Foi na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro onde Ane e Thelassyn se conheceram (e onde fizemos as fotos para o Documentadas), no polo de Nova Iguaçu, na baixada fluminense. Em 2018, quando Ane cursava história e Thethe cursava pedagogia, frequentavam muito os centros acadêmicos dos seus cursos e possuíam diversos amigos em comum.
Contam o quanto gostavam de se envolver em tudo o que podiam na faculdade, inclusive na causa animal: no campus há diversos cachorros e gatos abandonados e então participavam dos coletivos que cuidavam dos bichinhos. Ane morava numa república e estava hospedando uma cachorrinha que tinha sido atropelada e precisava de cuidados, até que Thelassyn foi doar um remédio que estava faltando e se encontraram pela primeira vez.
Ane achou Thethe linda demais, ficou encantada. Por mais que Thethe brinca que não tenha acontecido nada demais, só entregou o remédio e foi embora, depois disso se encontravam de vez em quando e Ane sempre ficava nervosa. Até que um dia, durante uma manifestação política por conta do Museu Nacional ter pego fogo, se encontraram e interagiram no centro do Rio de Janeiro, conversaram e foram juntas até o ponto de ônibus, onde deram um selinho.
Uns dias depois aconteceria uma festa na faculdade e Ane convidou a Thethe, elas se arrumaram juntas, lá na república em que ela morava. Depois, na festa, quando Ane finalmente achou que elas iriam se beijar, Thethe chegou até ela e disse: “Minha amiga quer ficar com você!”. Ela não entendeu nada, respondeu que na verdade queria era ficar com a Thethe, não com a amiga. E enfim o beijo aconteceu.
Depois da festa e do primeiro beijo, passaram o fim de semana conversando. Até que a semana começou e decidiram se encontrar na faculdade e, depois da aula, assistir um filme na casa da Ane.
Na faculdade ficaram novamente - no local em que fizemos as fotos, inclusive - e depois foram para a república, na casa da Ane. No dia seguinte, quando acordaram, a Ane convidou Thelassyn para almoçar e assim tudo foi acontecendo… passou o dia, a noite, o dia seguinte… e foi ficando. Ela ia para a casa, pegava roupas, visitava e voltava para dormir com a Ane.
Depois de 15 dias, já tinha ganho até uma gaveta no guarda-roupa.
Num dia, na faculdade, estava acontecendo um evento no hall de entrada, então Ane pegou o microfone e pediu Thethe em namoro - mesmo que elas já estivessem com a gaveta compartilhada no guarda-roupa.
Naquela época, contam que quando não estavam juntas na república, os amigos que dividiam casa até estranhavam.
Foi então que, depois de dois meses, decidiram se mudar para uma “casa de verdade”. Querendo ou não, era muito ruim na república: muita gente, uma cama de solteiro, sem ventilador.. passavam muito perrengue. Conseguiram um apartamento próximo da faculdade, dividindo com uma amiga. A mudança aconteceu sem rede de apoio, começo de namoro, sem móveis, sem programação. Ganharam alguns eletrodomésticos, mas lembram que no primeiro dia não tinham nem vassoura, prato, copos… A vida no bandejão da faculdade salvou tudo. Passaram um ano morando neste apartamento.
Foram comprando móveis usados, trabalhando muito… Até que conseguiram se mudar para uma casa só delas. Neste novo lar, adotaram duas cachorrinhas, fizeram suas primeiras viagens… Ao total, até hoje, já se mudaram mais de 6 vezes. Entendem que por mais que tenha existido muito perrengue, hoje em dia estão no lar que mais amam e que mais desejaram viver.
No momento da documentação, Thelassyn estava com 28 anos, terminando as faculdades de pedagogia e enfermagem. Por mais que sejam áreas bastante diferentes, conta que deseja trabalhar com o que tiver mais demanda de trabalho primeiro, mas que se for com educação, sua prioridade é escolas públicas. Infelizmente na rede particular sofreu um caso de lesbofobia, sendo demitida depois de descobrirem o relacionamento.
Ane, no momento da documentação, estava com 25 anos. Ela é natural de Campo Grande, no Rio de Janeiro e se mudou para Nova Iguaçu para fazer faculdade em 2016. Hoje em dia, cursa mestrado, também na UFFRJ, no campus de Seropédica.
Lidar com as adversidades no cotidiano não é fácil, principalmente por serem pessoas bastante diferentes - Ane, por exemplo, sente que precisa de mais tempo para processar as coisas, enquanto Thethe é mais ansiosa e deseja resolver os problemas logo. É preciso cuidado para não desequilibrar ou se atropelar. Explicam que o que faz elas continuarem juntas é a vontade de continuar juntas. Parece simples, mas é o que define a grande determinação de passar por cima de todos os perrengues que já passaram em nome do amor que sentem. Explicam que o mais difícil é não ter uma rede de apoio presente, acabam sendo o apoio uma da outra e, como resultado, o impulso também para o amor que acreditam.
No começo, foram muito criticadas. As pessoas falavam que o relacionamento não iria durar, tiveram que se afastar da família por não terem apoio (com exceção da avó e da irmã da The, que são boas aliadas)... foi muito difícil enfrentar tudo. Hoje, ficam felizes em relembrar o que viveram desde o início e ver como superaram e passaram por cima desses comentários mostrando o amor que vivem e o que estão disposta a viver, principalmente agora, que estão noivas. Sonham com o casamento, que pretendem realizar em breve, e se permitem planejar uma vida juntas.
No Instagram, é através do perfil @morandocomela que relatam o dia a dia que vivem. Foi da vontade natural de registrar os detalhes do cotidiano, quase como uma documentação, que surgiu. Não numa linha influencer, mas de mostrar as conquistas, as fotos, gravar o que acontece, as cenas com as cachorras... No começo, Ane pouco aparecia, ficava envergonhada… hoje em dia adora.
Thelassyn acredita que amar uma mulher é resistir sempre. Entende que o mundo ao nosso redor ainda é muito hetero, feito por pessoas héteros e para pessoas héteros. Quando se ama outra mulher e se mostra isso, se demonstra muita coragem.
Ane faz o recorte racial quando fala sobre o amor que vivem, afinal, são um casal interracial e estudam sobre o amor também enquanto política - escolher quem você ama fala sobre quem você é e sobre o próprio racismo. Conversam muito sobre práticas, falas e sobre a Ane não ser uma “wikipédia preta”. Thethe está sempre disposta a quebrar os preconceitos que são culturalmente colocados em nós e assim encontram diversas formas de viverem um amor honesto.
Entendem que a homofobia está em vários cantos, desde quando saem de casa de mãos dadas e os vizinhos olham diferente, até não serem convidadas para as festas de família - “As pessoas tentam fingir que não é, mas sabemos que é”. Tentam ressignificar todo dia, trazer amor para a relação delas a fim de lidar com as coisas ruins do mundo: não gritar, brigar o mínimo possível, buscar se entender e se respeitar ao máximo. Ressignificar com amor em vários espaços. Thethe fala sobre ver muito o amor no dia a dia, com as cachorras, em casa, na varanda com a chuva caindo. Ressaltam que sempre que chovia, nas outras casas que moravam, era um tormento porque alagava tudo e hoje em dia ter a casa com varanda fez a chuva virar uma alegria… Quando chove correm para observar juntas, é um momento só delas.