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Quando documentei a Laira e a Luana, nos encontramos num restaurante em Curitiba do qual elas adoram frequentar. Naquele local, viveram diversos momentos: aniversário da Laira, jantas e almoços gostosos, mas o dia mais marcante foi no começo da relação delas, antes mesmo de namorarem, do qual se envolviam tendo encontros de forma mais descompromissada. Num 7 de setembro, a Laira foi para um ato conservador do então desgoverno, porque estuda sobre o movimento conservador e acha importante vê-lo de perto, e mesmo receosa de ir a Lua topou fazer companhia. 

 

Passaram três horas no ato, documentando cada cena que viam e conversando muito sobre como se sentiam no show de horrores. Uma não acreditava que a outra estava ali, se viam super deslocadas, mas seguiam na documentação. Depois disso, sentiram como um merecimento ir num lugar legal relaxar a mente, então foram ao restaurante. Tiveram várias conversas profundas sobre suas famílias, a sociedade, o descobrimento da negritude da Lua e a percepção da Laira de ter passado por questões abusivas no seu último relacionamento. Foi naquele dia, também, que elas falaram “eu te amo” pela primeira vez. 

 

Laira explica que é a primeira experiência que está tendo de estar num relacionamento do qual ela se sente realmente cuidada, não apenas cuidando de alguém. Sente que pode descansar, que não precisa estar sempre atenta, e que também merece o carinho que recebe.

No momento da documentação, Luana estava com 25 anos. Ela é de São Bernardo do Campo, interior de São Paulo, mas mora há 7 anos em Curitiba. Conta que foi aprendendo a gostar da cidade, por ser muito bonita, mas pouco acolhedora. Vindo de uma família baiana, Lua sempre teve o acolhimento e o aconchego por perto, então tenta refletir isso nas suas relações. Sua formação é em Luteria, uma graduação específica para a fabricação de instrumentos musicais e atualmente está estudando para integrar a área de tecnologia de alguma empresa. Conta que não estar trabalhando é muito difícil e que é a primeira vez que fica sem um trabalho sustentando suas contas, mas recebe o apoio da Laira e entende que a estabilidade financeira permite que a gente sonhe, por isso está estudando para voltar a sonhar. 

 

Laira, por sua vez, no momento da documentação estava com 28 anos. Ela nasceu no interior de São Paulo, em Osasco, morou em Curitiba quando criança e voltou para São Paulo um tempo depois. Na sua trajetória, já morou em João Pessoa também e elogia o quanto foi acolhedor, porém, sentia uma ausência se lésbicas muito grande nos espaços que frequentava, não conhecia ambientes lésbicos e não via mulheres lésbicas ocupando espaços, acabou decidindo então se mudar para Curitiba, no fim do mestrado. 

 

Hoje em dia, Laira é cientista política, faz doutorado na Universidade de Brasília e pesquisa como o movimento conservador destrói as políticas públicas para mulheres - e como isso é organizado, também, internacionalmente: com práticas, leis, etc.

 

Fala sobre a dificuldade que é ser pesquisadora no Brasil. Até 4 meses antes da documentação, nunca tinha tido sua carteira de trabalho assinada, por exemplo. Ora vivia de bolsas, ora de empregos que não passavam dos 2 mil reais de salário, o que fazia ela não conseguir bancar suas contas completamente e manter um vínculo com uma familia que por muitos momentos teve atitudes lesbofóbicas. Hoje em dia, com um salário digno, fica muito feliz em dizer o quanto está empoderada - trabalha com políticas públicas no iFood.



 

Em comum, Laira e Lua são apaixonadas por câmeras fotográficas e filmadoras analógicas. Laira, inclusive, já produziu curtas em filme analógico e ganhou vários prêmios: com temáticas lésbicas, sobre mulheres e ciclismo e outras documentações. 

 

Lua adora usar a fotografia analógica para registrar o que está vendo no momento. Entende que, por mais que a foto analógica costuma ser mais pensada e projetada, gosta de registrar um olhar verdadeiro e natural. 

 

Além disso, possuem diversos hobbies e ocupações: atuam no Coletivo Cássia, com uma militância ativa, gostam de praticar esportes (Lua joga futebol e já foi um sonho ser jogadora profissional), tocam diveeeeersos instrumentos (violão, baixo, ukulele, teclado, surdo, caixa e trompete!) e adoram andar de bicicleta. 

 

A bicicleta e a militância estão com elas desde o primeiro encontro, literalmente. Foi durante a pandemia que a Laira se mudou para Curitiba e baixou o Tinder, deram match e o primeiro encontro foi num ato contra o  ex-presidente, foraBolsonaro. Laira conta que adorou a bicicleta da Lua e que foi percebendo o quanto a Lua tinha presença, não era uma beleza estereotipada, mas dela, única.


Naquela época, Laira tinha uma relação não-monogâmica (e a relação dela com a Lua também é), então os encontros com a Lua eram bem esporádicos. Quando passaram a se ver com maior frequência, viajaram juntas para o interior e ficaram numa casinha na beira do rio. 

 

Lá, pela primeira vez, a Lua entendeu que já estava apaixonada pela Laira. Foi onde construíram maior proximidade, ficaram na beira da fogueira, a Laira usando chapéu de palha e macacão, falando sobre a vida. Num momento específico das conversas, Laira disse que só não quer que as pessoas machuquem ela, porque não gosta de ser machucada, e isso marcou muito a Lua porque ela pensou que daqui pra frente faria de tudo para nunca machucar Laira. 

 

Contam como foi tudo muito simples: na viagem, depois, e até hoje. Tomaram banho de cachoeira, sentiram a simplicidade mover tudo. No momento da documentação faziam 4 meses que decidiram morar juntas e sentem que ainda vivem a simplicidade de forma boa. 





 

Quando decidiram morar juntas, Lua estava trabalhando enquanto cozinheira, mas não estava dando muito certo. Precisou sair do apartamento em que dividia com outras pessoas e a Laira a convidou para morarem juntas. Uniram a necessidade da mudança, com economia e o quanto desejavam estar juntas. 

 

Lua conta que é a primeira vez em que se sente em um lar de verdade: “Consigo transitar em todos os espaços e me sentir bem”. Laira também faz muita questão de que ela esteja bem, em casa. Juntas passam bastante tempo assistindo filmes no projetor na sala, também vão ao cinema, andam de bicicleta e cozinham. Nos últimos tempos fundaram um grupo de cicloativismo para mulheres lésbicas, dentro do Coletivo Cássia. 

 

 

Laira quer muito dar aula em universidades, falar sobre política, ver alunas se identificando em ter uma professora sapatona e gerar representatividade. Foi pela falta de representação de mulheres diretoras que começou a fazer filmes e percebeu isso em diversos espaços. Entende que se não ocuparmos espaços que antes eram masculinos, os espaços continuarão sendo masculinos. 

 

Fala também sobre o quanto já lutou para conseguir viver/sobreviver, em vários momentos pensou em desistir da vida por achar que não conseguiria se encaixar, ser feliz e realizar sonhos. Por isso, também, investe tanto na Lua fazendo os estudos para migrar de área, num sentido de nos apoiarmos: precisamos ser nós por nós e ela quer dar o acolhimento que puder enquanto possui condições para isso. 



 

Lua entende que o amor entre elas é sobre nunca deixar de lado quem são enquanto indivíduos - elas serem quem são deixa tudo mais potente e único. Não desejam se camuflar em outras pessoas ou coisas, por isso, vivem o amor a cada dia, sem tantas projeções futuras. 

 

Para Laira, o amor é sobre se permitir acompanhar a vida de outra pessoa. E isso não quer dizer que vai acompanhar todos os dias como uma novela, mas entender os momentos de mudanças, ver até mesmo o próprio acompanhamento mudando. Na relação com a Lua, identifica o acompanhamento vindo de muita resistência: é sobre estar viva, fortalecendo a resistência uma da outra, sendo parceira pelo o que passam em suas peles, com empatia.

 

Por fim, terminam falando o quanto estão felizes em serem documentadas juntas. Se veem construindo algo muito legal e maduro, e não gostariam de ser documentadas com outras pessoas. ♥

 Laira 
 Luanna 
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