Luma e Stefany foram documentadas um dia antes do chá de bebê do Joaquim acontecer, em Campinas, reunindo a família num tema de festa junina. Stefany estava com 29 semanas - quase entrando no oitavo mês de gestação - e o quartinho ainda era um grande estoque de fraldas.
O nome Joaquim vem de uma homenagem ao bisavô da Luma. Dentre todos os grandes motivos que despertam o desejo da maternidade, Luma conta que um deles a faz se ver enquanto mãe de um jeito especial: se não fosse ela a dar seguimento, sua linha familiar iria acabar. Cogitaram a adoção, estudaram os tipos/métodos de fertilização e Luma acabou retirando os óvulos na clínica para fazerem a fertilização in vitro.
Por mais que sejam rodeadas de mulheres - principalmente na família da Luma, que é composta pelas tias e avós bastante presentes - passam boa parte do tempo conversando sobre a importância de ter um filho homem e de como será educá-lo nessa sociedade. Stefany comenta que mesmo entendendo a existência do preconceito com elas enquanto duas mães, não é isso que ocupa seus pensamentos, já que o amor fala mais alto… O que realmente procuram focar é nas formas possíveis de educar um homem num mundo tão machista, os valores que pretendem ensinar e como querem que ele seja respeitoso.
Em 2020 (pouco antes da pandemia de Covid-19 acontecer) Luma e Stefany se conheceram, por conta de amigos em comum, numa festa que Luma nem estava tão afim de ir, no carnaval. Elas já sabiam da existência uma da outra, porque tinham se esbarrado uma semana antes - e tinham interesse em comum - mas não se conheciam de fato. Naquele dia, Stefany passou mal, Luma cuidou dela um pouco, mas nada aconteceu.
Na semana seguinte, se reencontraram, o beijo aconteceu e tiveram uma interação para além dos encontros rápidos anteriores. Porém, os dias se passaram e foram surpreendidas com o lockdown que trancou cada pessoa em sua casa nos fazendo não entender o que acontecia nas cidades e nos países por conta da pandemia. Nesse tempo, elas conversaram muito online, Ste teve que seguir trabalhando no hospital e compartilhava os medos, a falta de informação, tudo o que estava acontecendo. Foram se aproximando cada vez mais.
O tempo foi passando e não conseguiam se encontrar por conta da pandemia. Luma morava no mesmo prédio que a avó, não tinha como sair e tinham muito medo, acabavam se vendo apenas por vídeo. Depois de algum tempo, resolveram arriscar: Luma ficava duas semanas sem contato com nada, saia, voltava e ficava mais duas semanas sem contato para depois ver a avó. Era uma saga toda vez que decidiam se ver. A avó entendeu que estavam gostando de verdade uma da outra e decidiu ficar na casa de outros familiares por alguns meses, assim, conseguiam se ver sem tanta dificuldade e ela não dependeria 100% da Luma.
Foi em junho de 2020 que conseguiram ficar juntas pela primeira vez e em dezembro decidiram morar no mesmo lar - com muito medo de não dar certo - até que chegaram os cachorros, conseguiram um apartamento melhor e foi tudo se encaixando.
No momento da documentação, Luma estava com 27 anos. É psicóloga, natural de Campinas.
Stefany, no momento da documentação, estava com 30 anos. Trabalha enquanto enfermeira pediatra, nasceu em Ribeirão Preto, se mudou para Campinas por conta da residência médica e segue até hoje na cidade.
Acreditam que a pandemia as uniu e desde então amam estar juntas, fazem praticamente tudo grudadas. Assistem séries, leem bastante, passeiam com os cachorros. Adoram a natureza e desejam levar seus hobbies para o Joaquim.
Desde o começo do relacionamento conversavam sobre o desejo da maternidade, sobre adoção e como queriam formar uma família. Pensaram várias vezes na adoção, até que foram para a ideia da clínica, da Luma retirar os óvulos e estudaram melhor as possibilidades.
Em 2022, Luma fez todos os exames, elas conseguiram pagar apenas o sêmem e o processo foi longo, durou 6 meses. Nesse meio tempo se mudaram, conseguiram comprar um apartamento, acharam uma receptora mas foi preciso muita paciência, na teoria tudo teria sido muito mais rápido. O telefonema da clínica veio um dia depois de uma gira de Erê (que representa as crianças na Umbanda) e são muito ligadas à fé. Sempre ouviam nas giras que a gravidez iria acontecer, mas era preciso esperar, estava vindo. A meta delas era engravidar em 2022 e a implantação do embrião foi no dia 30 de dezembro, passaram o ano novo em repouso, mas felizes porque mesmo no limite deu certo, com paciência.
Luma entende que aprendeu a amar nesses processos e também com a família dela, a forma constante de apoio que elas (a avó e as tias) demonstram, sempre fazendo coisas umas pelas outras. “Uma base feminina muito forte e muito politizada”. A avó é muito forte, fugiu muito da questão tradicional. E brinca que a família, como apoiou tudo, sente que elas estão grávidas há anos pelo quanto dura o processo. Por isso, reforçam que precisamos procurar clínicas que saibam nos acolher.
Quando falamos sobre o futuro que esperam para o Joaquim, começam comentando como é difícil viver num Brasil conservador porque o conservadorismo faz com que a pessoa não queira nem tentar mudar o pensamento: se fecha completamente numa ideia sólida de que só ela está certa, não permite a mudança. Comentam sobre o condomínio onde moram, cujo é muito grande, possui diversos blocos e moradores, mas que até então só sabiam da existência de mais uma ou duas mulheres lésbicas, além delas. Por conta disso, também, existe a importância de tomar esses espaços. Citam as bandeiras do Brasil que estavam nas janelas na última eleição e que depois da vitória do Presidente Lula elas decidiram colocar uma bandeira na janela representando suas ideologias também, deixando alguns dias, para que as pessoas soubessem que elas estão ali, num ato de comemoração e resistência.
Na clínica, conhecem apenas um outro casal formado por duas mulheres, e citam como todo o material feito é muito voltado à casais heterossexuais. Acreditam no quanto ainda precisamos avançar para que mais casais tenham a chance de engravidar, querem ver mais mães, querem que o Joaquim tenha mais colegas com duas mães nas escolas.
Contam também sobre uma situação específica que viveram no dia do casamento, em junho de 2021, quando a pandemia deu uma flexibilizada e elas completaram um ano de namoro. Casaram no dia das namoradas (sem lembrar que seria dia das namoradas), e por uma seleção do cartório mais próximo da região acabaram indo para um bairro classe média-alta. Estavam com muito medo de como seria a recepção, como as pessoas iriam reagir - o nervosismo estava maior perante o medo do preconceito que até sobre a situação do casamento em si. Quando chegaram, foram tão bem recepcionadas por uma mulher que não se sentiram nenhum pouco reprimidas e acabaram tendo uma experiência maravilhosa. Sentiram isso de forma muito empolgada, acolhedora, diferente. E desejam que todos os casais pudessem ter uma experiência assim.