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Yulli foi mãe muito nova então por muitos anos pensou que se ela era mãe, ela era hétero. Passou por um processo diferente onde foi entendendo sua liberdade, individualidade e possibilidade de amar outras mulheres… Conheceu Nadine num momento muito bom, onde já conseguia falar abertamente sobre aceitação - de amar outras mulheres e de amar a si mesma. Foi um momento em que estava aberta a viver um amor tranquilo.

 

Estavam em um bloco carnavalesco bastante conhecido em Porto Alegre, o Bloco da Laje, em 2024. O evento estava no fim, foi na fila do banheiro químico. Nadine sempre amou o Bloco, enquanto Yulli ia pela primeira vez, com um grupo de amigas professoras. Antes de ir embora, Nadine foi ao banheiro e ouviu o grupo de amigas da Yulli falando que eram professoras e interagiu, por ser professora também. Entre aquela fila, o clima de carnaval e toda festa ao redor, elas se olharam e arrumaram uma forma de conversar. Foi quando Nadine perguntou a profissão da Yulli, ela disse que era professora também, lançou uma cantada e elas se beijaram. Trocaram Instagram, seguiram a festa.

 

Aos poucos, interagiram com algumas curtidas no Instagram, puxaram alguns assuntos sobre política e marcaram de sair na semana seguinte. Não sabiam muito o que esperar desse encontro, poderiam se dar bem… mas também poderia ser algo completamente aleatório. Não se conheciam, não tinham amigos em comum ou sabiam os gostos. Só sabiam a opinião política, que trabalhavam na área da educação e que gostavam de músicas semelhantes - pelo o que viram nas redes sociais. Quando conversaram sentiram que tinham muitos pensamentos semelhantes, Yulli resume: “Eu pensei assim... Meu Deus, você conhece isso? Como assim? E aí... Nosso encontro... Foi muito bom”.


Seguiram se encontrando. No segundo encontro, dias depois do primeiro, conversaram até às cinco da manhã num bar. Continuaram se vendo com frequência, mas Nadine garante que desde o segundo dia já estava apaixonada. Até verbalizou isso um dia para Yulli. Cerca de duas semanas depois, marcaram um encontro na Casa de Cultura Mario Quintana (local em que fizemos a documentação acontecer) para assistirem um filme no cinema, mas o filme foi péssimo, não entenderam nada, então decidiram sair e beber alguma coisa. 

 

Naquele dia foram ao mercado depois de beber, compraram coisas, montaram um jantar, dormiram juntas e pela primeira vez tiveram a experiência de ter um contato enquanto um casal. Acordarem, Nadine foi trabalhar, viveram o dia… Depois disso algo despertou sobre a vontade de viverem a relação, se conhecerem e estabelecerem essa intimidade maior.

 

Num final de semana pouco tempo depois desse dia, estavam num bar com uma amiga da Yulli e enquanto Nadine foi ao banheiro, Yulli comentou: “Se der tudo certo em mais um mês, eu vou pedir ela em namoro”. Mal sabia ela que, ao voltar do banheiro, Nadine faria o pedido. Ela decidiu que estava sendo tão legal, tranquilo, que poderiam começar a namorar.


Com pouco tempo desde o início do relacionamento, aconteceram as enchentes em Porto Alegre e a família da Yulli morava em um ponto muito vulnerável que foi tomado pelas águas. Nadine foi muito importante indo até a casa da irmã de Yulli, ajudando a limpar e estando presente. Nadine morava em Canoas, cidade que também foi muito afetada pelas enchentes, mas sempre fez questão de ajudar a família da Yulli. Em alguns momentos o trajeto que faziam em 15 minutos de carro chegou a demorar três horas. Reforçam como foi importante todo o tempo que passaram juntas, porque estavam muito vulneráveis não só pelo momento em si que era um momento doloroso, inseguro, mas pela falta d’água, por ver a família e os amigos em situações delicadas, por ter que ficar dentro de casa muitas vezes isoladas…

 

No momento mais difícil a saída que arranjaram foi ir para o litoral, como boa parte da população, principalmente pela falta de água e luz. No meio de toda a dor, Yulli passou por um luto, Nadine foi grande suporte para que ela tivesse acolhimento e ajuda nos cuidados com os filhos. 

 

Nesse momento da documentação, inclusive, perguntei sobre a adaptação com os meninos. Como era o início da relação, como foi a apresentação de Nadine para os filhos de Yulli e como é a convivência hoje, visto que moram juntos. Nadine contou que nunca havia se relacionado com alguém que tivesse filhos, mas nunca foi um empecilho, sempre quis vivenciar isso. Eles demoraram dois meses para conhecê-la, mas ela usou uma tática que foi: levar seu cachorrinho, o Joaquim, já que criança adora bichos, assim já conquistaria eles de cara, e marcaram de passear no parque. Deu certo. O mais velho, Pedro, é mais observador, mas o Fernando é conversador e foi tranquilo. Foram construindo a relação e aos poucos surgiram as falas “O Fernando perguntou de ti…” “O Pedro perguntou de ti…”. Agora brincam muito juntos e Nadine adora a forma que foi recebida. Eles nunca nem cogitaram questionar o fato da mãe estar se relacionando com outra mulher.



 

Yulli estava com 31 anos no momento da documentação, é professora e trabalha com alfabetização, ama sua profissão e é muito feliz nela. Também é mãe de dois meninos, o Pedro (com 9 anos) e o Fernando (com 5 anos).  É natural de Porto Alegre, adora correr, praticar yoga e divide seu tempo de qualidade com os filhos e com o entendimento de não se esquecer enquanto mulher, indivíduo, que possui suas necessidades e que quer estar sempre em crescimento - ser uma profissional melhor, uma mãe melhor, uma companheira melhor. 

 

Nadine estava com 24 anos no momento da documentação, é formada em história e estudante de letras. Sempre esteve muito ligada à educação, política, ao movimento social e acredita que a educação é capaz de mudar qualquer pessoa. Adora estar com os amigos, na rua, conhecendo pessoas. Se entende desde muito nova enquanto mulher lésbica e sempre foi muito aberta quanto à isso, com seus pais e as pessoas com quem convive. É uma mulher neurodivergente, uma pessoa com TDAH e conta que aprendeu a viver com isso, e também está aprendendo a ser madrasta, construindo essa troca de amor com os meninos. 


Hoje em dia, Yulli e Nadine já adotaram outra cachorrinha, a Laika, e indo morar juntas uniram o Joaquim (que era cachorrinho da Nadine) com o Sombra, gato da Yulli e os meninos, Fê e Pedro, viraram uma grande família. 

 

Yulli enxerga o amor que vivem dentro dessa família no poder da escuta, da conversa e do cuidado - é onde conseguem se olhar e conviver sem apontamentos, julgamentos, sendo acolhedor estando confortável na liberdade de poder ser quem você é. Explica que surgem questões e que conseguem separar o que é da relação e o que não é, por exemplo: isso aqui vem de antes, preciso trabalhar na minha individualidade. E entende que isso também é cuidado e responsabilidade afetiva. 

 

Nadine explica que vê política em tudo e às vezes fica até mal com isso, Yulli acaba tendo que consolar ela sobre o quanto a política afeta sua vida. Mas não consegue não vincular o amor que vivem com um impacto extremamente político. Não saberia viver esse amor hoje se não tivesse construído várias etapas na sua vida, sendo a adolescente que se entendeu lésbica, se não tivesse tido todas as conversas que já viveu com sua família, se não passasse por sua militância que a construíu como mulher… Hoje em dia vê o amor que constroem chegando nos seus pais e na família de Yulli, eles brincando com os meninos, os meninos tomando banho de mangueira, é uma experiência única porque é o amor reverberando para outros lugares - virando a educação deles e virando um espaço seguro para todos eles  viverem enquanto uma família. 

 Yulli 
 Nadine 
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