Espaço de Pesquisas
Oi! Este é um espaço do qual você pode pesquisar e encontrar histórias de mulheres que participaram do nosso projeto por todo o Brasil! Legal, né?
Pra usar, basta digitar no espaço de pesquisa alguma palavra-chave, por exemplo: alguma profissão, alguma cidade, algum tema...
É o nosso verdadeiro banco de dados - o primeiro, da história das mulheres que se relacionam afetivamente
com mulheres - e precisa ser valorizado! ♥
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- Paula e Mariana | Documentadas
A história da Paula e da Mariana chega enquanto algo muito poderoso no Documentadas. E quando digo poderoso, quero me referir à grandiosidade que temos aqui: primeiramente, uma denúncia que precisamos fazer sobre a forma que as instituições religiosas tomam o corpo das mulheres e manipulam suas ideias, culpabilizam seus desejos. Grandiosa é também pelo seu afeto, que rompeu as barreiras e trouxe cor, trouxe amor, trouxe uma nova vida para as duas que se permitiram descobrir o mundo juntas. No momento do nosso encontro, Ma e Paula estavam morando em Jundiaí, interior de São Paulo. Mari veio de Cascavel, no Paraná, em 2018 até Campinas, casada com um homem que desejava se tornar pastor e resolveu cursar psicologia. Não teve muito apoio da família para começar a faculdade, mas sempre amou conversar e ouvir as pessoas, então decidiu iniciar seu sonho. Paula, por sua vez, cresceu e viveu na igreja: seguiu a risca os princípios da religião. Foi presidente, missionária, louvava todo domingo - e também, todo domingo, pedia perdão porque achava que tinha uma doença, a de sentir atração por mulheres. Não teria como começar esse texto sem explicar o quanto esse amor representa: cor. Por maiores que sejam os desafios relatados, é muito gratificante olhar para elas e ver as roupas coloridas, o afeto (muito afeto!), as mãos dadas enquanto conversam sentadas na grama, tudo muito enfeitado, cuidado. Contam como era a vida antes, como realmente achavam que não podiam usar cores fortes, sair em certos lugares, beber certas bebidas, estar com certas pessoas, usar roupas ou ter cortes de cabelo. E como agora se permitir vestir, se conhecer, descobrir o que querem usar/quem são é o que gostam de fazer - de forma perceptível e feliz. Por mais que Paula pedisse perdão para Deus por sentir atração e se sentia uma aberração, uma doença ou algo tão ruim quanto, a verdade é que nunca tinha beijado uma mulher ou sequer conversado com alguém sobre esse desejo, pelo medo da repressão que poderia sofrer ou dos homens não a desejarem mais. Naquela época, o tanto que Paula era envolvida com a música na igreja, a Mari era envolvida com as pessoas porque adorava conversar, ouvir as mulheres, aconselhar… Há alguns anos atrás, antes da mudança para Campinas, Ma teve uma vivência de beijar mulheres e casou justamente pela “cura”, falava sobre isso abertamente, se orgulhava de ter sido curada, afinal, era isso que a igreja pregava. Quando a Paula soube, pensou: “Posso falar pra ela, ela não vai me julgar”. Demorou alguns meses para tomar coragem e, na metade de 2019, marcaram de caminhar num final de tarde. A Paula contou, mas como se já tivesse passado por isso, no sentido de: “Sentia atrações, já não sinto mais… Uma vez aconteceu. Já passou.” Paula, que sempre foi muito fechada, começou a se abrir e permitiu conversar com a Mari. Tinham diversas coisas em comum, inclusive a irmã da Paula estava morando em Curitiba na época - e Mari é do Paraná… essa questão geográfica as aproximou ainda mais. Foi num momento muito difícil em que a avó da Mariana faleceu, que ela precisou ir ao sul, estava muito vulnerável, se sentindo triste, não quis ir sozinha e a Paula foi sua companhia dando suporte e apoio onde elas passaram mais tempo juntas e se aproximaram de fato. Depois da viagem sentiram muita saudade uma da outra e foi um período de sofrimento muito grande, não só pela saudade, mas entraram numa angústia misturada com negação e questionamento, se viam em constante conversa com Deus: “Você não tinha me curado? O que tá acontecendo?” e no caso da Mari: “Eu fiz de tudo, eu até casei”. Sentiam muita falta da outra no dia a dia e queriam se ver em qualquer brecha que tinham, seja para caminhar, almoçar, jantar… Foi quando Mari resolveu conversar com o marido sobre o que estava sentindo. Sua reação foi de ficar muito magoado, bravo, foi para o Paraná e contou para a família dela e para os pastores. Foi nesse cenário que ela foi para Jundiaí, na casa dos tios, como um “tirar a Mariana de cena”. Obviamente isso respingou na Paula, chegou até a igreja em Campinas, nos pastores e na família dela. O ano já era 2020, a pandemia de Covid-19 estava começando e tudo estava parado/se adaptando para o mundo online. O pastor chamou Paula para conversar, anunciando que iria afastá-la de todos os ministérios, que ela iria precisar passar por várias “disciplinas”. A mãe dela sabia e também negava, colocava bíblias grifadas na cama dela, tudo estava muito difícil, foi quando Paula decidiu ir até Curitiba passar uns meses na casa da irmã. Precisava se ouvir, se encontrar, entender o que queria fazer. Entre o tempo que Paula estava em Curitiba e que Mariana estava em Jundiaí, elas conversavam online, mas tudo era muito confuso. Ainda viviam períodos turbulentos por conta da religião e das suas famílias, além de que elas nunca tinham se beijado. Tudo acontecia por conta da atração que elas sentiam, mas existia a possibilidade de dar errado, de não ser bom, de não se suportarem juntas, simplesmente. Quando Paula decidiu voltar para São Paulo, foi para Jundiaí encontrar a Mari. Lá, ela vivia bem com os tios. Eles são pessoas muito respeitadoras - que inclusive não apoiavam o casamento dela enquanto “cura” - e deram apoio para ela começar essa nova vida, buscaram emprego, apoiam também a relação dela com a Paula. Foram a primeira rede de apoio que elas tiveram. Depois de se reencontrarem, Paula fez uma carta de desligamento da igreja, principalmente quando soube que o pastor queria que ela fizesse uma disciplina pública - expondo para todos que, se fosse ficar, seria “curada”. Depois de quase um ano vivendo esse processo entre a viagem que fizeram no falecimento da avó e a aceitação de quem são, relembram como tudo foi muito intenso. Paula conta como o corpo dela falava: tinha crises alérgicas, muito stress, se culpava o tempo todo. Foi muito bom se libertar. Aceitar que não são doentes, entender, encarar, começar o namoro em si e começar a viver as coisas novas - beber com os tios pela primeira vez, por exemplo. Depois do início do namoro, foram 6 meses em que a Paula morava com os pais em Campinas e namorava a Mari. A mãe não falava sobre o assunto dentro de casa, mas deixava claro que Paula iria se arrepender. O pai acabava confortando. Depois de muita violência psicológica, ela precisou dar um basta. Entendeu até o último momento que isso era um processo para a mãe, que leva tempo mesmo para entender, respeitar, aceitar… mas as coisas precisam ter limites, porque machucam. Foi quando decidiu sair de casa e morar com a Mari, em Jundiaí. Quando se mudaram, os problemas reais chegaram. Mari tinha uma vivência diferente, já foi casada, morava fora há tempos… Paula morou com os pais a vida toda, nunca tinha tido um relacionamento. Foram aprendendo tudo no dia a dia. Em 2022 moraram sozinhas o ano todo num apartamento, adotaram o Théo, um cachorrinho [primeiro cachorrinho da Paula], e sentem que tudo o que viveram foi muito aprendizado. Nesse apartamento a Mari pediu Paula em casamento. Foi lá que aprenderam que dependiam uma da outra, que estavam realmente juntas. No começo da relação achavam que todos iriam ter que aceitar o amor delas, que a família iria ter que engolir… e lá no apartamento, não… viram que a vida era mais sobre elas, mesmo. Que elas já estavam felizes daquela maneira, naquele tempo. O pedido foi simbólico por tudo o que estava representando. No momento da documentação, Paula estava com 27 anos. Trabalha enquanto engenheira de alimentos numa empresa alimentícia, fazendo a qualidade do produto. Já jogou badminton, joga beach tennis e adora tocar música. Brinca que se tornou engenheira de alimentos porque adora comer. Mariana, no momento da documentação, estava com 28 anos. É psicóloga e está transicionando dentro da carreira. Adora falar sobre saúde sexual da mulher e prazer feminino. No tempo livre, ama estudar e também passa muito tempo na Netflix. Hoje em dia, elas moram com os tios da Mari, numa chácara com duas casinhas e um espaço só delas. Se veem reconstruindo a rede de apoio, fazem parte de grupos de amigas em Campinas, não querem se sentir sozinhas e compartilham o que sentem, as questões, vão nos bares, nos eventos e adoram conhecer gente nova. Dentre o peso de terem vivido achando que são uma doença, Paula e Mari falam sobre como a religião nos coloca em muitos momentos contraditórios de vez em quando. Paula relembra como se fala muito em amar ao próximo, já foi missionária e ajudava muito os outros, mas tudo era sempre pensando nela: como ela estava ajudando, como estava fazendo o bem, garantindo sua boa ação. E o quanto isso não é o que de fato Deus ensina. O certo é ajudarmos o outro porque nos preocupamos com o outro, porque amamos quem ele é, queremos cuidar. Hoje em dia, ela faz tudo pensando de fato na outra pessoa, não de forma superficial. E acredita só ter aprendido isso com a profundidade do amor. Mari explica que esse amor é um amor que não pesa. Traz o exemplo que não curte café da manhã, mas que adora levantar e fazer o café para a Paula, que acorda cedo para trabalhar. É algo muito natural, que gosta e faz por gostar. Uma profundidade que nunca tinha experimentado. Grandiosa. Muda a forma de olhar o mundo. E deseja que as pessoas vivenciem isso, sintam esse amor. Por fim, ainda sentem que Deus é amor e que é preciso ter muita coragem para se amar tanto. Acredito que é muito incrível elas manterem esse carinho pela fé, não guardam mágoas ou ódio, até porque foram criadas assim. É normal sentir rancor pela religião porque de fato é errado, criminoso e injusto o que fazem com os nossos corpos. Mas acreditam nas coisas boas que aprenderam e se apegam nisso, não tem como apagar e construir uma nova personalidade, então acrescentaram cor na que já existia, se tornaram pessoas melhores. ↓ rolar para baixo ↓ Paula Mariana
- Banco de Images | Documentadas
Paula e Mari amor de cor. Luma e Stefany amor de árvore. Anne e Talita amor de oportunidade. Mari e Jéssica amor de cura. Elis e Vandréa amor de ancestralidade. Carol e Sofia amor de hobbie. Letícia e Giovanna amor de persistência. Ane e Ari amor de companhia. Lorrayne e Mari amor de bilhete. Sarah e Rosa amor de novidade. Raquel e Rachel amor de pedidos. Aline e Aya amor de maternidade. Cassia e Kercya amor de marinar. Gabriela e Mariana amor de mãos dadas. Luiza e Maria Pérola amor de nebulosas. Lara e Ana amor de âncora. Sharon e Vivian amor de natureza. Yasmin e Juliana amor de diálogo. Isa e Camila amor de fã. Mari e Rey amor de outros lugares. Manu e Alyce amor de abraço. Cecilia e Jady amor de riso esvoaçante. Clara e Rayanne amor de jeito. Maria Clara e Antônia amor de cinema. Priscilla e Raphaela amor de conexões. Mari e Vivi amor de música. Júlia e Milena amor de reencontro. Talita e Louise amor de história. Juliana e Tercianne amor de teatro. Ju e Nicoli amor de vida toda. Luana e Maiara amor de domingo no parque. Tânia e Clarissa amor de trajetória. Ju e Marci amor de tempo. Rennata e Vanessa amor de impacto. Bruna e Flávia amor de suporte. Carol e Joyce amor de propósito. Bibi e Emily amor de mãos dadas. Clara e Mayara amor de doce. Thaysmara e Leticia amor de pôr do sol Júlia e Ana Carolina amor de cuidado ao detalhe. Natasha e Jéssica amor de ciclos. Rafa e Gizelly amor de acordar juntas. Carla e Yasmin amor de expressão. Yasmin e Ignez amor de encontro. Nathi e Emanu amor de força. Camila e Samantha amor de evento. Lu e Joana amor de flor. Nath e Carla amor de parque. Karol e Beatriz amor de webnamoro. Clara e Mariana amor de sétima arte. Jamyle e Rebeca amor de festa. Dani e Aline amor de oposto complementar. Camilla e Karol amor de calma e maresia. Bia e Marina amor de conversa. Maria Vitória e Fernanda amor de carro. Manô e Bruna amor de vivência. Denise e Julia amor de cerveja&cinema. Maíra e Duda amor de tatuagem. Marina e Luiza amor de cumplicidade. Juliana e Tayna amor de mil histórias. Bruna e Fran amor de resistência. Marcia e Pethra amor de pé na porta. Mari e Nonô amor de escola. Joana e Ana Clara amor à primeira vista. Priscila e Rebecca amor de mar. Bruna e Sophia amor de carnaval. Renata e Marcela amor de arte. Clara e Karine amor de parceria. Bela e Maitê amor de risadas. Victoria e Gabi amor de praia. Brenda e Jhéssica amor de destinos. Carol e Gabi amor de militância. Beatriz e Tamara amor de esporte. Paula e Luiza amor de plantas e pássaros. Luana e Gabrielle amor de família. Mariana e Thalassa amor de plantinhas. Carol e Beanca amor de acompanhamento. Rita e Denize amor de 10 reais. Amanda e Thaís amor de lagoa. Ju e Yasmin amor de compaixão. Wan e Lívia amor de lugares. Vanessa e Denise amor de pretitude. Mari e Marie amor de estrada. Marcela e Karina amor de refúgio. Ana e Paula amor de almoço no domingo. Thaty e Lari amor de descrição. Melissa e Sofia amor de sítio. Carol e Marlise amor de construção. Fabi e Dani amor de brilho. Isa e Carina amor de versões. Taynah e Estrella amor de ano novo. Glauci e Alice amor de casa. Maiara e Vitória amor de sol e lua. Joyce e Malu amor de renovar. Gabi e Dani amor de gatos. Marcia e Kamylla amor de faculdade. Luiza e Mariah amor de produção artística. Drika e Jana amor de dia após dia. Thay e Louise amor de samba. Jeniffer e Renata amor de aventura. Ana Clara e Evelyn amor de nascer do sol. Bruna e La Salle amor de confirmação. Mariana e Bárbara amor de interior. Maíra e Kelly amor de estar em casa. Janelle e Gyanny amor de fé. Lia e Thalita amor de lar. Alessandra e Roberta amor de diversão. Iasmin e Natalia amor de tatuagem. Bruna e Mari amor de arte na rua. Carla e Cynthia amor de diferença. Inara e Nina amor de recomeço. Hinde e Renata amor de intercâmbio. Thay e Cami amor de afeto. Luana e Marília amor de corpo. Tamiris e Ágata amor de tempo. Camila e Rafaela amor de etapas. Joyce e Gabi amor de persistência. Gabi e Raffa amor de ficar à vontade. Laura e Camila amor de presente. Babi e Maria amor de companhia. Vivi e Darlene amor de não viver sem. Jaque e Tainá amor de novo olhar. Thacia e Ju amor de cuidado. Anik e Isabelle amor de desaguar. Raquel e Dandara amor de mudanças. Aline e Isabela amor de novidades. Luiza e Milena amor de paciência. Marcela e Jana amor de liberdade. Mariana e Viviane amor de manhã na praça. Clara e Laura amor de cuidado. Aline e Nathalia amor de paródia. Iana e Amanda amor de salvador. Yaskara e Jade amor de conversas. Daniella e Flávia amor de futuro. Isadora e Isabela amor de equação. Luanna e Laira amor de cicloativismo. Ellen e Bianca amor de confraternização. Lorrayne e Joyce amor de casa.
- Documentadas
Olá; AQUI REGISTRAMOS O AMOR ENTRE MULHERES ATRAVÉS DA FOTOGRAFIA. Portfólio Para conhecer nossas histórias, clique aqui > sobre 02 sobre nós Olá, me chamo Fernanda e registro de forma documental o amor entre mulheres por todo o Brasil. O documentadas começou através de diversos estudos e da percepção de que as mulheres são pouquíssimo registradas em toda a sua história, principalmente tratando-se de mulheres que se relacionam afetivamente com outras mulheres. Para dar um basta e contar nossa própria história, percorro o país registrando casais e através desse site criamos conexões e laços de fortalecimento. Para conhecer quem faz o documentadas, clique aqui > Banco de images QUER PARTICIPAR DO PROJETO? vem por aqui! :P Mariana Musicista Leia mais Mari, além de ser uma pessoa extremamente doce, é uma musicista e compositora incrível! Ela tem um canal com a Vivi e juntas compõem histórias no Canta Nossa História! Iasmim Advogada Iasmin, além de uma mulher super sorridente e alto astral, é também uma grande advogada. Natural de Duque de Caxias, baixada fluminense, hoje trabalha em um escritório no centro do Rio de Janeiro. Leia mais Carla Professora Carla, além de ser grande amante das artes e do teatro, também é professora e pedagoga em escolas públicas de Rio das Ostras e Macaé. Leia mais gerando renda para a comunidade Acreditamos que - além de que contar histórias de mulheres - podemos conecta-las. Falarmos sobre seus trabalhos, compartilharmos situações, momentos e, enfim, gerarmos renda. O mercado de trabalho segue difícil e podemos nos apoiar contratando trabalhos de mulheres da comunidade LGBT. Sendo assim, no nosso espaço de 'busca' você consegue pesquisar pela palavra-chave (o serviço que você precisa), ver qual profissional está à disposição, ler sua história e nos mandar uma mensagem. Nosso papel será te conectar diretamente com a profissional desejada! gerando renda para o projeto Manter o projeto não é tarefa fácil! Fazer viagens, pegar metrôs, ônibus, barcas... disponibilizar tempo e conseguir manter as contas pagas é um grande desafio. E como queremos documentar o maior número de casais possíveis, disponibilizamos o nosso PIX e aceitamos qualquer valor como quantia de doação! Você pode nos ajudar clicando aqui e fazendo a doação (qualquer valor!) de forma voluntária direto pelo aplicativo do seu banco! Colabore com a documentação histórica do amor entre mulheres! Contato
- Luma e Stefany | Documentadas
↓ rolar para baixo ↓ Luma e Stefany foram documentadas um dia antes do chá de bebê do Joaquim acontecer, em Campinas, reunindo a família num tema de festa junina. Stefany estava com 29 semanas - quase entrando no oitavo mês de gestação - e o quartinho ainda era um grande estoque de fraldas. O nome Joaquim vem de uma homenagem ao bisavô da Luma. Dentre todos os grandes motivos que despertam o desejo da maternidade, Luma conta que um deles a faz se ver enquanto mãe de um jeito especial: se não fosse ela a dar seguimento, sua linha familiar iria acabar. Cogitaram a adoção, estudaram os tipos/métodos de fertilização e Luma acabou retirando os óvulos na clínica para fazerem a fertilização in vitro. Por mais que sejam rodeadas de mulheres - principalmente na família da Luma, que é composta pelas tias e avós bastante presentes - passam boa parte do tempo conversando sobre a importância de ter um filho homem e de como será educá-lo nessa sociedade. Stefany comenta que mesmo entendendo a existência do preconceito com elas enquanto duas mães, não é isso que ocupa seus pensamentos, já que o amor fala mais alto… O que realmente procuram focar é nas formas possíveis de educar um homem num mundo tão machista, os valores que pretendem ensinar e como querem que ele seja respeitoso. Em 2020 (pouco antes da pandemia de Covid-19 acontecer) Luma e Stefany se conheceram, por conta de amigos em comum, numa festa que Luma nem estava tão afim de ir, no carnaval. Elas já sabiam da existência uma da outra, porque tinham se esbarrado uma semana antes - e tinham interesse em comum - mas não se conheciam de fato. Naquele dia, Stefany passou mal, Luma cuidou dela um pouco, mas nada aconteceu. Na semana seguinte, se reencontraram, o beijo aconteceu e tiveram uma interação para além dos encontros rápidos anteriores. Porém, os dias se passaram e foram surpreendidas com o lockdown que trancou cada pessoa em sua casa nos fazendo não entender o que acontecia nas cidades e nos países por conta da pandemia. Nesse tempo, elas conversaram muito online, Ste teve que seguir trabalhando no hospital e compartilhava os medos, a falta de informação, tudo o que estava acontecendo. Foram se aproximando cada vez mais. O tempo foi passando e não conseguiam se encontrar por conta da pandemia. Luma morava no mesmo prédio que a avó, não tinha como sair e tinham muito medo, acabavam se vendo apenas por vídeo. Depois de algum tempo, resolveram arriscar: Luma ficava duas semanas sem contato com nada, saia, voltava e ficava mais duas semanas sem contato para depois ver a avó. Era uma saga toda vez que decidiam se ver. A avó entendeu que estavam gostando de verdade uma da outra e decidiu ficar na casa de outros familiares por alguns meses, assim, conseguiam se ver sem tanta dificuldade e ela não dependeria 100% da Luma. Foi em junho de 2020 que conseguiram ficar juntas pela primeira vez e em dezembro decidiram morar no mesmo lar - com muito medo de não dar certo - até que chegaram os cachorros, conseguiram um apartamento melhor e foi tudo se encaixando. No momento da documentação, Luma estava com 27 anos. É psicóloga, natural de Campinas. Stefany, no momento da documentação, estava com 30 anos. Trabalha enquanto enfermeira pediatra, nasceu em Ribeirão Preto, se mudou para Campinas por conta da residência médica e segue até hoje na cidade. Acreditam que a pandemia as uniu e desde então amam estar juntas, fazem praticamente tudo grudadas. Assistem séries, leem bastante, passeiam com os cachorros. Adoram a natureza e desejam levar seus hobbies para o Joaquim. Desde o começo do relacionamento conversavam sobre o desejo da maternidade, sobre adoção e como queriam formar uma família. Pensaram várias vezes na adoção, até que foram para a ideia da clínica, da Luma retirar os óvulos e estudaram melhor as possibilidades. Em 2022, Luma fez todos os exames, elas conseguiram pagar apenas o sêmem e o processo foi longo, durou 6 meses. Nesse meio tempo se mudaram, conseguiram comprar um apartamento, acharam uma receptora mas foi preciso muita paciência, na teoria tudo teria sido muito mais rápido. O telefonema da clínica veio um dia depois de uma gira de Erê (que representa as crianças na Umbanda) e são muito ligadas à fé. Sempre ouviam nas giras que a gravidez iria acontecer, mas era preciso esperar, estava vindo. A meta delas era engravidar em 2022 e a implantação do embrião foi no dia 30 de dezembro, passaram o ano novo em repouso, mas felizes porque mesmo no limite deu certo, com paciência. Luma entende que aprendeu a amar nesses processos e também com a família dela, a forma constante de apoio que elas (a avó e as tias) demonstram, sempre fazendo coisas umas pelas outras. “Uma base feminina muito forte e muito politizada”. A avó é muito forte, fugiu muito da questão tradicional. E brinca que a família, como apoiou tudo, sente que elas estão grávidas há anos pelo quanto dura o processo. Por isso, reforçam que precisamos procurar clínicas que saibam nos acolher. Quando falamos sobre o futuro que esperam para o Joaquim, começam comentando como é difícil viver num Brasil conservador porque o conservadorismo faz com que a pessoa não queira nem tentar mudar o pensamento: se fecha completamente numa ideia sólida de que só ela está certa, não permite a mudança. Comentam sobre o condomínio onde moram, cujo é muito grande, possui diversos blocos e moradores, mas que até então só sabiam da existência de mais uma ou duas mulheres lésbicas, além delas. Por conta disso, também, existe a importância de tomar esses espaços. Citam as bandeiras do Brasil que estavam nas janelas na última eleição e que depois da vitória do Presidente Lula elas decidiram colocar uma bandeira na janela representando suas ideologias também, deixando alguns dias, para que as pessoas soubessem que elas estão ali, num ato de comemoração e resistência. Na clínica, conhecem apenas um outro casal formado por duas mulheres, e citam como todo o material feito é muito voltado à casais heterossexuais. Acreditam no quanto ainda precisamos avançar para que mais casais tenham a chance de engravidar, querem ver mais mães, querem que o Joaquim tenha mais colegas com duas mães nas escolas. Contam também sobre uma situação específica que viveram no dia do casamento, em junho de 2021, quando a pandemia deu uma flexibilizada e elas completaram um ano de namoro. Casaram no dia das namoradas (sem lembrar que seria dia das namoradas), e por uma seleção do cartório mais próximo da região acabaram indo para um bairro classe média-alta. Estavam com muito medo de como seria a recepção, como as pessoas iriam reagir - o nervosismo estava maior perante o medo do preconceito que até sobre a situação do casamento em si. Quando chegaram, foram tão bem recepcionadas por uma mulher que não se sentiram nenhum pouco reprimidas e acabaram tendo uma experiência maravilhosa. Sentiram isso de forma muito empolgada, acolhedora, diferente. E desejam que todos os casais pudessem ter uma experiência assim. Stefany Luma
- Gerando Renda | Documentadas
gerando renda para o projeto Manter o projeto não é tarefa fácil! Fazer viagens, pegar metrôs, ônibus, barcas... disponibilizar tempo e conseguir manter as contas pagas é um grande desafio. E como queremos documentar o maior número de casais possíveis, disponibilizamos o nosso PIX e aceitamos qualquer valor como quantia de doação! Qualquer valor MESMO. Tem 2 reais e pode aplicar no projeto? é super válido! De quantias pequenas a quantias maiores, se cada uma e cada um de nós ajudar um pouquinho, conquistamos o Brasil todo! Colabore com a documentação histórica do amor entre mulheres! Para doar é muito fácil! - Entre no aplicativo do seu banco e clique em PIX > transferir PIX. - Escolha o tipo de chave: o nosso é e-mail :) - Digite o nosso e-mail, você pode copiar aqui: fernanda@documentadas.com - Digite o valor desejado da doação :D - Aparecerá o nome da idealizadora do projeto: Fernanda Piccolo Huggentobler. Então é só conferir e confirmar! Prontinho, a partir de agora você estará ajudando a documentar o amor entre mulheres no Brasil todo! Ah! Uma coisa importante. Quer saber como funciona os nossos gastos e ver como a sua doação está sendo utilizada? dá uma olhada nos nossos destaques do Instagram, lá tem um chamado: Prestação de Contas ♥ quer conferir a prestação de contas no Instagram? clica aqui! gerando renda para a comunidade LGBT Acreditamos que - além de que contar histórias de mulheres - podemos conecta-las. Falarmos sobre seus trabalhos, compartilharmos situações, momentos e, enfim, gerarmos renda. O mercado de trabalho segue difícil e podemos nos apoiar contratando trabalhos de mulheres da comunidade LGBT, certo? certo! Tá precisando de uma arquiteta? de uma chefe de cozinha para um evento do qual você tá promovendo? ou quem sabe quer fazer uma tatuagem nova e queria escolher uma tatuadora inspiradora? aqui temos! No nosso espaço de 'busca', clicando AQUI você consegue pesquisar pela palavra-chave (o serviço que você precisa), ver qual profissional está à disposição, ler sua história e entrar em contato com ela. O contato pode ser feito clicando no botão aqui na tela indicando a profissional que você leu, conheceu a história e deseja contratar/solicitar um orçamento. Nosso papel será te conectar diretamente com ela! Bora fortalecer a profissional que você admira! quer conhecer o serviço de alguma profissional? clica aqui!
- Luiza e Mariah | Documentadas
Luiza Mariah
- Alice e Glauci | Documentadas
Alice e Glauci moram em um apartamento super aconchegante em Porto Alegre, junto com suas cachorras, Pitanga e Amora. Elas estão juntas desde 2018 e se encontraram pela primeira vez lá mesmo, no apartamento, onde fizemos as fotos. São mulheres que gostam de cuidar da saúde (e aprenderam a gostar disso durante a pandemia). Trocam diversos estudos sobre diversidade, passam os fins de tarde no parque, saem para tomar cervejas, fazer a feira (e o rancho, como dizem os gaúchos) e sabem se divertir juntas: seja montando quebra-cabeças ou fazendo festa junina em casa. Além de todas as atividades que fazem por pura diversão, elas se comprometem todos os sábados com um trabalho voluntário de distribuição de marmitas às pessoas em situação de rua lá em Porto Alegre, o PF das Ruas (projeto que o doc, sem querer querendo, também já teve ligação ♥ então quem não conhece, vale muito conhecer!). A Alice tem 32 anos, é analista de experiência em um banco e nasceu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde morou até os três anos de idade. Depois disso, passou a infância em uma cidade chamada Lagoa Vermelha, também no Rio Grande do Sul, e aos quinze anos se mudou para Porto Alegre para estudar. A Glauciene tem 26 anos, trabalha como Analista Digital/Customer Experience no mesmo banco que a Alice, mas em áreas diferentes, visto que uma atua no banco físico e outra no banco digital. A Glauci estuda ciências contábeis e a Alice faz pós graduação de MBA em Diversidade e Inclusão, sendo, inclusive, líder de Diversidade LGBT dentro do banco em que trabalha. Foi ocupando este espaço em que entendeu cada vez mais a importância de estudar e se aprimorar. Elas acreditam que as políticas públicas precisam ser direitos de todos, como diz a teoria e a constituição, de forma decente, e com cuidado: cuidar de todos desde a educação até o acesso à cidade. É o que mais desejariam ver acontecendo em todo o país. Alice fala o quanto ela sente medo e sente a falta de segurança atrapalhando o seu dia a dia, por não se sentir segura andando pelas ruas de Porto Alegre, e que sempre pensa em uma realidade diferente em que possa ter acesso a algo tão básico como sair na rua sem medo. Em 2018, foi numa breve conversa através de um aplicativo de relacionamentos (o famoso Tinder) que elas se conheceram. Digo breve porque logo a Glau sumiu, por meses não respondeu e a vida seguiu. Até que numa sexta-feira ela apareceu, mandou um “Oi”! E aí papo vai, papo vem, naquele mesmo dia Alice resolveu chamar ela para sair no dia seguinte, mas ela resolveu propor de se verem na sexta mesmo, um pouquinho mais tarde, se arrumavam e se encontravam. Alice já estava convicta de que ela sumiria de novo, até que o interfone tocou! Elas ficaram um tempo no apartamento dela e decidiram ir para uma festa, onde encontrariam uns amigos. A Glau deixou algumas coisas na casa da Alice e elas brincam que foi “propositalmente” para voltar lá depois, no fim da noite. O beijo demorou um pouco para sair, em vários momentos uma achou que a outra fosse tomar a iniciativa e ficou nesse vai-não-vai. Até que finalmente aconteceu. Depois de voltarem para a casa juntas continuaram se encontrando, a Glau passou as férias na casa da Alice e no ano novo juntas em Santa Catarina aconteceu um pedido de namoro, com piadas internas entre amigos para lembrarem das alianças e tudo. Elas contam que construir o relacionamento não é nenhum pouco fácil. Um dos momentos mais difíceis enfrentados aconteceu logo no começo, quando a avó da Alice faleceu. Era a comemoração de um mês juntas e foi um baque muito grande, muito intenso. Ao mesmo tempo que tudo era muito triste, foi também surpreendente ver a Glau tão forte ao lado dela, porque pessoas que conheciam a Alice há muitos anos não deram tanto apoio como ela recebeu da Glau, e isso significou muito, foi como um estalo sobre ela poder dar um verdadeiro voto de confiança. Elas contam também que o convívio por conta da idade não foi fácil, além disso, passaram por momentos de desemprego, a Alice chegou a trabalhar como Uber, a Glau já não se sentiu em casa e teve a casa enquanto um lar… todos esses momentos fizeram parte de construções em que foram cedendo para que continuassem firmes. É sempre uma conversa e escuta ativa para entender como podem melhorar, como o lar pode ser das duas, como as coisas podem ser melhores para ambas… e como elas podem estar em sincronia. Conversam muito sobre as questões que aparecem no dia a dia. Passaram momentos que as fizeram crescer muito, que hoje estão num patamar de muito amadurecimento e parceria… Mas não foi nenhum pouco fácil. Alice não é muito de falar o que está sentindo, já a Glau tem mais facilidade para falar sobre as coisas… tudo precisa ser medido, equilibrado. Por fim, elas contam que juntas entendem o amor como se conhecer de verdade. E quando o conhecimento acontece, ele já não dói mais, é quase que ao contrário… não ter essa pessoa na sua vida é que dói. Amar é também sempre buscar melhorar, para você, para o outro e para todos. < Glauci Alice
- Sara e Rosa | Documentadas
Há anos, Sarah fala sobre amor nas redes sociais, rondando temas como autoestima, superação de relacionamentos tóxicos e abusivos, ou desintoxicação do romantismo. Porém, foi a partir de 2022, quando mesmo após 5 anos de namoro ela foi expulsa de casa, onde decidiu mudar o rumo do seu perfil: começou o próprio processo de cura. O público, vendo essa mudança, passou a querer ficar para acompanhar o que estava acontecendo com ela e a Rosa, sua companheira. Tudo girava em torno do que estavam vivendo - e a própria exposição da situação ajudou outras pessoas que se identificavam, vivendo suas próprias caminhadas. Mesmo que tenha sido muito difícil passar pelo o que passaram expondo suas dores, sentem que compartilhando dessa forma foi menos solitário. No momento em que nos encontramos, no começo de 2023 em Salvador, estavam morando no novo apartamento há cerca de 5 meses. Contam com um sorriso no rosto o quanto estava sendo incrivelmente bom, mesmo que pouco tivessem sonhado com isso, porque sentiam bastante medo pela convivência ser complicada, mas que aos poucos entenderam que na verdade amavam os momentos que passavam juntas no espaços que estavam. Hoje, acreditam que vivem em equilíbrio, que ambas contribuem para a limpeza da casa, que o lar está em harmonia e que fazem as coisas serem felizes estando dispostas: no querer crescer se vendo bem. Rosa estava com 26 anos no momento da documentação, é natural de Salvador e está se formando em Enfermagem na UFBA. Atualmente, ela trabalha enquanto funcionária pública. Sarah Cristina estava com 27 anos no momento da documentação. Ela é natural de Feira de Santana, cresceu em Alagoinhas, no interior da Bahia e mora em Salvador há cerca de 8 anos. Sarah se formou enquanto assistente social, mas dedica sua vida ao trabalho de digital influencer e deseja entrar no mestrado em breve. Sarah conta que tudo começou em 2015, numa página de Facebook chamada “Desintoxicação do Romantismo”. A página era para mulheres, sobre autoestima e superação de relacionamentos tóxicos/abusivos. Sarah falava sobre não monogamia numa época em que o assunto era um grande tabu e a página viralizava diversos conteúdos, chegou a mais de 300 mil seguidores, foi então que percebeu aquilo enquanto um trabalho que não ganhava dinheiro. Quando tudo migrou para o Instagram, os conteúdos também cresciam rápido e bombaram, mas o problema seguia o mesmo: não havia retorno financeiro. Vendo a crescente geração de influenciadoras, decidiu que precisava dar um rumo diferente. Foi quando, em 2020, começou a estudar como ganhar dinheiro com as redes sociais e entender seus próprios processos - perceber que ela não existia na página, que o rosto dela não aparecia, que as pessoas não conheciam ela, apenas o conteúdo postado… e decidiu mudar as coisas. Entendendo que tudo precisava mudar, a página Desintoxicação do Romantismo passou a ter o rosto da Sarah, conteúdos feitos pela Sarah e também o nome da Sarah. Entender que abrir a sua vida enquanto digital influencer falava sobre suas inseguranças também foi um grande desafio muito importante a ser enfrentado - que fala sobre a coragem nesse processo (coragem redobrada quando expôs a situação que estava vivendo com a Rosa em 2022). Foi em 2017 quando se conheceram e começaram a relação, Rosa era militante do DCE e liderança dos espaços da saúde da UFBA e num espaço de militância do MST conheceu a Sarah. Elas brincam sobre a Sarah estar o tempo todo de olho na Rosa, mas a Rosa sempre estar muito focada/ser muito responsável e nunca nem perceber que alguém jogava charme pra ela. O que não faziam ideia é que em outra situação a Rosa já tinha visto a Sarah andando pelo campus de tranças e já tinha se encantado por ela, mas no dia que se encontraram ela estava com o cabelo de black e na hora não reconheceu. Sarah conta que ficou paralisada na luz que Rosa tinha ao falar sorrindo, no jeito dela, e fazia de tudo para estar perto. Ela tentou ficar com a Rosa e não deu certo, mas não desistiu, colocou as camas lado a lado no alojamento e acabaram ficando, mas ainda com certo estranhamento, entre as demandas da militância, tudo parecia estar errado. Foi quando Sarah, no dia seguinte, sentou na cama e pensou “Quem me guia, se for para ficar com essa mulher, que ela apareça em 5 minutos, e aí vou conversar com ela!” e ela apareceu… Não só apareceu, como foi a única pessoa que entrou naquela sala durante um bom tempo. Elas conversaram, se acertaram, ficaram bem. Voltaram para Salvador e seguiram se encontrando, durante as férias conversando, e seguem juntas até hoje. Pensando sobre quando começaram a namorar, em 2017, entendem que a vivência era completamente diferente. Era muito frustrante não serem assumidas, sentiam muito medo. Rosa saiu do armário em 2019 e Sarah ainda sente muita dor por ser recente, por não ter contato com algumas pessoas da sua família. Dói muito, mas ainda é menos doloroso que esconder quem ela é e algo tão puro como amar alguém. Sarah acredita que o amor acontece de forma saudável, mas exige muito esforço, não é algo fácil e precisa ser diário, pensando o tempo todo em comunicação. Para alugar o apartamento enfrentaram diversas situações, entre preconceitos e medos. E isso talvez reforce a valorização que dão diariamente nesse novo lar. Sobre a vida que vivem hoje em dia, Sarah conta que não queria pensar onde dar as mãos, não queria sofrer tanto racismo enquanto andam juntas (e também separadas). Hoje em dia não se sentem confortável enquanto um casal em todos os espaços e queria muito sentir. Queriam ser afetuosas nos espaços, nos bares, na rua, porque amam estar na rua e desejam ser quem são. Quando olham o caminho que já percorreram até aqui percebem como foi muito difícil começar a dar as mãos nos espaços públicos e foi preciso muita terapia para entender que poderiam dar as mãos, havia muito medo de serem atacadas fisicamente ou verbalmente… e ainda há medo, até mesmo dos olhares, mas o desejo de viver livremente sendo respeitadas precisa ser maior que o medo. Alguns dias depois do nosso encontro elas viveriam o primeiro carnaval juntas e estavam ansiosas para isso, o primeiro carnaval, mesmo em tantos anos de namoro, que estariam assumidas. É um misto de muito felizes, com medo, tristes pelo medo, mas se permitindo estarem felizes. No tempo livre, Sarah e Rosa adoram ir a praia, ao cinema, cozinham juntas - uma fica responsável pelo doce, outra pelo salgado, e estão aprendendo a sair juntas (coisas que não aconteciam antes) - uma novidade que está sendo muito legal! Elas também amam os pequenos afetos, os carinhos e valorizam os momentos juntas. ↓ rolar para baixo ↓ Sara Rosa
- Joyce e Lorrayne | Documentadas
< A Joyce e a Lorrayne entendem que o relacionamento delas já chegou numa fase em que não existe mais a ansiedade da expectativa, ou seja, querem estar juntas porque estão dispostas a isso. Não despejam uma expectativa gigantesca uma na outra, sentem que fazem o que gostam e não precisam se vestir de forma impecável ou estar sempre de bom humor todos os dias. Com a maturidade, a naturalização dos corpos foi se construindo aos poucos. Hoje em dia moram em uma casa que elas mesmo construíram. Na zona periférica de Belo Horizonte, vivem em uma ocupação de terras que antes era um local improdutivo e hoje recebe centenas de famílias. Na ocupação sempre foram tratadas enquanto uma família - e ressaltam como essa representatividade é importante. Por alguns anos, todos os salários que ganhavam voltava ao lar: na compra de materiais de construção, mantendo as contas em dia e pensando em uma decoração para a casa. Hoje em dia, dentre todos os cômodos que construíram e tudo o que aprenderam (fazer massa, assentar forma) é a parede de tijolinhos que mais se orgulham. Sempre sonharam em ter uma parede desse jeito, com os desenhos, pinturas e bordados que fazem pendurados nela. Foram anos planejando porque haviam outras prioridades a serem feitas e hoje se orgulham de finalmente ter conquistado. Quando relembram tudo o que já viveram juntas, falam que realmente amam a companhia uma da outra, fato que ficou ainda mais evidente na pandemia, quando dentro de casa o vínculo se fortaleceu perante as dificuldades que enfrentaram. Não sentem que vivem entre controles, ciúmes possessivos ou coisas do tipo entre elas ou familiares e amigos. Entendem que estarem juntas é algo que escolhem diariamente e depositam sua fé nesse sentimento. Claro que valorizam muito as conversas, a terapia, o cuidado com o corpo e a mente para se manterem bem. Não querem projetar as relações dos outros nas suas, então exercem a conversa e verbalizam o que sentem. Entendem que amar é se sentir feliz, assim como ver e querer o outro feliz. Por isso, não se enxergam numa relação solitária. A Lorrayne conta que tinha uma ideia de amor muito romântica, ligada aos livros de romance que lia… e que essa ideia também é um tanto doentia: A sensação de não ter a pessoa amada é igual a morte, o pedestal que existe para o amor, etc. Hoje em dia enxerga tudo de forma mais leve. Cita que ama os almoços de domingo, os dias que passam juntas sem fazer nada em específico e que assim ela se sente muito mais realizada amando a Joyce. No momento da documentação a Joyce estava com 31 anos. Ela é bordadeira e, além de vender os bordados, começaria um trabalho enquanto vendedora em breve. A Lorrayne, no momento da documentação, estava com 28. Ela trabalha enquanto desenvolvedora de sistemas, na área da tecnologia, fazendo estágio - mas também consegue diversos freelas, o que acaba ocupando todo o seu dia. Brincam que são duas velhas, amam ficar em casa e na pandemia isso se agravou ainda mais. Além disso, por morarem em um lugar distante do centro, se torna inacessível estar saindo o tempo todo pelo valor do transporte, acabam se apegando em atividades mais caseiras. Quando se conheceram, de forma online há muitos anos atrás - mais especificamente na transição do Orkut para o Facebook - interagiram numa postagem que a Lo fez dizendo que estava se sentindo triste. A Joyce soube quem era a Lo e a adicionou nas redes por conta de um amigo em comum, que falava muito sobre ela, e acabou descobrindo um blog que ela escrevia textos, poemas, contos e desabafos. Naquela época, Joyce nunca tinha ficado com uma mulher, mas até comentou com o amigo que se ficaria, gostaria que fosse com a Lo. Um tempo depois de terem interagido na postagem, se adicionaram no MSN (saudades, né?) e conversaram por três horas, falando de músicas e outros assuntos que surgiam, onde perceberam que tinham muito em comum. No decorrer daquele ano (2011) conversavam de vez em quando durante a semana; A Joyce passou pela experiência de ficar com a primeira mulher (que não foi a Lo! mas uma pessoa na Parada LGBT de Belo Horizonte), passou um mês na casa da bisavó de férias e, quando voltou para Belo Horizonte, ainda na rodoviária, ligou para a Lo diretamente de um orelhão marcando um encontro. Se encontraram no dia seguinte na pracinha de bairro próxima aos locais em que moravam, Joyce estava super insegura de ir, mas encarou e levou uma flor para a Lorrayne, que estava sentada na pracinha desenhando e achando que iria levar ‘um bolo’. Joyce brinca com a música da cantora Letrux que diz “Meu look eu pensei o dia inteiro/Só pra te encontrar” e quando chegou lá toda arrumada viu a Lorrayne vestida de qualquer jeito, com chinelo e meio desengonçada. No momento não falou nada, mas a piada surge até hoje. Joyce era muito comunicativa, enquanto a Lo ficava mais tímida, mas deu certo. No segundo encontro marcaram de ir ao cinema, em Contagem (cidade da região metropolitana de Belo Horizonte) e tiveram a infelicidade de serem assaltadas. Depois disso, passaram a se encontrar pontualmente nas segundas-feiras, porque a Lorrayne fazia aula de desenho próximo à casa da Joyce e, como não era assumida, elas conseguiam se encontrar sem precisar dar muitas desculpas. Nesse período começaram o namoro e assim seguiram pelos próximos dois anos, namorando e estudando na mesma faculdade. Foi durante o processo de estudos que aconteceu a ocupação de terras onde elas residem hoje. Nessa época, a Lo cuidava dos irmãos mais novos, enquanto ela e Joyce desejavam morar juntas pelos problemas que enfrentavam com a família. Sendo jovens e com muitos sonhos, decidiram procurar casa para alugar desesperadamente. Estavam com 21 e 18 anos, enfrentavam diversas barreiras na hora de alugar e o fato de terem um cachorro (o Vovô, que aparece nas imagens documentadas) acabava piorando pois nenhum lugar aceitava animais. Adotarem o Vovô, inclusive, foi um processo muito importante para elas; Ele ficava próximo do trabalho da Joyce e era um animal muito bravo, portanto tinham medo que acabassem matando-o pela agressividade que tinha ao atacar as pessoas. Foram 2 meses tentando a aproximação até conseguir acolher e levá-lo para a casa, portanto, jamais abririam mão dele. A mãe e a irmã da Lorrayne conseguiram casa na ocupação e ela e a Joyce ajudavam na luta: desde as reuniões, os atos e as manifestações pela terra. No momento inicial a Lo até morou com elas, em uma época que tinham um cômodo apenas, o banheiro e cozinha eram espaços coletivos da ocupação. Nesse momento, Lo até aponta para o sofá em que está sentada, falando que ele vem desde àquela época: o espaço em que dormiam. Como a irmã acompanhava a saga delas por uma casa em que pagassem aluguel, deu (e insistiu) na ideia de que elas colocassem seus nomes na lista de famílias da ocupação e tentassem um local para construir e morar. Acabaram conseguindo por algumas desistência e/ou outras famílias que não seguiam as regras de convívio. O terreno era pequeno, havia uma vizinha bastante bagunceira e acabaram enfrentando muitas dificuldades no início - não havia janelas, entravam muitos bichos como ratos e acabavam não conseguindo ver aquele local como uma casa de verdade. Até que conseguiram trocar de moradia - pagavam somente o material de construção usado - e, depois de duas mudanças, chegaram na casa em que estão hoje, o lugar que entendem como lar. Logo de início fizeram um muro para soltar os cachorros, depois uniram dinheiro para construir um banheiro e outros cômodos. Hoje em dia, nessa última (e atual) casa, com os cômodos mais elaborados e da forma que sonhavam (construíram o segundo andar, fizeram um mezanino etc), entendem que tudo foi muito árduo, mas necessário. Estão completando cinco anos nesse novo local e agora a irmã mais nova da Lo divide a casa junto com elas. Dentre todas as dificuldades, contam como foi construir em meio à pandemia. Naquele ano (2020) choveu muito em Belo Horizonte, então a obra que duraria 2 meses acabou triplicando em tempo, enquanto elas viviam em três pessoas sob um espaço que chovia dentro, tinha cimento para todos os lados e toda a sujeira incomodava muito. Entre o trabalho, faziam parte do corpo de funcionárias da creche da comunidade, então conseguiram receber auxílio mesmo nos tempos mais fortes de Covid-19, mas a regra era simples: todo o dinheiro ia para a construção. Durante a pandemia, também, o grupo de teatro que a Lorrayne faz parte passou em um edital para realizar apresentações na comunidade, o que ajudou muito a se manter em contato com a arte e trazer renda para a casa. Entendem como é bom ter realizado as coisas. Não foi nenhum pouco fácil viver todas as dificuldades que viveram, mas sentem muito orgulho em ver a casa montada. Ressaltam que fazer isso, enquanto mulheres, é ainda mais grandioso. Sempre existe alguém para apontar e dizer que não será possível, homens querendo nos ensinar a fazer coisas mínimas, opinando em algo que não cabe à eles e fazer a casa da forma que sonham é um firmamento muito grande sobre quem são. Hoje em dia, adoram os processos artísticos que fazem juntas (mesmo que a Lo faça parte do time de tecnologia, ela estudou artes por seis anos) e se dedicam aos bordados, à pintura e ao desenho. Além disso, amam jogos, no tempo livre gostam de assistir séries e filmes e fazer refeições juntas. Mesmo com as grandes dificuldades financeiras e desentendimentos que aconteciam no começo do namoro por depositarem muito de relações alheias sobre elas, hoje dão muito valor ao entendimento do corpo e da relação enquanto algo político. Lo comenta que a sociedade não as considera uma família, então fazem questão de trazer a naturalização do amor delas para todos, seja no ambiente de trabalho, entre a comunidade ou a família. Ao ver as pessoas da creche que trabalhavam (mães, pais, funcionários e crianças) tratando o amor delas enquanto algo natural, como merece ser tratado, percebeu o quanto importa essa luta coletiva. Por fim, fazem questão de dizer o quanto a sociedade precisa de mais acolhimento mental. Pouco se vê de investimentos nessa área, as terapias são caras e não há propagandas governamentais sobre isso, portanto desejam viver num país em que principalmente as mulheres que estão na base tenham cuidados mentais garantidos. ↓ rolar para baixo ↓ Lorrayne Joyce
- Thay e Louise | Documentadas
< Louise e Thayane constroem sua vida numa base de amor e afeto familiar muito grande - tanto que soa meio impossível falar delas sem falar em família. O tempo todo enquanto nos conhecíamos, visitando o lar em que moram no centro de São Paulo, a sensação mais presente era de que ali existe uma família. Elas são naturais do Rio de Janeiro, mas se mudaram há pouco tempo para São Paulo por conta do trabalho da Louise. A casa, aos poucos, vem tomando forma, mas o mais importante é o samba, que toca o dia todo, embalando as atividades cotidianas. A música, na vida de ambas, vem desde crianças: suas famílias são muito ligadas ao samba, nos encontros cantam, fazem bagunça, gostam do movimento. Para o futuro, planejam filhos, uma família cada vez mais unida, grande e que valoriza suas raízes. Acreditam que enxergar o futuro enquanto uma construção é também um ato de amor. Tanto a Thay, quanto a Louise, no momento da documentação, estavam com 30 anos. A mudança para São Paulo foi bem rápida, durante o processo seletivo que a Louise participou elas conversaram e decidiram que só daria certo se fossem juntas, não cogitaram viver num relacionamento à distância. Hoje em dia, o trabalho da Louise envolve coordenação de vendas, enquanto a Thay é geóloga, apaixonada por defesa civil e está estudando para o concurso público dos Bombeiros. Diariamente ela corre, nada, cuida do corpo para a prova física e estuda para a prova teórica. Ambas têm a paixão do samba e do futebol em comum, mas com isso vem o motivo das brigas na relação: uma é Flamengo, a outra, Vasco. Querendo ou não, o amor que elas possuem pelo Rio é enorme, são pessoas que iam muito à praia, amam o sol, os bares… então está sendo uma nova vivência descobrir São Paulo. Por outro lado, sentem o quanto são companheiras juntas, o quanto mesmo com as dificuldades e a saudade da família elas se apoiam e se fortalecem estando nesse novo local. Tentam explorar a cidade descobrindo novos restaurantes, botecos, eventos com samba e culinárias diferentes. Quando elas se conheceram, a Thay estava em um relacionamento que ia muito mal, chamou uma amiga para conversar porque precisava desabafar e a amiga perguntou se podia levar outra amiga. Na hora, ela pensou que não era o ideal, né? Afinal, teria uma desconhecida ouvindo suas lamúrias, mas tudo bem, aceitou. Quando chegou lá, a menina convidou uma pessoa que ela estava ficando para as encontrar e a Thay pensou “Pronto, mais uma desconhecida pra me ouvir desabafar…” e então chegou a Lou. A Lou estava um pouco irritada, tinha saído do trabalho num dia bem agitado, mas segundo a Thay ela estava com uma roupa maravilhosa e isso já a chamou atenção. Depois desse primeiro dia, a Thay terminou seu relacionamento e todas elas (a Thay, a amiga dela, a Lou e a pessoa com quem ela estava ficando) passaram a se encontrar com frequência. No início de 2019 surgiu um flerte entre a Thay, a Lou e a menina que ela se relacionava. Elas ficaram e o que era para ser um divertimento acabou se tornando um relacionamento entre as três: durou oito meses. Por fim, não deu mais certo, terminaram, mas a Thay e a Louise continuaram juntas - tiveram a ideia de recomeçar devagar, e quando perceberam já estavam 100% entregues e vivendo como casal. Um tempo depois, com o início da pandemia, o que tinham era uma a outra e um quintal para ver o céu. Isso foi um espaço de precisarem aprender a se comunicar de forma fluida, já que tudo dependia das duas. Uma foi contando cada vez mais com a outra. Elas acreditam que, por mais que tenha existido muita coisa ruim na pandemia, há o sentimento de que esse tempo serviu como um acelerador de futuros: se a coisa não foi pra frente, ela acabou ali - e o que foi pra acontecer, aconteceu de verdade. Foi um momento divisor de águas em que elas sentaram e repensaram o futuro: planejaram o que gostariam de ser, estando juntas, tendo filhos, uma carreira, etc. Hoje em dia, mesmo a Thay que não é de falar muito o que está sentindo, consegue colocar pra fora com a Lou. Elas sentem que, quanto mais se abre, mais geram apoio uma à outra. Lou conta do momento que ela contou para a mãe dela, já adulta, sobre se relacionar com uma mulher. O medo que existia, pois é muito próxima da mãe, mas entende que ela teve uma criação evangélica muito forte e poderia reagir de várias formas. No fim, ela ficou assustada, mas abraçou e tratou com afeto. Isso se tornou um exemplo do que a Lou espera ser para as pessoas, ela acha que isso é lidar com amor sobre as coisas, e também fala sobre o acolhimento que ela espera ter mesmo nos momentos mais delicados. ↓ rolar para baixo ↓ Thayane Louise
- ilscrgo
9657
- Inara e Marina | Documentadas
A documentação da história da Inara e da Marina veio a acontecer com uma pressa maior que a da maioria dos casais que passam pelo Documentadas, mas por um motivo bastante especial: elas se inscreveram sabendo que, no próximo mês, já não estariam mais morando no Brasil. As duas decidiram começar uma nova vida em Portugal. No começo do namoro era uma brincadeira boba de usar a dupla cidadania da Nina, mas depois virou um sonho concreto. Casaram-se e começaram a organizar como seria a nova vida. Nos encontramos no momento de venda de todos os objetos que elas possuem por aqui e, agora, com a história no ar, elas já estão começando os primeiros passos no novo país. Durante a conversa, elas relembram que quando a Inara foi apresentar a Nina para as melhores amigas dela, comentou algo que nunca tinha falado sobre nenhuma outra pessoa com quem se relacionou: “Anotem aí! Eu vou casar com essa mulher!”. No casamento, essas amigas eram as madrinhas. Assim, elas falam sobre o poder das palavras, do querer estar junto de alguém e, de alguma forma, do curso da vida. Inara e Nina se conheceram naquele aplicativo de relacionamentos super citado por aqui, o Tinder. Elas deram match e conversaram, depois sumiram, voltaram, sumiram de novo… A conversa não saiu de lá. Falavam sobre trabalho, família, diversos assuntos nessas idas e vindas, e foi num dia que a Nina cansou do aplicativo e decidiu sair de forma definitiva que avisou a Inara e pediu o Instagram, para que elas mantivessem o contato e se encontrassem em algum momento. Esse momento chegou, ainda que demorou mais um tanto - o encontro foi ótimo. Na época elas estavam em momentos bem diferentes… a Nina saía de um relacionamento bastante abusivo, a Inara estava numa solteirice contínua do qual ficava com várias pessoas, mas sentia que não se aprofundava com ninguém - e calhou de na época conversar com uma amiga (que, futuramente, viria a dividir apartamento com elas por anos) sobre essa sensação de fazer encontros à troco de nada. A amiga aconselhou a desmarcar o encontro, mas a Inara disse que não tinha como desmarcar, que seria desrespeitoso porque a Nina parecia ser muito legal, era melhor ir e ver no que iria dar - Ela disse: “de qualquer forma, vai ser o último”. E, por fim, foi. Essa história de dividirem apartamento surgiu logo depois, quando a Nina pediu a Inara em namoro elas já estavam praticamente indo morar juntas. O contrato estava por vencer e elas iriam se mudar. Até poderiam ir para o apartamento da Inara, que tinha uma vista ótima, ou optar pelo da Nina, que era grande, mas preferiram alugar um novo, recomeçar. Não queriam lugares que tivessem vivido outras histórias e outras dores. Assim, a amiga da Inara também estava em busca de apartamento e elas foram dividir um imóvel na Lapa, no centro do Rio de Janeiro. Elas contam que mesmo morando juntas, mantinham cada uma o seu quarto, até porque tudo estava muito no início quando alugaram e não sabia o que poderia dar certo. Acabou que juntas, com a companhia da amiga, no apartamento enfrentaram toda a pandemia, compartilharam diversas histórias e viveram muitas coisas. A amiga, por sua vez, confessou no casamento que não chegou nem a desabilitar o aplicativo do Zap Imóveis do celular, imaginando que no começo, pós mudança, elas brigariam, se separaríam, e ela quem teria que arranjar um novo lar. Mas a verdade é que isso não passava na cabeça delas, tinham uma responsabilidade em mãos e queriam estar juntas. Da mesma forma que um apartamento novo significava viver um recomeço, a viagem e a mudança para Portugal significava outro. Não está sendo fácil vender absolutamente tudo, desapegar das coisas que foram compradas e conquistadas ao longo dos anos. Mas é um esforço em conjunto para entender que isso abre caminhos para novas experiências. Elas contam que é uma possibilidade maravilhosa pensar em ter Portugal completamente do zero. Comprar coisas novas, mobiliar com a cara delas o novo lar, construir tudo novamente. É excitante, também, pensar na segurança de viver fora do Brasil. Hoje, viver no Rio de Janeiro, pela concepção delas, está muito difícil. Recentemente passaram por assaltos e criaram medos e traumas de vivenciar a rua. Pensam em viver Portugal por retomar o que amavam fazer aqui e que abdicaram pela violência: andar de bicicleta, curtir a cidade, sair sem medo do que pode acontecer a qualquer momento. Inara explica o quanto isso também dialoga com o trabalho dela, que é explorar o lado criativo: vai ser muito feliz podendo fotografar a rua, usar o celular, filmar mais em vias públicas e produzir mais conteúdos. Inara tem 39 anos, é natural do Rio Grande do Sul, mas desde criança se mudou para o Rio de Janeiro com a família. Ela trabalha com fotografia. Marina tem 39 anos, é natural do Rio de Janeiro e trabalha num site de música digital, sendo head de operações. No período da pandemia agravado pela quarentena, elas viveram momentos muito difíceis e também momentos muito bonitos (como o pedido de noivado e, posteriormente, o casamento). Foi logo no começo, quando ninguém sabia o que era a doença do Covid-19 e que havia-se um sentimento generalizado de luto, de desespero e de incerteza, que no dia do aniversário da Inara, elas juntaram os amigos online e a Nina fez o pedido de casamento. Foi como um sopro de esperança brotando: ver os amigos ali, através de uma vídeo chamada, e sentir que um dia estariam todos juntos novamente na festa, inclusive alguns com seus filhos (pois crianças estavam sendo geradas) era como brotar esperança em meio àquele caos. O casamento de fato aconteceu, cheio de detalhes sobre o que elas gostavam, como sapinhas nos buquês, tudo de mais clássico e que representava elas verdadeiramente. O casamento também inspirou amigos LGBTs próximos a se casarem. Entre os momentos mais delicados que uma relação envolve, como estar uma para a outra passando por coisas difíceis, enfrentando lado a lado e estando juntas de verdade, a Inara viveu uma cena, como ela mesmo diz, de novela, que foi bastante dolorida e que não saberia ter passado por isso sem todo o apoio da Nina. Reencontrou sua mãe depois de muitos anos sem contato, porém, ela estando em um leito de UTI, na fase terminal de um câncer. Foram algumas semanas de contato direto, apoio, em meio às ondas muito fortes de Covid-19 e, mesmo assim, as duas fazendo o possível acreditando com todas as forças que teria algum jeito dela melhorar. A Inara e a Nina acreditam muito no amor em forma de cuidado, em observar a necessidade do outro para além da sua. Isso, na relação delas, está desde os detalhes como a comida preferida da Inara ser o pão com mortadela que a Nina prepara nas manhãs, ou a força que elas tiveram nesses momentos mais difíceis. A Inara nunca tinha conhecido um amor que proporcionasse tanto apoio como quando elas passaram por isso - e, não só pela parte mais técnica e burocrática que sabemos que esses momentos infelizmente impõem - mas pela dor, também. Receber o acolhimento de uma forma que nem sabia que era possível tê-lo. Um cuidado realmente saudável, um amor único - e também calmo. A mãe da Nina, por sua vez, respeita as duas mas ainda não entende o relacionamento delas enquanto uma relação amorosa, de fato. Elas compreendem que isso é por motivos religiosos que são colocados acima de tudo e que, com o tempo, vai se apaziguando da melhor forma. < ↓ rolar para baixo ↓ Marina Inara
- Mariana e Marie | Documentadas
Conheci e documentei a Mariana e a Marie numa ida muito breve até Campo Grande, Mato Grosso do Sul, no fim de dezembro de 2021. Não prevíamos a ida, quem dirá o encontro, mas estávamos em contato antes mesmo do Documentadas inaugurar, desde fevereiro do mesmo ano, quando comecei algumas movimentações na internet sobre o lançamento do projeto e elas entraram em contato comigo porque gostariam de se inscrever. De pronto, pensei: “Nunca fui ao Mato Grosso do Sul e não vejo como ir agora, acho bem difícil acontecer", eis que elas estiveram no Rio de Janeiro e mesmo assim não conseguimos nos encontrar… tudo desandou, mas se encontrou de novo: foi no Parque das Nações Indígenas, numa tarde típica, entre calor, sol e chuva, muitas araras e boas conversas, que fizemos a nossa documentação. Por mais que esse encontro realmente tenha acontecido no Mato Grosso do Sul, a verdade é que nem a Mariana, nem a Marie são de lá. Mariana tem 28 anos, é do Rio de Janeiro mas mora lá, ou melhor, mora em Sidrolândia, interior do estado. Já a Marie é de Fortaleza, mas está em Campo Grande há cerca de 6 anos, entre estudos e trabalho. Marie faz diversas brincadeiras por ter um estilo surfista e por não ter mar em Campo Grande, então elas contam que a relação é cheia de sonhos - esses, possíveis de alcançar: morar em um lugar confortável litorâneo, ter uma casa para elas estarem com a husky que adotaram, fazerem novos amigos, vivenciar o amor que acreditam ser compartilhado na relação que elas constroem diariamente. Com o começo da pandemia, a Mari e a Marie se viram em uma situação que não imaginavam viver antes: pela Mari ser servidora pública estadual, ela passou a trabalhar de home office e a Marie também, sendo assim, elas ficaram juntas em casa durante todo o período de isolamento. Este período fez com que muitas coisas fossem repensadas. Foi como um período teste para saber se elas dariam certo morando juntas, claro, porque nem todo mundo dá certo (e tá tudo bem!), mas o repensar foi sobre um futuro mais distante. Elas nunca tinham pensado, por exemplo, sobre o envelhecimento. Marie conta que foi um processo sobre se entender e entender a Mari enquanto uma companheira de vida, foi morando junto com ela neste período que ela percebeu que queria envelhecer junto, ter essa companhia, não se ver mais sozinha como se via anteriormente… Com o passar dos meses, foram amadurecendo essa ideia. Hoje, comentam sobre o casamento e, por mais que a Mari trabalhe em outra cidade e que isto não permita morarem na mesma casa, nada é fixo. Estão sempre dispostas a mudar ou a melhorar a rotina da forma que podem. Por mais que as duas fizeram a mesma faculdade, de Direito, em Campo Grande, não foi no curso que se conheceram. Na verdade, há algumas versões disso - ou melhor, elas foram se conhecendo por etapas. Quando pergunto se alguma delas possui algum hobbie, a Mari conta, rindo, que o grande hobbie da Marie é fazer o ENEM. A graça por trás disso é que a Marie fez o ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) por muitos anos, assim, por fazer, mesmo já estando na graduação e foi numa dessas provas que a Mari era fiscal e elas caíram na mesma sala. A Marie achou a Mari muito bonita e notou que ela estava usando o moletom do curso de Direito e, como fazia parte do curso também, foi pesquisar nos grupos do Facebook até achar o perfil dela. O que ela não imaginava é que justamente naquela época a Mari tinha dado um tempo das redes sociais e desativado o perfil do Facebook, então não apareceria mais nesses grupos, ou seja, a Marie não encontrou e desistiu. Um tempo depois, Marie voltou a treinar muitos esportes (rugby, polo aquático, handebol…) e participou de um grupo de meninas que jogavam. Nesse grupo, perguntou se alguém era da mesma região que ela, para conseguir companhia na ida-volta ou até mesmo uma carona e a Mari respondeu, quando encontrou ela pessoalmente viu quem era e ficou chocada, logo pensou “Eita, é a menina do ENEM!! A Mariana não deu muito papo no começo. Ao menos, não na versão da Marie. Ela tentou puxar alguns assuntos em vão e até adicionou no Instagram, mas ela não aceitou, nem chegou a ver a solicitação. Meses depois ela viu a solicitação, aceitou e quando começou a aparecer no Instagram da Marie, ela logo puxou um assunto respondendo um storie. O que, obviamente, a Mari não interpretou como um flerte. Foi preciso continuarem conversando e desenrolando assuntos até que as coisas foram acontecendo. Ah, e um detalhe importante! Claro que a Mari lembrava que conhecia a Marie de algum lugar, antes do esporte, mas nunca do ENEM. Ela até perguntou aos amigos, se alguém conhecia ela, se já tinham ido a algum evento em comum… mas ninguém sabia dizer. Durante a conversa o mistério foi desvendado e ela lembrou de tudo. Um tempo depois de conversarem pelo Instagram, elas se encontraram pessoalmente e tudo começou a fluir muito bem. Nessa época, a Marie ficou um pouco receosa, pois vivia um pós término em que ainda morava/dividia apartamento com a ex namorada, por questões de estarem se organizando com as contas. Elas moravam juntas antes do término e eram mulheres que não tinham base familiar na cidade de Campo Grande, então era difícil sair de casa sem ter para onde ir tão repentinamente. Precisava-se de um tempo para achar um novo imóvel, assumir os gastos, etc. Falar tudo isso pode ser delicado para alguém que está começando a conhecer, ainda mais no caso dela e da Mari, que demorou tanto para finalmente acontecer e que ela estava se sentindo tão envolvida… Então ela sentiu um pouco de medo da Mari desconfiar ou achar que isso fosse um papo sobre uma relação que não tivesse realmente acabado. Foi com um diálogo muito aberto e sincero que conseguiu falar sobre isso e estabelecer uma confiança legal sobre o que estava acontecendo. A Mari acompanhou o processo e tudo acabou sendo tranquilo, a mudança aconteceu no tempo que tinha para acontecer e sem desconfianças, enquanto as duas se conheciam melhor também. A Mari comenta que, para ela, amar é o que move as relações - e o que aproxima os seres humanos. Ela já teve relacionamentos com homens e mulheres e pela dificuldade que sentiu na identificação da última vez que tentou se relacionar com um homem, acabou entendendo que a relação entre mulheres envolve uma desconstrução muito maior. Mas que o amor está/atinge à todos - envolve empatia no dia a dia e no convívio. Marie conta as relações da identificação dela com o amor… Como ela foi aprendendo isso na vida e a ler essas interpretações - ela explica que, por muito tempo, buscou parâmetros de amor que não viveu. Pela vivência com a mãe não envolver um afeto físico, nunca entendia o motivo exato disso, até que com essas leituras passou a entender as vivências da mãe, fazer recortes, ter consciência de classe, raça, ler detalhes dentro da história de uma mulher. Ela diz que: “Mesmo com esses recortes, têm coisas - como o amor - que a gente não precisa abrir uma enciclopédia para explicar… uma mulher sabe amar a outra porque isso naturalmente acontece.” Marie Mariana
- Tânia e Clarissa | Documentadas
Queria contar a história da Tânia e da Clarissa (e do Gael, claro) de uma forma que tudo se completasse, porque a vida delas acontece assim. Diversas vezes, desde que nos encontramos em São Paulo - cidade em que elas nasceram e moram com o Gael - falamos no sentimento que existe sobre a vida tê-las preparado para a chegada dele. E isso não significa que ter um filho e educar uma criança de forma inclusiva é tarefa fácil ou, que nesse caso, venha com receita pronta, mas que elas estavam de braços abertos e muito dispostas para receber tudo o que aprendem e compartilham diariamente. A forma de começar a contar essa história vai ser pelas fotos porque escolhemos fazê-las num local muito especial, um café, localizado no bairro da Mooca. Esse café foi a Tânia quem pintou, com giz de cera, cada uma das paredes. Quando ela pintou, não imaginava que adotaria o Gael, mas já estava com o processo de adoção bastante avançado no fórum e tinha feito uns murais na escola em que trabalhava, quando o dono do café foi matricular a filha, os viu e decidiu contratá-la; foram dez dias de muitos desenhos nas paredes… mas um desenho em especial, de frente para a cozinha, era o preferido do casal (e também da Tânia!): uma menina no balanço, lendo um livro. Enquanto pintava, Tânia resolveu perguntar o motivo deles terem gostado tanto do desenho e a resposta foi que remetia à uma criança com síndrome de down (a esposa do dono do café é fisioterapeuta e tem essa especialização). A menina, com seus dedinhos curtos, segurando o livro, de olhinho puxado… remetia a eles e trazia algo tão bom. Enquanto para a Tânia, pelo vestido fazendo um contorno circular longo, via logo um barrigão, não pensava na criança, mas numa gestação. Não sabia ela que exatamente naquele dia da pintura, em um estado vizinho, o Gael nascia. As fotos da Tânia e da Clarissa, junto ao Gael, hoje em dia com dois anos, saudável, sorridente, muito inteligente e simpático, conversam com cada uma das pinturas do café. E é muito incrível ver como, de todas as formas, elas estavam esperando por ele. A Clarissa tem 37 anos, é bancária, adora mexer com plantas, reviver plantas, replantar e cultivar. Ela também toca violão e canta (gravou em estúdio a música para a Tânia entrar no casamento! Olha que incrível!). Ela adora esses detalhes, trata-os com muita atenção e carinho. A Tânia tem 43 anos, é historiadora e pedagoga, brinca que é artista plástica autodidata, porque dá aula de artes e de pintura há muitos anos também. Antes dos murais, ela nunca tinha pintado usando giz de cera, sua especialidade era tecido e madeira. A história do giz começou por uma reforma na escola e pela falta de dinheiro para comprar materiais para a pintura acontecer, então ela viu que tinha muito giz e pensou que poderiam inventar algo novo. Enquanto a história dos tecidos, essa vêm de longa data: ela já apresentou até programa na TV ensinando outras pessoas a pintarem seus próprios tecidos em casa. A Tânia e a Clarissa são mulheres muito atenciosas e logo que você chega é completamente impossível não se contagiar pela energia delas. São pessoas que se movem por afeto e contam histórias de vezes que já comemoraram datas com violinistas, de votos de amor que fazem por aí, das aventuras de anos casadas… são muitas risadas que vamos trocando ao longo das conversas, porque mesmo que os assuntos não sejam tão fáceis ou que existam os perrengues, fica claro o tempo todo que elas querem fazer o bem. Por fazer o bem que elas se conheceram, inclusive. Foi num grupo de Whatsapp onde LGBTs se reuniam para promover doações que quebravam o preconceito. Infelizmente ainda existe um olhar para nós de que só queremos festas, coisas vistas como “libertinagens” e não levamos nada à sério (e tudo bem querer festa, viu gente?), mas para quebrar essa ideia tão retrógrada esse grupo se uniu visitando lares de idosos, praticando doações, distribuindo coisas, etc. A Clarissa se interessou pela Tânia, chamou ela no Whatsapp e passaram quatro horas conversando. Marcaram de sair e foram ao teatro, já que ambas amam teatro. E, dessas saídas ao teatro, já se passaram mais de 8 anos, né? Cá estamos. Depois que elas se conheceram, se apaixonaram e namoraram por um tempo, resolveram morar juntas. A Tânia já tinha dois filhos maiores de vinte anos e isso fez com que fosse ainda mais difícil para a mãe da Clarissa a aceitação do relacionamento, portanto elas passaram o primeiro um ano e meio sem contato direto com as famílias. Mas não foi por falta de tentativa, não, viu? Tânia tentou, mandou e-mails, fez o que estava ao seu alcance, mas não conseguiu. Depois de um tempo, o irmão da Clarissa começou a namorar e foi apresentar a namorada, então elas resolveram dar um basta: só iremos se a Tânia puder ser apresentada também. Ok, baixamos a guarda. A Tânia foi convidada. E ela? Viveu um dia de gala! Foi ao salão, comprou até roupa nova para a ocasião. Deu tudo certo, todos se deram bem. O mais curioso é que a mãe da Clarissa e a Tânia se parecem muito, não só no jeito, mas ambas são professoras e artistas, então a mãe sempre soube quem era a Tânia por ver ela na TV, mas não dava o braço a torcer. Depois, quando se conheceram e se deram bem, tudo foi ficando mais tranquilo, mas levou muito tempo para que elas não se sentissem mais pisando em ovos. Desde o começo a adoção sempre estava em pensamento, por ser um sonho de muitos anos da Tânia. A Clarissa adorava a ideia, mas ambas achavam muito cedo. Deixaram a hipótese ao futuro, para amadurecer depois do casamento. Quando o casamento chegou, a notícia foi dada num almoço de família, depois de três anos juntas. A mãe da Clarisse perguntou “Mas por que vocês vão casar? Se já moram juntas há três anos?!” e ela respondeu: “Por que a senhora casou? Então. A motivação é a mesma.” = aí, ninguém argumentou mais nada. Sobre o casamento, o assunto já estava vencido, mas ainda sentia-se uma dor porque tiveram pouquíssima participação familiar no envolvimento em si… pouco perguntava-se sobre o evento, elas organizaram tudo sozinhas, cada detalhe, e foi difícil lidar com esse sentimento de solidão. Na data da festa, o pai da Clarissa entrou com ela e foi muito receptivo com os convidados, enquanto a mãe ficou mais reclusa. Recordam que a cerimonialista falou coisas muito profundas e importantes sobre o amor e sobre quem nós somos, e citam que isso despertou uma mudança comportamental na forma que a mãe da Clarissa vê o relacionamento das duas, portanto, valeu sim, muito a pena. Em relação à adoção, elas contaram da mesma forma que o casamento: o irmão da Clarissa ajudou e elas organizaram uma pizza entre a família para dar a notícia. No começo, o maior medo que surgiu foi em relação ao processo, como seria, e de certa forma sobre alguns preconceitos que envolvem a adoção, como “Como será que vai ser quando a criança crescer? / E se ele/ela quiser procurar a família biológica? / etc”, além disso, existia um pensamento sobre a Clarissa nunca ter filhos pelo o que ela representa socialmente, uma mulher que não se mostra feminina, não encaixa num padrão socialmente colocado que desde criança não mostrava brincar de bonecas e nem ser muito materna… [E justamente nesse momento nos surge a dúvida: Por que isto vira um debate quando a Clarissa anuncia o desejo de adoção e nunca vira um debate em famílias no momento em que os homens contam que vão ser pais? Nunca um homem é cobrado sua paternidade, já para nós, mulheres, sempre nos é cobrada uma posição materna e se não temos uma boneca em casa nos é descartada a possibilidade ao crescer. Ainda bem que Clarissa seguiu o sonho porque hoje em dia ela é uma mãezona!] Enfim, o sentimento que os familiares ficaram foi de: quando acontecer, a gente vê. Foi então que elas entraram com os papéis no fórum e acompanharam mensalmente os encontros em grupo sobre adoção. Depois de um ano, os pais (avós do Gael) estiveram também nesses encontros, o que foi muito legal porque mudou bastante a visão sobre a adoção, e lá foram reaprendendo formas de enxergar e de se preparar para recebê-lo da melhor forma possível. Depois de um ano e meio elas estavam aptas a entrar num grupo de busca ativa por crianças para adoção. Lá, chegaram a tentar uma criança, enviaram os documentos, mas não tiveram retorno judicial (em agosto de 2019), então voltaram à busca. Em novembro, dia 20, de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, elas estavam em uma peça de teatro (olha aí, o primeiro date voltando à tona), e quando pegaram o celular para fotografar um momento da peça porque Tânia queria mostrar aos alunos na escola, viram no Whatsapp a foto do Gael. Tânia, em lágrimas, conta que sentiu o coração palpitar muito forte e só conseguiu dizer: é o meu filho! A informação que tinham era de que o Gael não estava em São Paulo e que era um neném com síndrome de down, possuindo também uma bolsa de colostomia. Elas nunca tinham pensado na hipótese da síndrome de down porque não existia essa opção no questionário que responderam, mas na mesma hora não havia mais dúvidas, apenas a certeza que o Gael era o filho que elas estavam buscando. A Clarissa brinca que não conseguiram mais nem ver a peça, choravam e ela tentava conversar para acalmar e ser um pouquinho mais pé no chão, saber se era isso mesmo que elas queriam, mas ambas estavam muito emocionadas. Ao fim, foram para o estacionamento, conversaram e ligaram para a filha da Tânia. Na hora que ela viu a foto, não deu nem tempo, só disse “Mãe, é ele, né??? É o meu irmão! Pega ele! A gente estimula ele, mãe!! Vai dar certo!”, naquele momento tudo foi se encaixando, a filha dela trabalha com crianças que possuem síndrome de down e na época auxiliava 6 crianças numa escola. Em seguida, ligaram para o filho, que também apoiou. Foi o bastante: deram o sim para a assistente social. Os dias seguintes se resumiram em pura ansiedade. Enviaram os documentos e o processo demorou mais de uma semana, passaram por entrevistas, por assistentes sociais… Tânia estava tão ansiosa que resolveu ir até a casa de duas amigas mais velhas, maiores de 80 anos, cujo ela apelida de yabás. Elas falaram: “Calma que ele é teu, ele já vem”. Foi quando ela chegou em casa que recebeu a ligação do fórum e falaram: chegamos à conclusão de que não existem mães melhores para ele do que vocês duas. Compraram as passagens aéreas, alugaram airbnb, marcaram audiência e o mais rápido possível foram conhecê-lo. Conversaram muito com as assistentes, com o fórum, afinal, tudo precisa ser minimamente acertado. A família (como um todo) ainda não sabia, porque o medo de não dar certo era grande, deixaram para contar quando já estivessem lá. E finalmente chegou o momento aprovado de conhecê-lo: lá estava o Gael, neném pequenino, gordinho, com os olhos super curiosos, acompanhado de uma sacolinha de plástico com suas roupas. Elas foram com ele até o apartamento onde estavam hospedadas. Todos estavam enviando mil mensagens para o celular, mas fizeram chamada de vídeo com a filha da Tânia. Gael, quando a viu, abriu um sorrisão. Foi o primeiro sorriso dele, como se já a conhecesse. Ele foi muito bem recebido por todos na família e é uma criança muito amada. Elas afirmam: “Ele nos ensina coisas que nenhuma faculdade ensinaria, nenhum curso”. A vida gira em torno do Gael, que ao todo faz 6 terapias, hidro, fono, fisio, uma rotina intensa! É sempre de sorriso no rosto! E vai melhorando a cada dia. Hoje ele já não usa mais a bolsa de colostomia, passou pela cirurgia e correu tudo bem! Falamos sobre a importância de darmos valor aos pequenos grandiosos acontecimentos ao nosso redor, como as necessidades fisiológicas diárias. E tudo o que isso nos ensina. Nesse momento, a Tânia conta que no dia do casamento elas fizeram votos falando sobre o quanto são pessoas melhores depois que se conheceram… mas que depois do Gael, elas sentem que são pessoas que nem imaginavam conhecer/e ser. Sentem que vão sair dessa vida muito melhores. Hoje, também, depois de tantos anos, ambas famílias se dão super bem. No mais, elas mantém o Instagram do Gael, para falar sobre educação inclusiva, famílias homoafetivas e crianças com síndrome de down. O @ é @gael.t21 a palavra está com elas Acreditamos que o amor supera tudo, nele não tem raiva, não tem inveja, não tem maldade. Eu (Tânia) vivi uma situação que me lembra do amor. Foi com a minha sogra. Ela é muito parecida comigo e um dia eu fui viajar para o interior sozinha à trabalho. Por mais que eu já namorasse a Clarissa há anos e já conversasse com a minha sogra, ela nunca tinha falado comigo no Whatsapp, mas nesse dia, especificamente, ela me mandou uma mensagem perguntando se eu cheguei bem. Ou seja, ela ficou preocupada, né? Me surpreendeu e eu agradeci. Aí ela disse que, ah, era assim mesmo, “com o tempo ela ia vendo como são as coisas”... e eu disse que o amor é só isso, mesmo, mas que amor também é tudo isso. É essa coisa que une, que move, que faz com que a gente se preocupe e que faz passar por esses desafios. Nós,mulheres, amarmos outras mulheres, nos faz passar por muitas coisas e muitos desafios, então o amor surpreende e fica muito latente. Mas nem sempre a gente sabe como demonstrar, então é importante saber ler também. E o Gael estar numa família homoafetiva é maravilhoso porque já passamos por tantas coisas que ele será completamente acolhido aqui, voltamos a realmente aquele ponto: nos preparamos a vida toda pra isso. post Começou 2022! Precisamos começar o ano fazendo todos vibrarem com uma das maiores histórias que já tivemos o prazer de documentar, então, preparou o lencinho? Chegou a hora. Aproveitem ♥ Queria contar a história da Tânia e da Clarissa (e do Gael, claro) de uma forma que tudo se completasse, porque a vida delas acontece assim. Diversas vezes, desde que nos encontramos em São Paulo - cidade em que elas nasceram e moram com o Gael - falamos no sentimento que existe sobre a vida tê-las preparado para a chegada dele. E isso não significa que ter um filho e educar uma criança de forma inclusiva é tarefa fácil ou, que nesse caso, venha com receita pronta, mas que elas estavam de braços abertos e muito dispostas para receber tudo o que aprendem e compartilham diariamente. A forma de começar a contar essa história vai ser pelas fotos porque escolhemos fazê-las num local muito especial, um café, localizado no bairro da Mooca. Esse café foi a Tânia quem pintou, com giz de cera, cada uma das paredes. Quando ela pintou, não imaginava que adotaria o Gael, mas já estava com o processo de adoção bastante avançado no fórum e tinha feito uns murais na escola em que trabalhava, quando o dono do café foi matricular a filha, os viu e decidiu contratá-la; foram dez dias de muitos desenhos nas paredes… mas um desenho em especial, de frente para a cozinha, era o preferido do casal (e também da Tânia!): uma menina no balanço, lendo um livro. Enquanto pintava, Tânia resolveu perguntar o motivo deles terem gostado tanto do desenho e a resposta foi que remetia à uma criança com síndrome de down (a esposa do dono do café é fisioterapeuta e tem essa especialização). A menina, com seus dedinhos curtos, segurando o livro, de olhinho puxado… remetia a eles e trazia algo tão bom. Enquanto para a Tânia, pelo vestido fazendo um contorno circular longo, via logo um barrigão, não pensava na criança, mas numa gestação. Não sabia ela que exatamente naquele dia da pintura, em um estado vizinho, o Gael nascia. As fotos da Tânia e da Clarissa, junto ao Gael, hoje em dia com dois anos, saudável, sorridente, muito inteligente e simpático, conversam com cada uma das pinturas do café. E é muito incrível ver como, de todas as formas, elas estavam esperando por ele. A história completa está no nosso site! O caminho até lá você já sabe, né? O link tá na bio!
- Vivi e Darlene | Documentadas
Documentei a Vivi e a Darlene na casa delas, em Camaçari, região metropolitana de Salvador. Casa de número 13, assim como os anos de relacionamento que se completaram em 2023 e uma numerologia bastante presente. Foi entre uma longa conversa sobre a vida, a política, a pandemia e os carinhos dados ao Cazuza, o filhote canino que acompanha elas há dois anos, que me contaram um pouquinho sobre essa construção que vivem dentro do relacionamento. Relembram como eram diferentes no começo da relação e o quanto são felizes pelas mudanças que já viveram - Vivi era muito mais fechada, sente que até a postura era diferente, um tanto quanto travada. Hoje em dia, mesmo que quando conheça alguém ainda se sinta tímida, consegue se soltar e relaxar os ombros, ser ela mesma… Conta que até no próprio trabalho, por ser um ambiente majoritariamente masculino, conseguiu mudar de postura e se posicionar. Darlene reconhece que viver esse processo com ela foi um reconhecimento sobre si próprio muito grandioso e que amar também é respeitar, observar as individualidades e os pensamentos. Vivi conta que nunca imaginou viver um relacionamento tão duradouro - no começo era uma paixão louca, depois se tornou um companheirismo, aprenderam a respeitar limites, individualidades… e hoje em dia entendem suas rotinas de formas separadas, mesmo que conversem e compartilhem muito, desejam estar juntas. O que antes ela não imaginava viver, hoje não se vê vivendo sem. Viviane, no momento da documentação, estava com 47 anos. Ela trabalha com instrumentação industrial, com consultoria técnica e vendas. Atende o estado da Bahia, Sergipe e possui o foco na região do polo petroquímico. Conta o quanto sempre se viu nessa profissão majoritariamente masculina, e que começou sem nem escolher a área de exatas, mas pela necessidade de cursar algo e o curso técnico ser gratuito. A própria ausência de um curso superior no currículo a deixava muito insegura em relação às outras pessoas (inclusive à Darlene, que possui duas faculdades e sempre foi muito cobrada aos estudos pela família), então depois de um tempo resolveu cursar algo que realmente gostava e se formou em História, descobrindo uma grande paixão pela história da América Latina. Mesmo com a formação, segue trabalhando na empresa, já com um bom cargo dado em razão ao mérito. Darlene, no momento da documentação, estava com 37 anos. Ela se formou e trabalhou por muito tempo com secretariado executivo, mas não se sentia valorizada o bastante na profissão. Hoje em dia é esteticista, profissão cujo surgiu de um jeito aleatório e engraçado, segundo elas. Estavam num daqueles sites de compras coletivas (como o Peixe Urbano, Groupon…) e compraram uma limpeza de pele. Darlene foi fazer primeiro e saiu de lá com o rosto completamente inchado, o procedimento certamente tinha dado errado. Resolveu pesquisar sobre o valor que tinha sido cobrado, viu que era realmente muito inferior ao mercado e pesquisou cursos de esteticista. Foi assim que chegou até a faculdade e a profissão que possui hoje. Na época em que começou a atender, Darlene ainda trabalhava com carteira assinada e ao sair do trabalho às 18h ia atender seus clientes, porém, a demanda na área da estética ficou muito maior que o esperado e acabou saindo do emprego e trabalhando de forma autônoma. Deu muito certo, conseguiu se manter assim por bastante tempo, até que a pandemia de Covid-19 chegou. Infelizmente, na pandemia perdeu boa parte do investimento feito nos produtos pelo tempo que ficou em casa e por terem um prazo de validade limitado. Isso a deixou muito triste com o passar do tempo, por mais que tentasse se restabelecer de todas as formas. Hoje em dia, segue tentando manter seus clientes e fazer seu trabalho de esteticista, mesmo que as marcas da pandemia ainda apareçam de vez em quando. Elas contam como a pandemia foi algo muito marcante na rotina de casal que viveram. O começo enfrentaram bem, transformaram a casa quase que em uma academia e toda a ansiedade ou empolgação virava motivo de treino. Focaram, malharam, pensaram que tudo poderia passar logo. Foram tentando se manter bem durante todo o ano de 2020 e o começo de 2021… Mas, entre 2021 e 2022 sentem que as coisas foram desandando. Passaram por mudanças, apertos financeiros por conta de não conseguir voltar ao mercado de trabalho, foi realmente muito difícil. Sentem que se não fosse a conversa, não conseguiriam passar pelos problemas. Tem dias que sentem a necessidade de estar distante, enquanto outros dias o grude é demais - e são nesses momentos que entendem a base que construíram: sólida e resistente a tudo. Vivi trabalha há muitos anos de home office, então comenta o quanto notou uma diferença significativa após 2020. Por mais que não frequentem tanto Salvador, a mudança vem dos espaços de casa em si, o condomínio onde moram, as ruas da cidade…Antes durante a semana as casas eram vazias e não eram tão pensadas no nosso bem-estar, enquanto hoje mesmo durante semana são mais movimentadas, melhor pensadas e investidas. Foi em 2010, quando a Darlene foi assaltada e avisou os contatos por e-mail que estava sem celular, que ela e a Vivi conversaram de fato pela primeira vez. Ela recebeu uma resposta super solícita e solidária, falando dos medos de assalto, e entendeu que a Vivi era moderadora de uma comunidade no Orkut chamada “Beco dos Artistas”, um espaço LGBT super badalado na época, mas não eram próximas. A partir de então, começaram a trocar e-mails, MSN e conversavam quase diariamente. Na época, Vivi tinha acabado de sair de uma relação e Darlene ainda estava em uma, então não foi nada fácil, o futuro era totalmente incerto. Elas estavam ansiosas e marcaram de se encontrar. Na madrugada anterior, conversaram até o dia amanhecer. O primeiro beijo aconteceu de forma mágica, no trânsito enquanto o semáforo estava fechado, também passaram um tempo tomando açaí e conversando muito. Na semana seguinte era aniversário da Darlene e a Vivi deu um sapo de pelúcia para ela (que tem até hoje!) e, mesmo de forma complicada no início, com os términos dos antigos relacionamentos, começaram a namorar. Viveram vários processos, chegaram a se separar no começo, para voltar e nunca mais desgrudar. Vivi conta que era muito ciumenta e aos poucos foi entendendo que não deveria ser assim, que vem de uma criação muito diferente (por ter se assumido nos anos 90, ser tratada como doença, ter que ir à psicólogos e passar por muitos preconceitos) e que agora as coisas poderiam ser diferentes. Explica que aprendeu a pensar mais no amanhã e que a relação trouxe uma virada de chave, outra visão sobre as coisas e sobre a vida. Atualmente, amam os detalhes da vida de casal. Desde o quanto são diferentes ao ponto de se a Darlene não marca os médicos, a Vivi não vai. Até o quanto uma aprenderam a lidar com o mau-humor matinal da outra. Sentem que tudo faz parte da rotina da vida que formam juntas. ↓ rolar para baixo ↓ Viviane Darlene
- Ane e Ari | Documentadas
O encontro da Anelise, da Ariana e dos gêmeos Liz e Lucca com o Documentadas aconteceu num momento bem inicial da vida dos pequenos, antes mesmo de completarem 4 meses, num parque em São Paulo. Com entusiasmo, elas contam sobre como tem sido a vivência inicial da maternidade em dupla e como já ouviram diversas vezes as pessoas falando sobre os dois serem sortudos em ter duas mães. A partir do que vivem agora perceberam que qualquer mãe em um relacionamento heterossexual passa a ser uma mãe solo pelas necessidades básicas que enfrenta, muitas vezes sozinha/sem apoio para dividir intimidades - precisa fazer xixi, tem diversas questões com o corpo (a amamentação, o pós parto) - e como é diferente positivamente compartilhar isso com outra mulher na dupla maternidade, não é algo solitário. Também compartilham medos e situações inesperadas, como as primeiras noites, os choros e os momentos difíceis. Sabem que podem contar uma com a outra. Entendem que querem proporcionar coisas diferentes para as crianças, coisas que as famílias héteros talvez não precisem se preocupar porque não precisaram passar pelos desafios que passamos. Querem criar crianças conscientes. Ari comenta que viver a maternidade sem vincular à política é quase impossível, principalmente porque a fertilização de casais homoafetivos pelo SUS não é possível, o acolhimento do sistema único de saúde precisa melhorar, precisamos de representatividade, desde fisioterapia para a gestante até enfermeira que fale sobre amamentação. Ane completa que só está ali hoje porque brigou muito pela licença maternidade, mas que não deveria brigar, e sim ser lei, para então termos maneiras mais justas de vivenciarmos nossas formas de amor. Ane e Ari se conheceram em 2016. Ane sempre foi festeira, morava próximo à Av. Paulista e tinha uma vida agitada. Ari terminava a residência médica. No meio da semana, num feriado, Ane foi ao show da Preta Gil e Ane trabalhava no Hospital da Santa Casa, quando se cruzaram num aplicativo de relacionamento que funciona pela distância física (quando as pessoas passam uma pela outra em lugares próximos, elas aparecem no aplicativo). No dia seguinte, Ane acordou de ressaca e viu a Ariana no aplicativo. Deu um superlike, assim, apareceria logo que a Ari abrisse o app. Acabaram dando match - e afirmam que se não fosse essa “chamada de atenção”, provavelmente não teria rolado, já que Ari nem dava bola para os aplicativos (e nunca tinha saído com alguém assim). Decidiram sair, foram em um restaurante que não combinava nenhum pouco com elas, comeram salada e depois atravessaram a rua para ir num pub, que também não combinava com elas, mas ao menos tinha cerveja. Deu certo! Tudo fluiu e continuaram se encontrando aos poucos. Depois de dois meses, Ane estava com uma viagem agendada com um amigo para Cuba e chamou Ariana para ir. Ari recém tinha acabado a residência, estava querendo viajar e topou. Decidiram ir juntas e já entenderam que estavam se relacionando. Depois de um tempo de relacionamento, mas ainda no começo, Ane recebeu uma proposta de trabalho muito boa, porém que precisaria se mudar para Porto Alegre. Pensou muito, Ari apoiou, a encorajou, mas acharam que o relacionamento não iria durar pela distância. Ane acabou indo, morou lá por dois anos, e elas se encontravam aos finais de semana quando conseguiam, fazendo a ponte aérea POA X SP e usando uma manutenção diária para manter o relacionamento de todas as formas. Contam que não foi fácil, existia a saudade, a vontade de estar junto… Mas nesses momentos se usa todas as alternativas possíveis: se davam mais presentes, bilhetinhos, dedicatórias, chamadas de vídeos, aproveitavam 100% do tempo quando estavam juntas… Ari acrescenta que mesmo sendo pessoas diferentes, quando se conheceram, já se viam de formas completas. Isso auxiliou muito nesse processo. Já tinham suas profissões (e eram valorizadas), já valorizavam uma à outra, tinham suas redes familiares, seus amigos… Então tudo foi muito mais fluido, as cobranças quase não existiram. Depois dos dois anos em Porto Alegre, voltando à São Paulo, juntaram os animais de estimação, os móveis, a casa, e foram morar juntas. Anelise estava com 35 anos no momento da documentação. Ela é do interior de São Paulo, mas mora na capital há muitos anos e trabalha como advogada de empresas. Hoje em dia, o tempo livre é 100% ocupado pelos pequenos, mas também gosta de ir em rodas de samba, tocar violão e assistir filmes no cinema. Ariana estava com 38 anos no momento da documentação. É natural de São Paulo e trabalha enquanto médica pediatra. Conta que o tempo de agora é para fazer um conhecimento - conhecer os filhos e os filhos conhecer as mães. Nos primeiros momentos, o tempo era para fazer coisas básicas (comer, dormir, tomar banho…) e agora, com eles no carrinho, tem sido possível tomar café da manhã, por exemplo, o que é um grande prazer compartilhar esse momento com eles. Foi durante a pandemia que começaram a pensar sobre a maternidade, sobre quem iria engravidar e como seria. Tentaram uma vez e não deu certo. Depois, tentaram novamente, com aquela possibilidade - dois óvulos, podem ser gêmeos. Tinham medo pelas questões financeiras, mas encararam. Descobriram a gestação na semana da Parada LGBT de São Paulo, e agora, um ano depois, irão na Parada novamente - com eles no colo. Anelise conta que aprendeu com a Ari que o amor pode ser algo leve, com diálogo e respeito. Ela sempre foi muito afobada, atarefada… e hoje em dia é diferente. Não acha que só o amor sustenta relações, é preciso uma série de coisas, como respeito, carinho, atenção, um esforço orgânico, natural. Ambas entendem seus privilégios, mas entendem também que mesmo ocupando o local que ocupam ainda enfrentam diversas questões de preconceito por serem duas mulheres mães que se relacionam afetivamente. Por isso, aprenderam a enfrentar essas questões com o tempo. Falam também sobre como é importante a rede de apoio que possuem. Podem contar com os amigos, com a família, e isso facilita muito para a existência do privilégio de viver um amor leve. ↓ rolar para baixo ↓ Ariana Anelise
- Raquel e Rachel | Documentadas
A história da Kel e da Rachel começou um pouco antes e, por incrível que pareça, através do pai da Kel. O ano era 2016 e ele fazia aula de hidroginástica e quem dava essas aulas era a Rachel. Ambos se davam muito bem, brincavam, faziam piadas, se viam toda semana e ele sempre comentava com ela que queria muito levar a filha dele para fazer aula um dia porque acreditava que elas pudessem se tornar grandes amigas. Quando a Kel finalmente foi nessa aula, de fato elas se deram muito bem! A amizade surgiu logo de cara, não foi algo com segundas intenções. Primeiro porque a Rachel nunca cogitava se envolver com alguém em seu ambiente de trabalho e segundo porque ela também estava em um relacionamento de anos. Nas semanas seguintes a Kel iria voltar para as aulas, mas colocou alguns piercings e precisou ficar afastada da piscina por um tempo, então elas tiveram aquele contato inicial e passaram alguns dias afastadas. Neste meio-tempo, a Rachel, que estava no relacionamento, passava por um momento diferente. O relacionamento que vivia um processo muito mais de amizade que relação entre casal envolvendo paixão em si, foi surpreendido com um pedido de casamento! E esse pedido veio em um sentido de tentar dar um novo rumo para a relação, uma última chance. Envolvia um carinho bastante grande, mas não aquele impulso e desejo brilhando o olhar, foi uma tentativa de recuperação. Ela aceitou o pedido e colocou a aliança no dedo, mas não contou para os colegas de trabalho sobre. Estava em um processo mais intimista. Foi então, durante uma aula, que o pai da Kel logo observador e brincalhão percebeu o anel de ouro na mão e chegou perguntando o que era essa novidade que ela tinha para contar. Como ninguém sabia do seu relacionamento com uma mulher, ela - para todos os efeitos - estava noiva de um homem. Quando a Kel voltou, já sabendo da novidade pois o pai comentou em casa, teve a aula esperando que a Rachel comentasse. Animada, a cada intervalo esperava ouvir sobre o pedido, mas nada aconteceu... nem se quer comentou. E então ela questionou, já que gostava tanto de casamentos, não conseguia entender como alguém não compartilhava algo tão emocionante… e foi aí que a Rachel sentiu que podia confiar na amizade (mesmo que ainda breve) delas e elas marcaram um café depois da aula, lá que ela contou: “rolou sim o pedido e sim, aceitei. Mas eu vou me casar com uma mulher”. O sorriso que ele soltou naquele momento foi revolucionário. A cada momento em que eles se permitiam, esse amor se tornou revolucionário. O casamento delas, os convidados, o significado diário da casa, tudo isso é revolucionário, porque para elas estarem ali em um momento tão importante, sendo respeitadas, amando e podendo unir-se perante o matrimônio em si, muitas pessoas tiveram que lutar. E seguimos lutando pelas tantas mulheres que um dia poderão amar livremente, com suas famílias apoiando e se emocionando. A Rachel, termina falando sobre esse momento, bastante emocionada, mas me disse algo que marcou bastante e ecoou durante semanas na minha cabeça, uma coisa simples que a gente esquece: a ideia de que a vida é uma só. E que a gente não pode parar. Não vale a pena deixar pra depois, tem que amar mesmo, amar com vontade. O único egoísmo que a gente tem que ter é o de querer fazer o bem pra nós mesmas. Infelizmente, o pai da Rachel se tornou uma das vítimas da Covid-19 no Brasil. O Documentadas gostaria de homenageá-lo enquanto o homem forte, durão, porém com sorrisão, que tanto ouvimos falar bem ♥ e temos a certeza de que, de onde ele estiver, ele está tão orgulhoso quanto o dia que viu a Rachel dizendo “sim” durante o casamento: com a certeza de que criou e educou uma filha bem demais! À todas e todos que perderam algum familiar ou amigo para o Covid-19, nosso abraço e carinho. Seguimos juntas. ♥ Rachel, você é. É porque acontece! É porque é grandiosa! É! É um montão de coisa boa. Ou melhor, Raquéis, vocês são! :D Falamos bastante aqui sobre os pais da Kel, mas a família da Rachel também tem um papel incrível e emocionante nessa história. A Rachel foi adotada ainda bebê e os pais dela são mais velhos, assim como os irmãos. O processo de descobrimento e de saída do armário dela, ainda mais nova, em tempos diferentes e realidades diferentes, exigem outra perspectiva e outro entendimento. Com a chegada da Kel e do relacionamento delas, foi a primeira vez em que a família da Rachel realmente se abriu para a aceitação da sexualidade dela enquanto uma nova formação de família e principalmente o pai, por ser um homem mais fechado, permitiu-se abrir a novos pensamentos e novas vivências, mas não só: as meninas brincam que toda vez que a Kel chegava na casa deles ele abria era logo um sorriso de orelha a orelha. Ressignificação de lar. Esse é o nome do que ela sentiu. A Kel trouxe um presente gigantesco: ajudar ela a ressignificar a relação com a família de uma forma única. Durante o casamento delas foi muito legal ver a forma que eles se permitiram e se entregaram. O maior presente de todos foi a presença deles lá, estando à vontade, felizes e orgulhosos. Existe um vídeo, do qual as duas estavam de costas para o público e de frente para o cerimonialista e tem a imagem do quanto ele se emociona estando feliz quando a Rachel diz sim. Poucas vezes temos exemplos tão nítidos do quanto o amor entre mulheres pode revolucionar a vida das pessoas, e esse, com certeza, é um dos melhores exemplos que temos. ♥ Para o pedido de casamento acontecer, contou com seus dois grandes aliados: os sogros! Então ela ligou para o pai da Kel e disse: “quero pedir a sua filha em casamento, mas quero pedir a sua bênção, a sua ajuda, a sua permissão. Ela não sabe e não pode saber. Quero ter certeza que para você está tudo bem.” Foi um novo choque, mas ele topou: “conta com a gente, estamos do teu lado! E eu quero te dar o champagne!”. Ela ligou para a sogra e o pedido também foi feito. Ambos ajudaram na preparação, escolheram alianças e a surpresa foi montada. No fim de 2018, a Rachel levou a Kel para ver um nascer do sol na praia, totalmente vazia, no interior de São Paulo. Quando elas chegaram, sentaram na areia, tudo estava no carro preparadinho e ela decidiu levantar e preparou uma cartinha para ler. Estava tremendo muito, a Kel achou fofo mas não imaginou que fosse logo um pedido assim… quando o pedido foi feito, o sol estalou e brilhou muito forte, se abriu e ela disse sim. ♥ Foram duas alianças de noivado e elas não ajoelharam, para que tudo fosse de igual para igual. Em São Paulo, todos já aguardavam notícias. O casamento aconteceu em setembro de 2019, em uma festa para os amigos mais queridos e em um dia muito especial. Tudo foi preparado pensando em cada detalhe e todos se divertiram muito. O relacionamento foi se desenvolvendo e com o passar do tempo cada vez mais as duas se viam apaixonadas e entendiam o quanto a vida é realmente feliz uma do lado da outra. A Rachel comenta o quanto sempre foi claro para ela o amor nítido que sentia, o quanto isso realmente significava algo revolucionário, desde aquela época. A Kel conta que sentia o amor enquanto um sentimento puro. Com respeito, com cuidado. E a Rachel completa que por mais que o amor não tenha gênero e nem sexo, ele acontece principalmente quando você se vê capaz de amar uma pessoa na íntegra. Por fim, a Kel diz que Deus nos fez para amar o próximo e ela realmente acredita que, além de nos amarmos por ser o melhor a ser feito, amar é também um encontro de almas. Mas que de qualquer forma, independente da relação que você tiver, ela não pode ser pesada. Os encontros nas nossas vidas devem servir para nos acrescentar, não para nos pesar - e serem leves. “Se nascemos sozinhas, temos que estar bem sozinhas. Se for pra ser pesado e fazer mal, não vá. Você tem que ser leve, em geral, tem que te fazer bem! Pode ser que tenha um dia ou outro ruim, mas nunca que te faça mal.” Foi em um período pensando sobre o amor e sobre o quanto gostaria de viver para sempre essa relação com a Kel que a Rachel tomou a decisão de fazer o segundo pedido, mas dessa vez, o de casamento! O encontro da Rachel com o pai da Kel foi muito importante para que ele também entendesse que a Kel nunca deixou de amar as pessoas enquanto seres humanos. Por mais que pudesse soar que ela estava em um momento mais carente, ele de alguma forma ficou preocupado pela Rachel ter terminado um noivado por alguém que pudesse estar “em dúvida”. A conversa foi muito importante para explicar a existência da bissexualidade em si e as formas de amar, de deixar ele mais tranquilo como um todo vendo a construção do relacionamento das duas. A conversa fez com que ele falasse com a mãe da Kel e ela foi se abrindo para a ideia, até chamou a Rachel para comer uma pizza com elas e se deram muito bem. Foi uma chuva de elogios gigantesca para esses dois ♥ pessoas muito generosas e que estiveram o tempo todo na base e no apoio dessas mulheres que esbanjam amor. Essa “saída do armário” aconteceu apenas com os pais da Kel, isso é bastante importante e legal de ressaltar. Ela nunca precisou fazer esse movimento com os amigos. Apenas disse que levaria alguém no bar/no churrasco/no evento e chegava com a Rachel, não precisava dar nenhum tipo de satisfação ou explicar, assim como uma pessoa heterossexual não explica que vai chegar com um namorado homem. Ela chegava de mãos dadas e em dois minutos todos já estavam adorando as duas, porque viam o quanto elas se davam bem, tratavam os outros bem e se divertiam juntas. Logo depois do primeiro beijo a Kel foi para uma viagem com os pais, enquanto a Rachel conversou e terminou o seu relacionamento. Foi tudo com bastante comunicação e ambas entenderam que era o melhor a se fazer. Quando a Rachel e a Kel lembram sobre o começo do namoro, contam como tudo era muito especial. Os primeiros beijos foram muito marcantes, eram como os melhores beijos da vida, algo que elas nunca tinham sentido. Uns meses depois de estarem juntas e quando já se sentiram mais à vontade, relaxadas e tranquilas, a Rachel fez o pedido de namoro num lugar muito especial para elas e do jeito que a Kel sempre sonhou: aqueeeele pedido! Flores, champagne, alianças, tudo! Ela aceitou ♥ Um tempo depois, decidiram contar aos pais da Kel, visto que era muito importante para ela que a família soubesse do relacionamento. Elas não imaginavam como eles poderiam reagir, ainda mais por ser algo que nunca tivessem esperado e imaginado, mas compreendiam que eles fossem ter o tempo necessário para processar e elas estariam por perto dando suporte. No começo, eles sentiram um choque, ficaram mudos, não falaram nada. Mas também não brigaram, tentaram entender e ouvir ela. Os próximos dias foram difíceis pelo pai da Kel ter aula com a Rachel, mas em nenhum momento ele foi desrespeitoso, só deixou de fazer tantas brincadeiras com ela. No fim da aula, ela chamou ele para conversar e disse que estava disposta a tomar um café quando ele quisesse, no tempo dele, para falarem sobre. Ele agradeceu e explicou que ainda não estava preparado, mas que iria chamá-la quando estivesse. Uma semana depois o encontro aconteceu, tomaram um café e a Rachel se sentiu à vontade para contar a história dela, como ela se entendeu, se descobriu e o que ela sentia pela Kel. Explicou também que não era uma brincadeira, uma maldade, uma paixonite. Ele se mostrou muito aberto a entender o que ambas sentiam. A Kel conta que nesse dia, quando ela soube sobre a sexualidade da Rachel, algo nela despertou como “caramba, a primeira mulher que cheguei a pensar sobre achar interessante também fica com mulheres... mas está noiva e vai casar! Sigo meu baile, quem sabe com ela posso compartilhar esse tipo de coisa futuramente.” e com o passar do tempo a amizade entre elas foi crescendo. Depois da aula elas marcavam cafés, a Rachel dava caronas para a Kel até em casa e tudo era bastante saudável. Quanto mais aulas elas faziam juntas, mais se viam e conversavam, foi despertando vontades de se falar via Whatsapp e de se encontrar em outros momentos também - por mais que os encontros fossem sempre limitados às aulas. Mas isso fez com que surgisse algo como uma certa paixão antes mesmo de se envolverem fisicamente, já existia ali o começo de um sentimento. A Rachel não queria tomar nenhuma atitude por conta do seu relacionamento, não achava justo se envolver em uma traição. Nunca quis isso e por mais que estivesse cada vez mais claro que a relação não teria futuro, não queria que acabasse de forma tão ruim. Além disso, ela também não sabia se o sentimento era algo da cabeça dela ou se a Kel também estava envolvida da mesma forma, se um beijo colocaria em risco a amizade que elas construíram ou como ficariam. Não queria perder: nem o relacionamento, nem a amizade. Foi durante um feriado que resolveu conversar com a Kel e falar sobre o que estava sentindo e ambas concordaram que na próxima vez em que estivessem juntas resolveriam se aconteceria o beijo ou não. Até que o dia chegou e, no último minuto possível do tempo em que tinham para ficarem juntas, aconteceu! E a partir daí elas tinham certeza: era, realmente, para estarem juntas. Rachel e Raquel. Raquéis. Quando a Kel entrou em contato com o Documentadas, ela brincou: “queríamos contar nossa história para vocês! Temos poucas coisas em comum, além do nome, mas garantimos uma história legal!”. Achei que o nome se limitasse ao Raquel, mas quanta ingenuidade a minha. Depois do casamento virou o mesmo nome e sobrenome! Agora, ao menos para as autoridades, são quase-que a mesma pessoa. Na nossa documentação para que a história não fique confusa, identificamos a Rachel sempre dessa forma: com ch. E a Raquel enquanto Kel :) Bom, a Rachel é paulista, professora de natação, adora a natureza, sempre curtiu diversos esportes. Ela já teve outros relacionamentos com mulheres, mas nunca foi uma pessoa que falava sobre isso nos espaços de trabalho e que militava ativamente na pauta LGBT. Ela mantinha seus relacionamentos de forma estável fora do ambiente profissional (e tudo bem assim!). No mais, sempre foi apaixonada pelo mundo e por viagens, por conhecer lugares novos e por estar fazendo novas amizades. Já a Kel também é paulista, publicitária, sempre foi uma pessoa apaixonada por histórias de amor e por casais - sabe aquela amiga perfeita para ser madrinha de casamento? Aquela que se empolga na organização, quer saber todos os detalhes sobre o pedido e que cada momento seja perfeito? É ela. Na vida da Kel, antes de ela conhecer a Rachel ela nunca tinha se imaginado em um relacionamento com outra mulher - nem tinha afetivamente se envolvido por uma mulher - mas sempre soube que era apaixonada pelas pessoas em suas formas diversas de ser. Rolar Rachel Raquel
- Mariana e Bárbara | Documentadas
Mariana e Bárbara são duas mulheres que nasceram em cidades do interior do Rio Grande do Sul. Bárbara vem de Capivari do Sul, município com cerca de 4 mil habitantes, que vive da produção agrícola. Já a Mari, vem de Osório, cidade um pouco maior e mais próxima da capital, com 40 mil habitantes. Por mais que vivem visitando seus familiares em suas cidades natais, hoje em dia a Mari mora em Porto Alegre, estudando e trabalhando com moda, enquanto a Bárbara passa um tempo com ela e outro tempo com sua família no interior. No momento da documentação, Bárbara então com 26 anos conta o quanto enfrentou diversas barreiras ao se entender enquanto uma mulher lésbica vivendo em uma cidade tão pequena e conservadora. Lá, trabalhava com equipamentos agrícolas, mas aprendeu de tudo um pouco: soldar, lixar, operar máquinas de corte, etc. Mas seu sonho mesmo é ser profissional na música: toca diversos instrumentos, se especializando nos sopros desde criança. Hoje em dia, voltar para Capivari de mãos dadas com a Mari, respeitando e valorizando toda a história dela enquanto mulher negra, para elas é lido como um ato de resistência: desejam ser respeitadas. A Mari, que no momento da documentação estava com 24 anos, se mudou para Porto Alegre pelo sonho de ser modelo. Nas palavras dela: “Tinha 200 reais e um sonho”. Ela chegou a trabalhar no comércio de Osório antes, em uma loja de roupas, mas foi demitida por conta de várias situações (inclusive envolvendo intolerância religiosa). Numa das suas vindas para Porto Alegre por conta de freelancer sendo modelo, conheceu uma menina que comentou que havia vaga no apartamento para dividir, então acionou um contato que trabalhava em um salão de beleza conhecido na cidade, conseguiu uma entrevista um tempo depois e, sem expectativas, foi aprovada. A questão era: não tinha dinheiro para sair de Osório e ir para Porto Alegre começar uma nova vida, então fez um “freela” numa lanchonete, ganhou 200 reais e saiu de casa bem cedinho, para a mãe dela não ver. Assim, chegou na capital. Um tempo depois, com o início da pandemia de Covid-19, acabou ficando sem lugar para morar e, com o salão fechado, voltou para Osório. Mas durou pouco tempo, em setembro já estava novamente em Porto Alegre, na casa em que mora até hoje (com a Bárbara, inclusive). Por mais que a vida da Mari e da Bárbara tenha se encontrado definitivamente quando a Mari já morava nessa casa, em Porto Alegre, suas histórias estão se cruzando há anos. A primeira vez que a Bárbara esteve em Porto Alegre foi quando ela tinha cerca de 17 anos. Conseguiu uma carona, saindo de Capivari do Sul, que a iria deixar em Cachoeirinha (região metropolitana) e ela topou - não fazia ideia de onde ficava Cachoeirinha. Quando chegou lá, fez amizade com umas pessoas na parada de ônibus e disse - quero ir numa festa lá em Porto Alegre. As pessoas deram as indicações para ela chegar no bairro boêmio e ela foi. Conta que sempre foi assim, “desgarrada”, sem muito medo de desbravar as coisas. Um tempo depois, ela começou a ir para Porto Alegre com mais frequência. Também viveu muito tempo em Osório, porque sua mãe mora lá; E foi numa dessas vezes que, em 2016, num Galpão de Artes, ela viu a Mari pela primeira vez. Na época, a Bárbara tinha um relacionamento aberto e se interessou pela Mari, mas a amiga dela não deixou ela tentar o flerte porque a Mari estava envolvida em uma situação de uma pessoa próxima delas. A Bárbara achou tudo muito engraçado e só disse que ok, não falaria com ela. Nisso, o tempo passou. Em 2019, novamente ambas estavam em Osório, se esbarram em um bar que pertencia às amigas da Bárbara. Lá, juntaram as mesas e os amigos em comum, uma começou a conversar com a outra (e detalhe: elas não lembravam dessa situação de 2016) falaram durante horas, a noite toda, mas não demonstraram nenhum interesse - nessa época, inclusive, a Bárbara estava casada. Foi só em 2020, quando a Bárbara já tinha se separado, que ela estava num momento de sofrência deitada no colo da cunhada dela, assistindo os stories que a cunhada estava assistindo, quando apareceu um storie da Mari. Ela perguntou quem era e pediu para voltar, pegou o Instagram da Mari e começou a segui-la. A Mari seguiu de volta, elas também se seguiram no Twitter, começaram uma interação e num dia, quando viu que a Mari estava em Osório, arranjou uma desculpa com a amiga dela para irem encontrá-la - mas não deu certo, ela já tinha voltado para Porto Alegre. Interagiram pelas redes sociais de forma lenta, pela timidez da Bárbara, até que resolveram se encontrar no dia das mães, quando a Mari iria para Osório. Mas surgiu um empecilho: no dia das mães era o aniversário do pai da Bárbara, então seria meio estranho elas se encontrarem numa festa de família, né?! Foi quando a Bárbara decidiu pegar o carro e ir até Porto Alegre. Chegou na casa da Mari toda elegante, com banho de perfume, nervosíssima porque só usava bombacha e iria encontrar alguém que fazia moda. Até que foi surpreendida com a Mari abrindo a porta de pijama e meia. O primeiro encontro entre elas deu certo. Por mais que estivessem com roupas totalmente diferentes, absolutamente sóbrias e envergonhadas, a Bárbara falou por três horas ininterruptas, mas elas se deram muito bem. No fim, ficaram até 5h da manhã em Porto Alegre, depois pegaram o carro e foram até Osório, a Mari almoçou na casa da mãe da Bárbara e já conheceu a família no dia seguinte. (E sim, foi no aniversário do pai da Bárbara!) Por mais que todo esse início tenha sido rápido na interação familiar, o relacionamento mesmo foi sendo assumido aos poucos: enquanto se sentiam preparadas. Foi numa viagem em família para Itapema, em Santa Catarina, que a Bárbara pediu a Mari em namoro, no fim de junho (num nascer do sol com chuva). E em outubro surgiu o pedido de noivado. No começo, sentiam muito medo e tinham certeza que logo o relacionamento iria acabar, porque tudo era muito bom e acontecia de forma muito certa. A família da Bárbara ama a Mari e a acolheu muito bem, elas foram estabelecendo comunicação… tudo isso era muito novo, vinham de relacionamentos que não funcionavam assim, até que tudo foi firmando e elas entenderam que poderia ser real. Hoje em dia, a Mari e a Bárbara acreditam numa relação que transborde, que acrescente. A Mari investe diariamente no seu sonho de ser modelo, enquanto a Bárbara traz todo o apoio, e vice-versa nos momentos em que ela precisa de apoio para estudar para os concursos de musicista e se concentrar no seu objetivo de trabalhar com música. Entendem que não é nenhum pouco fácil estabelecer a comunicação na relação. São pessoas muito diferentes, a Mari é muito mais fechada, veio de uma criação que a fez independente no mundo, sempre se viu muito só e agora aprende diariamente a se abrir, a aceitar uma nova família, a ter amizades verdadeiras em Porto Alegre e a falar como se sente. Para ela, esses também são atos de amor diários: quando ela entende o quanto está se abrindo aos poucos. Quando recebe o carinho imenso dos familiares da Bárbara (que agora também são dela) e quando pode contar com os novos amigos. Bárbara, por fim, conta que ama muito. Não sabe definir como, mas entende que o amor que elas constróem consegue deixar todo o perrengue e toda a dificuldade leve. Ela ama o que vivem diariamente, mesmo sendo metódica dentro de casa. Ama o porquinho da índia (Caetano ♥) que cuidam juntas. Ama esse amor que faz sentido e que quer oficializar enquanto um casamento e uma família. ↓ rolar para baixo ↓ Mariana Bárbara
- Luiza e Maria Pérola | Documentadas
Quando elas se encontraram tiveram um dia bom e logo em seguida e Luiza viajou de volta para o Rio de Janeiro, elas seguiram conversando de forma online e surgiu uma nova oportunidade: dessa vez, um colega de apartamento da Maria que viajava muito iria até o Rio e ela poderia ir junto, então ela topou, avisou a Luiza e elas conseguiram se encontrar novamente. Quando o encontro aconteceu, elas entenderam que queriam novos encontros e que, melhor que isso, não queriam parar de se encontrar. Enquanto o relacionamento da Luiza já estava em um ponto que era muito mais amizade que relação amorosa em si, ela optou por conversar sobre a bissexualidade e pelo término. O namorado entendeu, realmente, inclusive incentivou as duas, por ver o quanto isso estava fazendo bem à ela - e hoje eles são bastante amigos (ele quem instalou as prateleiras no apartamento delas! haha) e no fundo eles comentam que sabiam que a relação não iria mais para frente e que ambos estariam mais felizes em novos caminhos, era o mais justo a ser feito. A Luiza nunca foi uma pessoa impulsiva e diz que essa foi a coisa que ela mais teve certeza ao fazer em toda a vida. Elas começaram a namorar em dezembro de 2019 e a maior dificuldade na época foi enfrentar a forma dos amigos e da família de lidar, tanto pelo relacionamento anterior ter terminado, quanto pelo fato da Luiza ter ficado com uma mulher. Ao mesmo tempo, como tudo era muito claro para ela, o jogo foi quase que ao contrário, ela sabia que quem estava passando por “uma fase” eram os amigos e a família: a fase de lidar com a mudança e aceitar, porque ela, a Maria e o ex namorado estavam muito felizes e bem resolvidos. Existe uma troca muito genuína entre as duas, desde os escritos, as músicas, as composições… a Luiza também participa de uma roda de choro e samba feita apenas por mulheres no Rio, que é um estilo musical muito presente e está aprendendo e desenvolvendo a música popular para além da música erudita, coisa que a Maria Pérola ajuda muito! É sempre um aprendizado. Quando a Luiza e a Maria Pérola se conheceram, ambas já viviam de música e moravam no sudeste. A Maria viu um conteúdo que um amigo em comum entre elas publicou sobre mulheres artistas e seguiu as pessoas que ele marcou, para acompanhar o trabalho delas, sendo que uma delas era a Luiza. Na época elas trocaram uma ideia quando se adicionaram e foram, com o decorrer do tempo, acompanhando o trabalho aos poucos uma da outra. A Luiza postava algo e a Maria interagia, vice versa, era um troca profissional de admiração. Nisso mais de um ano se passou, até que aconteceu delas conversarem de fato, por conta do poema… e aí foi tudo muito rápido: interagiram durante um mês quase que diariamente e a Luiza foi chamada para fazer uma apresentação com a orquestra em São Paulo, convidou a Maria Pérola e ela foi assistir. A Maria conta que tentou não criar muitas expectativas no encontro das duas sob o viés amoroso, porque a Luiza vivia um relacionamento de três anos, com um homem, e não tinha ficado com uma mulher. Por mais que eles estivessem vivendo um relacionamento aberto e ela já tivesse compartilhado com ele sobre os sentimentos que estava desenvolvendo pela Maria, tudo era muito novo e elas não sabiam o que poderia acontecer, então ela apenas tentou não nutrir expectativas. Maria Pérola tem 27 anos, é pernambucana e nasceu em Jaboatão dos Guararapes, cidade da região metropolitana de Recife. Morou num local chamado Alto da Colina e foi lá onde passou toda sua infância. Como sua família viajava bastante para São Paulo por conta do trabalho, ela acabava fazendo essa ponte aérea e foi aos poucos se familiarizando. Sempre gostou de música, mas se formou em psicologia e só depois, quando se mudou para SP, decidiu que seu caminho e sua carreira eram, de fato, cantando. Por muito tempo a família não aceitou que ela seguisse o caminho da música popular periférica nordestina, acreditavam que ela precisava de uma “profissão de verdade” e que a música não traria um futuro profissional digno, mas ela seguiu atrás desse sonho e dessa paixão. Hoje em dia, vive sendo uma artista e é uma entusiasta da música autoral. Adora ouvir gente cantando. Vou deixar as redes da Maria Pérola aqui, porque vale MUITO (muito mesmo!) ouvir, é sensacional: YOUTUBE SPOTIFY INSTAGRAM Luiza tem 26 anos e é natural de São João del Rei, uma cidade histórica localizada no interior de Minas Gerais. Por lá ela estudou música no conservatório desde criança e decidiu se mudar para o Rio de Janeiro em 2014, quando entrou no Conservatório Brasileiro, por conta de alguns contatos que criou com professores da UFRJ. A Luiza é uma violinista incrível! Já fez parte de várias orquestras, inclusive a Orquestra Sinfônica Cesgranrio e a Orquestra de Mulheres do Rio de Janeiro, das quais faz parte/fez ativamente antes de entrarmos em pandemia, e também a Nova Orquestra, com quem se apresentou no Rock In Rio. Além disso, ela dá aulas particulares de violino e há pouco começou um projeto social ensinando violino para crianças em uma vila militar no bairro de Realengo, na zona oeste do Rio. A Luiza, além da sua ligação intensa com a música, também escreve desde pequena. A poesia foi talvez um dos pontos chave que tenha conectado ela com a Maria Pérola logo de início, fazendo com que ela voltasse a escrever mais e que também despertasse a vontade de postar suas poesias na internet. A Maria tem uma poesia que a Lu fez pra ela tatuada (e que inclusive tatuou antes de elas se conhecerem pessoalmente!) e isso fala muito sobre essa troca que elas possuem (entre as poesias que a Lu escreve para a Maria, e as músicas que a Maria compõe para a Luiza) - inclusive, brincam que dá para escrever um livro e lançar um CD com tudo o que já produziram. Explicar sobre o amor da Maria Pérola e da Luiza é um desafio imenso porque elas representam aquele tipo de encontro que você não sabe como dimensionar, como colocar dentro de palavras ou expressões, porque são acontecimentos e experiências muito grandiosos. São encontros que quando você bate o olho, passa a entender e tudo faz sentido. A Maria comentou duas coisas que talvez expliquem um pouco sobre esse amor, a primeira é que ela nunca tinha pensado em morar no Rio, mas ao mesmo tempo ela nunca tinha se sentido realmente pertencente à algum lugar, e a partir do momento que passou a morar com a Luiza entendeu que o apartamento era o lugar dela - ou melhor, não o apartamento, nem o Rio em si, mas a Luiza. O lar que ela sente é muito mais pela expansão do encontro dela com a Lu do que por todo o resto, é isso que fez ela realmente se sentir em casa. E a segunda é que a Luiza é a pessoa que ela mais confia no mundo e com ela, aos poucos, foi aprendendo a gostar de tanta coisa que se viu gostando de coisas que antes ela até mesmo odiava (desde o furo no queixo que lhe causava muita insegurança na pressão estética, até detalhes na convivência familiar). O amor foi acontecendo porque elas se apoiam muito, tentam resolver as coisas juntas e de forma rápida e por mais que em algum momento até existiu uma resistência sobre morarem juntas, hoje em dia não mais se veem morando longe. Entendem que o amor transparece no que são: muito acolhedoras e cuidadosas. O ato de estarem juntas sempre significou muita coragem e quando falamos de amor, surge essa palavra. Como elas já estiveram em outros relacionamentos, falam sobre alguns terem sido abusivos, por exemplo: a Maria já esteve em relacionamentos com outras mulheres que não gostavam que ela cantasse… que não a “permitiam” cantar, não apoiavam. E explica como é diferente estar com alguém que te apoia e te impulsiona, como foi importante ter a Luiza na vida dela sempre incentivando ela na música. Falamos muito sobre a presença de relacionamentos abusivos e como é muito fácil mascararmos eles, não verbalizamos o que estamos vivendo ou como estamos nos sentindo, sendo que muitas vezes nos vemos privadas de fazer algo tão nosso, como é o ato de cantar para ela, e que não merecemos mais viver relações assim, que é importante procurarmos apoio, procurarmos ajuda para sairmos desse tipo de relacionamento, seja hetero ou homoafetivo. “Amor entre mulheres é uma revolução. Você ama reafirmando. Você ama existindo. Eu não consigo olhar para o amor sem pensar no amor entre mulheres. É coragem, pra mim, o amor… pra gente amar… tem que ter muita coragem.” A Luiza diz que o amor tem a ver com entrega e com estar aberto porque você entrega e também recebe muita coisa de volta. E no amor ela se viu disposta a ajudar, a doar, a ser intensa e potente. E que isso exige muito da gente, que não é fácil, que também significa muita resistência. Mas que também acontece muito reconhecimento nesse encontro, que a Maria Pérola trouxe muita leveza na vida dela, desde saber que ela está em casa tudo já fica mais leve… e que o amor no fundo envolve o tanto que elas se dividem e se entregam. A Maria Pérola trouxe uma história interessante sobre uma vez que o Dominguinhos foi numa rádio se apresentar e no intervalo começou a tocar Chopin na sanfona. E então todos ficaram surpresos, chocados, como se ele não pudesse gostar de uma música considerada clássica por tocar forró, e quando ele é questionado sobre isso ele explica que ele é músico, um artista, que ele é gente, que pode gostar de tudo. Com esse assunto, começamos a falar sobre as múltiplas formas de cultura, não só a música ou a escrita, por ser mais presente na vida delas enquanto mulheres artistas, mas na cultura desde o circo, a feira de rua, as artes cênicas, tudo. O quanto essa inclusão e essa valorização é muito importante. A Luiza trouxe informações da roda de choro e samba que ela participa e sobre o acesso à elas, só que como ao mesmo tempo é difícil a cultura chegar até as pessoas, desde o erudita até o próprio popular, e o questionamento: o que de fato é considerado “cultura”? Ela conta também que por mais que ame participar de orquestras, hoje em dia não se vê mais longe dos trabalhos sociais e de levar música para as pessoas - e ressalta que isso não quer dizer que todo mundo tenha que gostar de orquestras, mas que todo mundo possa ter a oportunidade de gostar, possa ter acesso aos teatros, roupas para entrar nesses lugares e tempo para consumir cultura. Rolar . . . Luiza Maria Pérola
- Natasha e Jéssica | Documentadas
Por mais que a história da Jéssica e da Natasha só tenha virado um registro no Documentadas depois de 6 meses de projeto no ar, ela chegou aqui lá no começo, antes mesmo de nos conhecermos, logo na segunda vez em que coloquei o corpo na rua e me dediquei a fotografar um casal: Quando a Rebecca e a Priscila, duas mulheres que já apareceram por aqui, me contaram empolgadas que havia uma história que eu precisava conhecer. Eu ouvi um “É tipo aquelas histórias de mulheres que tão juntas há muito tempo! Que a vida deu várias voltas. Elas se reencontraram e agora ela se mudou para Porto Alegre e se casou nesse reencontro! É a minha prima! Vou te passar o contato dela!” e bem que pensei “É possível! Eu vou passar por Porto Alegre em breve.” Quando encontrei a Natasha e a Jéssica em Porto Alegre e conheci toda a grandiosidade da história entendi que as mulheres realmente fazem tudo - e que a vida sempre dá uma forcinha quando quer nos juntar, né? A Natasha e a Jéssica se conheceram há muitos anos atrás, por conta de uma amiga em comum, quando eram adolescentes. A Jéssica é natural de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, e a Natasha é natural do Rio de Janeiro, a capital. Ambas conversavam pela internet e participavam de comunidades no Orkut sobre gostos em comum, entre eles, uma série chamada Buffy. O que tinha de mais especial que unia a série é que elas já gostavam muito, até que em certo momento a série virou uma febre e aconteceu o surgimento de um casal LGBT, sendo uma referência muito grande para diversas adolescentes daquela época. Foi por conta desse casal, da série e das comunidades no Orkut e dos grupos no MSN que a Jéssica e a Natasha realmente se aproximaram, mas a Jéssica tinha uma visão de que a Natasha era meio “doidinha”... ela chegava das festas de madrugada e ficava online, era muito agitada… enquanto a Jéssica era mais tímida e mais quieta. A Jéssica se envolveu com uma amiga em comum da Natasha, um tempo depois elas terminaram e, como ela conversava muito com a Natasha, surgiu o convite de conhecer o Rio de Janeiro. Elas eram super jovens, tinham 18 anos e ela decidiu ir passar as férias por lá. Assim que se encontraram no aeroporto entenderam que havia algo diferente e, no fim das férias, já estavam namorando. Naquela época, sem a existência dos sinais de wi-fi ou internet móvel, o que restavam eram as contas de telefone - por sinal, caríssimas. Então acabaram assumindo o relacionamento à distância quando a Jéssica voltou até Porto Alegre e se encontravam cerca de três em três meses, dependendo das circunstâncias. Até 2009 o namoro aconteceu nessa distância, quando os pais da Natasha se mudaram para o interior fluminense e a Jéssica decidiu morar no Rio de Janeiro. Foi uma realidade bem diferente. Elas dividiram o apartamento, porém entendem que eram muito jovens, tinham 19/20 anos, eram bastante imaturas, trabalhavam como estagiárias, queriam ser independentes mas na verdade ganhavam pouco e os pais eram quem bancavam as contas da casa. Elas também construíam uma relação com bastante ciúme, então criavam desgastes e atritos que acabavam gerando desconfiança, era muito difícil suportar. Foi quando a Jéssica começou a se sentir sem liberdade dentro do relacionamento e entendeu que era o momento do término e voltou a morar em Porto Alegre. Hoje em dia, a Jéssica e a Natasha estão com 33 anos. Jéssica trabalha como administradora e logística na parte de planejamento de produção em uma empresa de laticínios e Natasha é formada em gestão financeira, mas atua na área de planejamento e controle orçamentário. Elas brincam que não são o tipo de casal que gosta de ficar em casa dormindo, mas aquele que ama viajar. Que cria roteiros, que quer comprar um carro e andar pelo mundo! Elas gostam de se movimentar, de conhecer lugares, desbravar a alimentação local, conhecer as culturas e viver cada lugar, cada ambiente e cada espaço como uma experiência única. Em um momento da conversa elas me contaram sobre se permitirem sonhar e sobre uma situação que viveram juntas quando eram mais novas… e que esse sonho não precisava ser um sonho grandioso, mas se permitir pensar no futuro, mesmo. A situação era um show da Ana Carolina que foram quando moravam juntas no Rio e que estavam naquela primeira fase do namoro, sendo bem jovens e se conhecendo… Contam que viram vários casais de mulheres mais velhas, elegantes, bem sucedidas e se perguntaram “Será que um dia vamos ser assim?” e que hoje em dia são. Além de se reconhecerem e de reconhecerem o quanto conquistaram juntas, falam sobre ter sido a primeira vez que viram mulheres lésbicas bem sucedidas, lésbicas mais velhas se amando. “Foi muito marcante porque era muito longe de nós essa realidade”. Depois do término, quando a Jéssica já estava em Porto Alegre, elas mantiveram contato e até tentaram voltar e seguir o relacionamento à distância. Durou alguns meses, mas acabaram terminando de vez, em comum acordo. Este foi o terceiro e último término (o primeiro foi lá no começo, por iniciativa da Natasha)... e dessa vez, como última, parecia ser definitivo. Ficaram 5 anos separadas. Viveram a vida, seguiram amigas, tiveram outro relacionamento, ou melhor, casamentos (!) e tal. Até que conversaram em 2016. A Natasha estava solteira e elas mantinham amizade e se falavam raramente nesses 5 anos, por mais que nunca tivessem se visto e não havia maldade, de verdade, era apenas um querer-bem. E num dia, no Rio de Janeiro, ao se arrumar para sair com a prima (a Rebeca!) a Natasha conversando sobre ex namoradas comentou que a única namorada que seria capaz de se ver voltando a ter um relacionamento seria a Jéssica, mas que isso jamais aconteceria, até porque a Jéssica estava “casadíssima”, vivendo outra vida, sendo feliz “lá no sul”. Não sei se por coincidência ou que nome vocês querem dar a isso, mas literalmente no dia seguinte a Natasha descobriu que a Jéssica terminou o relacionamento - quem contou foi a própria Jéssica, em uma mensagem toda sem jeito. Elas voltaram a conversar e a Jéssica tinha uma viagem marcada, mas cancelou e decidiu fazer uma ida até o Rio e São Paulo para não perder as férias. Preciso contar o resto? São Paulo que lute, né? Ela ficou foi pelo Rio mesmo, com a Natasha… mas nos últimos dias de férias aqui, decidiu: “Não quero voltar a morar no Rio. Dessa vez, se for para ficarmos juntas, você vai para Porto Alegre comigo”. E a Natasha? Aceitou na hora. A Jéssica disse que nem acreditou no que ouviu, nem esperava um “Sim” tão rápido! A mudança, de fato, aconteceu. E não só a mudança, mas o casamento! Que foi exatamente na mesma data, 10 anos depois, do dia em que começaram a namorar - lá em 2007. A vida é cíclica. ♥ No dia do casamento, elas se juntaram aos amigos e fizeram um churrasco. Inclusive, também neste dia a Natasha recebeu a notícia de que havia passado em uma entrevista de emprego lá em Porto Alegre. Foi tudo acontecendo em conjunto e elas foram se adaptando à cidade e ao novo momento da vida. Hoje em dia, se enxergam muito diferente do que há tantos anos atrás, mas em geral entendem que o amor só ficou tão forte porque sempre foi muito moldado com respeito e admiração - e claro, a confiança e o apoio foram chegando como um bônus e crescendo na base também. Elas brincam, no fim, sobre já terem ouvido colegas de trabalho falarem sobre não aguentarem mais os maridos dentro de casa em seus casamentos e acrescentam como amar mulher é algo maravilhoso: são mais de dez anos e nem passa pela cabeça um dia em que se torne insuportável viver um amor tão bom. ♥ Por mais que a Yasmin e a Ignez se conhecessem desde 2019, elas foram ter o primeiro encontro e sair de verdade só em 2020, mais especificamente, um fim de semana antes da pandemia ser oficializada no Brasil - e em Fortaleza, cidade onde elas moram. Elas contam que estavam juntas quando saíram as primeiras notícias na TV sobre o primeiro caso de COVID-19 no Ceará e que no dia seguinte viraram 3 casos e que no dia seguinte dos 3 casos foi anunciada a “quarentena”. E aí? Como que duas pessoas que moram com os pais começam a construir um relacionamento (e a se conhecer) num contexto inicial de pandemia? Hoje, mais de um ano depois juntas, elas contam quanta coisa foi possível fazer mesmo estando dentro de casa: descobriram hobbies, cozinham juntas, jogam videogame, estudam muito, escutam música, se reinventam. A família da Yasmin desde o começo soube da Ignez e sempre foi uma convivência tranquila… enquanto a Ignez, nesse meio-tempo, se abriu e resolveu contar para os pais que estava namorando - isto, inclusive, é um processo recente, mas que está dando certo! Ela conta que há um ou dois anos atrás jamais se imaginaria dizendo que a família sabia e apoiava o namoro dela com outra mulher… e que hoje isso acontece naturalmente. Reforça: “Não que seja fácil, mas de estar acontecendo me deixa mais tranquila. Eu contei num segundo de coragem, sabe?”. Yasmin tem 24 anos e estuda Arquitetura na Universidade de Fortaleza. Ela e o seu irmão sonham em montar uma empresa de engenharia e, além do trabalho, adora cantar, tocar violão, pintar aquarela... É uma pessoa que adora ser criativa, montar coisas e deixar o corpo se expressar. Ignez tem 25 anos, é formada em Direito e quando nos encontramos estava com foco total estudando para a OAB. Ela adora ouvir música, conhecer lugares novos e viajar. Inclusive, mesmo na pandemia, elas têm conseguido viajar de carro até o interior para ficar na casa de parentes e isso acaba garantindo uma experiência muito legal para as duas, é algo que adoram fazer. Mesmo com as dificuldades que, não só a pandemia, mas a vida em si nos coloca, tanto a Ignez quanto a Yasmin se mostraram ser pessoas que conversam muito e que se ouvem muito também. Nos momentos mais complicados, elas tendem a ficar juntas e resolver as coisas juntas. A Ignez diz “Às vezes só de estarmos quietinhas, no mesmo ambiente, já ajuda”. Ou seja, não precisa ser uma questão de resolver tudo o tempo todo, mas de gerar apoio e acolhimento. Elas acreditam que o diálogo consegue resolver qualquer coisa e possuem um acordo de que não vão dormir brigadas, então caso aconteça algum desentendimento, tentam resolver de alguma forma ou ao menos respeitam o espaço, mas não ficam desentendidas uma com a outra. Mesmo que as duas tivessem vários amigos em comum, elas nunca tinham se esbarrado por aí. Mas a Ignez já tinha visto a Yasmin pelas redes sociais. E então, lá em setembro de 2019, rolou uma festa chamada “Tertúlia” em Fortaleza e a Yasmin apareceu por lá. Quando ela chegou e a Ignez viu, ficou até um pouco nervosa. Elas deram um oi, mas a Ignez percebeu a Yasmin saindo com outra menina da festa e desistiu. Uns dias depois, resolveu segui-la no Instagram e a Yasmin seguiu de volta. Meses se passaram, ela até tentou interagir pelas redes, mas não rolou. Quando o ano virou e chegou 2020, era fevereiro e elas estavam na festa de uma amiga em comum, então a Ignez viu a Yasmin chegando e até comentou com uma amiga: “Nossa, sabe aquela menina lá da festa Tertúlia? Ela tá aqui!”. Nessa festa, elas conversaram a noite toda, ficaram na borda da piscina tomando drink, dançaram forró juntinhas e se divertiram muito. E aí a Yasmin chegou nessa amiga em comum e disse que achava que ia rolar algo com a Ignez… até a amiga soltar a fatídica frase: “Não, amiga!!! Ela namora! Ela só é assim mesmo. Ela é simpática!”. O mundo da Yasmin caiu naquele momento. Ela ficou sem entender nada. Como assim?? Namora?? Um amigo dela já sabia da história do “relacionamento” da Ignez - que não era um namoro super longo e oficial, era um rolo que ela tinha com uma menina - e disse para a Yasmin “Vocês vão ficar hoje.”, mas ela estava decidida que não, por conta do namoro e tentou evitar isso a noite toda. O amigo ainda completou: “Ela “namora”, mas já-já esse relacionamento aí acaba”. Ele acabou estando certo. Na hora de ir embora elas conseguiram uma carona para irem juntas e ficaram bastante próximas, foram até um local onde pediram o uber para a casa e lá aconteceu um beijo. Elas conversaram no dia seguinte sobre o que tinha acontecido, entenderam que tinha sido errado e que não era certo continuar e uns dias depois a Ignez realmente terminou o relacionamento. No carnaval, em seguida, elas se encontraram, mas pouco se falaram. Trocaram algumas mensagens pelo Whatsapp um tempo depois e a Yasmin soltou uns flertes, só para cutucar, mas depois falava “Ei, você não pode flertar de volta, porque você namora!”. Pois foi aí que a Ignez contou que não namorava mais e que poderia, sim, corresponder ao flerte. Foi nessa semana que elas decidiram sair juntas, que tiveram o primeiro encontro oficial e que em seguida a pandemia começou. No dia das namoradas, em junho, a Yasmin pediu a Ignez em namoro (mas foi praticamente uma corrida! Porque a Ignez também estava preparada para fazer o pedido). ♥ Para elas, o amor é uma construção. Seja ele entre um casal, entre a família ou amigos. É sempre construir e lutar para que seja bom, leve (que precisa ser leve) e que amar é você olhar para alguém e sentir que o que foi construído é genuíno, que veio de dentro da alma. Amar é, também, uma conexão de muita intensidade, principalmente entre duas mulheres - são corpos que desenvolvem uma força inexplicável, é revolução, uma luta constante contra quem quer que seja, contra tantas violências, e a favor do amor, com resistência. Quando pergunto como elas se sentem morando em Fortaleza e como enxergam a cidade, Yasmin comenta que gosta muito de lá e que sente muita falta de sair e curtir a cidade em si, mas que se tivesse o poder de mudar algo socialmente e culturalmente falando, seria que as pessoas respeitassem mais a história da cidade e trocassem mais o respeito entre si como um todo. Ela entende que se nos fosse ensinado a conhecer e respeitar a história da cidade e a história das pessoas que estiveram lá antes de nós estarmos, viríamos tudo com outro olhar e cuidaríamos mais dos espaços. A Ignez concorda com a educação sobre o nosso povo e completa que, nos dias de hoje, ela sente muita falta da segurança. Sente que o policiamento está sempre presente nos bairros nobres, mas que nas periferias e nos locais menos frequentados pela elite (como espaços centrais ou mais boêmios da juventude), é muito comum não se sentir segura. Gostaria que esses espaços e que a segurança em si fosse repensada - para que chegasse em todos. Jéssica Natasha
- Tamiris e Ágata | Documentadas
Meu encontro com a Tamires e a Ágata foi há cerca de um ano, mas a documentação está vindo ao ar só agora, por motivos de respeito ao tempo que precisaram para que a participação no Documentadas pudesse acontecer. Nos encontramos em Porto Alegre, na Ponte de Pedra, local que visitaram pela primeira vez juntas logo que a Ágata se mudou para morar com a Tamiris na cidade. Sentem que lá representa um momento da vida, próximo do apartamento que tiveram, um lugar para tomar sol, conversar, ver os cachorros passeando com seus donos e ficar de bobeira. No dia que nos vimos tivemos uma conversa que tocou em assuntos difíceis e delicados, e por isso precisou ser pausada. Tanto Ágata, quanto Tamires, são mulheres diagnosticadas com o espectro autista; por isso (mas não só) respeitar o espaço e o tempo para estarem prontas para contarem suas histórias oferecendo outras formas de conversa/entrevista (como a escrita, entre algumas trocas, que foi optado) acabou sendo a melhor maneira que encontramos. Hoje em dia, Tamiris entende que amor é aceitação radical mas não incondicional. Aceitar radicalmente serve tanto no amor-próprio quanto no amar outras pessoas, sendo família, amigos, romances… Aceitar quem você é de forma humana e aceitar seus erros, assim como aceitar seus acertos e potências. Amar de forma condicional é também entender nossos limites e respeitá-los. Ágata completa que o amor não se explica muito, entende a metáfora do coração quentinho/olho brilhando contextualizando o que sente como amor. No momento das fotos, Ágata e Tamiris estavam com 28 anos. Tamiris tinha acabado de se mudar para morar pela primeira vez sozinha e com isso aprendia diversas coisas novas - e na companhia da Ágata. Como aprender novas formas de limpeza, o que gostavam de fazer juntas e como criar uma rotina dentro de casa, por exemplo. Contam que gostavam de cozinhar, arrumar coisas, estudar, fofocar, ir em parques, explorar lojas, ver séries… Adoram o que nomearam de “Cultura de casal”, como assistir realities como MasterChef, realities de casais da Netflix, entre outros, além de caminhadas longas, idas ao mercado, assistir vídeos no YouTube, ir em cafés e experimentar comidas novas… Falam também sobre como é a vida depois de se entenderem enquanto pessoas autistas. Tudo era muito difícil antes do diagnóstico, eram apenas pessoas estranhas, não tinha muitos amigos e sentiam falta dos círculos sociais. Tamiris, por exemplo, possui uma sensibilidade sensorial alta por ser autista e possuir ansiedade generalizada, então se sente mais segura quando está acompanhada, não gosta muito de sair sozinha, mas tem se proposto a tentar esse exercício, principalmente durante o dia. Como falei no início do texto, essa história vem de um lugar um pouquinho diferente e envolve uma dor muito grande para elas, além de ter uma terceira pessoa que estava no começo e que elas não se sentem confortáveis em citar. Sabendo disso, vamos poupar falar sobre como elas se conheceram, para respeitar esse espaço, beleza?! O que é válido comentar por aqui é que por entender que queriam ser mais que amigas e por tudo o que tinham em comum, decidiram ficar juntas. Na época, moravam em estados diferentes, mas a infância/adolescência da Ágata foi construída a base de muitas mudanças então ela nunca viu isso como algo tão difícil, estava acostumada a viajar por aí. Costumam dizer que a relação se construiu à base de sorte e se mantém à base de comunicação. No começo, foi muito difícil entender como iriam se comunicar, tiveram muitos entraves por não entender a comunicação uma da outra, mas foram sendo honestas até conseguir encaixar um diálogo. Tamiris explica como no começo achavam incrível como tinham coisas em comum, desde serem lésbica menos femininas, até histórias de vida parecidas, descobrirem o autismo já adultas… mas ao longo do tempo - e com a convivência - as diferenças também ficarem evidentes. E aí entra a sorte, a comunicação, a disposição em fazer dar certo… Elas entendem que toda relação é feita de escolhas e também de escolher se vulnerabilizar, e que isso não é nenhum pouco fácil, mas que vale a pena quando acontece de forma honesta. Ágata explica que por ser mais fechada, se expor emocionalmente é um grande desafio que vem se tornando exercício - e cada vez ficando mais simples. Gosta do tempo que foram aprendendo a se comunicar de forma mais honesta sobre os temas difíceis e também ficando mais “fluente” no idioma uma da outra, mesmo que seja uma manutenção constante e fica muito feliz por saber que tem um ambiente seguro para ser quem ela sempre quis. ↓ rolar para baixo ↓ Tamiris Ágata
- Drika e Jana | Documentadas
A Drika, a Jana e a Nick moram em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. São uma família que se escolheu e se permitiu construir de múltiplas formas, e dentre todas, o que fica estampado é a parceria que mantém a todo tempo. Quando elas conheceram a Nick, no abrigo de adoção, tiveram a primeira interação e no dia seguinte levaram ela para passar uma tarde na nova casa. Seguiu-se assim por uns dias de visita, até que ela ficou direto. No começo, não foi nada fácil - tanto a adaptação, quanto saberem coisas básicas, como medicações exatas, cuidados que ela necessitava… tudo era novo e precisava de calma. Como a Nick passou três anos no abrigo, isso significava metade da vida dela, e todas precisavam entender o tempo dela também. Viveu muitas coisas lá, passou pelo contato de mais de cem famílias e era difícil acreditar que ela fosse ser adotada por alguém. Quando as mães chegaram, fizeram de tudo para mostrar que tinham compreensão do sistema de saúde, que estavam muito dispostas a cuidar dela e que todos poderiam contar com elas para o desenvolvimento da Nick. O desenvolvimento não foi da boca pra fora, quando a Nick chegou ela não conseguia andar, mas em dois meses já tinha desenvolvido e estava com acompanhamentos, o cuidado e o afeto fizeram com que ela também tivesse muito progresso na comunicação, na socialização com outras pessoas adultas e com crianças e diversos progressos saudáveis para ela. Por mais que no começo tudo demorou a entrar em sintonia (era difícil identificar os choros, organizar a alimentação, etc) elas foram se conhecendo e se amando cada vez mais. Hoje em dia, vivem uma rotina intensa! Entre fonoaudiólogas, escolinha (Nick está na segunda série!), terapeutas, nutricionistas, gastros, psiquiatras, a alta que ela já ganhou na fisioterapia (♥), o ritmo de trabalho da Drika e da Jana que super se adaptou e a família que nasceu, é nítido ver o quanto as três crescem grandiosamente juntas. Drika tem 37 anos, é professora de educação física e está fazendo doutorado. Trabalha enquanto coordenadora de um projeto social e também participa de coletivos de militância política. Jana também é professora de educação física, mas concluiu a residência em saúde mental coletiva e atende num centro de orientação psicossocial para pessoas que fazem uso abusivo de álcool e drogas. A rotina dela é intensa, mas acreditam que é justamente nessa rotina que mora o amor: nos rituais diários, nos detalhes, na família que estão construindo - e que escolheram construir, nos laços de afeto que estão existentes quando compartilham decisões. Diariamente chegam em casa e conversam sobre o dia, sobre como estão ou o que viveram e acreditam que nesse ato está muito sobre o amor que vivem. Mesmo construindo uma relação entre muito afeto, elas têm muito medo sobre o que a Nick pode passar por ser uma menina negra, com deficiência e com duas mães. Por isso, elas querem que o crescimento da Nick seja numa sociedade sem LGBTfobia, num lugar que ela possa ser quem ela é. Nesses processos de desenvolvimento, estabelecem também em volta dela várias referências de raças, de pessoas, de crianças das quais ela consiga se ver representada. Querem que onde a Nick esteja, exista acolhimento, referência e afeto. Em 2016 a Drika e a Janis começaram a conversar mais, no diretório acadêmico da faculdade, quando militavam juntas. A Drika passou por um relacionamento bastante abusivo e a Jana deu um suporte para que se livrasse disso, foi um momento bem difícil que ambas passavam em suas vidas pessoais e se apoiaram enquanto amigas pela primeira vez. Logo depois, vieram as ocupações das universidades públicas e elas ocuparam o campus da educação física. Como se tratava de um campus menor, diferente dos outros, elas definitivamente foram morar lá. Haviam-se escalas para ficar na portaria, cuidar da segurança, etc. e elas ficavam juntas, além de ir nas reuniões, assembleia e participar do mesmo coletivo, o Alicerce. Na época, por ficarem sempre muito juntas, já brincavam de ‘shippar’ os nomes: era Drikaina ou Jaka. Tudo faziam em dupla. Quanto à ocupação, foi um sucesso! Tiveram os objetivos negociados e na comemoração foram todos para uma festa. Nessa festa, elas se beijaram - mesmo com muito medo de estragar a amizade, mas deu certo. Logo depois, Drika passou o ano novo com a Jana, alguns amigos e familiares dela. De lá em diante, não se desgrudaram mais. Logo no começo do relacionamento, a Jana se formou e a Drika ainda iria estudar mais um tempo. Drika morava em Canoas e, na época, a Jana morava em um bairro mais distante em Porto Alegre: o Belém Velho. O campus que elas estudavam ficava em um bairro que não conversava com essas distâncias, então era tudo de certa forma longe, e elas decidiram mudar esse ponto: a Drika chamou a Jana para morar com ela em Canoas. Aos poucos ela veio trazendo as coisas, em mochilas mesmo, ou como elas brincam: em prestações. No começo, ao morarem juntas, enfrentaram uma questão muito difícil: a dificuldade financeira. Elas sobreviviam com a bolsa que ganhavam da universidade - de R$ 400 cada uma, e nisso entrava tudo: as passagens, a alimentação, as contas. Na época da formatura, Jana ganhou de presente o dinheiro para fazer a carteira de motorista, mas nunca a fez, visto que esse dinheiro foi usado para salvar elas por alguns meses. Entre a bolsa e a faculdade, elas vendiam camisetas, Jana chegou a trabalhar em bar e procuravam sempre uma forma de se virar. O primeiro respiro que tiveram foi quando a Jana conseguiu um estágio, depois tudo foi mudando. Dentre os altos e baixos, o mais certeiro era o quanto elas se apoiavam. Se fortaleceram, foram fortalecidas por suas mães e estavam sempre em parceria. Juntas, passaram pelo fim da faculdade, pela residência, pelo mestrado e pelo doutorado. Nesses processos, elas sempre se consideraram casadas. Não sentiam urgência em oficializar, até que o foraBolsonaro foi eleito e elas resolveram mudar as coisas. Viver a campanha dele foi exaustivo, estavam ativamente na rua em oposição e sentiram que o melhor que poderiam fazer depois dele eleito era reafirmar o amor delas em um ato oficial. Foi então que juntaram os documentos, os amigos - que tocam em uma banda - foram para um sítio, cada um levou uma bebida e fizeram uma festa que uniu todos: os amigos, a família, a militância, a música… quem amavam. Contam que foi a melhor noite que já viveram. Já o tema de aumentarem a família, chegava de vez em quando: primeiramente, pensaram na inseminação. Drika tinha vontade de gerar, chegaram a procurar, fazer exames, mas sentiram que não havia tanta necessidade - desconstruíram a ideia e partiram para uma nova: a adoção. A Drika é adotada e elas sempre falaram sobre a família ser uma escolha que o coração faz, então começaram a pesquisar sobre e participar de grupos. Ainda em 2019 entraram com todos os papéis necessários. Fizeram uma série de entrevistas com psicólogas, assistentes sociais e então começou a pandemia. Isso atrasou tudo, ficaram muitos meses com tudo parado no curso inicial obrigatório de adoção porque o sistema ainda não tinha se adaptado para o modo online. No começo, antes da pandemia, elas tinham colocado no formulário uma faixa etária diferente, depois recorreram para uma idade maior e também para a opção de ser mais de uma criança, poder ter doenças tratáveis e com questões de saúde mental. Quando foram para a parte final do curso, acabaram fazendo sozinhas (sem outros casais acompanhando) e isso fez com que ficassem muito livres para conversar e tirar todas as dúvidas com as assistentes sociais. Foi quando uma delas falou sobre uma menina que poderia se encaixar para elas, mas não deu mais detalhes. Em janeiro de 2021 entraram em contato, pediram para elas irem até o fórum porque tinha uma criança e não queriam que elas fossem habilitadas no sistema de adoção antes de conversarem sobre ela. Foi quando, pela primeira vez, conheceram a história da Nick. Nesse momento, já sabiam que iriam adotá-la, Drika se emocionava toda vez que estavam falando sobre ela. Conheceram a Nick por vídeo, deram seguimento no processo da adoção, fizeram testes de Covid-19 necessários e foram conhecer ela pessoalmente pela primeira vez. Nick nasceu com microcefalia por conta de uma toxoplasmose congênita, tem impacto na visão e está dentro do “guarda chuva” da paralisia cerebral. Sua dificuldade está no ato de comer e engolir saliva, o que pode causar acúmulo de líquidos nos pulmões, tornando-a do grupo de risco para qualquer doença respiratória - como o Covid. Por mais que possua algumas diferenças no quesito saúde, é uma criança repleta de amor, carinho e risadas, que se diverte muito com as duas mães. ↓ rolar para baixo ↓ Drika Janaina
- Joyce e Gabi | Documentadas
Na intensa rotina de trabalho que Gabriela e Joyce possuem, nos encontramos num final de semana no centro do Rio de Janeiro. Gabi trabalha em farmácia, Joyce em supermercado, são horários bastante cheios e cotidianos exaustivos. Elas moram em Duque de Caxias, região da baixada fluminense, e o que mais gostam de fazer juntas - além de cozinhar (sempre acompanhadas de vinhos) e tirar fotos das coisas por aí, é também ir até o Rio para aproveitar a praia e descobrir lugares novos - ser turista na própria cidade. É justamente entre a dinâmica pouco fácil de uma rotina cheia, de horários de trabalho que não nos dão muitos momentos de descanso e de uma vida agitada que elas entendem o quão é importante se esforçar para enxergarem o amor na relação que vivem. Já são mais de 6 anos morando juntas, Joyce acredita que o amor está nos pequenos gestos do dia que demonstram uma pela outra - uma somatória de coisas que vão se acumulando, fazendo com que a paixão siga existindo. Conta que desde o começo, como não tinha dinheiro, demonstrava escrevendo cartas, imprimindo fotos, criando coisas personalizadas… Hoje em dia, mesmo odiando café, por exemplo, sabe o quanto a Gabi ama e faz café pra ela, compra cafés diferentes quando vê no mercado, sempre quando sai sozinha traz algo que lembrou a Gabi para demonstrar o quanto ela estava presente em pensamento… e sente que nesses pequenos gestos estão vivos os significados do amor. No momento da documentação Gabi estava com 33 anos e Joyce com 24. Por mais que hoje em dia essa idade ainda tenha seu peso pelas diferenças, quando elas começaram o relacionamento, tudo era ainda mais conflituoso. Na época, Joyce nunca tinha se relacionado com mulheres. Gabi tinha uma vida mais agitada, era uma mulher independente, trabalhava numa drogaria próxima à casa da Joyce e foram assim que se viram pela primeira vez. Foi Joyce quem se interessou pela Gabi - e Gabi estava num momento de querer sossego, pensou que era melhor não retribuir interesses, principalmente pela diferença de idade. Mas quando se deu conta já estava entregue e interagindo. Não foi um início fácil, bem pelo contrário. Viveram muitos problemas vindo por conta da não aceitação familiar da Joyce. Ela até então era uma mulher que vivia uma cultura cristã, com padrões sociais, e pensava que no momento que descobrissem até poderia ficar tudo bem pois tinha um tio gay que era casado há anos e aceito na família… mas não foi apoiada nem por ele. Todos foram contra, gerando confusão ainda maior. Gabi foi a mais prejudicada, pois envolveram o trabalho dela, passando por uma grande exposição. Precisou mudar de loja e só não foi demitida porque era uma funcionária exemplar. Todos os conflitos familiares que viveram começaram quando tinham cerca de 6 meses juntas, e duraram mais de um ano e meio, quando Joyce já tinha 18 anos e sem terem outras opções, decidiram morar juntas. Joyce conta que foi num domingo, se sentiu exausta após uma discussão muito grande e saiu de casa. Hoje em dia, aliviada, a família se dá muito bem. A mãe pediu desculpas para a Gabi, entende que a visão que tinha sobre a relação delas era muito distorcida e que a Gabi não era a pessoa que ela pensava. Gabi entende também que as coisas mudam com o tempo e que a base para que tudo mude é o diálogo. Sente muito por não ter tido isso na infância, não foi ensinada a dialogar dentro de casa e não era algo instigado pela sua família. Ao decorrer da vida adulta tenta mudar isso de todas as formas e conversa o tempo todo: sempre está disposta a falar o que sente. Gabi entende que amar é respeitar, em qualquer âmbito. Pensa que talvez na família, no modelo em que vive, as pessoas não respeitam tanto - elas aceitam. Já nos amigos e no relacionamento, aí sim, é diferente: se sente respeitada de verdade, pode ser quem ela é, sem julgamentos, de forma livre. Num momento da conversa, lembram de um filme evangélico que viram uma vez e que fala sobre amar ser uma forma de não desistir, de passar pelas fases, persistir. Sempre pensam no filme quando as coisas estão difíceis, se impulsionam a acreditar no relacionamento, reforçam o amor que sentem. Joyce, por fim, fala sobre o quanto gostaria de mudar algumas vivências que possuem nos dias de hoje no dia a dia morando em Duque de Caxias e tendo as rotinas de passeios pelo Rio também, como o fato de que gostaria muito de sair andando na rua em paz. Comentou que quando vieram me encontrar para registrarmos essa documentação, desceram na rodoviária e estavam caminhando na rua em direção ao lugar que nos encontramos, nisso passaram dois homens de moto e gritaram “Quatro é par” em alusão à elas estarem ‘sozinhas’ e eles também. Reforça que o assédio que sofremos quando estamos na rua enquanto um casal de mulheres (ou enquanto mulheres quando estamos sozinhas) é uma das piores coisas que podemos sentir. E que só queriam estar vivendo bem enquanto um casal que sai na rua, sem essa violência, esse medo. Queriam sair de casa a hora que quisessem (muito cedo ou muito tarde) sem o medo acompanhando o tempo todo. ↓ rolar para baixo ↓ Joyce Gabriela
- Gabi e Mari | Documentadas
Ela conseguiu diversos trabalhos fazendo lettering em paredes e outros freelas com comunicação, e por mais que tivesse chegado aqui em dezembro com algum dinheiro guardado, ambas sabiam que o mesmo teria prazo para acabar. Quando a pandemia surgiu em março foi um susto muito grande, porque passaram por um aperto e por muitas incertezas. Ela parou de trabalhar e a Mari corria o risco de também ficar sem emprego. Por mais que ainda tentassem de diversas formas conseguir contornar as situações (no carnaval antes da pandemia, por exemplo, venderam sacolés - que chamaram de sacolésbicos! - e assim conseguiram dinheiro para aproveitar o feriado e pagar as contas), tudo gerava bastante medo de não conseguirem bancar e não sabiam muito o que fazer sobre, até porque a pandemia não mostra nenhuma outra oportunidade ou opção. Elas contam que a família da Mari foi essencial e muito acolhedora nesse momento também, foram muito importantes para que elas não se sentissem sozinhas, e que mesmo com os problemas financeiros, isso nunca afetou elas enquanto um casal nos sentimentos e no amor. Existem vários tratos que nunca precisaram nem serem especificamente feitos, foram surgindo naturalmente entre elas, de que quando uma está com menos dinheiro a outra tenta segurar as pontas, já que ambas estão sempre conversando sobre tudo. A parceria é muito forte nesse sentido. ♥ Por mais que hoje elas brincam e dão muitas risadas pelo começo rápido do namoro, a verdade é que ele não foi nenhum pouco fácil. Elas estavam muito felizes juntas, enquanto um casal, mas a vida da Gabi em Araras estava bastante complicada. Ela passava por muitos momentos complicados no trabalho e sofreu duras críticas dos amigos por ter começado a namorar tão depressa. Muitos se afastaram dela e nem quiseram tentar acompanhar o relacionamento dela com a Mari, ela se sentiu bastante triste e acabava vindo mais para o Rio porque não se sentia tão bem ficando em São Paulo. Além disso, a partir do primeiro momento em que ela esteve no Rio, criou uma conexão muito forte com a cidade. Ela conta que o Rio representa tudo o que ela sempre estudou, a antropologia está muito presente aqui o tempo todo, e acabava também que sempre que estava aqui conseguia bastante trabalho freelancer... as coisas iam acontecendo muito rápido. As pessoas sempre falavam que o lugar dela não era em Araras e um pouco antes delas completarem um ano de namoro sentiu que era o estopim e o momento: fez as malas e largou o emprego em São Paulo, veio apenas com a passagem de ida para o Rio! Assim que ela chegou, ficou hospedada na casa de um amigo e a ideia era ficar lá no primeiro mês, porém o lugar era bastante perigoso e a família da Mari achou melhor acolhê-la. As duas ficaram juntas e conseguiram alugar uma kitnet, por mais que o espaço fosse pequeno e que as coisas tivessem se ajeitando aos poucos, a família da Gabi também foi entendendo que ela estava mais feliz no Rio e foi apoiando a vinda dela, então ela foi conhecendo pessoas, distribuindo currículos e tentando empregos. De uma forma um tanto quanto aleatória, a Gabi viu o perfil da Mari sendo divulgado em algum Twitter LGBT de pessoas solteiras, mais em tom de brincadeira do que de seriedade, e resolveu segui-la, então a Mari seguiu de volta e elas se tinham nessa rede social. O tempo foi passando e em 2019 ambas estavam solteiras e interagiam em alguns tweets. Até que em um sábado, a Gabi estava estudando e resolveu beber... já estava começando a ficar alcoolizada e viu um tweet que a Mari fez sobre queijos (quem quer puxar assunto dá um jeito, né minha filha?) e resolveu responder, resumindo: começaram a conversar e um tempo depois a Mari estava pegando um ônibus, saindo do Rio de Janeiro e indo para Araras em pleno carnaval, para as duas se conhecerem! A Gabi foi buscá-la em Campinas, cidade próxima, e a rodoviária de Campinas tem dois andares, então ela conta que, enquanto estava no piso superior, ao ver a Mari saindo do ônibus, ela teve certeza que namoraria essa mulher. As duas se falaram, ambas nervosas, o papo fluiu, já era tarde da noite e quatro horas depois elas se pediram em namoro - ou seja, quando a família da Gabi acordou e foi dar bom dia para a ‘menina do Rio que finalmente chegou’, a menina já tinha virado ‘a namorada do Rio que finalmente chegou’. A Gabi tem 26 anos e é natural de Araras, interior de São Paulo. Se formou em Ciências Sociais com foco em antropologia e está cursando publicidade e propaganda, trabalhando atualmente em uma agência de publicidade, mas vive entre muitos hobbies, freelas e artes: pinta quadros, faz lettering, web design, curte fotografar, é líder de torcida e adora falar sobre muitos temas na internet, principalmente saúde mental. A Mari tem 31 anos, trabalha enquanto instrutora de informática e faz faculdade de educação física. Ama música, adora cantar, tocar vários instrumentos, já teve até canal no YouTube (alô, sapatão MPB!). Sempre adorou esportes e joga muita bola, além de arrasar na cozinha. Elas amam fazer coisas juntas, falam muito sobre o relacionamento nas redes sociais para incentivar mulheres a saírem do armário e falarem sobre conexões homoafetivas e também gostam muito de criar coisas juntas, a Gabi brinca que a Mari adora montar e fazer coisas, então, por exemplo, elas precisavam comprar um sofá e quando ela se deu conta a menina já estava vendo formas de fazer o próprio sofá! Hahahaha! Se pudesse, faria tudo! Hoje em dia, moram juntas com os gatinhos em um apartamento em que cada cantinho tem algo feito por elas, desde os quadrinhos nas paredes, até as plantas que cuidam juntas e o espaço aconchegante no quarto. Por mais que no primeiro encontro da Mariana com a Gabriela já tenha acontecido o pedido de namoro e isso soe bastante impulsivo e até mesmo um pouco inconsequente, hoje em dia, alguns anos depois, com alguns quilômetros de distância e morando juntas, elas são as pessoas mais sensatas e conscientes sobre suas atitudes que eu poderia conhecer. Não que uma pessoa que comece a namorar no primeiro encontro não esteja consciente da sua atitude, mas que poucas vezes vi casais que conseguem se equilibrar em tanto companheirismo como na tarde que eu passei dentro do apartamento da Gabi e da Mari, em Madureira, no Rio de Janeiro. Me peguei por muito tempo depois pensando se talvez tamanho companheirismo tivesse surgido pela correria diária que passaram juntas - porque nos momentos mais difíceis acabamos sempre nos fortalecendo - mas acredito que o que envolve tamanho amor entre a Gabi e a Mari é o quanto elas se impulsionam em querer ver bem, sobretudo, na saúde mental. Ambas estão sempre com diálogo muito aberto, compartilhando inseguranças, medos, conversando sobre o que sentem, sobre suas admirações e sobre seus olhares à forma de ver o mundo. A Gabi, quando falou da Mari e da importância que ela têm na luta pela saúde mental, se emocionou e deixou claro o quanto é grata pela mulher que a Mari se tornou. Por quem ela é. E a Mari, logo depois, completou com uma fala em que explicava que família é algo que nem sempre está ali para te entender em cada detalhe, mas para te apoiar e dar amor em o que você precisar. Tudo se encaixou entre elas, de alguma forma, nesse amar, admirar, se encontrar, encantar, apaixonar e confiar. A Gabi e a Mari acreditam que o amor entre mulheres envolve não só as relações românticas, mas saber admirar, apoiar, escutar, reconhecer e querer estar com outras mulheres. A Mari comenta que quanto mais descobrimos o mundo de amar e de nos apaixonarmos por coisas feitas por mulheres, por espaços compostos por mulheres… mais queremos estar nesses lugares, mais queremos conhecê-las, e também mais queremos exaltar seus trabalhos e quem essas mulheres são. A Gabi conta também a importância de ter outras mulheres na nossa vida para nos referenciarmos… desde nos nossos trabalhos, na nossa faculdade, nos espaços que antes eram majoritariamente ocupados por homens. Ambas acreditam que para que a sociedade como um todo mude e para que a gente cresça, é preciso uma reeducação sobre o machismo (e sobre os preconceitos em geral), além de uma redistribuição de cargos públicos, de renda, de condições de vida. Para que ninguém mais passe pela fome, que ninguém mais sofra discursos de ódio e que a gente não viva no caos porque o caos só beneficia o lado de um sistema que realmente não quer saber da gente. Que saibamos ir além dele. ♥ Mariana Gabriela
- Sofia e Carol | Documentadas
↓ rolar para baixo ↓ Entre tudo o que gostam de fazer juntas na rotina caseira num apartamento no centro de da cidade, Sofia e Carolina descobriram o maior dos hobbies em comum: o gosto pelo café. Apelidaram carinhosamente de “ritual”, mas estudam, adoram organizar todos os equipamentos e descobrir novos tipos de grãos. É o momento mais precioso dentro de casa. Sofia, no momento da documentação, estava com 47 anos. Ela é natural de São Paulo, trabalha com um blog de viagens e morou um tempo em Salvador. Carol, no momento da documentação, estava com 38 anos. Ela também é natural de São Paulo e trabalha enquanto fisioterapeuta. Brincam sobre como são pessoas preguiçosas, porque só vão em shows que tenham assentos e que não são muito festeiras, não curtem muito viver o carnaval. Por outro lado, adoram explorar a cidade de outras formas, como andar de bicicleta e de moto. Desejam em breve começar viagens juntas de moto para lugares um pouco mais distantes que o comum. Carol entende que foi Sofia quem trouxe ela de volta à vida através do amor. Foi esse amor que permitiu um redescobrimento sobre quem ela era: desde usar o cabelo que sempre quis (mas que nunca pode por conta de outro relacionamento bastante abusivo), até usar as roupas que deseja sem sentir medo de acharem que ela “está muito sapatão”. Entende, agora, que isso nem é um problema - o problema era ela não viver a vida antes. Hoje, acredita nas energias, nas espiritualidades. Sente que o caminho delas estava para se cruzar há muito tempo e que isso só aconteceu para crescerem juntas, pois estão sempre dispostas uma para a outra. Foi através do Happn, um aplicativo de relacionamentos, que o caminho delas literalmente se cruzou. Sofia, antes de entrar no aplicativo, foi casada por 11 anos. Decidiu baixar e se render à tecnologia porque antes, em outra época, isso não era possível. O ‘match’ aconteceu no final de dezembro, dia 28, mas não se encontraram até o réveillon (ela tentou, Carol não se sentiu confortável sendo tão rápido). Dia 31, foi para Salvador, passar a virada do ano. Conversaram pelo Whatsapp por um tempo, compraram um ingresso para o show do Milton Nascimento que teria em São Paulo (e era uma boa desculpa para se encontrarem pela primeira vez). Porém, a conversa foi esfriando até a data chegar. Sofia estava decidida: iria se mudar para Salvador. Conseguiu um apartamento lá para alugar, conheceu pessoas e se interessou afetuosamente por uma delas… Quando voltou, não sentia mais tanto clima para interagir com a Carol, então marcaram de pegar o ingresso e tomar um café antes do show, como amigas. Inicialmente, a ideia não era nem verem o show juntas, se não sentissem à vontade. Mas ao chegar no café, conversaram por duas horas e se deram muito bem. Decidiram ir ao show, encontraram uma amiga da Carol antes, beberam cerveja e depois do show continuaram a noite em um buteco. Porém, mesmo ficando até 4h da madrugada na noite, existia uma questão: a mudança para Salvador era na manhã seguinte do show. Depois do buteco/e do show, quando chegaram em casa, se falaram pelo Whatsapp e abriram o jogo: sentiram muita vontade de se beijar. Até cogitaram se reencontrar, mas o dia estava quase amanhecendo, a mudança teria que acontecer, Sofia também pensou na pessoa que gostava em Salvador e seguiu seu caminho. Carol ficou triste, passou uns dias bastante abatida, parecia que tinha vivido um término de namoro. No dia 2 de fevereiro, logo em seguida, chegou a ir para Salvador porque já tinha a viagem agendada com uma amiga, mas lá não encontrou Sofia. Depois disso, a pandemia começou e ficou tudo mais difícil. Sofia começou relacionamentos por lá, mas seus planos de viver a cidade em si não deram certo, acabava a maior parte do tempo trancada em casa. Carol, por sua vez, vivia outra situação em São Paulo. Conta que por cerca de 6 anos se relacionou com uma pessoa, que chegou a morar com ela. Não era um namoro porque elas não assumiam (nem publicamente, nem aos mais próximos). Ela já tinha rompido essa relação, porém, quando a pessoa descobriu a existência da Sofia, ‘mudou’ suas atitudes e quis estar de volta. Acontece que as atitudes não mudaram, de fato. Aos poucos Carol entendia o quanto isso era abusivo. O fato de ter gostado de alguém virou um fantasma na vida dela, uma sombra. A pessoa olhava o celular dela o tempo todo, tudo virava uma briga, o nome da Sofia sempre rondava a casa. Acabou bloqueando Sofia no Instagram, como forma de tentar cessar as brigas. A importância que Carol vê em falar sobre essa vivência vai muito de encontro ao que ela viu na Sofia como uma oportunidade de viver algo que sempre quis, um relacionamento assumido, com afeto, sem cobranças sobre como ela deve se vestir, que respeita como ela é, com comunicação. Mas além disso, fala muito também sobre precisarmos falar que existem relacionamentos abusivos entre mulheres e que precisamos nos conscientizar. Não relativizar quando as pessoas nos fazem sentir mal, nos cobram, nos ditam o que devemos ser, desconfiam. É preciso buscar acolhimento e sair dessas situações. Depois desse hiato em que Sofia viveu Salvador na pandemia e Carol se livrou mais uma vez daquele relacionamento que vivia, decidiu adicioná-la no Instagram novamente, porém por outro perfil. Conversaram sobre a pandemia, sobre a vida, e passaram a se comunicar novamente todos os dias. Um tempo depois, Carol comprou uma passagem e foi para Salvador. Elas não sabiam se iriam se dar bem, era uma primeira convivência de dias, mas tudo deu certo. Depois disso, Sofia também veio a São Paulo, ficou um bom tempo. Aos poucos, foi conhecendo sobre a relação que Carol viveu e trazendo acolhimento. Queria muito pedir ela em namoro, achava que ela merecia isso, e o pedido acabou acontecendo nessa vinda, quando aproveitaram e foram para um chalé na serra paulistana. Viveram a distância Salvador - São Paulo por um tempo, ainda na pandemia, e estava tudo bem difícil. O contrato da Sofia estava próximo de vencer, então pensou em voltar para São Paulo. Decidiram morar juntas, justificam: “Se a Carol fosse morar em Salvador, ela iria morar comigo. Por que eu vindo pra cá não poderia morar com a Carol?”. Depois da mudança, casaram-se. No dia de Iemanjá. Sofia e Carol adoram as coincidências que possuem juntas. Para além do café, as músicas, os lugares… Sofia fala como é importante poder ser quem ela é de verdade com a Carol, como ela nunca tinha vivido isso de forma tão plena, a forma que se sente à vontade com alguém, em liberdade. Carol só conseguiu entender a relação que viveu depois que passou por tudo. Hoje em dia, valoriza o quanto ela e a Sofia podem ser quem são na rua, nas redes sociais, podem pegar na mão quando saem pela cidade. E aprende diariamente a viver uma relação saudável, a superar os traumas e a não querer pesar as coisas. Adora a rotina agradável que vivem. Ambas mudaram muito suas visões sobre o amor depois que passaram a se relacionar. Não são muito próximas de suas famílias e nem possuem um número extenso de amigos, mas os que existem são pessoas que amam, confiam, que estão na vida delas há anos. Entende respeitar o tempo de cada pessoa, o limite das coisas, é o essencial para que tudo dê certo. Querem um amor leve, que conversa e que entende. Carolina Sofia