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Yula e Rebeca se conhecem desde a infância, quando eram bem pequenas e moravam na mesma rua. Enquanto Yula ficava sentadinha colhendo flores e brincando de miçangas, muito comportada por conta do olhar mais rígido de sua avó, Rebeca andava de bicicleta, brincava de polícia e ladrão e “vivia se quebrando”. Yula lembra que sua avó não deixava ela brincar com Rebeca, que era considerada “bagunceira demais”, praticamente uma má influência. Riem hoje quando lembram do oposto: uma quietinha, a outra apocalíptica.

 

Com o tempo, acabaram se afastando. Rebeca se mudou para outra rua no bairro, mas nunca mais se encontraram… nem mesmo na adolescência, ainda que frequentando os mesmos espaços e conhecendo as mesmas pessoas. Rebeca chegou a morar na mesma rua onde Yula vivia com a avó, depois de ser expulsa de casa ao se assumir uma mulher lésbica, mas não se encontraram. Anos depois, também pegava o ônibus bem em frente à casa de Yula todos os dias, via os parentes, via amigos em comum, mas não via Yula. Foi muito tempo de caminhos separados. 

 

O reencontro aconteceu em 2024, quando Rebeca estava num bar com um amigo, recém-solteira. Ele super animado com a nova fase, resolveu criar um perfil em aplicativos de relacionamento para ela, mas ela não entendia nada disso, achou uma brincadeira besta. No meio da conversa e das cervejas, Rebeca abriu o Instagram e viu uma foto de Yula, comentou com ele como ela estava bonita - por serem amigos em comum - e ele contou que ela ainda morava ali perto, justamente onde ela frequentava pegando ônibus e tendo sua rotina. No fim da noite, entre risadas e já bêbados, Rebeca decidiu mandar uma mensagem para Yula puxando um assunto.



 

 

Quando Yula e Rebeca começaram a conversar, depois de anos sem contato, reacenderam a conexão e combinaram de sair algumas semanas depois. Esse intervalo deixou Rebeca desesperada: não sabia puxar assunto, ou pior, manter o assunto online. Ela não é uma pessoa que gosta de ficar online, consumindo conteúdos ou conversando o tempo todo. Tinha um celular velho e um papo muito direto. Um amigo virou praticamente o cupido (ou salvador) do relacionamento: ajudava a formular respostas, dava ideias do que dizer… Yula lembra que Rebeca conversava mais durante as manhãs, que era justamente quando o amigo também estava por perto ajudando nas mensagens.

 

O primeiro encontro foi no parque, fazendo uma longa atividade física. Não era o que Yula esperava, ela não era uma pessoa que fazia trilhas ou andava de bicicleta por aí, mas topou. Foram até um igarapé, se divertiram muito, e esse virou um dos programas favoritos delas: um pouco de parque, um pouco de café. Começaram a construir essa rotina de espaços tranquilos ao ar livre e momentos de conversa em cafés comendo comidas gostosas. 

 

Rebeca conta que tem esse impulso de fazer programas inusitados, adora tomar cafés em lugares diferentes. Com a facilidade da moto, ela decide e solta: “Bora tomar café na praia?” ou “Bora dirigir tantos quilômetros só pra tomar um café em tal lugar?”. Ela já fazia isso sozinha, mas agora, com Yula, esses momentos se tornaram ainda mais especiais. Desde o início, as duas toparam as ideias uma da outra e isso encanta a relação de uma forma afetiva. 


 

 

Rebeca conta como foi divertido a primeira vez que “se apresentou” para a mãe de Yula. Por terem crescido no mesmo bairro, a mãe já a conhecia desde criança e, ao vê-la, logo soltou: “Menina, eu te conheço!”, imitando a forma única que a Rebeca tem de andar. Ao compartilhar memórias, a relação foi se aproximando. No final daquele mesmo ano, já estavam passando as datas comemorativas em família. Mesmo com alguns meses, ainda não tinham nomeado a relação como um namoro oficial, o pedido só aconteceu mesmo em 2025.

No momento da documentação, Rebeca compartilhou que estava juntando dinheiro há algum tempo para comprar uma casa, com planos para o ano seguinte. Mas, há uns dias, viu uma casa ideal à venda e descobriu que era de uma amiga, então começaram a conversar sobre e fez uma visita com calma. Ela e Yula amaram a localização, por ser no bairro que se conheceram e o preço estava dentro do que imaginavam. Sentiram que era uma oportunidade. Deram entrada na documentação e estavam vivendo esse início da nova fase de forma feliz, ainda um pouco anestesiadas e sem acreditar completamente no que estava acontecendo, entendem que o próximo ano será de construção.

 

Para Yula e Rebeca o amor se manifesta no cotidiano, nos gestos simples que tornam a rotina prazerosa. Um exemplo disso são os cafés da tarde que compartilham (momentos diários que, mesmo repetidos diariamente, carregam afeto e tornam-se especiais). Para elas, amar é justamente aquilo que transforma a repetição em conforto, o hábito em alegria. O amor é o que faz a rotina ser boa. 

 

A mãe de Yula apelidou as duas de Professor Girafales e a Dona Florinda, já que, pela proximidade das casas, Rebeca passava todos os dias pela casa da Yula para tomar café após o trabalho. Acontece que com o tempo isso foi se estendendo… Primeiro era entrar e tomar um café, depois a conversa seguia até anoitecer… Agora, já sabe que o café se estende até a noite e ela dorme lá, brincam que nem lembram mais como é dormir sozinhas. 

 

O amor também trouxe mudanças no ritmo da vida de Rebeca, porque ela se sente uma pessoa agitada que gosta de fazer mil coisas ao mesmo tempo, então reconhece que o amor possibilita ela desacelerar. Estar apaixonada é conseguir viver o presente com mais consciência, paciência, equilíbrio e presença. E isso se estende não só no relacionamento, mas para encontrar equilíbrio nas outras relações da vida também. 

 

Rebeca estava com 24 anos no momento da documentação. Trabalha como enfermeira no pronto-socorro, cursa mestrado estudando a biologia amazônica e também é tutora online de um curso para agentes comunitários de saúde. Nasceu em Belém do Pará, mas passou alguns momentos da vida em Bragança, cidade interiorana no Pará. Seus hobbies envolvem construir ou consertar coisas: comprou uma moto em um leilão, por exemplo, só pelo prazer de reformá-la como ela gostaria. Está sempre reformando móveis ou fazendo instalações elétricas, adora trabalhar com diversos materiais, mexer com ferramentas e dar vida nova ao que parece velho.

 

Yula estava com 22 anos no momento da documentação. É psicóloga clínica recém-formada, com atuação voltada para mulheres e pessoas LGBTs. Gosta de ler e está se reconectando, aos poucos, com as atividades físicas e a natureza, inspirada pelo relacionamento com Rebeca. Cresceu entre Belém e Bragança (também) e lá adorava o contato que tinha com a natureza, por isso também está tão feliz em aos poucos se reconectar. O parque em que nos encontramos para fazer a documentação acontecer tem sido o lugar onde elas passam uma parte do tempo caminhando, respirando, se divertindo e cuidando de si. 

 Yula 
 Rebecca 
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