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Espaço de Pesquisas

Oi! Este é um espaço do qual você pode pesquisar e encontrar histórias de mulheres que participaram do nosso projeto por todo o Brasil! Legal, né? 

Pra usar, basta digitar no espaço de pesquisa alguma palavra-chave, por exemplo: alguma profissão, alguma cidade, algum tema... 

 

É o nosso verdadeiro banco de dados - o primeiro, da história das mulheres que se relacionam afetivamente

com mulheres - e precisa ser valorizado! ♥

112 itens encontrados para ""

  • Mel e Sophia

    A história da Sofia e da Melissa é (para não dizer uma das mais especiais que já documentamos por aqui - visto que todas são especiais) uma das mais desejadas - sabe por que? Elas decidiram se tornar o que ouço muito ser sonho de vocês: um casal que largou tudo e comprou um sítio. Nos encontramos no ano passado, nesse novo lar delas, que estava cada vez mais sendo construído e amado. Com as plantas, os animais e as decorações. A Mel estava com 34 anos, ela é jornalista e escritora. Já a Sofia estava com 31, é editora de vídeos e por hobbie adora fazer tatuagens. Tudo começou quando elas moravam em São Paulo, na capital, e entenderam que não dava mais para viver sob tanto trabalho: precisavam dedicar a vida um pouco mais para si, viver para se divertir, não para trabalhar e trabalhar. Foi aí que venderam o apartamento e compraram uma casinha no interior de Campinas, numa região bastante afastada com uma vista bonita, bastante árvores e um rancho bonito, assim surgiu o @ranchosapatao. ​ Morar em um sítio não quer dizer que elas deixaram de trabalhar ou que abdicaram de suas profissões. A Mel, por exemplo, já trabalhou em ONGs internacionais de proteção animal e foi jornalista de grandes revistas e hoje em dia está focando sua carreira no término do seu (ou melhor, seus?!) livro(s). Para quem está no mundo sapatônico há mais tempo, desde os blogs, talvez já deva ter esbarrado com o trabalho dela: ela escrevia um blog chamado Fucking Mia, que virará livro e está em revisão nesse momento pandêmico que vivemos. No rancho, parte da rotina também é dedicada ao cuidado e amor aos bichinhos de quatro patas - todos resgatados da rua. O Mantiqueira e o Juazeiro, dois cachorros super simpáticos, e o Maceió e o Quito, dois gatos maravilhosos ♥ A Sofia e a Mel entendem que a relação delas é baseada na parceria, porque costumam ser pessoas práticas em momentos de aperto ou perrengue e sempre dão um jeito juntas. Nos momentos realmente mais difíceis, entendem que não há o que não possa ser conversado e isso faz com que se compreendam muito bem - porque sempre tentam ao máximo se colocar uma no lugar da outra. Conversamos sobre o quanto esse posicionamento é importante no momento de conversa para que não haja injustiça, e elas complementam que é essencial, também, para que exista o respeito no limite individual de cada uma. ​ Elas se conheceram em 2015, através de uma amiga em comum. Todas foram juntas em um bar em São Paulo e se viram pela primeira vez. A Sofia sorriu para a Melissa e logo ela pensou: “Nossa, pegaria essa menina!”. Depois, se adicionaram no Facebook e no Instagram. Ambas tinham relacionamentos, e seguiram sem interações pelas redes sociais. Um tempo depois, mesmo que a Mel sempre tivesse essa queda pela Sofia e não interagisse, foi a Sofia quem respondeu um ‘storie’ dela, dizendo: “É muita crush para um vídeo só.” Como no vídeo era a Mel e a cachorra dela, ela fez uma brincadeira perguntando quem era a crush que ela se referia, e a Sofia disse que eram as duas! Elas conversaram, trocaram ideia por um tempo e combinaram de sair para se conhecer melhor. O encontro finalmente aconteceu, lá em 2018. Marcaram numa terça-feira, se encontraram e logo no começo se beijaram. Brincam que desde esse beijo estão juntas, não teve como desgrudar. Na época, a Sofia estava em um relacionamento aberto e acabou terminando, porque entendia que o envolvimento com a Mel era maior do que poderia ter previsto. E tudo foi se desenvolvendo, caminhando. Elas dizem que se sentem em um encontro de almas, foi realmente intenso - e isso mudou suas rotinas, vontades e futuros. Fizeram tatuagens, viagens e novos planos. A Mel diz que quando conheceu a Sofia se expandiu enquanto pessoa e elas viraram o casal do “Vamos?” “Vamos!”. Hoje em dia, o apoio e o grude seguem muito presentes. Em dias mais difíceis, uma ajuda a outra, desde deixar o computador preparadinho para o trabalho, até fazer uma comida mais gostosa no fim do dia. O jeito que elas preparam a casa, os cuidados, as reformas… tudo é pensado em conjunto e para o bem-estar. ​ “O que é uma mulher sem pensar na referência que temos ao homem?” - Sofia trouxe esse questionamento à conversa. O questionamento foi para pensarmos na mulher de forma pura, como um lugar nosso, de apoio, enaltecimento, ajuda, sem hierarquia e tantas outras culturas que acabamos herdando do patriarcado. Ela acredita que as relações entre mulheres dizem muito sobre o amor e sobre o coletivo. Para a Mel, é algo muito libertador e engrandecedor o processo de descobrir o amor por outra mulher. Amar outra mulher é uma grande revolução, é entender como não temos limites, como podemos ser tudo. Vai além de todos os padrões. Elas tentam estar sempre rodeadas de mulheres ao redor: nas amizades, nos trabalhos, no cotidiano. E dizem que as coisas vão realmente mudar quando tivermos mais mulheres em cargos de poder. Além disso, vão mudar também no momento em que as pessoas tiverem mais auto-suficiência e acesso ao conhecimento, escutando outras pessoas que sofreram por muito tempo, historicamente, para construirmos uma sociedade que não vá pelo mesmo caminho que estamos - que seja realmente construída com empatia. Sofia Melissa

  • Thati e Larissa

    Conheci a Thaty e a Lari no Parque Ibirapuera, em São Paulo, numa tarde de sábado. Estávamos andando, nos apresentando, quando a Lari disse: “Foi aqui que eu caí depois de beijar a Thaty pela primeira vez.” e eu perguntei “Mas caiu, caiu? Ou caiu, tropeçou?” e ela contou que caiu, mesmo, se ralou e teve que fazer curativos. Na hora, pensei: ok, quero muito ouvir essa história. Mas não vou começar por ela porque o começo se começa pelo começo, e, nesse caso, demorou um pouquinho até o beijo (e a queda no parque) acontecerem. A Thatiely e a Larissa trabalhavam juntas na TV Cultura, mas em horários diferentes. Elas se encontravam de vez em quando, a Thaty era estagiária de jornalismo e a Lari já estava lá há mais tempo. Na versão da Thaty, ela conta o quanto nunca tinha se visto numa relação com uma mulher porque vinha de uma cultura muito hétero (e especificamente “hétero top”), além de que naquele momento estava priorizando o estar-sozinha, por ter passado por um relacionamento bastante difícil do qual saiu bem machucada. O período que passou sozinha foi muito importante para aprender o que aprendeu e também para ver as coisas sob um novo olhar. Eis que, nesse meio tempo, ela encontrava a Larissa e sempre chamava atenção, por usar turbantes bonitos e brincos grandes, nas suas palavras: “É uma pessoa que chama atenção”, mas o olhar da Thaty para ela mesma, até então, não era o de ficar com uma mulher a ponto de ter um relacionamento… ou, pelo menos, ela não estava colocando nenhum rótulo na sexualidade - beijou mulheres em bares e foi entendendo o processo, se aceitando, afinal, foram 25 anos vivendo sob outro olhar e outra cultura, entender a bissexualidade era um tempo novo. ​ Era janeiro e a Thaty trabalhou em um sábado - dia que ficavam pouquíssimas pessoas trabalhando, entre elas, a Larissa. Elas conversaram e surgiu o interesse, mas não sabia se era uma amizade ou uma paquera. Até que se adicionaram no Instagram, trocaram reações e quando chegou o carnaval elas tiveram a oportunidade de ir juntas num bloquinho com os amigos do trabalho. A Lari estava vivendo o momento dela sendo solteira no carnaval, ela conta que só se relacionou com mulheres na vida e foram poucas pessoas, então tinha recém saído de um relacionamento longo também, queria aproveitar o momento. A Thaty brinca que ficava não só observando, mas também se questionando, porque nunca tinha chego em ninguém. Na realidade heteronormativa em que ela estava inserida o costume era que os homens tomassem as iniciativas de chegarem até as mulheres, então ela não sabia como dar o primeiro passo com a Lari. Uma amiga até ofereceu ajuda, mas ela não quis, decidiu chegar lá e falar, mas na hora a Lari nem ouviu o que ela tinha pra dizer, as duas se beijaram logo. ♥ Porém, era um beijo de carnaval, né? No meio de um bloco acontecendo. Nesse mesmo dia elas beijaram outras pessoas - e por mais que a Lari em um momento tenha pego na mão da Thaty ela ainda brincou com um “Não me ilude, não!!”. Foi nessa hora que veio ele: o tombo. A Lari caiu porque estava muito bêbada e apostou corrida com uma amiga. Coisas de carnaval, né?! A Thati estava plena, disse que tinha um curativo e pediu pra eu escolher um machucado pra colocar, ou seja, eram vários. A Lari pedia: “Cuida de mim”, pra Thaty. E de alguma forma, deu certo o cuidado. ​ Logo depois do carnaval a Thaty entrou de férias porque a melhor amiga dela estava tendo um neném e ela queria ajudar nos primeiros dias pós parto. Foram 15 dias sem ir trabalhar e, nesses dias, a Lari passou a trabalhar de manhã, no mesmo horário que ela trabalhava. Quando voltou das férias elas estavam sentadas numa mesa lado a lado, e por mais que isso inicialmente tenha despertado uma esperança, aos poucos foi fechando porque a Lari é uma pessoa bastante séria no trabalho. A Thaty justifica dizendo que a seriedade vem dela ser de capricórnio, porque leva o trabalho com muita lealdade, ficando muito fechada. Mas, como ela é mais tranquila, acabava conseguindo puxar alguns papos e distrair, então elas conversavam um pouco ali e continuavam a falar também pelo Instagram - além disso, todos os colegas incentivavam e apoiavam o casal que parecia surgir. Ainda sobre trabalhos, a Lari, no momento da documentação, possui 25 anos e é natural de São Paulo, ela trabalha como roteirista de audiodescrição, além de dar aulas de espanhol e fazer trabalhos com surdos e cegos. No cotidiano, também estuda para sua meta de vida, que é prestar mestrado em literatura (e, inclusive, dá aulas de literatura também em um cursinho pré-vestibular: o Maria Carolina de Jesus, que fica na capital). Já a Thaty, no momento da documentação estava com 26 anos, é natural de uma cidade chamada São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Thaty trabalha com marketing e experiência/expectativa do cliente em uma startup de alimentos e também dá aulas no cursinho pré-vestibular, porém de Redação. Atualmente, ela cursa Letras na Unifesp, mas já cursou jornalismo e odontologia em outros momentos. Por mais que ela acredite no poder da comunicação e usa muito isso nas suas aulas, não vê mais o jornalismo como uma profissão para si - pois entende que é muito difícil trabalhar com o jornalismo de fato. Sobre a odontologia, ela ainda pensa em voltar (e a Lari incentiva) - por mais que saiba do cansaço que envolve a rotina - acredita que é algo que vale a pena e que vai trazer muito orgulho à família também. Além disso, complementa que um dos motivos para voltar é que o conhecimento é algo que ninguém tira de nós. ​ Foi com essa desculpa de muitos trabalhos e correrias que a Thaty resolveu pedir o Whatsapp da Lari para um projeto de audiodescrição. Por lá, durante a conversa, a Lari a convidou para o aniversário de um amigo em comum e novamente elas se encontraram, mas não ficaram juntas. Logo em seguida, a pandemia começou. E elas passaram todo esse momento inicial pandêmico conversando pelo Whatsapp e adaptando o trabalho para home office. Começaram com ligações à noite, o contato realmente aumentou até que a Lari foi até a casa da Thaty… e assim começaram uma relação que durava o período de se ver quinzenalmente. Até decidirem estar em um namoro, houve uma série de conversas sobre o que elas sentiam sobre isso, visto que a Thaty considerava que o período solteira após terminar uma relação era muito necessário para a pessoa se entender enquanto indivíduo, nos seus problemas íntimos. A Lari, por outro lado, queria viver de fato o romance, se entregar mais e se envolver. Rolou até aquela situação de confundir o ‘tchau’ com o ‘teamo’ e não entender o que está acontecendo de verdade entre elas. Mas foram se encaixando e conversando até chegar no ponto em que estaria tudo um pouco mais equilibrado… e então a Thaty foi apresentada para a família. ​ Ao mesmo tempo que ser apresentada para a família da Lari era um ponto, para a Thaty, envolver a família, era outra questão. A família dela não fazia a menor existência da possibilidade dela se relacionar com uma mulher - e enquanto não acordassem que isso era um relacionamento, ela não sentia a necessidade de contar. Até o momento em que virou um namoro, e aí entenderam que esse passo deveria ser tomado. A primeira questão foi a mãe reagir como uma fase. Entendemos que é um processo familiar e que muitas pessoas passam por isso, que esse processo foi respeitoso sobre o que a filha sentia, mas que houve um certo afastamento - até certo ponto natural para o entendimento de cada uma com seus pensamentos. Contar para o pai que foi mais difícil, pois o passo teve que surgir de outra pessoa e a conversa não aconteceu de fato. Ela conta que, no fim, o processo não é tão doloroso por já não conviverem tanto presencialmente, já que mora em São Paulo há alguns anos. A única coisa que deseja - e luta - é por respeito, e por isso também respeita os processos familiares. Hoje em dia, a mãe dela já trata a Lari com bastante carinho, o que mostra que as coisas precisam de um tempo, e a mãe dela até brinca que as duas já estão se casando, com naturalidade. ​ A família da Lari passou por outro processo, visto que é uma família que está mais próxima do relacionamento das duas e que sempre manteve a Lari muito perto. Desde mais nova eles sabem da sexualidade dela e não foi de uma forma fácil, pelo contrário: foi muito mais abrupta. Mas, também, foram processos. Ela falou algumas vezes na conversa a frase: “A educação me salvou.”, referindo-se à faculdade como um processo de libertação. No processo do relacionamento elas já passaram por muitas coisas, entre tentativas de morarem nos fundos da casa dos pais da Lari, até uma maturidade e um crescimento muito rápido das duas juntas nos primeiros meses de relação. Aprenderam a ter mais cuidado com os outros, não só em relação à empatia, mas em relação ao cuidado com quem se envolve, pois tinham suas energias rapidamente sugadas. Aprenderam a acreditar e ter mais fé na religião, no que está em volta e a serem mais elas por elas, juntas. Hoje em dia morar na mesma casa não significa casar. E casar, principalmente para a Thaty, tem um peso gigantesco. Ela sempre quis casar. Quis e idealizou a vida toda casar com um homem, naqueles moldes que conhecemos, mas hoje está feliz com uma mulher. “Eu quero casar com uma mulher. Quero fazer festa, convidar pessoas que gostamos. Quero viver esse momento, sempre sonhei com esse momento e quero viver isso com ela.” Elas falam sobre a naturalidade do relacionamento que possuem e que querem refletir isso no casamento, mesmo sendo socialmente tratadas diferentes, sabem que o amor que sentem é puro e natural. ​ Por mais que existam idealizações no amor, a Thaty entende que tinha muita referência no amor que via em casa, entre os pais, pois eram muito cúmplices e amigos. Até hoje entende que o amor está na parceria e no cuidado, não nos grandes feitos: o amor é todo o dia. “O amor tá quando minha mãe manda o remédio pra Larissa quando ela tá gripada.” Hoje o relacionamento da Lari e da Thaty representa algo que elas conquistaram juntas, o melhor que elas puderam ser. Isso não quer dizer que não existam uma série de questões individuais próprias, de problemas a enfrentar ou de vida a acontecer, mas que o que era antes uma batalha solitária hoje em dia é uma força conjunta. A Lari conta sobre um livro do qual ela sentiu uma conexão muito forte, o “Amares”, do Eduardo Galeano, em que são crônicas sobre tudo que ele ama - e tudo que ele ama é literatura. Já estava tudo escrito de outros livros, ele só organizou. São várias esferas de amor. Ela fala, também, sobre o quanto encontrou o amor na religião e o quanto isso é importante para o entendimento dela enquanto pessoa: “Eu agradeço muito a Oxum e Oxalá que são os dois orixás que regem a cabeça dela (Thaty), pela vida dela e espero que muitas mulheres possam encontrar outro amor assim. Não só amor romântico, mas amor no geral porque eu acredito que o amor entre duas mulheres pode transformar a vida uma da outra porque tenho certeza que esse me transformou. Eu me sinto livre. Todos os dias eu quero fazer uma coisa nova e ela tá sempre me incentivando. Eu me sinto forte.”. Larissa Thatiely

  • Samantha e Camila

    Quando lancei o Documentadas uma mulher lá de Campinas entrou em contato comigo dizendo que queria que eu fosse para lá registrar ela e a namorada e eu respondi aquilo que todas encontram aqui no site quando se inscrevem: se arranjarmos mais casais que topem participar, maior a chance de eu ir (pela possibilidade de organizarmos vakinhas, pela demanda, organização, etc). Passaram três meses e, por mais que a Camila vez em quando aparecia inbox dizendo "não esqueci de vocês, tá?" eu pensava "tá! hahaha vamos organizar!" e achava que de fato iríamos organizar, porém não naquela hora… ATÉ QUE ela surgiu dizendo que tinha organizado 10 casais que topariam participar, com horário, agenda, local, doação garantida e tudo o que tinha direito. Fiquei chocada, pensando: será que ela realmente existe??? E aí ela me contou o motivo: eu quero que o Documentadas venha para Campinas porque preciso do Documentadas registrando o pedido de casamento que vou fazer para a Samantha! Tá explicado, né? O casamento de duas mulheres é capaz de mover o que for, inclusive levar o Documentadas até Campinas. Depois que confirmamos a ida e que comprei as passagens, comecei a participar ativamente da preparação do pedido de noivado das duas - que até então seria uma surpresa para a Samantha. Precisávamos manter a seriedade e o segredo para que ela não desconfiasse de nada (e eu não poderia deixar escapar nenhum detalhe pelo perfil do .doc), então deixei para divulgar só quando já estivesse lá. ​ Fiquei hospedada na casa dela, tomando todos os cuidados, detalhadamente, perante à pandemia. E diferente dos outros casais com quem tenho contato e converso, fiz uma imersão na vida dessas duas ♥ - foram três dias vivendo a realidade delas, ouvindo suas histórias, vivendo a rotina e trocando conhecimento. Ao chegar lá, minha mala virou a mala do noivado, enquanto a Sá trabalhava fomos em lojas de decoração, compramos confetes, comidas, acessórios de festas... e a ansiedade da Camila virou a minha - então fiquei a responsável por organizar como seria o momento - e bloquear a Samantha no perfil do Documentadas no Instagram (fingindo que eu estava sem internet!) para que ela não visse as publicações em que eu contava para o público da página que o pedido de casamento seria feito durante as fotografias do .doc (e que eu iria transmiti-lo ao vivo). Bom, aconteceu! Deu tudo certo. Fomos para uma chácara, junto com a Clara e a Mayara, que também estarão com suas histórias aqui no Documentadas e que auxiliaram em toda a surpresa. A Cami estava tão, tão, tão ansiosa que quase colocou tudo a ser descoberto várias vezes? Sim. Eu fingi que estava irritada para a Samantha não desconfiar de tanta ansiedade 'à toa' no ar? Também! [O que a gente não faz... né?] E ela realmente não esperava, foi lindo. Vocês podem conferir as fotos do momento aqui ♥ ​ Camila tem 35 anos, atualmente trabalha como barbeira e tem um espaço em que atende os clientes lá em Campinas, mas conta que já trabalhou com quase tudo nessa vida: já trabalhou em navio, já foi babá, já foi garçonete, é longa a lista! Morou muitos anos na Europa, em alguns lugares diferentes, foi lá que se entendeu enquanto uma mulher lésbica e decidiu voltar para o Brasil um pouco antes da pandemia pela necessidade de se ver um pouco mais próxima da família e cuidar da saúde mental. Foi aqui que ela conheceu a Samantha, que tem 27 anos, é bancária mas também não perde a oportunidade de fazer um freelance no fim de semana e ganhar uma renda extra! Falando em renda, juntas elas lançaram o Laricas.com, uma marca de comida, vendem salgados de festas, salgados maiores e alguns doces também. A mãe e a avó da Sá participam do empreendimento, ajudando nas vendas e na produção. Quem começou tendo a ideia, na verdade, foi a mãe; As duas toparam, a avó que é super conhecida no bairro por ter várias amizades e organizar bingos decidiu ajudar nas vendas e na divulgação e então todas começaram a vender juntas. A Cami costuma fazer as entregas e elas vendem pelo próprio Instagram (no Instagram no .doc, você chega até elas e por lá pode encomendar, se morar em Campinas ♥ garantimos: é bom demais!). As duas nasceram no mesmo bairro, cresceram na mesma região e descobriram muitas coisas em comum, mas só foram se conhecer mesmo há 2 anos e meio atrás, através de um aplicativo de relacionamento para mulheres, o Wapa. Conversaram pouco por lá, cerca de uma semana e a Cami lembra que tinha algo no perfil da Sá sobre ela gostar de queijo, então decidiu que iria mandar uma foto de uma tatuagem que ela tem que é um queijinho e pensou "ah, vai que rola, né???". E rolou. De lá, ela comentou sobre uma festa que iria acontecer, com música eletrônica em uma parte da cidade, era uma festa cheia de drags, um público bastante ‘underground’... E a Samantha contou que estaria fazendo um freelancer nessa festa! Foi então que elas marcaram rapidamente de se encontrar. ​ A Cami estava enfrentando um momento muito sério e difícil na depressão, não se sentia bem e inclusive, ir para a festa, foi bem delicado. Não queria estar lá, não estava legal e até pediu para que a mãe a levasse porque não poderia ir dirigindo e também não tinha dinheiro para o Uber ou o táxi. Quando ela chegou, encontrou uns amigos e comprou uma cerveja para impressionar, porque o dinheiro era limitadíssimo, mas o charme ela não abriu mão e quando foi fumar na rua a Sá passou por trás dela e encostou a mão nas suas costas, dando um 'oi', mostrando que a viu... e ela brinca 'Aí garanti minha carona para ir embora'. No dia da festa ela realmente garantiu a carona para ir embora, a Sá deixou ela em casa e perguntou o que ela ia fazer durante a semana, se elas podiam se ver... E bom, ela estava totalmente trancada num quarto escuro em depressão, claro que não tinha nada agendado para fazer durante a semana. Topou o encontro. Esse encontro virou outro, e outro, e outro. 28 dias depois elas começaram a namorar, no dia dxs namoradxs de 2019. As famílias admiram muito o relacionamento das duas e elas entendem que é pelo tanto que se ajudam. A Sá chegou naquele quarto escuro, literalmente, trazendo luz. Ela chegava e abria as janelas, falava "nossa, tá muito escuro aqui!" e saía abrindo tudo. Mudava as coisas de lugar, fazia ser diferente. E a Cami se permitia mudar. Da mesma forma que a Cami, nesses 2 anos, vêm trazendo diversas novas perspectivas para a Sá - trouxe a terapia, um novo olhar sobre o trabalho, a vida dela, a forma que ela vê os outros... tudo é muito mais saudável. Desde o primeiro momento em que eu estive com elas percebi o quanto as realidades delas são diferentes, a Cami vem de uma família onde o pai é provedor, enquanto a Samantha é uma casa que só tem mulheres fortes e independentes. O tempo todo a Cami lembra o quanto conviver na casa da Samantha muda o olhar dela sobre as coisas e o quanto aprende sobre a sociedade. A mãe da Cami, por sua vez, considera tanto ambas famílias uma coisa só que sempre fala: ‘’A Samantha é gente da gente’’. ​ Juntas, a Samantha e a Camila adotaram duas cachorras, a Cacau e a Tulipa (Tuli, para os íntimos). Elas amam a rotina com as "crianças": cuidar delas, assistem vídeos de adestramento, sonham em trabalhar com animais, ter alguma creche de cães ou um hotel... em casa tem as duas cachorras, o cachorro da avó e um papagaio também da avó, todos encantadores (Principalmente a vó! Que é um amor e joga bingo como ninguém!). Elas adoram, no fim da tarde, ir na Pedreira do Garcia com as cachorras brincar, correr e se divertir. Além disso, costumam comemorar coisas dentro da própria rotina. Comemorar de um jeito único. Desde aniversários de namoro, aniversários das cachorras, datas que elas adotaram, momentos que elas consideram especiais... Comemoram o crescimento, a conquista, o sonho em conjunto. A Cami completa "Tem outra coisa que a gente faz, a gente ri muito. Tipo, toda a noite junto, é engraçado. A Sa riu tanto ontem que disse ’Mor, eu não tô enxergando’’. Eu amo fazer ela rir." ​ Por fim, elas sonham com um dia em que vão fazer esse casamento acontecer de fato e ter filhos, para além das "crianças" caninas. Querem que seus filhos vivam num mundo diferente do que vivemos. A Cami demorou 27 anos para se assumir lésbica, para se permitir esse entendimento também e não quer mais ver as pessoas passando pelo mesmo que passou, não quer ver as pessoas dentro desse armário. Deseja que as pessoas vivam com respeito e dignidade. Ela quer permitir a educação de forma livre, como não foi permitida à ela, porque acredita que assim seria o mundo ideal: livre. E que isso seja ensinado na escola, que ao redor dos filhos delas o contato com o mundo seja plural e diverso. A Sá conta que quer espelhar a realidade dela para o mundo: com mulheres fortes, guerreiras e independentes, que não abaixam a cabeça e não se diminuem. Ela sempre teve um círculo LGBT muito presente, desde pela melhor amiga da mãe ser solteira com um filho gay, até a avó que também tem amigas lésbicas... E sobre como tudo sempre foi visto com a naturalidade que é. Ela quer isso para o mundo, até porque, o amor, em si, é simples. E o que nós, LGBTs, fazemos é: amar. Ambas falam do amor e do respeito como base de tudo, desde a família (a Cami relembra em alguns momentos que todos os dias quando era criança a mãe dela acordava ela falando o quanto ela era muito linda. E que isso é uma coisa que ela carrega como referência de afeto, para si e para os outros), até os amigos ou um desconhecido por quem sentiu empatia. Elas falam também da importância do amor próprio e do autoconhecimento. Você aprende a se respeitar também, entender o seu limite. O amor próprio vem com muito custo, é uma jornada bastante longa, mas que vale a pena porque respinga nos outros amores de um jeito positivo. Para finalizar, deixo um trecho em que a Camila fala sobre amor que me marcou bastante perante o diagnóstico dela de ansiedade, o que ela sente sobre o amor e a forma que ela entende o amor entre mulheres: "A Sá me trouxe um amor diferente, que é um amor calmo. Sei que não vai ser só calmo, mas a gente vai enfrentar. Teve uma coisa que ela me falou e me marcou muito, é que eu sempre fiquei muito na defensiva e ela olhou pra mim e falou e disse ‘’A gente tá no mesmo time’’. Aí eu posso puxar essa deixa pra falar sobre o amor entre mulheres: por mais que a gente tenha caminhado juntas, dessa vez é de igual, é entender de uma forma que eu nunca antes fui entendida." Samantha Camila

  • Anne e Larissa

    Foi trabalhando juntas que Anne e Larissa se conheceram, numa rede escolar, enquanto professoras de inglês. Trabalhavam em unidades distintas (ainda que em regiões próximas) e tinham uma amiga em comum, mas não se conheciam. Até que numa reunião entre equipes a Lari viu a Anne e se interessou, achou ela linda e decidiu falar com a amiga sobre. Se adicionaram no Instagram e aos poucos a amiga foi percebendo que realmente combinavam e decidiu ir criando uma ponte, instigando que uma fizesse contato com a outra. Até que aconteceu um evento na escola em que a Anne trabalha, em Campinas, e quando a Lari soube que precisavam de professores para participar do evento prontamente se disponibilizou. Trabalharam juntas o dia todo, no fim trocaram um “Nice to meet you” amigável, sem jeito… mas a verdade é que já estavam interessadas uma pela outra. ​ Depois do dia de trabalho juntas, começaram a conversar de fato pelo Instagram demonstrando o interesse. Na versão da Anne, todo mundo no trabalho sabia o que estava acontecendo entre elas e colocava muita pressão, do tipo “Olha lá, a Larissa tá chegando!!”. Por isso ela até tentou puxar um papo, falar de uma tatuagem, mas não rendeu. Depois, quando começaram a conversar, o apoio foi imenso. Todos adoram elas juntas. Antes de assumirem o namoro, Anne teve Covid-19 e Lari acabou sendo a professora substituta dela na unidade escolar, então se falavam ainda mais. Contam como foi divertido também trocar nessa questão de trabalho, conversando sobre tudo - e nessa época Lari ficou mais próxima dos colegas de trabalho da Anne, descobrindo assim como ela é uma pessoa muito amiga de todos (e percebendo como eles também já sabiam da existência do romance delas). ​ Não descartam o quanto estavam tensas por serem do mesmo trabalho (e por esse trabalho ser uma escola) ao assumir que estavam juntas. São profissionais, sabem das regras. No começo, concordaram que se não desse certo, Anne iria sair porque ela nunca teve a ambição de subir de cargo e trabalhar na coordenação (diferente da Lari, que sempre quis). No fim, Lari foi contar para a coordenadora. Contou enquanto também a convidava para ir ao seu aniversário e a reação não poderia ter sido melhor: Ela disse que já imaginava, tinha visto elas interagindo no Instagram, e tudo bem! Desde o primeiro momento entenderam que queriam construir um relacionamento juntas e isso ser aceito no ambiente de trabalho significou muito. Todos brincavam positivamente com elas, os colegas sempre quiseram ver o casal feliz. No momento da documentação, Larissa estava com 28 anos e segue enquanto professora de inglês - agora já está trabalhando parte do dia na coordenação. Além do trabalho, é muito ligada à família. Ama ficar em casa, com os gatinhos, dormir, tirar um tempo para fazer nada. Hoje em dia reside em Santa Bárbara d’Oeste, interior de São Paulo, mas nasceu em Americana e é lá que trabalha. Anne, no momento da documentação, estava com 33 anos. Nasceu na Bahia, numa cidade interiorana chamada Caetité, mas desde criança mora em Campinas. Segue trabalhando enquanto professora de inglês. ​ Desde o começo o relacionamento vem representando uma série de mudanças para elas. Pela primeira vez, a Lari contou para os pais sobre a sua bissexualidade e Anne foi super bem recebida em casa, elas inclusive adoram esses momentos em família. Lari começou a gostar de futebol, assistir Star Wars e já tem até uma camiseta do Flamengo. Descobriu que é muito bom viver tudo isso ao lado da Anne porque como são coisas que ela ama, enxerga com muito brilho no olhar. Anne veio de uma família bastante religiosa e conservadora, então o assunto de se relacionar com uma mulher é muito mais delicado. Lari foi a única pessoa que ela resolveu dizer: “Estou namorando e quero trazer ela aqui em casa”. A primeira vez que contou para os pais sobre a sua sexualidade foi há anos atrás, mas não teve boa aceitação e desde então viveu como um silêncio. Um hiato enorme, uma agressão disfarçada porque não aceita quem ela é. Hoje em dia, depois de ter assumido novamente - dessa vez com a Lari - sentiu uma vontade de quebrar preconceitos vindo do pai, que se mostrou muito mais aberto a entender. Atualmente a Lari frequenta sua casa e elas sentem que tudo evolui aos poucos, mesmo não sendo fácil. Para o relacionamento dar certo, entendem que precisam respeitar seus tempos. Lari tem uma postura mais combativa nos momentos de desafio, enquanto Anne prefere ficar em silêncio, processando, mesmo que tendo companhia. Lari explica que é um aprendizado acompanhar a Anne nos seus processos e que nunca abrem mão da comunicação. Comunicam tudo, o tempo todo, desde coisas básicas (como o que querem fazer juntas) até conversas intensas sobre o que sentem. Pela primeira vez, Anne enxerga o relacionamento enquanto paz. Sente que em outras vezes que se relacionou, não só amorosamente, precisou fazer muito esforço para ser ela mesma, se sentir bem. Com a Lari não existe dificuldade para a paz existir. E amar também é isso, se sentir bem sem querer mudar o outro e nem se mudar para agradar. Uma grande compreensão de como somos, não de forma descartável, mas de ter tolerância. Lari completa dizendo que sente um amor que gostaria que todos vivenciassem. Lembra de um momento que o pai dela viu elas desenhando juntas e disse “Como vocês combinam, né?!”. Sempre teve sua referência de amor baseada na família e acredita que a Anne já atingiu isso: se tornou família pra ela, o amor que sempre acreditou. Um núcleo, algo muito mais íntimo. ↓ rolar para baixo ↓ Anne Larissa

  • Sofia e Carol

    Entre tudo o que gostam de fazer juntas na rotina caseira num apartamento no centro de da cidade, Sofia e Carolina descobriram o maior dos hobbies em comum: o gosto pelo café. Apelidaram carinhosamente de “ritual”, mas estudam, adoram organizar todos os equipamentos e descobrir novos tipos de grãos. É o momento mais precioso dentro de casa. Sofia, no momento da documentação, estava com 47 anos. Ela é natural de São Paulo, trabalha com um blog de viagens e morou um tempo em Salvador. Carol, no momento da documentação, estava com 38 anos. Ela também é natural de São Paulo e trabalha enquanto fisioterapeuta. Brincam sobre como são pessoas preguiçosas, porque só vão em shows que tenham assentos e que não são muito festeiras, não curtem muito viver o carnaval. Por outro lado, adoram explorar a cidade de outras formas, como andar de bicicleta e de moto. Desejam em breve começar viagens juntas de moto para lugares um pouco mais distantes que o comum. Carol entende que foi Sofia quem trouxe ela de volta à vida através do amor. Foi esse amor que permitiu um redescobrimento sobre quem ela era: desde usar o cabelo que sempre quis (mas que nunca pode por conta de outro relacionamento bastante abusivo), até usar as roupas que deseja sem sentir medo de acharem que ela “está muito sapatão”. Entende, agora, que isso nem é um problema - o problema era ela não viver a vida antes. Hoje, acredita nas energias, nas espiritualidades. Sente que o caminho delas estava para se cruzar há muito tempo e que isso só aconteceu para crescerem juntas, pois estão sempre dispostas uma para a outra. ​ Foi através do Happn, um aplicativo de relacionamentos, que o caminho delas literalmente se cruzou. Sofia, antes de entrar no aplicativo, foi casada por 11 anos. Decidiu baixar e se render à tecnologia porque antes, em outra época, isso não era possível. O ‘match’ aconteceu no final de dezembro, dia 28, mas não se encontraram até o réveillon (ela tentou, Carol não se sentiu confortável sendo tão rápido). Dia 31, foi para Salvador, passar a virada do ano. Conversaram pelo Whatsapp por um tempo, compraram um ingresso para o show do Milton Nascimento que teria em São Paulo (e era uma boa desculpa para se encontrarem pela primeira vez). Porém, a conversa foi esfriando até a data chegar. Sofia estava decidida: iria se mudar para Salvador. Conseguiu um apartamento lá para alugar, conheceu pessoas e se interessou afetuosamente por uma delas… Quando voltou, não sentia mais tanto clima para interagir com a Carol, então marcaram de pegar o ingresso e tomar um café antes do show, como amigas. Inicialmente, a ideia não era nem verem o show juntas, se não sentissem à vontade. Mas ao chegar no café, conversaram por duas horas e se deram muito bem. Decidiram ir ao show, encontraram uma amiga da Carol antes, beberam cerveja e depois do show continuaram a noite em um buteco. Porém, mesmo ficando até 4h da madrugada na noite, existia uma questão: a mudança para Salvador era na manhã seguinte do show. Depois do buteco/e do show, quando chegaram em casa, se falaram pelo Whatsapp e abriram o jogo: sentiram muita vontade de se beijar. Até cogitaram se reencontrar, mas o dia estava quase amanhecendo, a mudança teria que acontecer, Sofia também pensou na pessoa que gostava em Salvador e seguiu seu caminho. Carol ficou triste, passou uns dias bastante abatida, parecia que tinha vivido um término de namoro. No dia 2 de fevereiro, logo em seguida, chegou a ir para Salvador porque já tinha a viagem agendada com uma amiga, mas lá não encontrou Sofia. Depois disso, a pandemia começou e ficou tudo mais difícil. Sofia começou relacionamentos por lá, mas seus planos de viver a cidade em si não deram certo, acabava a maior parte do tempo trancada em casa. ​ Carol, por sua vez, vivia outra situação em São Paulo. Conta que por cerca de 6 anos se relacionou com uma pessoa, que chegou a morar com ela. Não era um namoro porque elas não assumiam (nem publicamente, nem aos mais próximos). Ela já tinha rompido essa relação, porém, quando a pessoa descobriu a existência da Sofia, ‘mudou’ suas atitudes e quis estar de volta. Acontece que as atitudes não mudaram, de fato. Aos poucos Carol entendia o quanto isso era abusivo. O fato de ter gostado de alguém virou um fantasma na vida dela, uma sombra. A pessoa olhava o celular dela o tempo todo, tudo virava uma briga, o nome da Sofia sempre rondava a casa. Acabou bloqueando Sofia no Instagram, como forma de tentar cessar as brigas. A importância que Carol vê em falar sobre essa vivência vai muito de encontro ao que ela viu na Sofia como uma oportunidade de viver algo que sempre quis, um relacionamento assumido, com afeto, sem cobranças sobre como ela deve se vestir, que respeita como ela é, com comunicação. Mas além disso, fala muito também sobre precisarmos falar que existem relacionamentos abusivos entre mulheres e que precisamos nos conscientizar. Não relativizar quando as pessoas nos fazem sentir mal, nos cobram, nos ditam o que devemos ser, desconfiam. É preciso buscar acolhimento e sair dessas situações. ​ Depois desse hiato em que Sofia viveu Salvador na pandemia e Carol se livrou mais uma vez daquele relacionamento que vivia, decidiu adicioná-la no Instagram novamente, porém por outro perfil. Conversaram sobre a pandemia, sobre a vida, e passaram a se comunicar novamente todos os dias. Um tempo depois, Carol comprou uma passagem e foi para Salvador. Elas não sabiam se iriam se dar bem, era uma primeira convivência de dias, mas tudo deu certo. Depois disso, Sofia também veio a São Paulo, ficou um bom tempo. Aos poucos, foi conhecendo sobre a relação que Carol viveu e trazendo acolhimento. Queria muito pedir ela em namoro, achava que ela merecia isso, e o pedido acabou acontecendo nessa vinda, quando aproveitaram e foram para um chalé na serra paulistana. Viveram a distância Salvador - São Paulo por um tempo, ainda na pandemia, e estava tudo bem difícil. O contrato da Sofia estava próximo de vencer, então pensou em voltar para São Paulo. Decidiram morar juntas, justificam: “Se a Carol fosse morar em Salvador, ela iria morar comigo. Por que eu vindo pra cá não poderia morar com a Carol?”. Depois da mudança, casaram-se. No dia de Iemanjá. ​ Sofia e Carol adoram as coincidências que possuem juntas. Para além do café, as músicas, os lugares… Sofia fala como é importante poder ser quem ela é de verdade com a Carol, como ela nunca tinha vivido isso de forma tão plena, a forma que se sente à vontade com alguém, em liberdade. Carol só conseguiu entender a relação que viveu depois que passou por tudo. Hoje em dia, valoriza o quanto ela e a Sofia podem ser quem são na rua, nas redes sociais, podem pegar na mão quando saem pela cidade. E aprende diariamente a viver uma relação saudável, a superar os traumas e a não querer pesar as coisas. Adora a rotina agradável que vivem. Ambas mudaram muito suas visões sobre o amor depois que passaram a se relacionar. Não são muito próximas de suas famílias e nem possuem um número extenso de amigos, mas os que existem são pessoas que amam, confiam, que estão na vida delas há anos. Entende respeitar o tempo de cada pessoa, o limite das coisas, é o essencial para que tudo dê certo. Querem um amor leve, que conversa e que entende. ↓ rolar para baixo ↓ Carolina Sofia

  • Ari e Ane

    O encontro da Anelise, da Ariana e dos gêmeos Liz e Lucca com o Documentadas aconteceu num momento bem inicial da vida dos pequenos, antes mesmo de completarem 4 meses, num parque em São Paulo. Com entusiasmo, elas contam sobre como tem sido a vivência inicial da maternidade em dupla e como já ouviram diversas vezes as pessoas falando sobre os dois serem sortudos em ter duas mães. A partir do que vivem agora perceberam que qualquer mãe em um relacionamento heterossexual passa a ser uma mãe solo pelas necessidades básicas que enfrenta, muitas vezes sozinha/sem apoio para dividir intimidades - precisa fazer xixi, tem diversas questões com o corpo (a amamentação, o pós parto) - e como é diferente positivamente compartilhar isso com outra mulher na dupla maternidade, não é algo solitário. Também compartilham medos e situações inesperadas, como as primeiras noites, os choros e os momentos difíceis. Sabem que podem contar uma com a outra. Entendem que querem proporcionar coisas diferentes para as crianças, coisas que as famílias héteros talvez não precisem se preocupar porque não precisaram passar pelos desafios que passamos. Querem criar crianças conscientes. Ari comenta que viver a maternidade sem vincular à política é quase impossível, principalmente porque a fertilização de casais homoafetivos pelo SUS não é possível, o acolhimento do sistema único de saúde precisa melhorar, precisamos de representatividade, desde fisioterapia para a gestante até enfermeira que fale sobre amamentação. Ane completa que só está ali hoje porque brigou muito pela licença maternidade, mas que não deveria brigar, e sim ser lei, para então termos maneiras mais justas de vivenciarmos nossas formas de amor. ​ Ane e Ari se conheceram em 2016. Ane sempre foi festeira, morava próximo à Av. Paulista e tinha uma vida agitada. Ari terminava a residência médica. No meio da semana, num feriado, Ane foi ao show da Preta Gil e Ane trabalhava no Hospital da Santa Casa, quando se cruzaram num aplicativo de relacionamento que funciona pela distância física (quando as pessoas passam uma pela outra em lugares próximos, elas aparecem no aplicativo). No dia seguinte, Ane acordou de ressaca e viu a Ariana no aplicativo. Deu um superlike, assim, apareceria logo que a Ari abrisse o app. Acabaram dando match - e afirmam que se não fosse essa “chamada de atenção”, provavelmente não teria rolado, já que Ari nem dava bola para os aplicativos (e nunca tinha saído com alguém assim). Decidiram sair, foram em um restaurante que não combinava nenhum pouco com elas, comeram salada e depois atravessaram a rua para ir num pub, que também não combinava com elas, mas ao menos tinha cerveja. Deu certo! Tudo fluiu e continuaram se encontrando aos poucos. ​ Depois de dois meses, Ane estava com uma viagem agendada com um amigo para Cuba e chamou Ariana para ir. Ari recém tinha acabado a residência, estava querendo viajar e topou. Decidiram ir juntas e já entenderam que estavam se relacionando. Depois de um tempo de relacionamento, mas ainda no começo, Ane recebeu uma proposta de trabalho muito boa, porém que precisaria se mudar para Porto Alegre. Pensou muito, Ari apoiou, a encorajou, mas acharam que o relacionamento não iria durar pela distância. Ane acabou indo, morou lá por dois anos, e elas se encontravam aos finais de semana quando conseguiam, fazendo a ponte aérea POA X SP e usando uma manutenção diária para manter o relacionamento de todas as formas. Contam que não foi fácil, existia a saudade, a vontade de estar junto… Mas nesses momentos se usa todas as alternativas possíveis: se davam mais presentes, bilhetinhos, dedicatórias, chamadas de vídeos, aproveitavam 100% do tempo quando estavam juntas… Ari acrescenta que mesmo sendo pessoas diferentes, quando se conheceram, já se viam de formas completas. Isso auxiliou muito nesse processo. Já tinham suas profissões (e eram valorizadas), já valorizavam uma à outra, tinham suas redes familiares, seus amigos… Então tudo foi muito mais fluido, as cobranças quase não existiram. Depois dos dois anos em Porto Alegre, voltando à São Paulo, juntaram os animais de estimação, os móveis, a casa, e foram morar juntas. ​ Anelise estava com 35 anos no momento da documentação. Ela é do interior de São Paulo, mas mora na capital há muitos anos e trabalha como advogada de empresas. Hoje em dia, o tempo livre é 100% ocupado pelos pequenos, mas também gosta de ir em rodas de samba, tocar violão e assistir filmes no cinema. Ariana estava com 38 anos no momento da documentação. É natural de São Paulo e trabalha enquanto médica pediatra. Conta que o tempo de agora é para fazer um conhecimento - conhecer os filhos e os filhos conhecer as mães. Nos primeiros momentos, o tempo era para fazer coisas básicas (comer, dormir, tomar banho…) e agora, com eles no carrinho, tem sido possível tomar café da manhã, por exemplo, o que é um grande prazer compartilhar esse momento com eles. Foi durante a pandemia que começaram a pensar sobre a maternidade, sobre quem iria engravidar e como seria. Tentaram uma vez e não deu certo. Depois, tentaram novamente, com aquela possibilidade - dois óvulos, podem ser gêmeos. Tinham medo pelas questões financeiras, mas encararam. Descobriram a gestação na semana da Parada LGBT de São Paulo, e agora, um ano depois, irão na Parada novamente - com eles no colo. ​ Anelise conta que aprendeu com a Ari que o amor pode ser algo leve, com diálogo e respeito. Ela sempre foi muito afobada, atarefada… e hoje em dia é diferente. Não acha que só o amor sustenta relações, é preciso uma série de coisas, como respeito, carinho, atenção, um esforço orgânico, natural. Ambas entendem seus privilégios, mas entendem também que mesmo ocupando o local que ocupam ainda enfrentam diversas questões de preconceito por serem duas mulheres mães que se relacionam afetivamente. Por isso, aprenderam a enfrentar essas questões com o tempo. Falam também sobre como é importante a rede de apoio que possuem. Podem contar com os amigos, com a família, e isso facilita muito para a existência do privilégio de viver um amor leve. ↓ rolar para baixo ↓ Ariana Anelise

  • Mayara e Clara

    Foi através de um aplicativo de relacionamentos, em 2016, que a Mayara e a Maria Clara se conheceram. Elas conversaram um pouco, trocaram algumas ideias... e um tempo depois, a Clara estava numa roda de amigas, conversando, na rua, quando viu uma moça passando e identificou as tatuagens e o jeito parecido com “aquela que havia dado match no Tinder”. Ela conta que Mayara veio lhe encarando, mas que ambas não tinham certeza se eram mesmo quem imaginavam, então trocaram mensagens para se certificar, do tipo “eu passei por você agora há pouco?" e interpretaram aquele encontro como um sinal, para se encontrarem mesmo, com data e hora marcada, em breve. No fim de novembro de 2016 foi quando começaram a se relacionar e vivenciar momentos de altos e baixos, idas e vindas. Em setembro de 2017, quase um ano depois, foi quando realmente entenderam o que tinham enquanto um namoro. Esse entendimento e essas “idas e vindas” levaram tempo por conta de processos bastante internos e hoje, olhando para trás, percebem que o relacionamento mudou muito desde o início. Parte desse processo vinha de uma movimentação mais defensiva da May, que aos poucos foi compreendendo que elas estavam juntas para se ajudar. Nesse primeiro ano, a May sofreu um episódio de homofobia bem doloroso. Ela estava sozinha, num lugar até então seguro e foi agredida por pessoas que chegaram de fora da sua casa. Esse movimento de passar por violências muito graves que jamais imaginaria trouxe muito sofrimento e também um sentimento de querer encontrar a Clara por a entender como um apoio e alguém com quem poderia contar. Enquanto a Clara, por sua vez, respeitou e acolheu de forma essencial, deixando com que mesmo entre muitas dores, a May pudesse se sentir em segurança ali. Assim, com o passar do tempo e dessas turbulências, elas foram amadurecendo o sentimento. Outras coisas que envolviam a relação também foram amadurecendo naturalmente, como ciúmes, relações com familiares (que passaram a compreender e apoiá-las) e o próprio respeitar espaços de cada uma foi fundamental para que a relação pudesse ter maior conexão e intimidade. ​ Tanto a Mayara, quanto a Maria Clara, possuem 28 anos. Mayara é de Rio Claro, mas foi morar em Campinas há 9 anos para ser publicitária - profissão que desenvolve em uma agência - trabalha com atendimento ao cliente também, além de alguns trabalhos com redação, que é o que ela mais gosta. A Clara é boleira, faz bolos por encomenda, tanto caseiros, quanto para festas (e são muuuuuuito gostosos!). Além disso, a Clara também faz alguns trabalhos temporários em atendimento e suporte ao cliente. Ah, outra informação sobre elas que não poderia faltar, né? Elas são opostos complementares nos signos: áries e libra - e isso sempre esteve presente nas conversas, desde que se conheceram. No momento que nos encontramos conversamos bastante sobre a pandemia, elas contam que a adaptação foi difícil, tanto no trabalho, quanto na relação, na vida, nas amizades, no dia a dia. O trabalho envolvia vendas na presencialidade e tiveram que trazer os clientes para o meio online, sendo um desafio imenso, sentindo desconfortos pelas videochamadas, desconhecimento de tecnologias, foi uma adaptação bem grande. Elas entenderam que trazer o conforto para a situação é o maior desafio em seus trabalhos, tentam descontrair e fazer os clientes se sentirem tranquilos, mas ligar uma câmera não é fácil (e possível) para todo mundo. Além disso, foi difícil parar de fazer o que mais gostavam, como sair com o Paçoca (o cachorrinho mais educado e querido desse mundo!), ir à praia e sair um pouco do mesmo espaço dentro de casa para conseguir se movimentar, então perceberam ansiedades aumentando, momentos de maiores cobranças e imediatismos. A forma de tentarem se ajudar e deixar tudo mais leve foi reinventando os espaços em casa, a May se mudou para dividir o lar com a mãe da Clara e a Clara e a partir disso elas passaram o tempo livre maratonando séries, compartilhando refeições e investindo nos instrumentos musicais. Elas têm se permitido sair para andar de bicicleta, brincar com o Paçoca, visitar a família e ir até a casa no sítio. ​ Elas sempre se enxergaram dispostas a viver o amor e a estarem juntas e isso é o que mais se destaca para a Mayara. Ela diz que ambas sempre estão percebendo uma à outra de maneira inteira, com suas qualidades e defeitos. Quando enfrentam momentos em que as coisas se tornam um pouco mais sensíveis, entendem que é preciso encontrar força conversando e buscando uma na outra, porque o amor está também nessa persistência, nessa vontade de estar juntas e nesse encaixe que ele possibilita. A Clara percebe que o amor é desejar e entender o que queremos para o outro (a pessoa com quem nos relacionamos) e para a gente (a nossa relação) - e não só, para que isso se espelhe/se reflita nos outros também, nas nossas relações com as pessoas que estão ao nosso redor, visto que o amor não precisa envolver apenas o romântico e o sexual. Ela acredita que amor envolve companheirismo, incentivo, uma parceria mesmo. Isso faz com que as coisas permaneçam fortes e saudáveis ao longo dos anos, trazendo essa preocupação em relação ao bem estar… e, principalmente entre as mulheres, no que envolve afeto, porque acredita que o companheirismo e a escuta são nossas principais características. Tivemos várias conversas sobre como vimos as relações humanas hoje, além do relacionamento delas, mas como as pessoas se relacionam hoje em dia e, alguns dias depois, recebi uma mensagem falando como foi importante a participação no projeto porque fez com que elas olhassem para o relacionamento delas com maior respeito pela história que construíram juntas. Fiquei feliz pelo o que o Documentadas provoca na gente, esse autoconhecimento, mas também pelo reconhecimento que merecemos ter porque nos amarmos, enfrentarmos tantos preconceitos e termos uma história que resiste e que se permite conhecer, estar aberta e aprender com seus erros, é de fato, ter coragem. Obrigada por compartilharem a história e aproveitem o amor de vocês, meninas ♥ Mayara Maria Clara

  • Maiara e Vitoria

    A Vitória e a Maiara possuem um relacionamento a distância, vivendo entre as capitais do Rio de Janeiro e de São Paulo. A Vitória veio para o Rio uma vez só, enquanto a Mai vai com maior frequência, adora São Paulo e pretende morar lá em breve. Nos encontramos no Parque Ibirapuera. Elas gostam de estar em parques, com a canga no chão, sentadas ou deitadas, falando sobre a vida. Adoram visitar museus e restautantes também. Além disso, a Vi gosta de fotografia, faz poledance, escreve bastante e antigamente elas até trocavam poemas. Enquanto a Mai jogava bastante futsal e adora cozinhar. Elas acreditam que hoje em dia tudo tende a ser mais acelerado (os áudios, as rotinas, os fluxos das coisas) e isso acaba fazendo com que a gente não preste tanta atenção no outro. Então talvez o que elas querem de verdade parece ser mínimo, mas se trata de uma essência: se cuidar. Resgatar um senso coletivo - sermos menos robotizados, acelerados nas ruas - e olhar pra você sabendo quem você é, para então poder amar o outro sendo quem o outro é também, sem medo de sofrer por conta disso. ​ A Vitória tem 21 anos, mora em São Paulo e faz faculdade de moda, com estágio em figurino. Já a Maiara tem 27 anos, mora no Rio de Janeiro e faz faculdade de engenharia química. É assistente em uma grande empresa de cosméticos, trabalha na área de análise de dados. Elas se conheceram no início de 2016, através do Facebook. Na época, adicionavam várias pessoas que possuíam amigos em comum. A Maiara achou a foto da Vitória muito bonita, porém o status dela estava como “relacionamento sério” e ela não puxou nenhuma conversa. A verdade por trás dessa história é que não existia nenhum relacionamento, tudo era uma brincadeira entre a Vitória e uma amiga dela por conta de um homem que estava dando em cima dela. Por fim, o tempo passou, a Mai também se envolveu com uma menina em um relacionamento que acabou não sendo muito bom pra ela e desistiu de puxar assunto com a Vitória. Um tempo depois, no Snapchat, rede social pioneira nas postagens em formato de storie, a Vitória postou vídeo recitando um poema dela. A Mai respondeu sobre o jeito que ela falava a palavra “amor”, por conta do “r” ser puxado, e achar isso muito fofo. Elas conversaram um pouco e isso foi o bastante para desenvolver o interesse. Um tempo depois, começaram a se relacionar de forma online, pois para ambas ainda era muito difícil se encontrarem pessoalmente por questões financeiras e o alto custo das passagens de São Paulo para o Rio de Janeiro. ​ Quando se encontraram pessoalmente pela primeira vez, já em 2017, a Maiara foi até São Paulo. Ambas passaram por processos para contar aos familiares que estavam se relacionando, a Maiara contou para a irmã que já imaginava e que acompanhou ela nessa viagem, então foi a primeira a saber e foi logo no início. A Vitória contou um tempo depois, imprimiu umas fotografias que tiraram e mostrou para a mãe, contando ser a namorada. A mãe processou isso durante um tempo, o irmão dela já sabia (e até já conhecia a Mai), então ajudou na conversa também. Ela deixou a Mai frequentar a casa e depois da primeira vez que foi mais delicada, passou a adorar as visitas. Hoje em dia a Mai vai bastante para lá e elas se dão muito bem, prepara feijão preto, saladas e tudo na mesa vira discussão quando ela não come muito. Quando a Vi foi uma vez ao Rio, em 2018, passou um feriado. A frequência que elas se encontram depende muito, antes era cerca de três vezes ao ano, agora aumentou um pouco porque pelo homeoffice a Mai pode ficar um tempo a mais em São Paulo. Mas a distância ainda apresenta dificuldades, as despedidas não são fáceis, por isso desejam a mudança. A Maiara fala que, por ser muito fã da Maria Rita, sempre que pensa no amor lembra quando ela canta: ‘’Se perguntarem o que é o amor pra mim, não sei responder, não sei explicar… Só sei que o amor nasceu dentro de mim, me fez renascer, me fez despertar’’. Ela entende que essa é a sensação que o amor traz, principalmente o amor que elas estão criando juntas. Despertando um novo mundo, uma nova possibilidade. “A Vi é meu primeiro relacionamento sério com mulher. Não que eu tivesse um histórico grande com homens. A Vi é meu relacionamento concreto. É essa relação de cumplicidade e suporte, sabendo que tô fazendo bem pra ela e que ela também tá me fazendo bem.” A Vi fala que além da construção, é política e luta. No dia anterior à nossa conversa, por exemplo, elas foram em um bar sapatão. Ela conta o quanto foi importante ter ido lá, o quanto foi diferente ter ido num ambiente confortável pra gente. “Me senti confortável pra amar e poder fazer o que todo mundo faz.” a Mai complementa com “Poder dar a mão, beijar, fazer carinho. O que é trivial pra todo mundo…” Para a Vitória, estar com a Maiara é se sentir em casa. Ela sabe seus defeitos, mas ela não vai embora por causa disso. Ela ama e isso é o que importa. Maiara Vitória

  • Fabi e Dani

    Começo a história da Dani e da Fabi contando um fato que elas me relataram sobre como enxergam o amor e a relação, logo no fim da nossa conversa: elas viveram uma situação em que foram até um bar encontrar alguns amigos, mas uma chegou antes que a outra. Até então estava super divertido… Ria, conversava, e brincava. Quando quem faltava chegou e elas finalmente ficaram juntas, o amigo comenta: “Você estava bem antes. Estava feliz. Mas agora, que ela chegou, vocês se encaixam. É como um brilho que acrescenta. Não faltava, mas agora acrescentou.” - e, assim, talvez consigam identificar muito do amor em pequenos detalhes. A Fabiana tem 41 anos, é natural de São Paulo (capital) e trabalha enquanto bartender, mas já foi da área de eventos e de produção. Ela entende o amor como uma dedicação e um ponto, também, de descanso, porque quando está do lado da Dani está tranquila. Ao longo da vida, a Fabi não teve grandes demonstrações de amor sendo explanadas e colocadas fisicamente - na família ou em outros relacionamentos - por isso a relação dela com a Dani se tornou uma referência. Elas estão sempre relembrando o quanto são importantes uma para a outra. A Danielle tem 34 anos, sua família é de Santa Catarina, mas ela cresceu e vive até hoje em São Paulo (capital). Dani trabalha (e muito!) em uma agência, com mídias e publicidade. É apaixonada por cachorros, convenceu a Fabi de adotar a Nina e a Laka (quando a ideia inicial era a doce ilusão de ter uma cachorra de porte pequeno…) e acredita que o amor está, dentro das relações entre mulheres, de uma forma importante e única. Ela vê o amor no cuidado porque quando pára o mundo para cuidar de alguém, é a melhor forma de demonstrar que ama. E que, quando esse alguém é outra mulher, a doação é muito mais intensa e profunda. ​ Quando a Dani e a Fabi começaram o relacionamento, foi aquele clássico: logo partiram para morar juntas. Mas calma, antes disso tem uma introdução. Elas se conheciam “de vista”, eram colegas de bar. Tinham amigos em comum, mas não conversavam muito. A Dani tinha saído de um relacionamento que não tinha sido legal há pouco tempo, começava a frequentar mais o bar e numa dessas idas a Fabi estava lá. Foram se encontrando, interagindo e num dia, após um evento na Casa 1, se encontraram e conversaram mais (a Casa 1, caso você não conheça, é um centro de acolhimento para LGBTs que foram expulsos de casa - e também funciona como centro cultural e clínica social em São Paulo). Nos dias seguintes se encontraram novamente e beberam bastante. Nesse dia, finalmente os amigos se uniram numa mesa só e no final da noite elas foram dormir no mesmo lugar. Nessa altura do campeonato, a Fabi já sabia que a Dani beijava mulheres também e foi então que o interesse aconteceu. Após ficarem pela primeira vez, a vontade de se encontrar foi surgindo naturalmente e durante as próximas semanas voltaram ao bar algumas vezes. ​ Contam que foi muito natural o começo do relacionamento pela vontade que tinham de estarem juntas. Nessa época, a Dani ainda morava com a mãe, mas elas passavam muito tempo na casa da Fabi e foi então que decidiram pela mudança. O apartamento inicial era pequeno, mas a comunicação entre elas era o principal e sempre fluiu bem. Elas brincam que até hoje, quando acontece alguma briga, os amigos estranham, porque não é tão normal assim. O que elas precisam resolver, se resolve na hora: a comunicação é o mais direto possível para que as coisas sigam seu caminho da melhor forma. Elas entendem também que isso foi devido a um processo interno e individual. A Dani, por exemplo, tinha uma comunicação ruim antes do relacionamento porque guardava muitas coisas para si, mas entendeu que a sociedade já é muito difícil de se conviver e de se estabelecer boas relações. É difícil sermos aceitas, conquistarmos nossos espaços, termos um bom contato… Então decidiu melhorar esse processo da melhor forma que poderia: demonstrando o que sente para deixar as coisas mais claras. Hoje em dia, elas não aceitam preconceitos, discriminações, críticas árduas vindo de quem não as conhecem… Reconhecem o amor delas enquanto algo único e lindo - e reconhecem também o caminho que percorreram para chegar até aqui. ​ Alguns anos (e mudanças) depois, as cachorras chegaram para alegrar ainda mais a casa. A Dani sempre sentiu muita falta de ter um cachorro no lar e a Fabi estava amadurecendo a ideia, então procuraram abrigos e ONGs, decidiram num sábado de manhã cedo ir até uma feira de adoção juntas escolher um cachorro >pequeno<... e, obviamente, os planos foram interrompidos. Na sexta à noite a Dani estava num bar e a prima dela ligou desesperada precisando de ajuda, quando ela chegou para prestar suporte, a cena era: uma cachorra precisando de lar temporário. Acho que o resto nem precisa explicar, né? De pequena não parecia ter nada, principalmente o coração: Nina adotou a Dani e a Fabi na primeira oportunidade. A Laka surgiu um tempo depois, quando a irmã da Dani resgatou e cuidou, postou fotos e a Dani, ao ver, chorou e sentiu que precisava adotá-la. Rimos muito porque a Fabi nem teve escolha, ela tinha se apegado só pela foto. Como diria não? Hoje em dia, elas contam o quanto as cachorras são sensitivas. Elas sabem quando as humanas estão doentes, estão sempre sendo muito parceiras, ficando ao lado e sendo atenciosas. Além disso, no dia a dia, são a diversão da casa e fazem com que tudo fique mais leve. É um cuidado refletido em muito amor. ♥ ​ Entendemos que cada pessoa possui a sua forma de amar. Às vezes o amor não precisa ser sempre demonstrado da forma mais delicada, feminina e romântica. Elas, por exemplo, entendem que possuem a sua forma de amar. É uma forma pura, que vai se moldando com o tempo. É também uma forma muito carinhosa, que envolve admiração, preocupação, brincadeiras, diversão e tantas outras coisas cotidianas. Logo depois da eleição do atual presidente foraBolsonaro, elas sentiram medo e necessidade de reafirmar esse amor, portanto oficializaram a relação com o casamento. Entendem esse ato como um ato político, visto que a nossa união está o tempo todo ameaçada pelo atual governo. Muitos outros casais sentem e sentiram o mesmo no momento em que ele foi eleito, portanto o casamento delas foi um dos exemplos de casamentos coletivos realizados no Brasil. Hoje em dia, são mulheres que seguem enfrentando da forma que está ao alcance os desgastes dessa política que nos ataca diariamente. E enfrentam, também, com afeto. A Fabi explica, por fim, o quanto foi ensinada a ser dura, bruta, demonstrando menos fragilidade nessa vida, mas que aprendeu (e aprende todos os dias) que o afeto está em fazer com que as pessoas que ela ama se sintam bem. É uma forma que ela e a Dani encontram de acolhimento e de estarem compartilhando coisas boas ao redor de quem amam. Por mais que a Yasmin e a Ignez se conhecessem desde 2019, elas foram ter o primeiro encontro e sair de verdade só em 2020, mais especificamente, um fim de semana antes da pandemia ser oficializada no Brasil - e em Fortaleza, cidade onde elas moram. Elas contam que estavam juntas quando saíram as primeiras notícias na TV sobre o primeiro caso de COVID-19 no Ceará e que no dia seguinte viraram 3 casos e que no dia seguinte dos 3 casos foi anunciada a “quarentena”. E aí? Como que duas pessoas que moram com os pais começam a construir um relacionamento (e a se conhecer) num contexto inicial de pandemia? Hoje, mais de um ano depois juntas, elas contam quanta coisa foi possível fazer mesmo estando dentro de casa: descobriram hobbies, cozinham juntas, jogam videogame, estudam muito, escutam música, se reinventam. A família da Yasmin desde o começo soube da Ignez e sempre foi uma convivência tranquila… enquanto a Ignez, nesse meio-tempo, se abriu e resolveu contar para os pais que estava namorando - isto, inclusive, é um processo recente, mas que está dando certo! Ela conta que há um ou dois anos atrás jamais se imaginaria dizendo que a família sabia e apoiava o namoro dela com outra mulher… e que hoje isso acontece naturalmente. Reforça: “Não que seja fácil, mas de estar acontecendo me deixa mais tranquila. Eu contei num segundo de coragem, sabe?”. ​ Yasmin tem 24 anos e estuda Arquitetura na Universidade de Fortaleza. Ela e o seu irmão sonham em montar uma empresa de engenharia e, além do trabalho, adora cantar, tocar violão, pintar aquarela... É uma pessoa que adora ser criativa, montar coisas e deixar o corpo se expressar. Ignez tem 25 anos, é formada em Direito e quando nos encontramos estava com foco total estudando para a OAB. Ela adora ouvir música, conhecer lugares novos e viajar. Inclusive, mesmo na pandemia, elas têm conseguido viajar de carro até o interior para ficar na casa de parentes e isso acaba garantindo uma experiência muito legal para as duas, é algo que adoram fazer. Mesmo com as dificuldades que, não só a pandemia, mas a vida em si nos coloca, tanto a Ignez quanto a Yasmin se mostraram ser pessoas que conversam muito e que se ouvem muito também. Nos momentos mais complicados, elas tendem a ficar juntas e resolver as coisas juntas. A Ignez diz “Às vezes só de estarmos quietinhas, no mesmo ambiente, já ajuda”. Ou seja, não precisa ser uma questão de resolver tudo o tempo todo, mas de gerar apoio e acolhimento. Elas acreditam que o diálogo consegue resolver qualquer coisa e possuem um acordo de que não vão dormir brigadas, então caso aconteça algum desentendimento, tentam resolver de alguma forma ou ao menos respeitam o espaço, mas não ficam desentendidas uma com a outra. ​ Mesmo que as duas tivessem vários amigos em comum, elas nunca tinham se esbarrado por aí. Mas a Ignez já tinha visto a Yasmin pelas redes sociais. E então, lá em setembro de 2019, rolou uma festa chamada “Tertúlia” em Fortaleza e a Yasmin apareceu por lá. Quando ela chegou e a Ignez viu, ficou até um pouco nervosa. Elas deram um oi, mas a Ignez percebeu a Yasmin saindo com outra menina da festa e desistiu. Uns dias depois, resolveu segui-la no Instagram e a Yasmin seguiu de volta. Meses se passaram, ela até tentou interagir pelas redes, mas não rolou. Quando o ano virou e chegou 2020, era fevereiro e elas estavam na festa de uma amiga em comum, então a Ignez viu a Yasmin chegando e até comentou com uma amiga: “Nossa, sabe aquela menina lá da festa Tertúlia? Ela tá aqui!”. Nessa festa, elas conversaram a noite toda, ficaram na borda da piscina tomando drink, dançaram forró juntinhas e se divertiram muito. E aí a Yasmin chegou nessa amiga em comum e disse que achava que ia rolar algo com a Ignez… até a amiga soltar a fatídica frase: “Não, amiga!!! Ela namora! Ela só é assim mesmo. Ela é simpática!”. O mundo da Yasmin caiu naquele momento. Ela ficou sem entender nada. Como assim?? Namora?? Um amigo dela já sabia da história do “relacionamento” da Ignez - que não era um namoro super longo e oficial, era um rolo que ela tinha com uma menina - e disse para a Yasmin “Vocês vão ficar hoje.”, mas ela estava decidida que não, por conta do namoro e tentou evitar isso a noite toda. O amigo ainda completou: “Ela “namora”, mas já-já esse relacionamento aí acaba”. ​ Ele acabou estando certo. Na hora de ir embora elas conseguiram uma carona para irem juntas e ficaram bastante próximas, foram até um local onde pediram o uber para a casa e lá aconteceu um beijo. Elas conversaram no dia seguinte sobre o que tinha acontecido, entenderam que tinha sido errado e que não era certo continuar e uns dias depois a Ignez realmente terminou o relacionamento. No carnaval, em seguida, elas se encontraram, mas pouco se falaram. Trocaram algumas mensagens pelo Whatsapp um tempo depois e a Yasmin soltou uns flertes, só para cutucar, mas depois falava “Ei, você não pode flertar de volta, porque você namora!”. Pois foi aí que a Ignez contou que não namorava mais e que poderia, sim, corresponder ao flerte. Foi nessa semana que elas decidiram sair juntas, que tiveram o primeiro encontro oficial e que em seguida a pandemia começou. No dia das namoradas, em junho, a Yasmin pediu a Ignez em namoro (mas foi praticamente uma corrida! Porque a Ignez também estava preparada para fazer o pedido). ♥ Para elas, o amor é uma construção. Seja ele entre um casal, entre a família ou amigos. É sempre construir e lutar para que seja bom, leve (que precisa ser leve) e que amar é você olhar para alguém e sentir que o que foi construído é genuíno, que veio de dentro da alma. Amar é, também, uma conexão de muita intensidade, principalmente entre duas mulheres - são corpos que desenvolvem uma força inexplicável, é revolução, uma luta constante contra quem quer que seja, contra tantas violências, e a favor do amor, com resistência. Quando pergunto como elas se sentem morando em Fortaleza e como enxergam a cidade, Yasmin comenta que gosta muito de lá e que sente muita falta de sair e curtir a cidade em si, mas que se tivesse o poder de mudar algo socialmente e culturalmente falando, seria que as pessoas respeitassem mais a história da cidade e trocassem mais o respeito entre si como um todo. Ela entende que se nos fosse ensinado a conhecer e respeitar a história da cidade e a história das pessoas que estiveram lá antes de nós estarmos, viríamos tudo com outro olhar e cuidaríamos mais dos espaços. A Ignez concorda com a educação sobre o nosso povo e completa que, nos dias de hoje, ela sente muita falta da segurança. Sente que o policiamento está sempre presente nos bairros nobres, mas que nas periferias e nos locais menos frequentados pela elite (como espaços centrais ou mais boêmios da juventude), é muito comum não se sentir segura. Gostaria que esses espaços e que a segurança em si fosse repensada - para que chegasse em todos. Fabiana Danielle

  • Camila e Rafaela

    Rafa e Camila começaram o relacionamento entre passear no parque, ir em livrarias, tomar cafés e caminhar pela rua. Hoje em dia, compartilham o dia com os filhos da Camila, adoram fazer tatuagens (inclusive possuem algumas juntas), debater sobre leituras (e livros escritos por mulheres), tirar fotos e frequentar o local que nos encontramos. Entendem que o relacionamento (e os processos individuais que viveram no período em que se relacionam) fizeram entender o amor sob uma nova perspectiva. Camila agora enxerga o amor enquanto um fenômeno, uma ação que está dentro de tudo o que você faz. Depois que viveu a depressão passou a ver como abertura de diálogo também, ou seja, amar é conviver com conversas difíceis, passar pelas coisas. Sente que é uma pessoa que se fecha nos momentos ruins e a Rafa vem ensinando ela a se resgatar, voltar e compartilhar as dores também no amor. Rafa complementa, fala que respeita a liberdade. Estar presente nesses momentos não é para invadir qualquer espaço, mas sim dizer: “Tô aqui para o que precisar”. ​ Rafaela, no momento da documentação, estava prestes a fazer aniversário. Como a data já aconteceu, o texto foi lançado no momento em que completou 40 anos. Ela é natural de Santos, litoral paulista, mas reside em São Paulo há mais de 10 anos. Trabalha enquanto tradutora e adora música e fotografia, considera grandes hobbies. Camila, no momento da documentação, estava com 39 anos. Ela é natural de São Paulo e trabalha enquanto produtora de eventos. Brinca que seu grande hobbie é dedicar 100% do tempo aos filhos (de 10 e 7 anos), já que ser mãe é o maior desafio que vive. Enquanto pensávamos em hobbies surgiu a brincadeira de que um grande hobbie é o quanto elas gostam de fazer tatuagens, então contaram a história de uma tatuagem em específico, quando tudo começou indo num sebo e achando um livro da Virginia Woolf com uma dedicatória escrito “E isso é só o começo”. Compraram o livro porque acharam lindo, ficaram com isso na cabeça e, numa viagem para a Patagônia, Rafa escreveu isso num guardanapo e mandou para a Camila. Rafa disse que estava doida para dizer que a amava, mas queria dizer pessoalmente, então acabou mandando só a frase numa foto. Resultado: virou uma de suas tatuagens favoritas. ​ Elas se viram pela primeira vez num parque, mesmo já se conhecendo pelas redes sociais. Conversavam online e tinham uma expectativa em se conhecerem, estavam bastante ansiosas - Rafa até levou um presente e conta que falou sem parar. Saíram com a sensação de “Ufa! Aconteceu! Nos encontramos.” Encontraram-se diversas vezes depois disso, foram passeios em cafés, livrarias, praças… conversavam muito e nunca se beijavam. Decidiram então viajar juntas, foram para Visconde de Mauá (uma viagem feita para um casal, com quarto de casal, no inverno, lugar romântico…) e finalmente se beijaram antes do dia da viagem! Ficaram mais tranquilas, com a certeza de que daria certo. Cerca de três meses depois, se afastaram. Camila se sentia muito deprimida por diversas questões em sua vida e se isolou de muitas pessoas. Passou meses triste, em tratamento, e quando decidiu sair desse espaço, nas palavras dela, “do fundo do poço”, contou para todos o que tinha passado: as violências, a depressão… Expôs isso em suas redes e sentiu que quem gostaria de ficar, quem estaria ao lado dela, ficaria. Na versão da Rafa, ela sentiu um baque muito forte com o afastamento da Camila, mas respeitou e tentou curar isso aos poucos. Depois de meses, quando viu o retorno às redes, decidiu que iria mandar uma mensagem. Não queria surgir ‘do nada’ e lembrou que elas tinham um show para irem, pois compraram os ingressos juntas. Decidiu falar “Vamos no show? Não precisamos conversar sobre coisas pesadas, só curtir”… Camila topou e elas foram. O show era do Harry Styles e Rafa não conhecia nada sobre ele, mas Camila apresentou, até hoje ela gosta e escutam bastante juntas. Foi nesse momento, pós show, que se reaproximaram, então ficaram juntas novamente. ​ Aos poucos foram introduzindo as crianças na rotina - e Camila explica que como já teve experiências se relacionando com outras pessoas depois de ser casada e que se afastar dessas pessoas representa um corte abrupto para as crianças, isso precisava ser alinhado com a Rafa; Que a relação com os pequenos é uma relação diferente, o carinho, afeto e vínculo continuam existindo mesmo se um dia elas terminarem. Rafa compreendeu tudo e foi abraçando isso aos poucos, no começo era uma amiga da mãe, então foi introduzindo afetos, elas foram percebendo, perguntando e ficando à vontade com isso. O dia em que contaram mesmo foi no parque (local que inclusive fizemos as fotos), elas estavam sentadas bebendo um vinho, as crianças correndo brincando, um dia bastante frio e todos estavam bastante felizes. Hoje em dia, a Rafa e eles dividem muitos gostos em comum, por exemplo futebol, curiosidades sobre sistema solar… Camila, quando fala sobre a vida socialmente, conta o quanto gostaria de ver o programa educacional mudando, entende que hoje em dia perdemos muito das coisas que realmente devemos aprender. Queria ver as pessoas respeitarem as diferenças de seus filhos, não fazendo-os entrar nas caixinhas. Cita sobre o problema que a filha enfrenta aprendendo a leitura e a escrita, se sentindo algumas vezes excluída, enquanto ela tem muitas coisas incríveis que sabe fazer e que poderia ter isso sendo explorado e valorizado. Deseja ver ela sendo respeitada por completo. ↓ rolar para baixo ↓ Rafaela Camila

  • Marilia e Luana

    Marília e Luana se encontram através das coisas que acreditam. Dentre tudo o que conversamos, o principal, talvez seja a forma que enxergam as pessoas. Poderia ser o trabalho - porque trabalham com o corpo - poderia ser o hobbie no skate ou até mesmo a família que construíram unindo suas famílias, mas no fim, toda a nossa conversa se resumiu em incentivar, de alguma forma, quem está ao nosso redor. Marília tem 34 anos, é do Rio de Janeiro e se formou em Educação Física. Atua enquanto professora de lutas e jiu-jitsu, dando aulas em escolas, academias e também em programas sociais. Ela circula por diversas áreas da cidade, da zona sul à zona norte, e gosta de debater sobre as diversas realidades. Durante a nossa conversa, disse que “O problema não é ser playboy, o problema é ser playboy otário. Não ter noção do que acontece fora da bolha da zona sul, não circular em outros lugares, não sair da realidade. É ótimo estar no conforto, mas é preciso estar sempre ajudando quando se têm pra ajudar” e é por isso que na posição dela de professora, faz de tudo para levar os alunos até outras escolas menos favorecidas e circular entre espaços, para que todos conheçam novas realidades. Marília é uma mulher que vive de luta e da luta, conheceu a luta através da escola pública e por conta disso faz questão de sempre voltar aos espaços sociais dando aulas gratuitas para mulheres e LGBTs de defesa pessoal, por exemplo, para incentivar mais pessoas. Luana tem 30 anos e é natural de Nova Iguaçu, baixada fluminense. Formou-se em turismo e também em dança e hoje dá aula para três segmentos - crianças (com ballet, por exemplo), mulheres (aula de ritmos, fit e powerdance) e coreografias para eventos (casamentos, bodas etc), atuando em Nova Iguaçu. Antes ela via a dança como um hobbie, porque junto da música a dança sempre esteve na sua vida; Mas entendeu que era diferente, a música está lá pela família dela ser composta de musicistas, ela adora cantar, mas nunca se viu na música enquanto cantora ou tocando instrumentos… já a dança, fazia parte do que ela era diariamente. Quando ela entendeu que isso não era um hobbie, a vida melhorou muito. ​ Ambas são completamente apaixonadas pelo o que fazem e isso fica cada vez mais claro quando contam casos que aconteceram com alunas que tiveram por perto ou coisas que vivenciaram. A Marília, por exemplo, cita uma aula de defesa pessoal que deu para idosas no SESC de Madureira. Já a Luana, logo em seguida, engata no assunto sobre a forma que a mulher se enxerga diferente depois, “né?”, e que a dança também tem esse poder, não é só por uma questão de estética por exemplo, é uma autoestima para além do físico, que agrega à vida. Marília também contou sobre uma aluna específica, a primeira aluna que teve, uma mulher que ela formou desde o princípio e que acompanhou até virar faixa preta. Viu ela sair de um relacionamento abusivo, viu ela passar por vários momentos com seus filhos, foi muita história de vida acontecendo ali… e que incrível foi acompanhar tudo. Contou como é bom quando mulheres se impulsionam. Que a Luana teve um papel assim na vida dela também, quando recentemente ajudou a irmã dela a enfrentar desafios com o próprio corpo e que agora elas percebem a irmã se amando mais, estando mais disposta e que ela também se vê admirando ainda mais a Luana. Mesmo que elas se entendam enquanto pessoas bastante diferentes, se dão muitas chances de encontros pelo o que possuem em comum, principalmente no momento de propor coisas boas às outras pessoas. Nesses momentos, já se organizaram em abrigos do qual uma deu aula de dança e a outra deu aula de luta, a Marília já incentivou a Luana a trabalhar com crianças (ela topou e se apaixonou!)... e assim, elas ficam cada vez mais felizes em ver o quanto o relacionamento traz coisas tão boas às relações em volta delas. ​ Luana não conhecia muitas mulheres no meio lésbico e foi seguindo um bloco de carnaval no Instagram, o Rebu, que ela viu a foto da Marília (cujo era musa do bloco) e, encantada pelo sorriso, procurou o perfil e resolveu segui-la. Marília seguiu de volta e elas começaram a interagir nos stories quando a pandemia começou. Foi num dia que Luana estava triste, por conta de um ocorrido por homofobia que sofrera em casa com o pai, que sentiu que precisava conversar com uma pessoa diferente dos amigos de sempre. Viu a Marília nas redes e cismou com ela, disse que ela passava certa confiança e então puxou um assunto. Foi pelo Instagram mesmo que elas conversaram e lá a Luana desabafou sobre o que estava sentindo naquele dia. A Marília conta que acolheu, mas que ao mesmo tempo pensava que era doido analisar/discutir sobre a homofobia familiar, porque no caso dela, é longe da realidade. Toda a família dela/das amigas lésbicas e bissexuais ao redor aceita e abraça o que elas são. Mas mesmo assim ela ficou ali do lado, conversou e no dia seguinte a Luana acordou se sentindo melhor. A Marília pensou: "Puts, cai na friendzone! Não vai mais rolar nada entre a gente!”, mas a Luana não cogitou isso. Elas começaram a conversar todos os dias. Naquela época, tudo ainda estava acontecendo pelas “lives” e chamadas de vídeo, mas a Marília não tinha se adaptado à isso e num dia específico tudo tinha dado errado: as aulas, as chamadas do Zoom, tudo tinha saído do ar e o que ela já não se adaptava estava pior. Foi quando ela falou pra Luana diretamente algo como: ‘estou afim de você, mesmo estando à distância, ok?’ e a Luana respondeu ‘ok, também tô’ e então ela pensou consigo mesmo ‘ufa!’. Uns meses depois, quando foi possível, elas conseguiram se encontrar pessoalmente. ♥ ​ Depois do encontro, foram deixando tudo rolar e fazendo as realidades se encaixarem também, já que uma era mais caseira, outra era mais de eventos e de estar sempre na rua. O principal objetivo era não invadir privacidades ou atropelar coisas, mas sim deixar o tempo fluir tranquilamente. Isso não quer dizer que seja pleno o tempo todo, é claro, mas que elas escolheram fazer o encontro acontecer. A família da Luana é enorme e super acolheu a Marília como namorada. Até mesmo o avô, de 93 anos. Toda a família foi muito receptiva e a Marília conta como ter uma nova família, grandona, é muito legal pra ela. A questão do pai ser a única pessoa que elas não possuem contato é muito ressignificada, elas se acolhem por isso, não julgam, entendem que é uma escolha que ele (enquanto uma pessoa adulta) fez e tentam ao máximo levar outras coisas em consideração. Aproveitam o que há ao redor e todos os outros familiares. Marília reitera que fomos criadas num ambiente heteronormativo, achando que o homem manda e a mulher obedece, então é normal titubearmos de vez em quando porque estamos o tempo todo nos reeducando. Estamos em busca de nos libertarmos disso, de sermos donas dos nossos destinos. A relação delas se baseia numa questão de confiança uma da outra, e de ir aprendendo como isso funciona diariamente, também. ​ Entre os momentos favoritos que elas possuem juntas, andar de long está entre os primeiros. Foi a Marília quem ensinou a Luana a andar e, no aniversário dela, a presenteou com um long. Nos momentos que estão andando juntas, Marília diz que amar é ver o outro feliz também e Luana completa que é uma construção, que exige respeito e paciência, para estar sempre se cuidando. Quando Marília conta sobre situações em que sentiu o amor, ela lembra de um momento que envolveu a irmã dela. Nesse dia ela sentiu tudo o que o amor propõe: temeu, mas cuidou. Elas estavam fazendo uma trilha (as três) e numa parte da trilha havia uma pedra que precisavam ultrapassar. Tanto a Marília quanto a Luana já haviam ultrapassado e faltava a irmã, mas ela estava com bastante medo e realmente era perigoso, não era fácil, num momento ela chorou, a Marília ficou com medo, mas a encorajou. A Luana pediu cuidado e muita calma, mas não parava de incentivar. Era um desafio para todas elas ali e nenhuma delas largou, desistiu ou achou que não fosse possível, por mais que o medo existisse… e quando ela passou, ela gritou, comemorou! Foi tanta felicidade! Ela fez aquilo ali. Realizou. Elas comemoraram juntas, torceram juntas. Aquele caminho ali, para elas, o processo, é um significado de amor entre as três. Marília fala que existem erros nos relacionamentos entre mulheres, até porque não há pessoas perfeitas, mas é muito bom saber que não estão num relacionamento que funciona como prisão. Numa existência de um relacionamento feminista, que entende o corpo enquanto um corpo com vontades, com postura, com verdades e pensamentos - um corpo que pensa e se comunica - isso sempre volta a ser o mais importante entre elas: querer fazer dar certo. Luana Marília

  • Beatriz e Tamara

    Beatriz e Tamara são um casal muito incrível. A forma que elas se ajudam, se permitem desconstruir e passam um sentimento de calma é muito verdadeira. São pessoas muito diferentes também. Beatriz é mais comunicativa e costuma dizer que elas terem se conhecido foi um encontro de almas. Ela é super de passar horas nas redes sociais, de dormir até tarde… Tamara, pelo contrário, é muito quietinha e disciplinada; Tem hora para dormir, acordar, comer, treinar… gosta de ficar mais no canto dela. Revira um pouco o olho e balança a cabeça, rindo, quando a Bea fala sobre o encontro de almas. Mesmo com todas as diferenças, elas passam muito tempo juntas. Sua grande paixão é o esporte. Tamara pratica todos os esportes possíveis e a Bea acompanha treinando também. Se conheceram assim, na atlética da universidade. Na época, Tamara namorava e Beatriz tinha acabado de entrar na faculdade. Pelo convívio, acabaram cultivando uma amizade. Beatriz estava recém chegando no mundo universitário e decidiu passar um tempo curtindo a vida, conhecendo pessoas, festas, etc. Um tempo depois, Tamara vinha passando por diversos problemas no relacionamento anterior, optou pelo término e isso criou uma brecha para que ela e Bea pudessem tentar algo num futuro próximo. ​ Tamara tem 26 anos, é formada em administração e faz biblioteconomia. Trabalha numa emissora de TV cuidando da parte administrativa, é treinadora de futsal e tem uma doceria com a mãe - a empresa nasceu do sonho de venderem o que cozinham juntas. Ela costuma fazer os doces, enquanto a mãe faz os salgados. No mais, é absurdamente apaixonada por todos os tipos de esporte e se inspira muito em figuras relacionadas a isso quando pensa em inspirações, desde familiares que já se desenvolveram no esporte, até figuras famosas que representam esse desenvolvimento de carreira através da disciplina, como o Cristiano Ronaldo. ​ Bea tem 24 anos, é formada em design gráfico e cursa história e marketing. Atualmente trabalha enquanto social media e web designer. Ao perguntar sobre em quem ela se inspirava, disse que adora acompanhar a jogadora Cris Rozeira nas redes, não só por ser jogadora da seleção, mas por ser uma mulher lésbica, muito representativa, que enfrentou lutas sobre a saúde mental e construiu a própria família. Além disso, disse que aprendeu a se inspirar diariamente na Tamara também, por ser uma mulher muito incrível e por terem uma relação de muita parceria. ​ Por terem essa ligação com o esporte, falamos muito sobre o quanto eles podem mudar a vida das pessoas, principalmente dar um futuro para diversas crianças. Tamara ressaltou que a base para que um dia as coisas possam dar certo é a educação, para termos mais liberdade, mais respeito, mais segurança... tudo começaria pela reeducação. Bea completou, educação é um assunto que elas conversam muito sobre e ela acredita que só a educação realmente nos levaria à uma revolução. A Tamara era capitã do time em que elas jogavam na faculdade, enquanto a Bea era coordenadora. Elas conversavam muito, passavam muito tempo juntas. O primeiro beijo delas aconteceu em 2016, depois do término da Tamara, quando ela resolveu dar uma chance para a Beatriz... mas elas estavam vivendo ritmos completamente diferentes. A Bea estava na fase de beijar todo mundo, curtir as festas nesse sentido... enquanto a Tamara não curtia isso e preferiu manter só a amizade. Um tempo depois a Bea foi acalmando, elas foram criando um sentimento próprio, acabaram estabelecendo algumas coisas e decidiram tentar o namoro. Já passaram por situações mais difíceis que envolveram quebra de algumas confianças, da qual a Tamara se sentiu mais machucada. Foi com muita conversa e força de vontade que o relacionamento se construiu e deu certo. Hoje em dia elas entendem que a comunicação ainda precisa melhorar em diversos pontos, mas que se ajudam, amadurecem... é algo que precisa ser cultivado todos os dias.

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