isso aqui será o paraíso”. Pensando agora, que tudo já passou, entendem o quanto o universo foi generoso: jamais conseguiriam viver a pandemia em São Paulo, trabalhando. Deu tudo certo em Porto Seguro, Laura ficou muito mais saudável. Foram se encaixando com seus trabalhos de marketing digital online e, depois da pandemia, abriram o canal no YouTube e o Instagram sobre turismo em Porto Seguro: o Duas em Porto. Por mais que seja muito legal estudar turismo, trabalhar com isso e que realmente se encontraram nessa profissão, explicam que ainda assim é muito difícil ter esse canal, contando que são duas mulheres que se amam chegando numa cidade como Porto Seguro, porque a cidade vive de turismo mas ainda é muito conservadora. Para se proteger, vivem de forma bastante discreta. Já enfrentaram diversos preconceitos, são apoio uma da outra para limpar as lágrimas antes de chegar em casa e não carregar as dores. E acreditam que a forma de lidar com o preconceito é se fortalecer na própria comunidade, se fortificar nos amigos LGBTs que possuem na cidade. Carla explica como os espaços que acolhem mulheres na cidade são importantes: desde um bar que reunia o público LGBT+, até ter outras mulheres que também trabalham com turismo e são lésbicas e bissexuais. Por mais que trabalhem com o mesmo público, não se veem enquanto concorrentes, mas companheiras, uma indicando o trabalho da outra - se fortalecem, se representam, formam uma rede de apoio na cidade. Explica, também, que sentia uma certa sede de ver pessoas LGBTs quando chegou. Sentia falta de falar gírias que os LGBTs entendem, de fazer brincadeiras que nós fazemos, de ser quem ela é sem medo de julgamento. Sempre andou com muitos homens gays, drags e pessoas transsexuais, gosta de “bater leque”, ir para o fervo. Sentiu falta, o primeiro ano foi muito difícil, foi se fechando. Aos poucos, encontrando pessoas com quem se identifica, foi se reencontrando. Por isso, agora faz questão de ser um elo para as pessoas LGBTs que ela conhece. Carla acredita que o amor que vivem está na coragem que enfrentam o mundo. Com muita amizade, muita parceria. Já passaram por muitas coisas sozinhas, boas e ruins, e independente estão juntas, enfrentando tudo. Colocam o amor no que acreditam e veem isso expandindo, conseguem visualizar o propósito de vida no que fazem com amor. Laura conta que o amor delas está todo dia no café da manhã que tomam juntas. É nessa atividade que alinham as expectativas, recalculam rotas, conversam sobre o que está dando certo, trocam ideias… Todos os cafés da manhã são importantes. É no café que está o afeto, o carinho. E mesmo se não estão num dia bom, sentam na mesa com um “bom dia” mais seco, mas fazem o ritual acontecer. Esse momento do dia é muito importante para que tudo comece e para que as coisas sigam seus fluxos. É nele que ela enxerga esse fluxo de encarar o mundo. Por mais que Laura seja uma pessoa fechada, ela está aprendendo a expor seus sentimentos aos poucos, principalmente durante esse ritual - se sente feliz por enxergar isso. Elas enxergam persistência na relação entre mulheres. ↓ rolar para baixo ↓ Carla Laura

  • Aline e Isabela

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Aline e da Isabela, quando o projeto passou pela Bahia!. Conheci a Aline e a Isabela em Salvador alguns dias antes delas se mudarem para Dublin, na Irlanda. E o que gosto em especial é que essa notícia foi dada de forma totalmente despretensiosa durante a nossa conversa, quando perguntei sobre a rotina delas - se moravam/se já moraram em algum momento juntas e como era essa questão - me deixando muito surpresa e ansiosa para entender melhor a história. Depois que começaram a namorar, em meados de outubro de 2020, o começo do novo ano foi com uma transferência que a Aline recebeu no trabalho e precisou se mudar para São Paulo. A Isa embarcou nessa ideia e moraram juntas por lá. Sentem muito por terem desbravado tão pouco a cidade, visto que a pandemia ainda era forte, e ficaram quase um ano no sudeste. Voltaram a Salvador, e dessa vez foi a Isa quem precisou se despedir: para um intercâmbio já sonhado há tempos! Dublin era o destino e passaram 7 meses à distância. Não foi nenhum pouco fácil. Contam que não há costume, há uma normalização da rotina, mas ficam felizes em saber que passou. Hoje em dia, constróem a nova vida juntas… mesmo ainda não sabendo como exatamente será, sem planejamentos concretos pelo incerto de um novo país, estão muito animadas em viver algo completamente novo. Foi através do Twitter que se conheceram. Isa conta que tem conta na rede social desde os primórdios, tipo 2009, mas foi durante a pandemia que estava interagindo com um amigo que possui em comum com a Aline. Aline viu a interação na timeline e resolveu curtir os tweets e seguir a Isa (viu pelo perfil que ela beijava mulheres, também) e quando a Isa recebeu a notificação pensou “Oxe, ela me segiu?!”, mas ok… seguiu de volta. Passaram-se uns dias e elas conversaram. Naquele tempo ocioso da pandemia a conversa demorou horas e virou algo frequente, viravam madrugadas conversando sobre qualquer coisa. Isa morava com os pais e com o medo da pandemia de Covid-19 demoraram para se encontrar, mesmo que a Aline morasse sozinha. Apenas meses depois, em setembro, o encontro foi acontecer. Desde então, não se desgrudaram mais. Aline, no momento da documentação, estava com 31 anos. É de Salvador, trabalha enquanto arquiteta e estava com um projeto em que produz coleiras/colares para cachorros, com identificação (nome e telefone) como chokers, começou enquanto hobbie e foi tomando maiores proporções até comercializar. Isabela, no momento da documentação, estava com 32. Também é de Salvador, trabalha enquanto assistente social e adora cantar, é um grande hobbie. Depois que começaram o relacionamento e viveram as mudanças para São Paulo, elas contam que decidiram noivar. Compraram a aliança juntas, sem saber, tratam com muito carinho a importância do ato de casar, e até hoje debatem sobre a data em que isso irá acontecer. Entendem o quanto foi difícil ficar todo o tempo longe, depois que precisaram passar pelos períodos da distância (de São Paulo e de Dublin) e que só a terapia as ensinou a criar um verdadeiro diálogo, a lidar com os ciúmes, os processos internos… Acham importante falar isso sem grandes romantizações, porque ao olhar pra trás sabem valorizar o intenso caminho que foi percorrido com muitas conversas e muita disposição para chegar até aqui. Isa é mais cuidadosa nas palavras, mesmo entendendo que às vezes se fecha. Aline é mais direta, fala sobre o que está sentindo, mas sabe que nem sempre é fácil de se encaixar. Elas contam o quanto, entre todas as dificuldades, a distância até que ajudou em vários processos: antes de viajar elas estavam brigando muito, se sentindo perdidas na relação… assim, faziam chamadas de vídeo, viviam seus momentos individuais, sentiam suas saudades.. sentiram que quando voltaram tudo já estava diferente internamente e externamente. Isa fazia de tudo para tentar trazer Aline pra perto durante a viagem: Contava das novas culturas que estava aprendendo, mostrava os lugares que visitava… Enquanto isso Aline sempre visitava os pais dela em Salvador, mantinha a rotina delas para que tudo estivesse saudável. Era as formas que encontravam de se sentirem mais próximas. Assim, Isa enxerga o amor em todos os detalhes do seu dia: seja com sua família, no seu relacionamento, com os bichinhos… sempre entrega amor em suas versões. Aline completa que, por serem mulheres, sente que o amor precisa ser mostrado em público porque acredita na potência do nosso amor, falar sobre sermos quem somos é mostrar que estamos vivas, mostrar nosso afeto nas redes sociais, para as nossas famílias, vivermos esse amor é algo que nos potencializa. ↓ rolar para baixo ↓ Aline Isabela

  • Laiô e Íris | Documentadas

    A história da Laiô e da Íris começou de maneira inesperada, conectando caminhos por meio das redes sociais. Íris mantinha uma página onde compartilhava reflexões sobre relacionamentos não-monogâmicos e experiências pessoais. Laiô, que estava em um momento de autodescoberta após o término de uma relação, passou a acompanhar esse conteúdo. Entre os conteúdos postados, chamava muita atenção a forma que a Íris se expressava, não inicialmente por interesse romântico ou flerte, mas por admiração genuína, curiosidade e vontade de aprender sobre esse novo ‘universo’. Mas, por mais que acompanhasse os conteúdos, Laiô nunca interagiu com a página. Algum tempo depois, Íris apareceu no perfil de Laiô, e ambas começaram a se seguir. Trocaram algumas mensagens e, entre essas interações, perceberam que tinham amigas em comum, iam em lugares em comum - e até outros lugares que Laiô nunca tinha conhecido, o que deixou ela muito intrigada, pensando “Como essa menina chegou aqui em tão pouco tempo e tem conhecido mais coisas que eu?”. Quando finalmente se esbarraram, em setembro de 2023, foi num samba em Itacaré, onde fizemos a documentação acontecer. Foi Íris quem reconheceu Laiô (e até checou no Instagram pra ver se era ela mesmo). Se apresentou, dançaram juntas, mas a interação foi breve. Dias depois, se esbarraram novamente num show que Laiô estava fazendo, dessa vez em Serra Grande, município próximo à Itacaré e local onde Íris morava. Foi lá que Íris sentiu algo diferente, pensou: “Que pessoa interessante”. Cerca de 15 ou 20 dias depois se esbarraram novamente, dessa vez em Salvador. Laiô estava na cidade para mais shows e Ísis ia para lá com frequência, mas não esperava encontrá-la. Foi a terceira coincidência e então decidiram: era hora de marcar um encontro intencional. Tomaram café da manhã juntas e ali começou a se desenhar uma história que parecia ter sido escrita pelo acaso – ou pelo destino. Íris estava com 32 anos no momento da documentação. É natural do Rio de Janeiro, mas, com apenas seis meses de idade, mudou-se para Salvador, onde viveu a maior parte da sua vida. Psicóloga de formação, dedica seu trabalho ao atendimento da comunidade LGBTQIAPN+ e às questões relacionadas à não-monogamia. Teve sua trajetória profissional transformada ao longo do tempo, principalmente quando começou a se reconhecer como uma pessoa LGBT. Esses aspectos foram se refletindo em sua prática clínica, até se tornarem o foco integral de seus atendimentos. Durante a pandemia de Covid-19, com a migração para o formato online, surgiu também o desejo de sair da cidade grande e buscar um estilo de vida mais tranquilo e conectado à natureza, decidiu passar um tempo na Chapada Diamantina, voltou à Salvador, viajou mais um pouco e, finalmente, decidiu se estabelecer em Serra Grande, na Bahia. Hoje, ela vive com Laiô em Ilhéus - uma escolha que inicialmente não fazia parte de seus planos, já que considerava Ilhéus grande demais para o estilo de vida que idealizava - mas a vida e o trabalho de Laiô faziam mais sentido na cidade, e assim encontraram um equilíbrio. Laiô, no momento da documentação, estava com 37 anos. Nasceu em Ilhéus e foi criada em Uruçuca, vindo de uma família de produtores rurais das fazendas de cacau. Essa mesma família, acolheu sua identidade artística e acredita plenamente na pessoa que ela se tornou, investindo na sua educação com o desejo de oferecer um futuro diferente. Hoje ela trabalha enquanto cantora e compositora. Entende que é através da arte que define a forma como se expressa no mundo. Foi em Itacaré o local onde ela se descobriu artista, cantando pela primeira vez. O início do romance entre Íris e Laiô aconteceu num ritmo diferente, entre viagens e deslocamento, no que elas apelidaram de “romance viajante”. Íris precisou dividir seu tempo entre Serra Grande, Salvador e a Paraíba, para dar suporte à família em um processo de luto. Tudo aconteceu logo nas primeiras semanas em que estavam juntas e foi nesse vai e vem que viveram um amor viajante, encaixando encontros entre as viagens, sem saber ao certo o quanto aquilo duraria. Seguiram os primeiros meses assim, até o início de 2024, quando perceberam que os sentimentos estavam se enraizando e intensificando. Laiô apresentou Ilhéus para Íris e os encontros começaram a ganhar um significado maior. Uma situação marcou esse momento: em março, a mãe de Laiô fazia aniversário no dia 9, mas Laiô tinha um show importante em Salvador no dia 8. A única forma de voltar em tempo seria de carro e Íris prontamente se ofereceu para dirigir entendendo a importância da relação de Laiô com a mãe. Foi nesse momento que ambas perceberam o quanto a parceria entre elas já tinha se fortalecido, transformando o que antes era um romance casual em algo mais sólido. Laiô pensou: “Essa não é qualquer pessoa”. O encontro das duas aconteceu em um momento de transformações pessoais para ambas, e essa vulnerabilidade criou uma base de acolhimento e parceria. Mesmo com pouco tempo juntas, já havia um grande cuidado uma com a outra. Nos momentos difíceis de Íris, Laiô enviava músicas e poesias, fortalecendo o vínculo por meio dos gestos afetuosos. E esses detalhes fortaleceram o vínculo que era recente e que não estava fisicamente próximo. No dia em que documentaram essa história, inclusive, estavam finalizando a mudança para o apartamento onde passariam a viver juntas. Conversamos sobre como a convivência traz desafios, as mudanças não são fáceis; mas destacaram a importância de respeitar os tempos e ritmos individuais, enfrentando os conflitos com leveza e comunicação. Dividir o lar, para elas, é um aprendizado constante – e uma forma de construir, juntas, um lugar seguro. Foi ajustando suas rotinas para aproveitar os momentos em que Laiô e Íris encontraram a melhor forma de se adequar à semana corrida, já que trabalham em horários opostos – Laiô à noite, Íris durante o dia. Valorizam muito os cafés da manhã, que se tornaram quase um ritual de conexão. Mesmo quando Iris tem atendimentos mais cedo, ela dá um jeito de sentar à mesa, entre um compromisso e outro, para compartilhar esse momento. É ali que conversam, trocam olhares e se equilibram, criando um espaço de calma e proximidade no meio das rotinas agitadas. Elas veem sua relação como um convite constante à reflexão e ao cuidado mútuo. Foi através desse encontro que aprenderam mais sobre a não-monogamia, a horizontalidade dos afetos e a importância do tempo de qualidade com quem amam - sejam familiares, amigos ou seus animais de estimação. Por mais que estejam apaixonadas e vivam a intensidade de uma relação jovem, entendem que é essencial valorizar a liberdade individual e os outros vínculos que cada uma tem. Esse amor, cuidadoso e maduro, desafia o discurso a ser vivido na prática, lembrando-as de nunca abandonar o cuidado e a atenção com as pessoas ao seu redor. No dia anterior à documentação, Laiô viveu uma situação que as fez refletir sobre os desafios ainda presentes na cidade em que vivem. Enquanto caminhavam pelo centro indo comprar coisas da mudança, de mãos dadas, um homem que passava com sua esposa e seu filho disse: “Não pode não, só pode homem com mulher.” Inicialmente, Laiô pensou ser uma brincadeira vindo de alguém que a conhecia, estava distraída conversando algo sério com a Íris e só percebeu uns passos à frente a seriedade do comentário. Apesar da vontade de reagir, sentiu medo e seguiu em frente. Mais tarde, ficou pensando: o que fazia aquele homem se sentir confortável em dizer algo assim? Por que o simples ato de caminhar de mãos dadas era visto como uma afronta? Onde ela está vendo menos amor entre as duas do que ali, na família dela? Elas só estavam andando na rua. Num calçadão cheio de gente. Elas desejam que o futuro traga mais coragem e menos medo - elas caminhando de mãos dadas conseguiram ofender mais que se um casal heterossexual-cis estivesse se beijando de forma vulgar. O desejo que fica é mais coragem para amar e viver livremente, um mundo onde expressar afeto não seja motivo de ofensa, um lugar onde não tenhamos medo. ↓ rolar para baixo ↓ Laiô Íris

  • Luiza e Milena

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Luiza e da Milena, quando o projeto passou pela Bahia!. Foi numa manhã que se emendou para um começo de tarde em Salvador que encontrei a Milena e a Luiza (e a Tapioca, claro!). Fizemos as fotos na Praia da Paciência, sentamos num bar para conversar e fui convidada para ir até a casa delas almoçar e conhecer um pouquinho do espaço que conquistaram e construíram juntas nesses anos que se relacionam. Lugar que me contaram com muito entusiasmo existir espaço para cuidar das plantas, para a Tapi correr e brincar, para compartilhar legumes e frutas com os vizinhos, mas que também foi um caminho árduo de percorrer até chegar nele, com perrengues e apartamentos completamente diferentes que passaram. Luiza conta como é diferente a relação que ela aprendeu a construir com Milena, começando pelo o quanto conversam: conversar mudou a sua vida. Nunca tinha se visto num espaço de tanta conversa e de conforto. Sente que respiram juntas, podem ter conversas que duram dias, mas seguem juntas. Fala também da importância de terem começado a terapia nesses processos que viveram (entre mudanças, casamentos, saírem de casa…) e o quanto foi fundamental para processar seu próprio tempo. Hoje em dia, aprenderam a pedir desculpas. Não gostam de joguinhos, entendem que não há orgulho próprio na relação, tendem a ter mais parceria assumindo erros ou assumindo funções na casa para que elas aconteçam na rotina. Deixam claro que são esposas, não amigas. Não querem que o relacionamento caia numa amizade, por isso respeitam os espaços individuais e sempre voltam ao lar entendendo o encontro único que possuem enquanto uma família. Milena no momento da documentação estava com 40 anos, ela é natural de Salvador, trabalha como atriz e coordena/faz produção de palcos numa casa de eventos no Rio Vermelho. Como hobby, adora fazer jiu jitsu. Luiza no momento da documentação estava com 29 anos, também é natural de Salvador, já trabalhou (e trabalha de vez em quando) enquanto atriz, mas hoje em dia seu foco é enquanto designer. Na pandemia, precisou fazer a transição de carreira porque tudo estava sem perspectiva na área das artes cênicas, o dinheiro apertou e ela foi trabalhar enquanto designer numa orquestra. Como hobby, Luiza pratica tecidos acrobáticos. Milena também teve seu momento de começar novos trabalhos na pandemia por conta de estar sem perspectivas, foi quando fundou uma marca de sabonetes naturais. Hoje em dia, vende apenas aos mais próximos. Foi durante o ano de 2018 que se conheceram, quando Milena chegou na companhia de teatro que a Lu fazia parte. De início elas se tornaram muito amigas, se davam bem em cena e sempre queriam contracenar juntas. Acreditam numa sintonia muito grande porque sempre “jogavam” bem juntas, desde cenas de improviso, até cenas já marcadas. E assim foram criando suas amizades. Ambas tinham seus relacionamentos - e ambos relacionamentos tinham seus momentos bons e ruins. Durante o carnaval, Milena abriu o relacionamento com a ex-companheira dela, e na quarta-feira de cinzas durante uma festa a ex-companheira da Luiza comentou sobre Milena e a Luiza fazerem um casal bonito. Na hora, as duas acharam isso estranhíssimo. Nunca tinham se visto com outro olhar, sempre foram só amigas e não deram muita bola. No decorrer da festa se beijaram, mas também acharam estranho. Nunca haviam se olhado enquanto paixão ou de um jeito com segundas intenções e só ficou um clima estranho. Como a festa estava sendo em casa, a Milena saiu e foi fazer coisas de casa, ignorando as pessoas que estavam ali, e na hora da Luiza ir embora foi se despedir. Naquele momento, eram só as duas, e aí elas se beijaram novamente. Naquele ano em diante trabalharam juntas fingindo que nada tinha acontecido e seguindo seus relacionamentos. Saiam, bebiam e até de vez em quando trocavam olhares ou algum carinho, mas nunca chegavam tão perto e no dia seguinte fingiam que nada tinha acontecido. Ambas viviam processos de separação, conversavam bastante quando se encontravam, mas era confuso o que sentiam. Foi quando Lu precisou viajar e antes decidiu conversar com Milena sobre tudo o que estava sentindo. Marcaram na praia (inclusive, a praia que fizemos as fotos) e quando chegou lá recebeu a notícia da Milena: “Vou casar. Você vai se separar. Isso não tem nada pra dar certo.” e nesse ponto concordaram, beleza. Mas concordaram também que sentiam alguma coisa uma pela outra, né?! Só que não iria dar certo, então entraram num acordo que era isso, que teriam que engolir esse sentimento e seguir a vida. Foram para um bar, tomaram uma cerveja e depois, quando precisaram ir embora, chegaram no ponto de ônibus e a Luiza perguntou se elas não iam dar um beijo só. Milena indignada disse “Você não ouviu NADA do que falamos até agora né????” porque acordo é acordo. Deram um abraço e foram embora. Com o tempo, seguiram se encontrando no trabalho, saindo, vivendo como viviam. As coisas não mudaram muito. Até um dia que se beijaram e chamam de “Beijo consciente”, visto que já tinham consciência do que poderia acontecer, tinham conversado e sabiam do que sentiam. A conversa desde aquele dia na praia também deixou claro que elas se gostavam, e daí foi o caminho de entender o sentimento, finalizar os outros laços e trabalharem esse processo interno para darem o beijo consciente. Antes do “Beijo consciente” Luiza conta o quanto a Milena terminava com ela diariamente. Ela falava “Lu, a gente não pode se falar mais.” E depois de uma hora falava “Esse silêncio tá fazendo sentido pra você?” risos. Era uma confusão. Mas uma confusão que precisavam viver também. Viveram muitos momentos de instabilidade referentes não só a relação das duas, mas os términos dos outros relacionamentos, questões familiares… estava tudo misturado. Em agosto daquele mesmo ano começaram a namorar, quando já tinham saído de suas antigas relações. Durante a pandemia ficaram na casa de uma/da outra, com suas mães… e em fevereiro de 2021 elas se casaram. Foram alugar uma kitnet, da qual visitaram iluminando com a lanterna do celular, vendo baratas no chão, tudo super estranho, mas falaram: é aqui! Juntaram o que conseguiram, compraram o que deu para comprar, construíram o espaço e adotaram a Tapi, uma vira-lata já na fase adulta. Para a Luiza, a única coisa capaz de mudar o mundo é o amor - e junto dele está o respeito, a liberdade. Na relação com a Milena consegue enxergar o quanto elas se amam e querem se ver crescendo juntas. Hoje em dia estão conversando sobre engravidar, construir uma família, ver o amor crescendo no lar e gerando coisas, ver a entrega que as duas podem ter gerando coisas para além delas. Desejam, também, ter uma base de amor. Hoje em dia enxergam a casa enquanto a base, um lugar seguro para serem quem são. Têm segurança de que são amadas. Pensam em gerar e educar porque desejam uma cidade que estejam representadas, que seja educada e que também eduque os homens. Falam sobre o quanto é cansativo ouvir coisas dos homens o tempo todo na rua e o quanto também se sentem muito menos seguras ao redor dos homens. Comentam que foram no Festival de Verão de Salvador (um dia antes de nos encontrarmos) e estavam rodeadas de LGBTs e o quanto se sentiram seguras, o quanto isso foi representativo. Desejam uma cidade que não seja violenta. ↓ rolar para baixo ↓ Luiza Milena

  • Juliana e Tercianne

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Juliana e da Tercianne, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! Em um momento da conversa, falando sobre o lugar que estávamos, naquela praça, naquele espaço da cidade e sobre sermos mulheres, ouvi duas coisas que me marcaram muito e que acabei pensando depois que fui embora. Primeiro, a Terci, que por ser uma pessoa visivelmente mais tímida, disse que quando se relacionava com homens tinha vergonha de dar as mãos, de beijar em público, de ter atitudes românticas na rua… hoje se vê nesse papel porque acha que com a Ju é muito mais puro. O sentimento é praticamente ao contrário, ela faz questão de pegar na mão, de dar um abraço. Mesmo se ela não falasse, seria visível nos detalhes esses toques, porque é algo natural, o toque acontecia durante a conversa, era de fato puro. Logo depois que ela comentou isso, a Ju falou também que embora seja muito difícil a luta LGBT como um todo, chega um momento em que vale a pena expor o amor por quem você ama… e que mesmo que você coloque seu corpo na linha de frente por esse amor, o que literalmente nos acontece, enquanto vivemos no Brasil e muitas pessoas não escondem a LGBTfobia que possuem, nós precisamos seguir mostrando que está tudo bem amarmos e sermos amadas. Isso não quer dizer que não temos medo (temos, sim!) - inclusive a Terci escreveu uma música sobre isso depois que elas se encontraram numa praça (sobre ser um ato político, sobre ser uma luta) - elas andam com medo, às vezes receosas, principalmente quando cruzam com homens, mas entendem que é preciso o equilíbrio entre se cuidar e não baixar a cabeça e se esconder dentro de um armário. “Saber cuidar e cuidar dos nossos.” Por fim, trouxeram mais duas coisas. A Terci disse que logo pensou no filme Zootopia, que a coelha descobriu um lugar que ninguém ligava pra ela e que ela poderia viver tranquila. No fim, é esse o objetivo: que as pessoas olhem as diferenças e não pensem nisso como algo ruim. E a Ju traz a importância de, além de conversar com pessoas mais velhas, ser fundamental conversar também com as crianças e adolescentes, trazer diálogos de inclusão para os mais novos normalizando discussões de igualdade de gênero e inclusão social. Quando comentamos sobre a pandemia e sobre essa forma de se reinventar, a Ju falou que no começo do relacionamento tudo foi muito rápido, tudo se desenvolveu de forma involuntária. Com um mês elas já estavam muito próximas, praticamente namorando e a Ju frequentava a casa da Terci com uma frequência cotidiana por ser muito próxima à faculdade. Elas criaram uma rotina de cafés da manhã, ônibus, massagens no final do dia, feirinhas nos fins de semana, tapiocas de queijo com morango, parques, peças… tudo foi criando um tom. Hoje em dia, com a pandemia e a Terci voltando a morar com os pais dela, tudo fica diferente. Primeiro que é preciso estar em casa, segundo que o espaço em casa é outro, a privacidade é outra, o tempo é outro, sentimento é outro. São muitas readaptações. A sensação presente agora é que, por mais que estejam há mais de um ano e meio juntas, a pandemia faz com que todo dia seja uma novidade dentro de uma certa “mesmice” por conta de novas descobertas internas. Aprenderam que a Ju é mais explosiva, mais estressada, mais extrovertida… e que a Terci é ao contrário, mais quietinha, em outro tempo. Mas que também isso leva a outro contexto de conversa, de amor e de equilíbrio. Que as conversas voltam ao início da vontade de se conhecer e se encontrar de múltiplas formas. Aos poucos também entendem que estão construindo uma nova relação, com mais comunicação e com cuidado para não se magoar. Sempre tentam respeitar as limitações e redescobrir zonas de conforto, perceber o que representa o amor em suas essências, onde elas encontram ele nos seus detalhes e referências. Quando conversamos sobre o amor em seu estado puro, a Ju fala sobre amar e se apaixonar, então o “amar” ser o amadurecimento da paixão, fazer com que o calor exista, mas de forma mais concreta, mais efetiva, mais consistente. E a Terci completa “enxergando os defeitos e amando também, mas com cuidado, porque existe o amor que cuida, que quer o bem... e outro que prende, que toma posse”. A Tercianne adora música, ela se afastou um pouco por um tempo, mas depois que voltou à faculdade um professor conseguiu guiar e monitorar ela de volta. É um lugar que ela sempre quis estar, muito positivo e que se encontra muito com a Ju também. Antes de estudar teatro a Terci passou por um momento entre arquitetura e engenharia civil, ainda no Ceará, mas não se sentiu bem cursando. O pai estava estudando com ela e por já ser aposentado decidiu que apoiaria o curso que ela tivesse vontade de cursar. Ela descobriu a Casa de Artes de Laranjeiras (a CAL, no Rio) e falou que gostaria de estudar aqui, foi então que toda a família se mudou: ela, a mãe, o pai, os irmãos, os cachorros… todo mundo! E aqui estão até hoje. A Ju se vê muito na escrita dos sentimentos, nas crônicas… quando o teatro não dá conta ela abre um bloco de notas e se coloca a escrever. Desde sempre, sentiu mais resistência enquanto à vontade de ser artista, era algo que sabia. Ambas se consideram bissexuais e as famílias, hoje em dia, sabem e apoiam o relacionamento das duas - a Ju, inclusive, já foi até o Ceará com a Terci. Nem sempre foi um debate fácil a se encarar dentro de casa, o começo foi mais difícil e foram contando aos poucos para as pessoas, entendendo o contexto de cada situação. Mas no geral a família sente o quanto o relacionamento representa crescimento para ambas e fica feliz em ver essa mudança acontecendo de pertinho. A Juliana e a Tercianne se conheceram e se encontram entre muitas coisas em comum. Ambas estão com 22 anos, fazem faculdade de teatro, gostam de música, de cinema, de feirinhas... A Ju é natural do Rio de Janeiro, já a Terci é do Ceará. Elas se viram pela primeira vez quando a Ju fez uma peça interpretando uma personagem da qual a Tercianne já tinha interpretado no ano anterior. A Terci viu, se apaixonou, mas não conseguiu falar com ela logo depois do espetáculo porque precisava ir para o aeroporto pegar um voo para o nordeste, estava indo de volta para casa. Decidiu chamar a Ju no Instagram para elogiar e falar que gostou bastante da apresentação e então elas começaram a conversar. - Vou embarcar agora, mas depois continuamos a conversa. - Ah, quer continuar a conversa? vou achar que é um flerte! Foi a primeira vez que Terciane tinha mandado mensagem para uma menina dessa maneira e a Ju lançou a brincadeira, então acabou acontecendo e elas seguiram conversando (ou flertando!). Deu certo. Assim que a Terci voltou ao Rio de Janeiro decidiram se encontrar e assistiram o Rei Leão no cinema, foi tudo meio estranho, não sabiam se seria um encontro num tom mais romântico ou na amizade. Conversaram muito sobre a vida, depois ficaram, mas não sabiam dizer exatamente o que sentiam. No decorrer do que foram estabelecendo contato elas entenderem que o que queriam mesmo era se conhecer, por inteiro, saber quem eram e se encontrar no maior número de sentidos possíveis. Quanto mais se viam, conheciam os amigos, frequentavam os espaços em comum (a casa da Terci, a faculdade…), mais ouviam o quanto estavam diferentes (de um jeito ótimo, é claro!)… a Ju conta que logo no começo uma amiga da Terci contou que há tempos não via os olhinhos dela brilhando tanto como brilhavam agora. Aos poucos isso foi mostrando o quanto era real e recíproco. No show do Lagoon, a Ju pediu a Terci em namoro. E no dia seguinte, a Terci já tinha planejado tudo para pedir a Ju em namoro lá na faculdade, então pediu também. Foi uma troca justa! Tercianne Juliana

  • Thay e Camila

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Thay e Camila, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! Thayanne e Camila vieram de lugares bem distantes, mas se encontraram em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, em 2017, entre aplicativos, amigos, universidade e gostos em comum. Thay é de Barbacena, Minas Gerais, mas se mudou para o Rio de Janeiro com a família que foi para Cabo Frio quando ela era mais nova. Na faculdade, passou para a UFF (Universidade Federal Fluminense) e se mudou para Niterói. Cami é de Salvador, chegou até Niterói também por conta da faculdade (que também era na UFF) e passou oito anos morando lá. Hoje em dia, ela e a Thay moram no Rio, num apartamento que comemoram juntas terem conquistado depois de tanto tempo que passaram entre repúblicas e casas compartilhadas com amigos. Foi por conta de um aplicativo de relacionamento que elas se conheceram, mas quando deram ‘match’ resolveram, nas suas palavras, “brincar de rebuceteio”: abriram o Instagram e foram ver os amigos e amigas que tinham em comum. Nem imaginavam quanta coisa teriam em comum, na verdade: a Thay estudou no Ensino Médio com um dos melhores amigos da Cami, ela também conhecia e frequentava casas de outros amigos em comum e assim foram descobrindo que conheciam as mesmas pessoas, as mesmas histórias e os mesmos eventos, mas nunca se encontravam nos espaços. Sem contar nos gostos para as coisas, que eram muito parecidos, mas que também nunca tinham se cruzado até então. Nessa época que se encontraram, em 2017, a Cami ainda estava saindo de um relacionamento aberto do qual não se sentia confortável e era um desafio viver um novo relacionamento com alguém. Elas brincam que o verdadeiro incentivo por trás do namoro acontecer foi o fato de que começaram a pegar a barca Rio x Niterói todos os dias juntas, quando ambas conseguiram trabalhos na capital. Como iam e voltavam no mesmo horário, se ver diariamente foi um empurrãozinho ao romance ser criado. Viviam momentos muito difíceis também em relação aos perrengues financeiros. Ambas moravam em repúblicas e tinham pouco dinheiro para se manter. No primeiro encontro, por exemplo, beberam literalmente um chopp porque era o que poderiam pagar. Passavam por várias crises e sentem que foi um encontro que só falaram sobre problemas, mas que mesmo assim se deram muito bem, porque se sentiram em um espaço seguro para compartilhar as coisas. Tudo virou logo no início do namoro, quando elas conseguiram um emprego. Foi uma grande felicidade, um momento muito eufórico - e não, não era só porque com o emprego elas passaram a se encontrar todos os dias nas barcas. Com um salário elas poderiam começar a fazer coisas juntas, mesmo que sobrasse muito pouco, elas aproveitavam cada centavo: foram em vários museus, passearam em todos os lugares gratuitos possíveis, tomavam mesmo que fosse apenas uma cerveja, mas se divertiam muito. Com o tempo, passaram a ficar escondidas na república uma da outra, porque pelas regras não podiam receber visitas - porém, contudo, entretanto (!!!) a regra dizia visitas masculinas, então elas não estavam tão contra assim. Aos poucos entenderam que não valia a pena continuarem gastando cada uma em sua república e que seria mais fácil morarem juntas dividindo apartamento com outras amigas, foi assim que se mudaram para um novo lugar. Depois, o desejo virou outro: morar numa casa com janelas, que entrasse sol, que tivessem espaço (mais de um cômodo) e que pudessem se sentir em casa realmente. Isso aconteceu recentemente, agora, na casa do Rio, e elas não poderiam estar mais felizes. Decoram tudo juntas, aproveitam a cidade e o ambiente ao redor. Inclusive, estão noivas! Ficaram noivas durante a pandemia, quando entenderam que mesmo que estivesse tudo errado ao redor, o relacionamento era uma fonte de felicidade muito grande e dentro desse lar constróem mais um pedacinho do relacionamento. É como se um novo momento de euforia estivesse acontecendo. O momento de euforia é reflexo do quanto cresceram juntas. Amadureceram, viram suas vidas mudar profissionalmente. Agora, estão conseguindo construir planos verdadeiros pela primeira vez, entendendo o que querem se tornar. Já passaram por muitas vivências juntas desde 2017 até hoje: apresentar a ambas as famílias uma namorada pela primeira vez, até conquistar pequenas e grandes coisas que sempre sonharam. Ainda querem, dentro dessas mudanças, viver as coisas de forma saudável. Falam sobre suas relações com seus empregos e com a cidade em que vivem. A Cami, que no momento está com 26 anos, trabalha com consultoria estratégica e deseja ser feliz para além do trabalho, ter uma relação boa com seu ambiente e com a sua rotina, mas não depender dele por completo. Ela também deseja ser mais ouvida e ser mais considerada enquanto mulher numa sociedade. Já a Thay fala sobre como tenta diariamente transformar a sua rotina na relação mais saudável possível para que as 8h diárias que passa trabalhando na empresa não seja algo que ultrapasse o limite do próprio corpo. Ela comenta que hoje vivemos um momento de desigualdade e de pessoas que demonstram ser pró desigualdade - as pessoas falam o que pensam ser vergonha alguma - e ela gostaria muito de ver as coisas mudarem, ver a vida com mais esperança. Tanto a Thay, quanto a Cami, são muito ligadas à família e acreditam que nessa base aprendem os ensinamentos do que é o amor. Thay conta que remete amor à relação que os pais dela possuem, pois são pessoas simples, trabalhadoras e com eles aprende muito sobre a vida. Para ela, também, o amor envolve carinho e cuidado. Já a relação com a Cami mostra pura leveza, mesmo nos momentos difíceis foi leve e prezando pela liberdade de cada uma. Cami traz o exemplo do amor desde momentos corriqueiros, como a avó contando sempre as mesma história, às memórias afetivas que sente quando está em casa, a família que recebeu a Thay tão bem quando ela visitou Salvador e também o que aprendeu com a mãe, sobre sempre deixar uma marca boa pelas pessoas com quem ela cruza: uma felicidade/fazer algum bem - assim é uma forma de amar também. Dentro da relação ela entende junto com a Thay que ninguém é feliz sozinho e que juntas elas conseguem muito mais, por isso, estão sempre rodeadas de afeto e deixando também afetos por onde passam. Camila Thayanne

  • Bruna e Flávia

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Bruna e da Flávia, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! A Bruna e a Flávia são duas mulheres que se encontram nessa vida através de um amor muito parceiro (e quase nômade, devido ao tanto que se mudaram nos últimos anos). Nos encontramos no Rio de Janeiro, local em que elas passaram a morar no meio do ano e que estão apaixonadas - pela praia, pela nova casa e pelos novos amigos - mas contam que já passaram por Curitiba, Belo Horizonte e por algumas cidades do interior de São Paulo. A paixão e a parceria voltam a aparecer nesse segundo parágrafo (e desculpa, mas vai ser bem difícil não soar repetitivo nesse texto porque é muito presente a forma que elas transparecem esses dois pontos) pois logo no começo da conversa a Flávia destaca que, por elas terem se mudado por conta do trabalho da Bruna, a parceria delas é algo que não abrem mão. Estão sempre caminhando juntas, se sentindo dispostas a enfrentar os desafios que encontram. A Bruna tem 26 anos e é atleta profissional de vôlei. No momento é a levantadora do Fluminense (e já esteve enquanto uma das levantadoras oficiais da seleção brasileira!). A Flávia tem 34 anos, é Personal Trainer e Fisiologista, mulher que domina muito o Crossfit e dá aula em academias. Juntas, elas gostam muito de viajar e conhecer lugares, de estar com os amigos… e de, principalmente, aproveitar a companhia uma da outra: se curtindo e dando risada. Todos os dias, tentam manter um momento só delas: deixam o celular e a TV de lado, sentam no sofá e curtem a companhia uma da outra. É algo único na relação. Flávia conta que no começo era a mais tímida e a Bruna a mais extrovertida - que as pessoas naturalmente gostam muito da Bruna - e que era mais difícil elas quererem sair com os amigos, geralmente elas faziam de tudo para estarem sozinhas. Pelo fato do relacionamento ser à distância, acreditamos que isso também influenciava nelas quererem um momento só delas, claro. Mas hoje ela enxerga tudo com outro olhar, se sente mais aberta, mais à vontade e gosta de estar fazendo novas amizades, saindo por aí, sente que inclusive se permite ter mais confiança nas pessoas… É algo que destaca o quanto foi bom (e que nela acrescentou) ter aprendido ao longo dos anos. No começo do relacionamento foram dois anos à distância e por conta da pandemia os campeonatos de vôlei foram suspensos, fazendo com que Bruna tivesse um tempo sem planos para novas mudanças. Por mais que os pais dela estivessem morando em Curitiba, ela nasceu em São Paulo e elas já tinham passado por Piracicaba e Osasco, então alugaram um apartamento em Piracicaba e conseguiram ficar lá alguns meses. Foi uma experiência muito feliz morando juntas (inclusive, viram que deu super certo e decidiram realizar a União Estável). A relação da Bruna e da Flávia vem, como elas mesmo intitulam: “num encontro de almas”. Ambas passaram por dois relacionamentos longos e bastante tóxicos, sendo mais jovens e isso acabou gerando um certo trauma e uma insegurança ao se envolver novamente com alguém. Elas se conheceram em 2016, quando ainda estavam em seus relacionamentos, em meio aos campeonatos esportivos (e inclusive torceram uma pela outra), mas só vieram a ter interesse em se conhecer melhor dois anos depois, através de um dos melhores amigos em comum. Por mais que se sentissem machucadas e desacreditadas no amor, quando se conheceram algo ali fez florescer a possibilidade de algo dar certo. Foram com muito cuidado para não cometer os erros do passado, sempre investindo ao máximo em comunicação e em serem sinceras sobre os sentimentos, não deixar para depois ou empurrar algo... esconder alguma coisa… assim, conseguiriam consolidar confiança. Desde então, já passaram por muitas coisas - e elas devem estar pensando “Ufa! Coloca MUITA coisa nisso!”. A Bruna se assumiu para a família (que naquela época jamais aceitaria e hoje vivem uma relação bem bacana ♥) (e que, também, teve um apoio muito legal das colegas de time e do técnico, importantíssimo de ressaltar), além disso tiveram as mudanças, a mãe da Flávia passou por uma situação de doença familiar bastante difícil afetando sua autonomia, Bruna inclusive viajou para a China nesse período, mas nunca deixou de dar apoio e suporte. Enfim, todas essas situações (e tantas outras, né?) serviram para que elas chegassem à conclusão do significado de suporte: elas se entendem enquanto uma balança. Quando uma não tá muito bem, a outra dá o apoio, assim vice-versa. Elas estão ali realmente como um impulso uma para a outra, um levantamento diário. Comentam sobre a pandemia em relação ao esporte, o trabalho, as mudanças, como isso diariamente vai afetando e como diariamente também elas se impulsionam, é um esforço que vai do levantar até o ir dormir e que é conjunto, não parte apenas parte de uma dentro do relacionamento. Para elas, o amor é puro. É como uma entrega gratuita que vem de dentro para fora. E é sobre essa troca diária que elas fazem: necessita dedicação e muita entrega, mas você também recebe. Isso engloba amigos, famílias, relacionamentos românticos… E essa troca é justamente fazer sem esperar nada em troca. Na hora, a gente ri, porque parece não fazer sentido, mas faz, né? Achamos que faz. Elas entendem que a sociedade precisa de muito mais amor porque o amor e carinho são capazes de salvar as pessoas (e sobretudo, ajudá-las). Bruna entende que o amor acontece naturalmente, mas que em um casamento com o convívio diário se torna uma escolha: Escolher amar o outro pelo compromisso, responsabilidade e respeito mesmo nos momentos de dificuldades e discordâncias. Flávia comenta o quanto sente o amor latente pela mãe dela, pois sua família é a sua base e sempre estiveram por perto, sendo sua mãe seu braço direito, sua amiga. E o quanto foi forte o baque da doença. O amor é também um processo de amadurecimento - e esse amor, que elas têm, é como o que abraça todas as outras coisas: o acolhimento, o cuidado, o suporte e um verdadeiro “tô contigo para o que for”. O que vale também para a Bruna, que desde o começo acompanha e dá suporte e forças para enfrentar: não tem jeito, eu disse que ia ficar repetitivo, porque é isso o que elas realmente são > é amor de parceria. Bruna Flávia

  • Aline e Nathália

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Aline e Nathália, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! Fotografei a Aline e a Natalia cozinhando juntas porque desde o começo da nossa conversa deixaram claro o quanto essa é uma atividade que gostam de fazer (enquanto ouvem e criam músicas). Entendem o cozinhar enquanto uma alquimia, algo que vem desde suas avós, e a Aline explica o quanto aprendeu a cozinhar de fato depois que ela e a Nath começaram a se relacionar. Além dos hábitos na cozinha, outra coisa em evidência desde o princípio foi o quanto demonstraram que a relação é feita por muita comunicação. Ambas estudam comunicação não violenta e durante a pandemia de Covid-19, por estarem em casa e conviverem 24h juntas, colocaram em prática diversas formas de se ouvir. Entendem que se passaram tanto tempo juntas, vivendo processos individuais e coletivos, e não viveram nenhuma briga, isso é graças ao que colocaram em prática. Não ter brigas não quer dizer que não há conversas difíceis e desafiadoras. São elas, inclusive, que trazem uma nova sensação: a de segurança, de ser capaz de resolver qualquer problema. Enxergam os sentimentos e as necessidades mudando ao longo do tempo, por isso entendem o relacionamento enquanto um investimento: entregam e cobram respeito, compreensão e muitas outras coisas. Dentro de tudo o que constróem juntas, agem pensando em mulheres. São feministas e estão ativamente no seu cotidiano impulsionando as mulheres ao seu redor, entendendo que suas vidas giram em torno disso, até mesmo quando estão em espaços ainda pouco ocupados por nós. Exemplo disso são as aulas de violão e canto que a Aline dá: nem sempre são turmas de alunas mulheres, mas faz questão de debater com os homens temas importantes como ausência de mulheres em bandas e vozes femininas. Além de trabalhar com as aulas, Aline, que estava com 30 anos no momento da documentação e nasceu em Friburgo, interior do Rio de Janeiro, também trabalha com música em shows e teatros e mantém uma companhia de teatro com a sua mãe, sendo compositora e diretora. Ela conta que viveu desde sempre cercada por muitas formas artísticas e, mesmo se formando em psicologia, não se vê distante da arte em nenhuma ocasião. Natalia, por sua vez, estava com 35 anos no momento da documentação. Nasceu em Xapuri, no Acre, mas se mudou muito nova para o Rio de Janeiro com a família, crescendo no interior (na Região dos Lagos) e hoje em dia morando com a Aline em Niterói. Ela é designer e trabalha num espaço de militância coletiva. Além disso, faz doutorado em mídia e cotidiano, estudando a cobertura midiática de violências contra mulheres lésbicas. Se considera uma mulher feminista, passou bastante tempo estudando sobre o cárcere brasileiro e também faz parte de um coletivo de mulheres lésbicas em Niterói. Seu sonho é criar uma casa-escola com a Aline, promovendo cursos feministas e espaços de troca. Foi em 2019 que se conheceram. Na época, Nath foi almoçar com uma amiga, que cumprimentou uma menina na rua - a Aline. Elas contam que acharam uma a outra muito bonita… Nath pensou que Aline fosse meio marrenta, estava com um fone e um short de ginástica, não quis sentar à mesa com elas, estava de passagem. Perguntou para a amiga quem era a Aline e então descobriu que tanto a amiga, quanto a Aline, estavam ensaiando juntas para fazer um show em breve. Natalia vivia um casamento que funcionava enquanto relacionamento aberto, entendiam que passavam por um momento diferente: ela gostava de sair, ele gostava de ficar em casa… e foi assim que ela começou a frequentar os ensaios da amiga e conheceu um pouco mais a Aline. Aline, desde o primeiro momento que perguntou para a amiga quem era a Nath, escutou logo: “Nem vem! Ela é casada!” e pensou que não iria acontecer nada, a não ser que fosse conhecendo a Nath aos poucos. Depois de um tempo, Nath deixou claro para a amiga que o relacionamento era aberto e o papel dela na história mudou: começou a ser como um cupido para as duas. Fazia de tudo para deixá-las sozinha, ficava claro que uma tinha interesse na outra, mas o beijo demorou para acontecer. E quando aconteceu, foi um tanto quanto desconfortável. Estavam na rua e no momento passaram diversos ciclistas cantando louvor, era algo como: “Passeio de Ciclistas com Jesus” e elas estavam ali, com tudo aquilo acontecendo. Depois, repetindo o beijo, entenderam que não seria tão desconfortável assim. Durante o relacionamento da Natalia, ela já tinha ficado com mulheres outras vezes e por isso achavam que seria um rolo passageiro com a Aline, que não duraria muito. Porém, passava por diversos momentos difíceis e não se via mais que amiga do seu antigo companheiro (que, inclusive, é um dos seus melhores amigos até hoje). Tendo a Aline mais próxima, tudo caminhou para que o fim do relacionamento acontecesse. Começaram a se encontrar na casa da amiga que tinham em comum, e depois, quando entendeu que realmente gostava da Aline, deu o passo de repensar sua relação. Aline também passava por momentos bastante complexos naquele período: estava morando sozinha e pagando aluguel, tinha diversas dores financeiras por não ter o reconhecimento desejado enquanto artista e foi no começo de março de 2020 que decidiu aceitar o convite da Nath e se mudar para a casa dela, assim gastariam muito menos e poderiam repensar o que desejavam para seus investimentos e para a relação. A questão foi: poucos dias depois da mudança começar, chegou o lockdown por conta da Covid-19. Com a mudança pela metade e o medo de ser uma decisão precipitada, começaram a viver a pandemia. Hoje em dia, entendem que terem passado a pandemia juntas foi muito melhor do que se estivessem sozinhas em casas diferentes. Também relembram o quanto tudo era no começo, estavam apenas há 6 meses se conhecendo e passar todo o dia juntas era um desafio, foi onde deram início à trabalhar melhor a comunicação entre elas. Hoje em dia, Aline reconhece quantas mudanças já passou para entender o amor. Conta que há anos atrás ela não era uma pessoa que procurava os amigos, se sentia um tanto bruta com as pessoas e desejava ser mais gentil, não queria mais estar tão solitária. Passou a fazer movimentos de trazer amigos para perto, demonstrar de fato o que queria, e foi assim que entendeu o quanto o amor é uma construção, do qual necessita demonstração e esforço. No começo do relacionamento entendia que viviam uma paixão, mas hoje o amor vem através deste esforço, do respeito que aprenderam a ter entre tantas escutas. E Nath completa: amar é investir. Durante a conversa, também falamos sobre o quanto é ruim uma pessoa chegar e simplesmente dizer o que ela acha melhor dando isso como regra ou decisão única, sem uma conversa, sem um diálogo em que ambas expõem o que sentem. Por isso, elas entendem que mesmo se um dia chegarem no consenso de um término, isso vai ser muito conversado e feito de forma respeitosa, assim como foi a relação desde o princípio. Por fim, contam alguns momentos que mostram o cotidiano, como a vida ser regada de música e essa ser a forma artística preferida delas. No caminho para o centro da cidade, uns dias atrás, colocaram um hobbie em prática: criar paródias. Entre duas palavras: ‘jovem’ e ‘propósito’, começaram uma música desde o início, só finalizando quando já chegaram ao local. ↓ rolar para baixo ↓ Aline Natalia

  • Priscila e Raphaela

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Priscila e da Raphaela, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! Sobre a casa, elas chegaram a alugar o espaço ideal, se mudaram e infelizmente as coisas deram errado. A estrutura do local deixou muito a desejar, não era como prometido. Os móveis mofaram, elas perderam muita coisa. Tiveram que devolver e voltar para o apartamento que a Rapha morava. Foi tudo muito conturbado, ficaram sem ter onde morar um tempo. Foram quatro mudanças em um mês. Por mais difícil que tenha sido esse momento, serviu muito para que elas se fortalecessem também, porque pelo fato de terem perdido colchão, móveis e outras coisas, precisaram se restabelecer. Foi um momento delicado, cada centavo passou a valer muito, e se apoiaram o tempo todo também. A Pri falou sobre o relacionamento delas e sobre esse amor realmente significar resistência, não ser só uma palavra bonita usada na internet. E sobre como a pandemia, vindo com muita dor, de forma geral também nos ensina a olhar mais para o lado, a amar mais. A Rapha completa a fala dela falando sobre acolhimento, sobre ajuda, sobre as coisas mais pesadas acontecerem para nos ensinarem a pegar junto, a dar valor a quem está do nosso lado, porque isso também é sobre amor. É sobre saber dar muito valor ao que se tem agora, não ficar num discurso clichê de só agradecer, mas de reconhecer a importância de cada coisa que temos porque batalhamos muito para ter. E não amar o próximo só até onde nos convém, amar o próximo sendo ele quem for. Amar o próximo sendo preto, sendo sapatão, sendo a amiga que tá passando perrengue, sendo a vizinha que precisa de ajuda… é esse o sentido e o objetivo. Mais de um ano depois elas estavam no Tinder e deram match! Não se reconheceram de cara porque a foto da Rapha aparecia mais a cara do gato, que a cara dela. Não tinha bio, era da Ilha, a Pri pensou: se nada der certo, vou ter uma amiga que mora perto! Elas conversaram, viram que tinham uma amiga em comum e a Rapha disse “bem que eu acho que já saímos juntas uma vez!”. O primeiro encontro foi no apartamento em que nos encontramos, que é o lugar que elas moram hoje em dia. Foi no dia 4 de janeiro, comecinho do ano. A Pri estava começando a descobrir que tinha intolerância à lactose, estava doentinha, por isso acharam melhor ficar em casa. Foi um encontro quietinho. Mas, você quer sapatão emocionada? aqui temos. Dia 11, sim, de janeiro, a Rapha pediu ela em namoro. Mais emoção? Em março, sim, do mesmo ano, o pedido de casamento chegou. Só que em março também começou a pandemia e elas passaram um bom tempo sem se encontrar. Entenderam que a melhor opção seria passar algumas semanas juntas com a Pri indo para a casa da Rapha e depois algumas semanas a Pri ficando em casa com a mãe dela. Por mais que o pedido de casamento tivesse sido aceito, ela só ia morar junto depois de casar, porque ela não queria se acomodar. Ela quer tudo certinho: a festa, o vestido, o bolo. Querem adaptar todos os bichos em uma casa e em uma vida confortável. E aí sim, será um casamento. Não vai morar junto para “um dia, quem sabe, fazer uma festa…”, quer a festa, depois a casa. E então ela organizou toda a festa, está tudo prontinho e assim que a vacina permitir, terá casório! O maior sonho da Rapha atualmente é montar o seu próprio negócio, trabalhar na Cozinha Parucker, montar a marca, fazer algo legal e bonito. Ela cuida de tudo com muito carinho, trabalha e cozinha na casa da mãe dela por conta do espaço e para evitar o contato do alimento com os animais em casa e investe em estar sempre aprendendo o máximo que pode. Ela conta que chegou a passar na PUC, há uns anos atrás, em publicidade. Fez um semestre, não se sentiu feliz. Não se sentia segura no caminho, sofreu assaltos, assédios, entendeu que não era o que ela queria fazer para a vida. É muito difícil porque com a condição social que temos faz com que precisamos nos esforçar em níveis muito maiores e nos submeter a coisas muito mais difíceis para alcançar nossos objetivos. E colocar a vida dela em risco daquele jeito não era mais uma opção. Ela comenta sobre o governo, sobre a corrupção, sobre as diferenças morando na Ilha perante a não ser tão violento, mesmo tendo tráfico e favelas, mas que mesmo assim entendia que não estava valendo a pena. Foi nessa época que ela começou a trabalhar em um Freeshop no aeroporto Galeão, lugar onde a Pri também trabalhou, e por isso se conheceram. Ou melhor, por isso não se conheceram, porque a Pri trabalhou lá três meses, não se adaptou, achou tudo muito doido, pegou gripe suína em pleno 2018, não curtiu, pediu demissão. E a Rapha entrou no lugar dela. Ela saiu, mas manteve as amizades, que contaram: “entrou uma menina muito legal aqui que você precisa conhecer, a Rapha!”, enquanto falavam para a Rapha que ela tinha que conhecer a menina que trabalhava lá antes dela. Na época, a Rapha namorava e a Pri conseguiu um emprego no shopping. Em um fim de semana chamaram a Pri para beber depois do trabalho, ela topou, conheceu a Rapha rapidamente e ficou no bar com o pessoal, mas praticamente não conversaram. A Priscilla e a Raphaela são duas mulheres muito incríveis. Conheci as duas no apartamento delas, na Ilha do Governador. Com um lugar cheio de gatinhos e uma cachorra medrosa e dócil, elas me receberam em um domingo de manhã. A Rapha tem 24 anos, quer começar a formação em gastronomia e a Pri tem 29 anos e é designer de moda. Ambas nasceram e sempre moraram na Ilha, um bairro na zona norte do Rio de Janeiro. Quando a Rapha começou a gastronomia, ela decidiu fazer umas trufas e colocar para vender, a Pri levava para o trabalho e vendia por lá também. Deu super certo, todos elogiavam e em datas comemorativas elas lançavam cardápios com doces maiores. Até que no começo da pandemia ambas perderam seus empregos. A Rapha chegou a pegar um trabalho em um bar, fazendo freelancer e a Pri em um petshop, mas estava muito difícil sustentar a casa e as contas dessa forma, foi quando elas decidiram criar a Cozinha Parucker (segue aqui! tem entrega por toda a Ilha!), uma empresa em que a Rapha monta cardápios e vende seus doces e salgados. Ela sabe fazer comidas muito diversas e por lá focam em empadões e doces ♥ é tudo muito lindo! A Pri faz uma pós em marketing e curte muito ajudar a Rapha nessa área. Adora produzir conteúdo, criar lettering nas sacolas, criar mídias digitais… ela também gosta de investir enquanto digital influencer no seu perfil pessoal. Adora dar dicas de maquiagem, fotografia e falar sobre assuntos voltados à própria Ilha do Governador.

  • Beatriz e Tayana

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Beatriz e Tayana, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! Para Beatriz, a Tay elevou o sentido de muitas coisas boas. Conta que seus traumas de infância criaram um pensamento presente de que nenhuma mulher algum dia se interessaria por ela, que nunca se sentiria amada, bonita ou desejada. Tay chegou demonstrando o quanto a admira, valoriza, quer estar com ela. E o mais importante de tudo: que não está sozinha. Faz muita questão de retribuir todo o carinho que recebe colocando a Tay “lá em cima” todos os dias também: relembrando o quanto ela é capaz. Apoia seus sonhos de lançar livros, fazer mestrado, doutorado. Reforça o quanto é linda, uma mulher incrível. Acreditam que o relacionamento está muito vinculado ao suporte. Tay demonstra amor nos cuidados: “Fiz o café”/”Comprei seu leite”. Bia tem dificuldade em aceitar, mas trabalham isso juntas. Querem construir uma família diferente dos moldes que tiveram, baseada no que acreditam. Beatriz, no momento da documentação, estava com 22 anos. É natural da zona norte do Rio de Janeiro, mas reside em Niterói, junto com a Tay. Está terminando a faculdade de licenciatura em história e já trabalha enquanto estagiária/professora assistente em escola particular. Conta que vem de uma família bastante homofóbica, se descobriu uma mulher lésbica no consultório fazendo terapia e, nesse processo, escolheu a UFF justamente por ser uma Universidade em outra cidade, um local em que poderia ser livre. Tayana, no momento da documentação, estava com 28 anos. É natural de São Gonçalo, num local próximo à Itaboraí. Também está terminando a faculdade de história, mas em bacharelado. Trabalha enquanto assistente de museologia. Se conheceram em 2019, quando entraram na mesma turma no começo da graduação. Beatriz era tímida, mas na empolgação do começo do curso se mostrou uma pessoa super simpática e desenvolta, o que chamou a atenção da Tay. Conversaram e se aproximaram durante alguns meses, até que em abril falaram o que sentiam. Bia trouxe uma caixa de bombom - que a Tay não gostava - de presente, elas tentaram se beijar e a Bia teve (literalmente) um teto preto e desmaiou… viveram algumas situações engraçadas. Mas o beijo rolou depois e desde então ficaram juntas. Tayana conta que por mais que tenha vivido uma adolescência com amigos LGBTs e tenha a presença de familiares gays, não permitia olhar para si mesma e viveu uma heterossexualidade compulsória durante alguns anos. Vivia uma realidade católica e bastante tradicional, não cogitava outras possibilidades, achava que as mulheres chamavam sua atenção pela admiração que sentia e só. Quando entendeu que não era apenas isso, contou para algumas pessoas e a resposta da maioria foi a mesma: “Ah, eu já sabia!”. Com a avó foi a parte mais difícil de se conversar, por conta das questões culturais que envolvia. Até hoje, mesmo que a família dela adore a Bia e convivam bem juntos, a avó ainda acredita que o homem é quem traz a estrutura da vida de uma mulher, então surgem conversas que afetam muito a vida delas enquanto um casal. Mas lidam com isso mostrando a cada dia que passa o quanto conseguem seguir suas vidas e serem independentes, acreditam ser essa a melhor resposta. A família da Bia, por sua vez, não conhece a Tay. Segue com princípios bastante preconceituosos e, mesmo elas morando juntas e eles sabendo da existência dela, não houve um encontro até então. No começo do namoro, a UFF era o lugar de segurança e o ponto de encontro delas. Como as famílias não sabiam, não tinham como ir para suas casas. Na rua, havia o medo de se beijar. A Universidade virava um refúgio. Depois de um tempo, Bia começou a morar sozinha em Niterói. Com a chegada da pandemia de Covid-19 em 2020 elas acabaram ficando muito juntas, ambas conseguiram seus empregos e foram dividir um lar. Seus novos desafios começaram nos últimos tempos, quando conseguiram comprar um apartamento juntas pelo Programa Minha Casa Minha Vida (um financiamento do governo para pessoas de baixa renda conseguirem moradia). Está quase pronto e elas estão pagando juntas; A formatura também está chegando, sentem que são novos passos conquistados. Não foi fácil alinhar a vida financeira - e nisso falam sobre a importância da terapia para conseguirem manter conversas, falar sobre o cuidado com a casa, manterem um alinhamento. A questão familiar ainda mexe muito com elas, querem que até a formatura as famílias já se conheçam, que o preconceito seja quebrado, mas isso requer muita coragem de se enfrentar. Por fim, para além dos desafios, preenchem seus dias com passeios, idas em locais culturais, bares, restaurantes, assistindo séries e prezando muito pelos momentos de conexão. Valorizam os domingos em casa, fazendo almoço e assistindo ao jogo do Flamengo. ↓ rolar para baixo ↓ Tayana Beatriz

  • Beatriz e Marina

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Marina e Beatriz, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! Quando estávamos fazendo as fotos ela brincou com a Bia dizendo para fazermos algumas fotos dançando e a Bia argumentou que ela não dançava com ninguém “só contigo”, e na fala da Marina ela traz essa ocasião, sobre a Bia se permitir à dança. E nesse permitir-se damos gancho ao assunto de que estamos em busca de nos permitirmos porque queremos justamente nos entender, nos cavucar, nos desvendar. E chegamos ao questionamento de: por que, na sociedade em geral, tão pouco as pessoas se permitem? Então entendemos também que o amor, de alguma forma, dialoga com estar dispostas a despertar coisas na gente para mudar o outro também. Um não-querer ser quadrado o tempo todo, estar limitado ou não ser um ser-pensante. Brincamos com a palavra “gelecas” porque Marina diz se sentir uma geleca, sempre em mil movimentos e não-sólida, como algo que consegue se moldar - mudar. Por fim, ficou a sensação de não querer nunca que essa “geleca” cristalize, se conforme, se adeque. Estejam sempre se transformando para que transforme, também, os outros. Por fim, entramos em um papo muito importante sobre o amor e sobre como as relações acontecem - não só afetivamente, mas como nos permitimos estar uns com os outros. A Bia entende o amor enquanto reconhecimento e enquanto uma força muito grande, uma vontade de estar de verdade com alguém - no companheirismo, na vontade de fazer coisas juntas - e de reconhecer, mesmo se não entender. Ela acha que a base do amor é a confiança e o diálogo e que, para além disso, nas relações com mulheres, sejam amigas, as mulheres da família, ou relações amorosas, existe uma força em querer se fazer o bem sempre. Essa força envolve o zelo, a escuta e o querer-justiça. São relações que ela preza muito. Para a Marina, existem duas coisas que estão muito relacionadas com o amor: a permissão e a pressa. A pressa, na verdade, é a espera, o ritmo, o tempo. Temos que aprender a esperar as coisas, a entender o ritmo do outro, a se adaptar ao ritmo do outro também… porque quando temos pressa, acabamos por cortar um pouco a graça das coisas, atropelar e deixar sem sentido. Já a permissão entra enquanto uma importância em se entregar, em tirar tabus, tanto sexual quanto emocionalmente: ter a confiança e a leveza de se permitir. Em seguida do começo do namoro (e no dia seguinte que o foraBolsonaro foi eleito), elas alugaram um carro e fizeram uma viagem para a Bahia. Foi muito importante ter esse momento não só pela situação tensa que todas nós mulheres estávamos passando (e elas, tendo uma a outra, estando juntas, se acolhiam e se ajudavam), mas por ser uma forma diferente de dar início ao relacionamento. Ao decorrer de toda a relação tudo sempre foi construído com muito diálogo e conversa. Elas estão juntas em muitos momentos e contam uma com a outra para tudo. Inclusive, o apartamento surgiu em um momento muito especial de mudanças e de olharem para si e entenderem que seria um passo importante morarem juntas. Foram meses procurando um lugar que fizesse sentido, que elas pudessem arcar com os valores e quando acharam esse, foi um completo acolhimento. Tudo nele tem a carinha delas e cada detalhe é pensado em conjunto. As duas são mulheres muito divertidas e acreditam que isso possa estar ligado à forma que, tanto elas foram criadas, quanto ao meio que estão inseridas. Acreditam no corpo enquanto livre e sem julgamentos e para elas é muito importante que as pessoas estejam realmente à vontade. A Bia conta que sua construção enquanto ser e suas maiores inspirações vêm da irmã e também da amiga, Mariana, que é colega de trabalho e quem a colocou dentro da agência. É uma pessoa que traz bastante admiração pelo estilo de vida, pelas questões profissionais dentro da fotografia e por tudo o que já ensinou. Já a Marina contou que ter feito balé desde criança a fez ter muita disciplina e aprender muito sobre a forma de lidar com os outros e ter responsabilidades, por isso também as professoras que a acompanharam durante todo esse processo são de grande importância para que ela tenha se tornado a mulher que se tornou. Ela fala sobre o quanto o olhar das professoras moldou o olhar que ela tem sobre as coisas. Além disso, a avó dela também é fonte de inspiração diária, por ser uma mulher da roça, sempre muito alegre, e sendo uma mulher não-branca, muito forte, que carrega muitas coisas na sua existência. No começo do relacionamento delas, ou melhor, antes de ser realmente um relacionamento sério, quando perceberam que estavam bastante envolvidas, surgiu uma certa insegurança. E aí dialogaram sobre o que fazer: encaravam? desistiam e seguiam suas vidas? Foi quando entenderam que estavam dispostas a encarar e começar algo em conjunto. Um tempo depois de ter terminado um relacionamento, a Bia se reconectou com uma amiga da escola e essa amiga estava namorando uma menina que era de Vitória e trabalhava na mesma empresa que a Marina, então a amiga e a namorada tiveram a ideia de apresentar as duas e uni-las enquanto um casal. A versão da história contada pela Bia é bastante simples: a amiga dela mandou uma mensagem falando da Marina e passando o Instagram dela para a Bia seguir e conhecer. Ela achou a Marina bonita, curtiu, mas não começou a seguir na hora. Um tempo depois a Marina começou a seguir ela e ela seguiu de volta. Foi isso. A versão da Marina, por mais que seja com o fim semelhante, começou de outra forma. Ela estava em uma fase que se permitiu se envolver e conhecer novas pessoas, mas estava indecisa ainda e uma amiga aleatória, naquela semana, chegou dizendo que tinha alguém para lhe apresentar. Quando mostrou o Instagram de uma menina, ela olhou e achou ok, mas não teve muito interesse, porém a menina tinha uma foto com outras pessoas marcadas e nessa foto estava a Bia, foi aí que ela entrou no Instagram da Bia, se interessou e passou a segui-la. No dia seguinte, ao encontrar a amiga em comum que ela e Bia tem, essa amiga disse que queria apresentar uma pessoa para ela e ela ainda brincou “nossa, o que tá acontecendo essa semana, que todo mundo quer me apresentar alguém?!” e quando viu o Instagram ficou em choque, porque era logo a menina que ela tinha seguido. Pensou: ok, eu realmente preciso conhecer essa menina, de alguma forma ou de outra, a gente vai ter que se encontrar! E foi então que Bia começou a segui-la de volta. Numa interação de stories sobre gatos, elas marcaram de sair. E o que era para ser um encontro em um restaurante todo bonito, bacana e conceituado, deu errado, mas deu certo: o restaurante estava fechado e o único lugar próximo era um boteco super “pé sujo”. Elas se deram tão bem que ficaram no bar até 4h da manhã, foram para a casa da Marina, a Bia saiu de lá no dia seguinte e, para fechar com chave de ouro o date de sucesso, saiu com as roupas da Marina porque o gato tinha feito xixi em todas as roupas dela. A Bia e a Marina são duas mulheres incríveis em cada detalhe do que constróem dentro do relacionamento e dentro do lar, desde o cuidado que têm com a casa, com o preparo da comida, com a forma que se tratam, até em suas visões de mundo, de poder de escuta ativa e da forma que lidam com as pessoas e com os animais. O encontro delas aconteceu por intermédio das amigas, mas ao decorrer da explicação a gente entende que era mesmo para ter acontecido. A Bia tem 24 anos, é carioca, fotógrafa e trabalha enquanto assistente em uma agência que presta trabalhos visuais para marcas de moda. Adora videogame, sonecas durante o dia, ler e acompanhar a Marina nas aventuras na cozinha. Marina tem 29 anos, é natural de Vitória, no Espírito Santo, mas mora no Rio de Janeiro desde 2014, quando cursou a pós-graduação. Ela trabalha enquanto publicitária e produtora, ama cozinhar, principalmente inventar receitas, quase como uma alquimia, testando comidas e temperos. O que ela e a Bia mais amam fazer juntas é assistir reality shows: de todos os tipos possíveis. Bia Marina

  • Julia e Milena

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Julia e da Milena, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! No começo do relacionamento foi um pouco mais difícil manter os encontros, por conta da família não saber, não lidar muito bem e a pandemia não permitir que saíssem de casa. Agora, mesmo com a distância intermunicipal, elas acabam se vendo a cada 15 dias ou nos fins de semana. Entendem que essa escolha faz parte da relação e que o relacionamento está sendo construído com muito respeito e conforto, tendo cumplicidade. Nesse momento, a Milena disse que nunca teve alguém na vida que olhasse ela e tratasse ela da forma que a Júlia a olha e a trata, e que isso já resume toda a diferença e tudo o que o relacionamento vem significando para ela. “Todo o carinho. Todo o cuidado. Ninguém nunca se preocupou comigo assim." No começo da conversa, a Júlia tinha comentado sobre uma mulher que estava no metrô olhando as duas no caminho que fizeram até o local que nos encontramos. O olhar que ela fez foi um olhar específico de julgamento, não chegou a ser vulgar, foi algo do tipo “nossa, mas duas meninas? por que elas não estão com homens?”. Ela estava realmente bem incomodada com esse olhar, falou dele várias vezes na conversa. Comentamos sobre a diferença de olhar que nós mulheres recebemos quando estamos sozinhas, quando estamos com nossas companheiras, quando são dois homens, quando é um homem gay, quando é uma mulher nos olhando e quando é um homem nos olhando… sobre como todos os olhares são diferentes, mas como todos eles são violentos. Ela disse que queria que as coisas LGBTs fossem mais divulgadas para que tivéssemos mais espaços de fala, não só para “nos mostrarmos”, mas para educarmos essas pessoas, para explicarmos “sim, somos duas mulheres, amamos, está tudo bem, viu? não precisa do homem”. A divulgação pela nossa própria representatividade, porque precisamos disso, porque é importante para nós. Elas comentam também o quanto o fato de ocuparmos esse espaço as coisas já vão mudando naturalmente, como na própria família: os familiares que antes nunca usavam o termo “namorada da Milena” ou “namorada da Júlia”, ou que substituíam por “amiga”, hoje em dia já estão verbalizando isso… e que elas já estão podendo se referir à mãe da companheira enquanto sogra. O quanto faz diferença para a gente nos considerarem enquanto uma família e enquanto parte da família. O quanto elas vibram em cada pequena conquista que acontece quando uma está na casa da outra e sentem que avançam um pouquinho nessa conquista de território, que é diária. Sabe aquela famosa frase que nos acostumamos a ouvir? “e ai depois veio a pandemia.”, pois é. Foi logo em seguida, então os sentimentos se misturaram novamente: o término da Jú, ela tinha recém começado em um novo emprego, as várias coisas acontecendo mundialmente, tempos de incertezas, mudanças bruscas e todos dentro de casa. Elas foram voltando a conversar com maior frequência, de forma online, e só puderam se encontrar no início de junho. Quando se encontraram foi certeiro: começaram a namorar na mesma semana. Hoje em dia a Júlia está com 23 anos e a Milena também, a Jú faz muitas coisas, é fotógrafa, trabalha como social media e faz produtos digitais. Começou uma graduação em jornalismo e adora a área de criação (faz orçamento com ela, gente!), enquanto a Milena está desempregada, mas possui técnico em administração (mandem jobs e vagas por aqui também! estamos super na busca!). A Jú acredita que a fotografia entrou na vida dela como um grande hobby, acabou virando profissão, mas ela ainda faz em grande parte por diversão, porque gosta mesmo é de treinar, desbravar, se aventurar. E a Milena brinca que o hobbie da vida dela é o esporte, jogar e praticar. Elas entendem que cada vez mais querem estabelecer um nível de relação totalmente diferente das que já tiveram antes. Algo muito mais saudável em diversos âmbitos. Desde a família - antes a mãe da Jú não aceitava, por exemplo, e hoje ela adora a Milena. Assim como a família da Milena demorou um tempo para processar também e hoje adora a Jú - até os próprios preconceitos internos que ainda podem existir em nós. E falam sobre querer enfrentar os desafios que surgirem juntas, crescerem e se apoiarem. Desde o começo, quando eram apenas amigas, sempre falaram sobre absolutamente tudo (e por isso se deram tão bem), então agora não será diferente. Elas podem contar uma com a outra para entender seus processos internamente sem julgamentos. Quando falamos sobre isso, a Júlia logo disse em seguida sobre o arrependimento da escolha de ter voltado àquele relacionamento, por conta do ano de 2019 ter sido um ano muito difícil em diversos sentidos, incluindo o relacionamento. Mas como podemos saber se ela e a Milena teriam dado certo se tivessem ficado juntas naquele ano? de alguma forma, as coisas foram caminhando. O ano serviu para que ambas, em seus caminhos distintos, construíssem um amadurecimento muito maior, enfrentando coisas que não enfrentariam estando juntas. Ela também comenta que mesmo reatando o namoro, a Milena nunca deixou de ser uma prioridade na sua vida, e que isso foi algo totalmente novo, ou seja, que ela nunca tinha sentido por alguém. Ela sempre procurou saber como a Milena estava, se estava precisando de algo… sempre deixou amigos por perto dela. No meio do ano, alguns meses depois do afastamento, elas voltaram a conversar. Durante todo o ano de 2019 a vida da Milena também passou por idas e vindas, ela reatou o ex namoro, também passou por mudanças, processos diferentes. Se viu andando em círculos, processos muitos semelhantes aos da Jú. Nos meses em que elas conversavam se identificavam com algumas questões, se encontravam quando ela poderia estar pelo Rio, já que seguia morando em Magé, e conversavam muito sobre como os caminhos tinham sido separados e como mesmo com situações tão diferentes elas ainda se identificavam. Foi em Janeiro de 2020 que a Milena tomou a iniciativa de romper o relacionamento dela, por não sentir que fazia mais sentido continuar naquela forma que estava. Em março a Júlia terminou também. Uma semana antes da pandemia elas se encontraram em um show do cantor Delacruz, no Circo Voador, porque gostavam de uma música dele que sempre teve um significado muito forte para elas. Esse dia foi um divisor de águas, elas consideram que a partir dele e a partir daquele momento queriam passar a fazer as coisas serem diferentes. A Milena olhou no fundo do olho da Jú e disse: eu realmente gosto muito de você. A história da Milena e da Júlia começou oficialmente durante a pandemia, em 2020. Mas elas se conheceram em 2018, durante um curso, enquanto eram jovens aprendizes. A Júlia é natural do Rio de Janeiro, enquanto a Milena é de Magé, no interior, mas toda semana chegava até o centro do Rio para o curso. Na época elas não tinham nada em comum, a Júlia já sabia que se interessava por mulheres e estava num relacionamento com uma menina, enquanto a Milena nunca tinha se interessado por nenhuma mulher, estava em um relacionamento heteronormativo e pensava que não teria muito assunto em comum para conversar com a Jú. Aos poucos, foram criando uma amizade. Na versão da Jú, ela conta que logo no primeiro dia sentiu atração e uma paixonite pela Milena, por isso tentou investir na amizade começando com piadinhas e tentando se aproximar… assim elas se seguiram nas redes sociais e começaram a conversar além do ambiente do cursinho. Com o tempo passando e a frequência ao se verem semanalmente no curso acontecendo, acabaram criando um grupo de amigas e a amizade foi se fortalecendo. Elas passaram a manter uma rotina de conversas ativas, se ligavam por chamadas de vídeos, viraram confidentes. A Milena se sentiu à vontade para contar para a Júlia que estava sentindo algum tipo de atração por ela (Júlia que não à toa ficou com um sentimento de “eu sempre soube que você gostava de mulheres também!!!!”) e então ela contou que não sabia que gostava de mulheres e que essa estava sendo a primeira vez que sentia isso. Como a Júlia estava em um relacionamento, elas até chegaram a sair juntas depois disso, mas não se beijaram ou algo do tipo, apenas continuaram tendo contato. Em janeiro de 2019, o relacionamento não estava indo bem, ela acabou dando um tempo a ex e foi o momento em que finalmente pode ficar com a Milena. Por mais que elas estivessem ficando e se encontrando durante o mês de janeiro, tudo ainda era novo para a Júlia, porque o relacionamento recém tinha acabado, ela ainda se sentia muito dividida. Foi quando a ex-namorada soube que ela estava se envolvendo com alguém nesse período de “dar um tempo” e a pressionou, como quem diz “e aí, você vai começar algo com ela? ou nós vamos voltar a seguir o que já tínhamos construído?”. Foi então que a escolha de voltar ao relacionamento em que estava foi feita. Ela parou de falar com a Milena, parou de frequentar o curso e mudou totalmente a rotina.

  • Julia e Eduarda

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Julia e Eduarda, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! Júlia e Eduarda estão juntas há 8 anos e no momento da documentação estavam morando em uma casa na Ilha do Governador, junto com seus cães Boris e Caju. Contam sobre quantas Júlias e quantas Dudas já existiram durante esses anos de relação, vidas já viveram e muito amadureceram. Nunca foram pessoas que dão muito valor aos bens materiais - desejando o carro do ano, a viagem mais cara… - suas prioridades envolvem a casa cheia de gente, almoço em família, um domingo recebendo os amigos e as confraternizações em si. Duda conta que quando chegou na família da Júlia descobriu que por lá tudo era ‘muito’. Sempre foram muito unidos, sempre contavam um com o outro para tudo. São pessoas intensas. No relacionamento e na vida em si elas enfrentaram muitos desafios desde o primeiro momento (cuidar dos avós da Júlia, viver com o luto, começar um novo empreendimento em meio à pandemia…) e sentem que tudo isso só foi possível de sobreviver por conta do amor. As relações que mantém são pautadas no amor. E isso está longe de representar algo sempre feliz, mas sim um espaço cabível de erros, que nos dias mais difíceis ou mais rudes o amor continue ali. É uma coisa natural: se sentir aceita da forma que você é. Júlia, no momento da documentação, estava com 31 anos. É natural do Rio de Janeiro e trabalha enquanto professora de matemática e física, dando aulas particulares. Já trabalhou em escolas, mas prefere seguir com aulas particulares porque acredita que cada criança possui uma maneira de aprendizado. Tem vários alunos adolescentes e crianças, entre eles alguns com espectro autista e desenvolve um trabalho específico individual, atendendo suas demandas. Trabalha na cidade do Rio de Janeiro, mas também faz aulas online. No mais, preenche sua semana com a grande paixão pelo Fluminense e não perde um jogo. Eduarda, no momento da documentação, estava com 30 anos. Trabalha enquanto maquiadora, fazendo maquiagens sociais e artísticas há mais de 8 anos. Fez faculdade de teatro, mas acabou num curso de maquiagem e percebeu que a maquiagem sempre esteve presente na sua vida. Além disso, adora diversas outras formas de arte, como pintar, fazer miçangas, artesanato… E também passa bastante tempo cuidando das plantas ou cozinhando. Foi em 2015 que elas se conheceram, por conta de uma amiga em comum que queria muito apresentá-las. Depois que Duda terminou um namoro, elas conversaram pelo Facebook e decidiram se encontrar. Começaram a namorar com o passar dos meses e viviam muito tempo juntas no primeiro ano de relacionamento, até que decidiram morar na casa da família da Júlia. Inicialmente moravam no quarto da Júlia - e a Duda chegou mudando algumas coisas, tirando vários posters do fluminense… afinal, se iria morar lá, precisava estar à vontade no local. Tudo sempre foi muito conversado, ela foi se sentindo parte… e a casa em si foi mudando também. Surgiram demandas para cuidar do avô da Júlia, que estava muito doente, então a mãe acabou indo morar no apartamento ao lado com os avós da Júlia e as duas ficaram no apartamento em companhia do irmão. Foi então que começaram a mudar algumas coisas para além do quarto, sentir pela primeira vez que moravam num lugar delas e que as coisas eram responsabilidade delas. Mas ainda não havia completa noção sobre os gastos, as contas, já que tudo era feito em conjunto - viviam entre o apartamento em que moravam e o apartamento ao lado em que estava o restante da família. Depois de viverem o processo de adoecimento do avô, Júlia perdeu o pai para a Covid-19, em sequência o avô e a avó por outras doenças. Foi uma série de lutos em um ano muito difícil de lidar, principalmente pela avó, que foi algo inesperado e era a mulher que unia a família, uma base de admiração e carinho muito grande. Vivendo o luto entenderam que seria bom morar numa nova casa, ter um espaço só delas, algo que ainda não tinham tido a oportunidade de vivenciar. Respeitaram o processo da mãe da Júlia, que também sofria pelas perdas, e não queriam deixá-la sozinha - a solução foi arranjar um lar pertinho do apartamento, assim podem visitar o tempo todo. Só depois do luto em que vivenciaram, começaram a viver uma relação que era mais focada nas duas - e não que antes elas não vivessem juntas e com todo o carinho envolvido, mas a família sempre foi parte da vida. Contam que quando iam comer um pastel, por exemplo, não era um pastel > eram dez, levavam para todos. Uma pizza não era uma pizza pra elas, era uma pizza pra todos em casa. Sorvete sempre foi uma alegria comprar diversos potes e sabores… A relação sempre foi pensando em todos. Ter um novo lar é reaprender a pensar sobre elas e o que elas desejam. Duda conta sobre uma lembrança de um momento em que quebrou uma coisa na casa da Julia e que começou a chorar, porque na sua criação era muito cobrada para ter cuidado, brigavam se quebrava algo, era ruim, desastroso. Quando aconteceu, a sogra olhou e falou: “É bom quebrar, assim uma hora acaba o jogo e a gente compra um novo!”. Nunca tinha esperado isso ou pensado dessa maneira, foi aprendendo aos poucos a ter uma nova relação com as coisas e valorizar as pessoas. Júlia completa lembrando também do início, conta que para ela é muito importante as pessoas da casa almoçarem juntas à mesa, e que como isso nunca fez parte da criação da Duda, para ela não tinha diferença, às vezes não fazia questão. Isso deixava Júlia muito magoada. Foram alinhando isso, entendendo que era algo importante na relação. Medindo suas criações diferentes enquanto algo que pode somar uma à outra… e assim começaram a estabelecer uma melhor comunicação. Destacam o quanto se apoiam em tudo. Desde o primeiro ano de relacionamento, por exemplo, quando decidiram fazer uma viagem para o Uruguai e Argentina e decidiram que fariam maquiagens artísticas vendendo glitter no carnaval para conseguir bancar, até durante a pandemia, quando se viram sem emprego e fundaram uma empresa de doces que foi um verdadeiro sucesso e o sustento da casa durante um bom tempo. Entendem que precisamos doar o que queremos receber e que ouvir, acolher, são atos de amor também. Enxergam o amor enquanto tempo de qualidade na relação e se esforçam para compartilhar até o que não têm, por exemplo: sorrir num dia que as coisas não estão boas. Júlia cita “mesmo que a gente se embole amanhã, a gente continua sendo a gente” e explica que o amor está nisso, numa dedicação contínua e num entendimento/respeito pelo outro. Por fim, destacam o quanto vivem uma relação baseada no cuidado. Duda arruma os lanches da Júlia antes dela sair para dar aula… às vezes quando Júlia acorda já tem até café na cafeteira com um bilhete ao lado. Isso faz diferença porque passou muitos anos se alimentando mal quando saía para dar aula e agora sente que, para além de saudável, é um gesto que envolve muito carinho. ↓ rolar para baixo ↓ Eduarda Julia

  • Beanca e Ana Carolina

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Beanca e Ana Carolina, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! Ao decorrer da história da Carol e da Beanca você entende que elas terem se conhecido, era no mínimo, muito necessário. Carol procurava uma pessoa que vivesse a vida de forma diferente da dela, que fosse mais calma, circulasse em outros espaços. Enquanto a Beanca procurava alguém que vivesse na área da saúde e que construísse a vida de forma mais dinâmica, tendo uma rotina. Assim aconteceu: a Beanca chegou na vida da Carol trazendo muita leveza, amigos novos, bagagem cultural, pé no chão… enquanto a Carol trouxe uma carga de conhecimento gigantesca, uma nova realidade, iniciativas e muito carinho. Enquanto Carol conta tudo o que precisou fazer até que elas conseguissem se beijar ou começar o relacionamento, Beanca olha para ela e ri, tímida, depois diz “que bom que essa iniciativa ela tomou”. Carolina tem 36 anos, é enfermeira chefe em um hospital público. Beanca tem 38 anos, é formada em jornalismo, trabalhou com assessoria de imprensa e comunicação durante anos, mas largou tudo para seguir seu sonho: fazer odontologia. Por mais que tenha feito muitos trabalhos legais na comunicação (e cita Esconderijo, a websérie LGBT, da qual participou da produção na segunda temporada), não se via mais no mercado, sentia tudo muito saturado. Foi aí que resolveu se dedicar ao seu sonho e hoje em dia, além da faculdade, ocupa boa parte do tempo fazendo diversos cursos especializantes. Quando as duas se conheceram - pelo Happn, Carol logo de cara achou ela interessante pelo fato de ser jornalista… e Be queria muito conhecer alguém da área da saúde, já que estava entrando no mundo da odontologia. Pra quem não sabe, o happn funciona mostrando pessoas que passam fisicamente perto de você em algum caminho durante o dia. Elas se esbarraram algumas vezes, mesmo que morressem em lugares bem distantes, pelo motivo da Beanca morar próximo ao hospital onde o padrasto da Carol estava internado. Quando elas se encontraram pela primeira vez, Carol estava passando por um momento bem difícil. Estava muito triste, queria sair um pouco da realidade dela e conhecer pessoas novas, conversar sobre novos assuntos, ter alguém que ajudasse a colocar uma calmaria no turbilhão de sentimentos que estava sentindo. Beanca chegou trazendo tudo isso e introduziu a Carol no seu grupo de amigas, que são pessoas mais voltadas à arte e que falam sobre todos os tipos de assunto - de cinema, política, fotografia, música… coisas que não fossem só voltadas à saúde. “Pra mim, foi muito importante esse contato com pessoas alegres. Era o que eu precisava. Me sentir animada de novo”. Pouco tempo depois rolou o pedido de namoro. Carol comenta que toda mulher é muito intensa e pecamos em romantizar demais isso. Antes de pensar em namorar, ela passou por um relacionamento bastante abusivo (forte e intenso), então a Be significava ser muito mais vida real, mais tranquila, numa frequência melhor. O amor veio com o tempo, quando elas deixaram a paixão se transformar. “Dar tempo ao tempo não significa ser uma tarefa fácil”. Elas já passaram por diversos momentos difíceis no relacionamento - chegaram a ser diagnosticadas com depressão durante um período e optaram pelo afastamento para conseguirem tratar. Quando entenderam que já estavam num quadro melhor e perceberam que não queriam perder uma a outra, decidiram voltar, já tendo uma mentalidade diferente sobre o relacionamento. Hoje em dia, estão sempre conversando sobre tudo. A pandemia também ensinou que não adianta você se esforçar ao máximo para atingir um nível de coisa que não vai existir, ou seja, um relacionamento sem erros, romantizado demais. Pelo contrário, a pandemia mostra que não precisamos ter controle de tudo, que a vida é um sopro e que devemos usar a energia com algo que realmente valesse a pena, como o cultivo e cuidado diário do relacionamento. Devido ao momento de pandemia que vivemos e à importância da profissão da Carolina enquanto enfermeira chefe, decidi perguntar sobre como está sendo a experiência difícil de estar na linha de frente contra o COVID-19. “É muito complicado” - foi a primeira frase que Carol disse. Toda a equipe de enfermagem saiu com alguma sequela, principalmente psíquica. Você pode ter muita ou pouca experiência, ser mais velho ou mais jovem, todos sairão da pandemia muito diferentes. É muito difícil até hoje pensar em quantos amigos ela perdeu, quantas pessoas desesperadas sabendo que morreriam entubadas ela viu. Dar as notícias, emprestar o próprio celular para as pessoas se despedirem da família por vídeo, entender que o vírus é um inimigo invisível… foi tudo muito chocante. A sensação é de que ninguém vai sair ileso, os profissionais dentro das equipes começaram a mudar muito rápido, tanto para melhor, quanto para pior. O corpo dói, a mente dói, existe muita tensão e muito medo de levar para a família, preconceito das pessoas não quererem estar por perto… Ela diz que toda vez que precisa correr para conseguir o último remédio ou o último cilindro, entende que a vida passa muito rápido. Precisamos pensar também na importância da profissão. Por mais que médicos tenham um papel muito importante no hospital, quem está na linha de frente mesmo, correndo, atendendo e cuidando são os enfermeiros. Hoje em dia o descaso com a saúde pública no Brasil é gigantesco, principalmente no Rio de Janeiro, e é resultado também de diversas gestões que não tratam a saúde com devido respeito, destinando poucas medidas efetivas e recursos necessários. Por fim, Carol comentou também o quanto eles envelheceram, o quanto estão cansados e o quanto foi difícil perder amigos e familiares, vendo eles morrerem completamente sozinhos. O COVID é uma doença muito cruel que não escolhe entre uma pessoa ou outra. Quando você vê, já era. Surge novamente a frase na conversa: a vida é um sopro. Quando perguntei sobre como foi a sensação de ter tomado a vacina, o tom da voz mudou completamente: alívio. Disse que abraçou muito uma colega de profissão, que chorou e que entendeu que isso, em algum momento, vai passar. “Poder voltar a abraçar as pessoas é muito surreal”. Beanca sente que o amor entre mulheres é muito mais cuidadoso, íntimo e que as mulheres se entendem mais. Carol acha mais fácil se relacionar com outra mulher do que com homem, levando em consideração que relacionamentos em si não são coisas fáceis. No fim, chegam à conclusão de que não sentem vontade de se relacionar com homens porque falta companheirismo - o que há muito na relação delas. Se uma cozinha, a outra limpa. Não ficam fazendo algo no sentido de “servir”, como vemos em diversos relacionamentos heterossexuais, mas fazem no sentido de construir juntas, fazer juntas. “Quando eu faço a janta é porque eu quero fazer, esperar ela chegar para comermos bem. Não faço porque sou obrigada a fazer e deixar um prato na mesa pronto esperando ‘o marido chegar do trabalho'''. A coisa que mais gostam de fazer está entre: reunir os amigos (sendo anfitriãs, recebendo eles em casa), estar com suas famílias e viajar estilo bate-e-volta para alguns lugares (a casa em Teresópolis, regiões do interior do Rio de Janeiro, etc). Quando falamos sobre a cidade, elas contam o quanto nossa visibilidade melhorou muito, já que quando se assumiram, há uns 20 anos atrás, a coisa era bastante diferente. Naquela época uma mulher só poderia amar outra se estivesse em guetos, escondidas, suburbanas. Eram lugares horríveis, submundos, não eram restaurantes e festas legais. Carol lembra muito de ter que se esconder para viver um amor e sobre não falarem abertamente sobre homossexualidade. Até mesmo para ela foi difícil entender. Achava que só podia ser lésbica quem se vestia de forma estereotipamente masculina… e só entendeu que não era bem assim quando viu uma mulher bastante feminina beijando outra (e isso fez com que ela se entendesse também). Além disso, conta que foi nos grupos do UOL/BOL e no ICQ que ela pode conhecer outras pessoas LGBTs e assim se encontrar - em shoppings, em guetos. Para a Be foi mais difícil a questão de se aceitar. Já tinha uma referência de LGBT na família, então lidava com isso tranquilamente. Mas internamente só conseguiu se assumir quando formou um grupo de amigas que também se sentiram assim e decidiram que se assumiriam juntas. Hoje em dia ficam felizes quando veem o quanto está sendo falado sobre LGBTs - na mídia, nos espaços de convívio e na política. Acreditam que cada relação se constrói aos poucos e que precisamos falar quem nós somos, amar de verdade, para que a luta siga avançando. < Beanca Carol

  • Talita e Louise

    Somos um projeto que conta a história de mulheres que se relacionam com mulheres. Documentadas caminha ao lado do empoderamento da comunidade LGBT Vem conhecer a história da Talita e da Louise, quando o projeto passou pelo Rio de Janeiro! A Talita também passou por uma fase muito importante e gosta de falar sobre o fato de ser uma mulher lésbica cristã. Sobre orar, fazer ceia, cantar com outras mulheres lésbicas e bissexuais cristãs. Sobre o quanto foi difícil impor isso em casa, mas também o quanto é legal ver a mãe dela, por exemplo, caminhando diariamente num processo de aceitação. O quanto fica feliz quando a mãe dela assiste algo e indica para ela e a Louise assistirem juntas porque acham que “elas vão gostar” e geralmente nesse algo (filme, série), ter algum personagem LGBT muito representativo. O quanto nesses detalhes ela também quer mostrar que o amor está ali, que ela ama a filha dela como ela é e que a relação de família que elas constróem é também um amor puro, saudável e bonito. Por fim, ela acredita que o amor entre mulheres vai contra qualquer coisa que nos é imposta, porque nós temos “liberdade”, mas até que ponto? nós temos, sim, mas não muito. Nós podemos amar, mas não em praça pública. Nós podemos postar, mas não podemos nos expor. Se formos colocar nosso amor para o mundo, é melhor termos cuidado… e se formos colocar nosso amor para o mundo sendo mulheres negras, então… é melhor termos muito mais cuidado ainda! Porque é muito perigoso. Então de fato somos livres? Se pegarmos na mão é uma afronta para alguém? Em um momento da conversa ela disse uma frase que eu queria destacar aqui, que é: “a gente tá simplesmente sendo uma mulher lésbica racializada. E se Jesus viesse na terra, na minha ideia, ele seria uma mulher, lésbica, negra. Sentada aqui. Igual a gente tá. Aqui perto da gente. E eu queria ver como iriam olhar para ela”. Nas últimas duas perguntas que fiz, uma brinquei, perguntando sobre a Luiza, elas riram e falaram que hoje são super amigas, se falam e que estão bem, tá tudo certo! O grupo voltou a ficar ativo! Vitória! E a outra foi sobre o que elas gostariam de ver acontecendo para a comunidade LGBT ter mais acesso à cidade, e elas me disseram que era acessibilidade: é o transporte, é conseguir chegar até o cinema, é sobre a classe, sobre o acesso a leitura… é sobre ter um projeto político para que as pessoas tenham acesso de verdade às coisas, de forma orgânica, ou seja, que elas entendam a importância disso. Que a gente não só sobreviva, que a gente participe ativamente da cultura da cidade, dos espaços e do pensamento crítico com representatividade, porque a Talita conta que a primeira mulher lésbica que ela conheceu de verdade foi a Louise, e se ela não tivesse conhecido? quem seria? com quantos anos ela teria tido essa referência? "A gente sente muita falta disso porque quem não tem acesso acaba só descobrindo a vida além da sua bolha muito mais tarde”. A história da Talita e da Louise te ajudou de alguma forma? Gostaria de mandar uma mensagem para elas? Vem cá que conectamos vocês ♥ Tem alguma proposta de trabalho para elas? Opa! Pode mandar por aqui! Quer contribuir financeiramente com o Documentadas para conseguirmos registrar cada vez mais casais por esse Brasilzão? cá entre nós, é muito fácil! Se liga no PIX, aqui :D Mas e aí? Não desgrudaram e ficaram assim? Final feliz? Não em drama sapatão do Documentadas! Uma pessoa que conhecia as duas viu e contou para a Luiza. Sendo que, a Louise, por ter estado longe nos últimos anos, nem imaginava sobre o relacionamento que as duas viveram. Então ela não entendeu nada quando recebeu diversas ligações da Luiza brigando com ela por ela ter ficado com a Talita. Foi treta atrás de treta. Nessa época elas (Talita e Louise) começaram a se ver todos os dias na praia, porque a praia era um lugar que a Talita poderia ir sem precisar dar tantas satisfações para os pais dela, ou seja, representava essa maior liberdade. E foi na praia que conseguiu explicar para a Louise tudo o que aconteceu nesses anos, tudo o que estava sentindo naquele momento, e por mais que estivesse uma situação muito turbulenta (que veio a piorar uns dias depois por conta de um momento ruim envolvendo as três), a relação dela com a Louise só melhorava, aumentando e se consolidando. Foi uns meses depois disso, em junho de 2017, que elas começaram a namorar oficialmente. De 2017 pra cá muuuuuita coisa aconteceu. Ambas cresceram muito e o relacionamento mudou muito. A Louise trouxe uma calma antes inimaginável para a vida da Talita, ela ensina a pensar mais, a ir com mais calma, caminhando mais devagar. Elas também falam sobre a importância da comunicação e do medo de ser abusivo. Hoje em dia, por sermos mulheres, caímos muito num conto de que existem poucos relacionamentos abusivos entre nós, mas a verdade é que podemos ter atitudes muito abusivas sem percebermos. Então elas falam sobre esse “medo” ser um medo bom, um medo de cuidado, algo necessário sobre ter consciência e comunicação, sobre tentar sempre pegar leve, falar sobre as coisas, serem mais abertas e sinceras. Naquele dia, a Talita contou que a versão dela foi esperar que a Luiza e a Louise ficassem bem, mas que ela não soube exatamente o que fazer, só seguiu na festa, porque sabia que elas precisavam se resolver primeiro. Os dias foram passando e como a decisão da Louise foi o afastamento total, a Talita e a Luiza continuaram ficando algumas vezes, até que: tcharam! Começou, ali, um certo relacionamento. Não era um namoro oficializado, até porque ambas eram da igreja e não poderiam falar ou postar sobre, mas elas estavam juntas. Isso durou entre o ano de 2014 e 2015. Foi um período um pouco complicado porque envolvia um certo auto ódio por conta de acharem errado e ao mesmo tempo continuarem o que estavam fazendo, não conseguiam se assumir socialmente, e também não se aceitavam completamente. Foi em 2016, quando estava com 19 anos, que a Talita percebeu que não aguentava mais viver em uma situação assim. Em setembro ela resolveu comemorar o aniversário de um amigo no Acústica, um bar no centro do Rio, que representou por muitos anos um ambiente altamente jovem, boêmio e alternativo. Lugar que a Louise, que já tinha voltado, a morar no Rio, frequentava muito naquela época também. Nesse dia, ela não foi, mas a Talita conta que para ela ter ido, foi quase como um divisor de águas. Ela se sentiu liberta, beijou outras meninas e se divertiu sem medo de outras pessoas olhando. O fotógrafo tirou uma foto em que ela aparecia junto com outras pessoas, no palco, com uma latinha de cerveja antártica na mão. E, adivinha você, quem viu essa foto nas redes sociais do Acústica? a Louise. Ela salvou a foto, mandou para umas amigas que tinham em comum e que ela ainda conversava (que não eram diretamente da igreja, mas que frequentavam o mesmo grupo), falando “será que ela finalmente se assumiu?! será que ela está indo no Acústica?! ela ta bonitinha, né?! acho que vou mandar mensagem pra ela!” e então pediu o número da Talita para o ex dela (lembra? aquele do começo da história!). Foi quando ela mandou mensagem e elas acabaram passando o dia conversando. Nessa época, logo em seguida, é o aniversário delas - ou seja, elas fazem aniversário em datas bem próximas - então pela volta da comunicação, aproveitaram de se reencontrar pessoalmente também. Pensaram em ir no Acústica, marcaram, aconteceu, foi tudo super engraçado, a Louise bebeu demais e dormiu a festa toda, acordou no fim da festa e por uma coisa meio sem explicação, meio impulso&destino&álcool, elas ficaram. Combinações que encaixam completamente. Elas também encaixaram. E não desgrudaram. Foi por conta da igreja que a Talita e a Louise se conheceram, lá em 2012, mas a Louise nunca fez parte da igreja. Calma, eu explico! Ela fez um cursinho pré vestibular e conheceu uma menina chamada Luiza (grava esse nome, Luiza vai fazer parte da história por um bom tempo!). A Luiza era da igreja e chamou o pessoal para ir em um evento que teria lá, por ser divertido, ter música, conhecer pessoas legais… e a Louise topou. Chegando lá, ela viu logo a Talita e se surpreendeu pelo fato da Talita ser muito nova (na época, tinha 14 anos e a Louise 18) e sabia tocar muito bem. Todas fizeram amizade e formaram um grupo de amigos (e muitos mantêm amizade até hoje). Naquela época a Louise já sabia que gostava de meninos e de meninas, mas tinha uma tendência maior a ficar com meninos por conta de todas as questões sociais que isso envolvia. Foi então que começou a namorar com um dos meninos do grupo (por sinal, primo da Luiza) e um tempo depois descobriu que a Luiza gostava dela. Ela não se sentia confortável estando nessa situação e os encontros com o grupo ficavam cada vez mais desconfortáveis, então optou por terminar o relacionamento e na época até tentou algo com a menina, mas por conta da igreja e de todo os preconceitos que envolve o corpo de duas mulheres juntas, elas não conseguiram manter nada. Foi bem difícil para as duas, seguiram a amizade e o grupo, mas os sentimentos eram sempre bastante misturados. A Louise sempre respeitou isso e todos os limites sobre até onde poderiam ir nas suas relações, até que um tempo depois disso tudo aconteceu uma festa de ano novo (nessa época, a Talita já estava com 16, e a Louise e a Luiza com 19), e durante a festa tiveram um momento típico de “deixar o que houve de ruim no ano que passou”, então elas conversaram, entenderam que não iriam dar certo mesmo, ficaram bem, seguiram a festa… e quando amanheceu… a Louise viu a Luiza beijando a Talita. Na hora ela ficou muito triste, magoada, porque ela não entendeu as coisas direito, elas eram muito próximas, tinha muita amizade envolvida e o sentimento a mais pela Luiza também… foi aí que decidiu pegar suas coisas e ir embora. Depois desse dia, ela literalmente sumiu da vida de todos do grupo, inclusive se mudou de cidade. Nunca mais viu os amigos “da igreja”, nem manteve contato com eles. A história da Talita e da Louise é uma daquelas que dou risada no começo porque a primeira frase que ouço depois do “como vocês se conheceram?” é um “ai meu deus, vamos lá!”. Então, antes de começar o texto, eu queria deixar aqui um: ai meu deus, vamos lá! Hahahaha. Brincadeiras à parte, essas meninas ganharam 500% do meu coração do começo ao fim dessa história. A Talita tem 23 anos, é formada em letras, já trabalhou como editora de livros e também foi livreira, e a Louise tem 26, é formada em enfermagem, mas também fez um pouco de biologia e de filosofia. Ambas deixaram de lado suas formações para lançarem a Pega Leve, uma empresa de alimentação saudável (segue elas aquiii! entregam por toda a cidade do Rio de Janeiro!) . Além disso, a Talita é baterista. Ela começou tocando inicialmente na igreja, por ser filha de mãe e pai pastores, e hoje em dia faz parte de uma banda, a Volo Volant (curte o som deles clicando aqui! ). A Louise inclusive acompanha a banda desde o começo, vende as camisetas no show e tudo mais ♥ por conta da pandemia, os shows não estão acontecendo, mas já lançaram um EP e pretendem voltar assim que a vacina permitir! Botão Louise Talita

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