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Susy estava com 38 anos no momento da documentação. Nasceu em Imperatriz, interior do Maranhão e também já morou no Pará por um período de trabalho. Sua volta ao Maranhão foi motivada pela saudade da Pâmela, como ela brinca ao contar. Atualmente trabalha enquanto pedagoga em uma escola de educação infantil do bairro e também na Universidade Estadual do Maranhão, onde pesquisa gênero e sexualidades. Além da vida profissional, gosta de dançar, assistir filmes e séries.

 

Pâmela estava com 37 anos no momento da documentação. Também é natural de Imperatriz,  mas nunca morou fora da cidade. Enfermeira formada pela Universidade Federal do Maranhão, atua na área há mais de 13 anos e também dá aulas em uma faculdade particular. É apaixonada por leitura, cinema, cozinhar, fazer churrasco e explorar o universo do café, ainda que de forma simples, gosta de aprender um pouco. Afirma ser mais tímida do que Susy, mas se solta quando está em ambientes seguros e acolhedores.

 


 

Em 2008, na universidade, Susy e Pâmela foram apresentadas por uma amiga em comum. Susy cursava pedagogia à noite e Pâmela enfermagem durante o dia (a amiga, por sua vez, cursava direito - eram áreas diferentes interagindo). Pâmela era envolvida na militância da universidade… Susy era mais na dela e não concordava muito com as greves. Mas algo foi se unindo: na época, Susy participava de uma igreja evangélica junto com a amiga e Pâmela, embora de família católica, também começava a frequentar a mesma religião que elas. Então a aproximação inicial veio desse espaço religioso e das atividades da universidade.

 

A amizade se formou com naturalidade, até que se viram conversando muito mais que o normal - no início era por SMS, aproveitando os 60 minutos de ligação a cada recarga… depois migraram para o MSN usando os computadores disponíveis no laboratório da universidade ou no trabalho do pai da Pâmela... Fato era: estarem juntas ou trocarem mensagens o tempo todo era o que as deixava feliz, com uma intimidade crescendo junto da conexão. 

 

O ponto de virada aconteceu quando Susy organizou um aniversário para Pâmela, já que esse não era um costume em sua família. Preparou fotos, vídeos e depoimentos para exibir na igreja. Ao selecionar as imagens, encontrou uma em que Pâmela estava mergulhado no Rio Tocantins (rio que beira a orla de Imperatriz). Ao ver a foto, Susy ficou ‘paralisada’ um tempo, não conseguia parar de olhar e percebeu algo diferente: essa admiração não era a mesma admiração que tinha por outras amigas. Foi ali que entendeu, pela primeira vez, que havia algo além da amizade entre elas.

 

A aproximação entre Susy e Pâmela foi deixando de ser só uma amizade de forma muito sutil: os abraços demorados, os carinhos discretos, tudo havia muito toque na pele. Aos domingos, Pâmela buscava Susy de carro para irem juntas à igreja e naquele momento criavam um espaço de intimidade não-nomeada. Mas o primeiro beijo só foi acontecer de fato no centro acadêmico da universidade, onde Pâmela era responsável por algumas coisas do espaço e lá poderiam se sentir seguras quando estavam sozinhas. Porém, junto do afeto veio também o peso da culpa, alimentado pelo ambiente religioso e pelo preconceito familiar. Ou seja: depois de ficarem juntas no centro acadêmico, entenderam em conjunto que estavam errando e decidiram por confessar o que aconteceu às lideranças da igreja - que orientaram cada vez mais o afastamento.  Assim, em 2010, interromperam o contato próximo e se restringiram a uma amizade contida.

 

Durante os próximos quatro anos muitas coisas aconteceram… Susy se mudou para o Pará, elas se formaram e a relação ficou suspensa nesse lugar da amizade - mas que internamente era puro desejo. Mesmo sem assumir o que sentiam, a atração nunca desapareceu: às vezes se encontravam e o toque na pele ainda deixava claro que havia algo ali. Mas, o conflito era intenso, sobretudo para Pâmela que enfrentava muitos comentários homofóbicos dentro de casa.  

 

Em 2015, fora do ambiente da igreja, decidiram finalmente dar uma chance ao relacionamento. O namoro começou às escondidas, sem que ninguém da família ou do círculo de amizades soubesse oficialmente. E esse sigilo durou: foram quase cinco anos vivendo o amor em silêncio, entre encontros discretos e afetos guardados pra ser vividos apenas sem ninguém por perto. Alguns amigos desconfiavam, mas não havia perguntas diretas e elas também não se sentiam bem para contar. Foi um período que o amor significou: se proteger.

Durante uma viagem a Salvador, no ano novo de 2018 para 2019, Pâmela pediu Susy em casamento. Não havia ainda uma perspectiva clara de como concretizar esse passo, mas o gesto representava a certeza de que queria dividir a vida com ela. De volta à Imperatriz no começo do ano, a decisão de assumir a relação começou a pesar mais para Pâmela, especialmente por causa das questões familiares e da dificuldade em enfrentar a rejeição que sabia que poderia vir. Susy, que já morava sozinha, recebia Pâmela em sua casa aos finais de semana, e nesse período começaram a considerar morar juntas. Pensaram também em alugar ou comprar um apartamento, até que surgiu a ideia de formalizar uma união estável. Mas toda a conversa foi evoluindo: se fariam a união, então que fosse um casamento. Numa única noite, entre um papo corajoso e cerveja, decidiram tudo.

 

No dia 16 de maio de 2019 oficializaram o casamento - e foi com o casamento que se assumiram publicamente. Decidiram que cada uma contaria para a própria família no mesmo dia e horário. Susy levou a mãe até sua casa, enquanto Pâmela saiu mais cedo do trabalho e também contou para sua família. A conversa foi direta: não se tratava de pedir autorização, mas de afirmar a escolha de viver juntas e de reconhecer que a relação já existia havia cinco anos.

 

A decisão era simples, a reação nem tanto. A mãe de Susy não recebeu bem a notícia e desde então nunca aceitou bem a relação. Entretanto, mesmo com o preconceito enraizado das famílias, elas seguiram firmes na decisão e no compromisso assumido. 


 

Não foi fácil viver tantos anos um relacionamento escondido de todos, mas agora entendem que vivem o melhor do bem-estar e da maturidade que foi construída nesse tempo todo. Susy conta de um período de fragilidade que passou por uma cirurgia e que Pâmela cuidou dela de uma forma intensa e inesperada. Ainda depois de tantos anos, esse momento foi muito importante e fez a relação ultrapassar o campo do amor romântico, é um espaço de cuidado e entrega.

 

Elas contam também como o amor se tornou referência. O próprio casamento que foi pioneiro em Imperatriz - antes a cidade nunca havia oficializado união entre mulheres no cartório. Hoje elas contam como frequentemente pessoas chegam para reconhecer a relação delas enquanto uma inspiração e como isso é importante porque elas não tiveram referências quando começaram. Susy mesmo citou que parecia impossível que lá, no “último DDD do mapa” (o DDD 99), parecia que essas coisas nunca iriam dar certo. Mas foram prova de que deu (e dá).

 

Hoje em dia a naturalidade faz parte de tudo: seja sair de mãos dadas, trocar gestos de afeto, participar de eventos LGBTs na cidade… fazem questão de viver sendo quem são. O lar, marcado pelos dois gatinhos e por um canto seguro, também é o espaço acolhedor onde fazem questão de viver bem. Não há mais motivos para não ser quem são.

 Susy 
 Pâmela 
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