Dayanne estava com 34 anos no momento da documentação. Nasceu em Aracaju e é psicóloga, professora e musicista. Com três trabalhos que refletem suas paixões, a música sempre esteve presente na sua vida, enquanto a psicologia surgiu ainda na adolescência, em uma feira de profissões que a fez descobrir seu caminho. Depois, o mestrado a levou à carreira docente, onde também a realizou. Além da rotina intensa, ela adora assistir séries e viajar para conhecer novas culturas e lugares. No palco, seu talento brilha: toca surdo, teclado, instrumentos de percussão, canta e integra uma banda de samba, mostrando que a música é um caminho, samba é democracia.
Vanessa estava com 32 anos no momento da documentação, é natural de Simão Dias, no centro-sul de Sergipe, e chegou a Aracaju em 2017 para estudar. Criada em um povoado, onde o ritmo da vida era mais conectado à natureza e respeitando o tempo das coisas, teve um grande choque cultural ao se mudar para a capital. Após abandonar o curso de enfermagem por dificuldades em conciliar trabalho e estudos, encontrou sua verdadeira vocação em marketing, alinhando a paixão pela comunicação ao seu histórico como produtora cultural no interior. No passar dos anos foi convidada para ser educadora e, mesmo tendo uma avó e uma mãe educadoras, nunca foi algo que ela tinha imaginado trabalhar - e aqui ressalta que sua mãe, merendeira, talvez nem saiba que era educadora, mas que toda pessoa trabalhadora de escola educa e merece ser tratada enquanto educador. Hoje, ocupa um lugar de educadora antirracista, acredita que é sua missão de vida - e que sua espiritualidade chegou para confirmar.
Ambas destacam a importância de serem retratadas como mulheres pretas, candomblecistas, conscientes de seus corpos vulneráveis, mas plenas em sua capacidade de ocupar espaços - que até mesmo quando crianças não imaginavam que poderiam estar ocupando. Sabem que todos os lugares que habitam têm uma dimensão política, e levam isso consigo, seja estudando, conversando, refletindo ou se divertindo. Com personalidades vibrantes e muito ligadas à rua, ou melhor, “rueiras”, são mulheres que amam estar no mundo, vivendo intensamente e construindo histórias significativas.
Dayanne nunca foi de paquerar, muito menos pelas redes sociais, mas em 2022 Vanessa a seguiu no Instagram e logo chamou sua atenção. Ela chegou a comentar com uma amiga: “Nossa, que menina bonita!”. Já tinha visto Vanessa em alguns sambas e resolveu segui-la de volta. Aos poucos, as interações começaram com reações aos stories e passaram a sugerir encontros presenciais. Quando finalmente se viram, parecia que já se conheciam há anos. A conexão foi imediata e diferente de tudo que já tinham vivido. Dayanne, em especial, enfrentava um momento de confusão interna e refletia: “É agora? É essa pessoa?”. Percebeu que o que sentia era genuíno e forte, e que o amor, como estava vivendo, poderia ser algo tranquilo, leve e livre, sem controle ou imposições.
No primeiro encontro, combinaram de se encontrar no apartamento de Dayanne antes de irem a uma festa temática dos anos 90. Chegaram ao evento de mãos dadas, como se já fossem um casal. Riem ao lembrar que o local não era nada romântico: músicas do É o Tchan tocando alto, precisando gritar para se ouvir. Felizmente, o tempo no apartamento garantiu que se conectassem antes do caos da festa. Desde aquele dia, continuaram se encontrando, e tudo foi acontecendo naturalmente, com leveza e diversão.
Com o tempo e muitas conversas, descobriram curiosidades que pareciam unir ainda mais os caminhos: os pais de Dayanne, por exemplo, se conheceram no povoado onde Vanessa nasceu. Esses detalhes só reforçaram a sensação de que já estavam ligadas de alguma forma. Tudo foi acontecendo de forma bonita e intensa, ao mesmo tempo que se estende de forma leve, divertida, tranquila, diferente do que já se imaginaram vivendo. Aprendem, assim, que o amor é sem querer controlar o desejo do outro, “sem querer fazer com que o outro seja o que eu quero que ele seja”.
Dayanne e Vanessa fazem questão de manter uma comunicação aberta e honesta, sempre conversando sobre seus desejos e construindo a relação com cuidado e atenção. Como diz bell hooks, o amor é uma escolha. Não o que ele desperta na hora que você sente, mas o que você vai construir com isso, como ele vai ser construído na relação. Por isso, fazem questão de considerar seus desejos e falam sobre eles o tempo todo.
Vanessa cresceu em um lar onde a igreja católica estava presente no mesmo terreno da sua casa, porque sua avó doou parte do terreno para a construção. Frequentou o catolicismo até os 18 anos, mas sempre teve interesse por outras culturas e religiões, simpatizava com tudo o que era do povo preto. Com o tempo, decidiu se afastar das igrejas e, quando conheceu Day, soube que ela já era parte de um terreiro em São Cristóvão (cidade em que fizemos as fotos). Apesar disso, Dayanne nunca a pressionou a frequentar - e tinha o cuidado de não a influenciar. Vanessa passou a visitar terreiros urbanos por curiosidade e interesse, mas frequentava de fato religiões. Na época, dividia o lar com a irmã, que era evangélica, e até se permitiu algumas vivências na religião dela também. Quando passou a frequentar mais os terreiros, sentia-se limitada por não poder vivenciar isso livremente em casa. As vivências se intensificaram perante o reconhecimento na religião e, em meios a essas conversas e necessidades, Day e Vanessa decidiram morar juntas para viver com mais liberdade e acolhimento.
São Cristóvão se tornou um símbolo importante na trajetória delas. Além de ser a cidade do terreiro que conecta suas crenças, foi lá que aconteceu o pedido de casamento, em um show de Rachel Reis, cantora que amam. Agora, sonham em construir uma família candomblecista, dando continuidade ao amor, à ancestralidade e às crenças e aos valores que compartilham.
Day conta que se abriu sobre sua sexualidade para a família há pouco tempo. Antes de contar, enfrentou o medo da rejeição, mas foi acolhida com amor e apoio. Sua família não apenas a aceitou, mas ajudou a realizar o sonho de comprar a casa onde vivem. Esse acolhimento foi crucial para que ela se sentisse segura sendo quem é, tanto em casa quanto em outros espaços, como no trabalho. Hoje, todos ao seu redor sabem que ela é uma mulher bissexual em um relacionamento lésbico. Até sua avó, católica e com mais de 80 anos, respeita profundamente o casal e suas escolhas, refletindo como o amor caminha lado a lado com o respeito e a admiração.
Day destaca a importância de dar visibilidade à bissexualidade. Ela reconhece que sua compreensão sobre si mesma foi tardia porque, durante boa parte da vida, não sabia que poderia nomear essas experiências. Sempre teve paixões por meninos e “admirações” por meninas: que poderiam ter sido paixões, mas que ficaram sem nome. Ela ressalta como é importante acolher a bissexualidade desde o início, em vez de buscar culpados para algo que não é errado. Por isso, faz questão de não deixar o "B" ser apagado e discute a temática de forma aberta, especialmente por entender que se torna referência para seus alunos, criando um espaço de acolhimento e segurança.
Vanessa, por outro lado, cresceu em uma família marcada por mulheres fortes, especialmente mães solo. Com poucos exemplos de casais ao seu redor, precisou construir sua própria ideia de afeto e relacionamentos. Aprendeu que não precisa estar em um espaço de sempre agradar ao outro e esquecer de si, mas sim de um relacionamento saudável, pautado em autoamor e troca. Como mulheres negras em um relacionamento entre mulheres, elas enfrentaram olhares de fetichização, julgamentos que tentam reduzir o relacionamento a uma fase ou curtição. Por isso, ambas se dedicam a construir um amor que foge dessas narrativas, valorizando o cuidado, o enaltecimento mútuo e uma nova forma de amar. Esse relacionamento reflete a força que encontram uma na outra, no enaltecimento. Tanto no âmbito pessoal quanto na luta por respeito e visibilidade. Para elas, o amor é sobre aprender, construir e cuidar, enquanto criam uma narrativa que reflete o afeto e a elevação que desejam viver.
























