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O encontro da Lilian e da Marcela com o Documentadas aconteceu poucos dias antes do casamento delas - que não seria nada convencional - um casamento temático de festa junina! Nos encontramos em sua casa (que também é o lugar onde trabalham sendo padeiras) e estavam entre muitos preparos: desde as últimas encomendas da padaria, pois sairiam de férias/e lua de mel logo após a cerimônia, até as preparações do casório porque tudo foi feito entre muitas mãos - comidas, decorações, lembranças… não contrataram buffet ou empresas para isso, contaram com os próprios serviços e de amigos que também trabalham com gastronomia. 

 

A festa foi dedicada a reunir pessoas que amam e fazer todas se sentirem bem: que vistam se sentindo bem, comam bem, dancem, brinquem, se divirtam. Todos estavam muito empolgados, inclusive as contratadas, que são apenas mulheres - fizeram questão disso e foram atrás até de banda de forró sapatão, que fez com que a festa ficasse muito mais animada. 

 

Conversamos sobre entender a instituição casamento com o recorte de se tratar de duas mulheres e em tudo o que isso envolve. Por mais que existam várias críticas sobre essa instituição e seus conservadorismos, existe também o lado político pela importância de ter um documento que afirma esse amor. É muito importante o evento, a celebração. Reconhecer que os familiares estão viajando de longe para celebrar esse amor que sempre nos foi negado, que toda relação heteronormativa é celebrada e comemorada o tempo todo, mas entre duas mulheres fomos colocadas num espaço de não-celebração, ficamos minguadas, podemos até beijar mas não demonstrar tanto, não abusar da demonstração… Então celebrar um casamento é celebrar MESMO. Celebrar com vontade. Ter quem você ama celebrando com vocês. Celebrar duas mulheres amando.

 

E, para elas, o casamento só faria sentido se fosse vivido assim como será: com todas as pessoas lá, de forma coletiva. Elas construíram essa relação pensando no mundo que acreditam. Se sentem confortáveis, acolhidas. Sentem que a relação é uma grande mesa com comida e todos ao redor, compartilhando.

Lilian, no momento da documentação, estava com 30 anos. Nasceu no interior do Espírito Santo, num município chamado Pinheiros, mas cresceu em Vitória, na capital. Ao completar o ensino médio foi para Mariana, em Minas Gerais, cursar história e durante a faculdade descobriu a disciplina de antropologia da alimentação. Quanto mais estudava, mais se interessava e ao finalizar a graduação começou a estudar gastronomia. Ao se mudar para Minas Gerais, não tinha conhecimentos em culinária, mas aprendeu pela necessidade e a primeira receita que fez por vontade própria foi pão de fermentação natural. Começou a ser um hobbie, mas logo se viu pesquisando mais sobre panificação e misturando a panificação com seus outros estudos dentro da gastronomia. Foi então que conheceu uma pesquisadora chamada Neide Rigo, que explica sobre plantas, hortas na cidade, sobre o que plantar > o que comer, e consumindo os conteúdos que essa pesquisadora publicava conheceu um restaurante em São Paulo, o Maní. Viu que estavam com inscrições abertas para trabalhar por um período, se inscreveu e passou, foi assim que sua mudança para São Paulo aconteceu, em 2018. O período de trabalho seria, inicialmente, de 4 meses, mas virou uma contratação e ela se oficializou enquanto padeira. Conta como foi incrível, não conhecia mulheres padeiras - ou melhor, conhecia uma só que acompanhava o trabalho e admirava. Foi uma grande realização profissional. E, para além da padaria, ela segue adorando cozinhar e descobrir receitas, inventar festas temáticas com comidas temáticas para reunir os amigos e familiares, pesquisar sobre culinárias e culturas. 

 

Marcela, no momento da documentação, estava com 27 anos. Ela é natural de São Bernardo do Campo, mas cresceu em uma cidade pequena chamada Dracena, no interior de São Paulo, onde viveu até os 17 anos. Cresceu numa família bastante grande e tradicional e passou pelo seu entendimento de gênero e sexualidade bastante cedo, então não se sentia bem no lugar onde morava, decidiu sair da cidade e se mudar para Campinas, também em São Paulo, para cursar faculdade de Artes Cênicas. Lá, durante 4 anos, se sentiu muito feliz e viveu diversas descobertas. Em 2018, precisava de maior independência financeira e procurou uma nova fonte de renda: começou a fazer pão de fermentação natural em casa. Depois disso, procurou trabalho na área, indo em padarias e oferecendo o seu serviço. Conseguiu trabalhar em uma padaria e depois disso se organizou financeiramente para se mudar para São Paulo (capital), até que em 2019 a mudança aconteceu. Logo que chegou na cidade, fez o mesmo que havia feito em Campinas: foi de lugar em lugar oferecendo seu trabalho. O primeiro lugar que ofereceu foi na padaria do Maní e a chamaram para alguns freelancers, então vez ou outra ela ia cobrir alguém, inclusive a Lilian, quando tirou alguns dias de férias. Depois desses freelas, ela foi contratada de fato. 



 

Quando começaram a trabalhar juntas, conversavam bastante. Lilian é muito acolhedora, conta que isso vem de família, aprendeu a acolher, conversar, receber bem as pessoas porque sua família é assim. Na época, ela morava em um apartamento dividindo lar com amigos e apresentou essas pessoas para a Marcela, inseriu ela na sua vida e logo viraram amigas. Marcela também foi se abrindo, contou que recém estava solteira, que queria desbravar São Paulo, aproveitar a cidade, não queria namorar. 

 

Aos poucos, às vezes se olhavam de um jeito diferente enquanto trabalhavam. Lilian percebia um jeito da Marcela observar… Até que um dia Marcela chegou um presentinho para ela, entregou e disse: “Não significa nada”. Quando Lilian chegou em casa, contou para a amiga e a amiga disse: “Significa!!! Ela te quer!!”. 

 

Num dia, saindo juntas, alguns meses depois de terem começado a trabalhar, se divertiram, foram em vários lugares até que Lilian perguntou o que estava significando aquilo. Marcela respondeu algo que Lilian até hoje acha muito legal, ela disse que achava que estava apaixonada pela Lilian, não sabia se era romanticamente, mas que adorava passar um tempo com ela, estar ali, adora a amizade e que sentia vontade de beijá-la. Lilian disse que sentia também, e assim elas se beijaram. 

 

Desde então elas ficaram juntas, mas Lilian tinha uma mudança de vida planejada: ela iria para a Espanha. Já havia desfeito a casa que compartilhava, vendido suas coisas, pedido demissão da padaria… Sua vida havia se resumido em uma mala.


Passaram o final de 2019 juntas e em fevereiro de 2020 Lilian saiu de fato do trabalho, até lá elas estavam apenas vivendo, se divertindo, sabiam que a separação viria em breve. Os planos da Lilian eram visitar seus amigos em Minas Gerais, a família no Espírito Santo e se mudar de vez para a Espanha. Porém, dias antes, chegou a pandemia de Covid-19. Quando isso aconteceu, ela estava hospedada na casa de um amigo, uma kitnet em São Paulo, esse amigo havia acabado de se mudar para cursar medicina na USP e ele orientou: “Estão correndo boatos de que isso aí vai durar uns dois anos no mínimo”. Ele decidiu não ficar em São Paulo e deixou a kitnet com ela.

 

Ela chamou a Marcela e ficaram juntas, mas não tinha nada: trabalho, roupa, perspectiva… os primeiros meses foram de espera, até que a ficha foi caindo porque o restaurante que ela iria estagiar na Espanha fechou, precisou devolver as passagens da viagem e entendeu aos poucos que o sonho acabou. Marcela também foi demitida, precisavam repensar tudo.  Em abril decidiram anunciar aos amigos que iriam fazer pão para vender e, logo no primeiro anúncio, foram dois dias de fornadas. Depois, perceberam que trabalharam mais de duas semanas sem parar - e se organizaram melhor. Transformaram a kitnet numa padaria, assim foi seu sustento até novembro, quando se mudaram para um lugar maior.

 

Ressaltam como foi muito importante as pessoas terem comprado de quem faz durante a pandemia. Esse foi o contato humano, foi o que nos uniu mais. 

 

Entre o final de 2020 e 2021 moraram em uma casa que possuía mais espaço e lá produziam em maior escala, até que chegaram no lugar que estão agora. Hoje em dia, possuem um espaço separado na casa onde acontece a produção e destinam suas vendas principalmente para pessoas jurídicas, ou seja, outras empresas e restaurantes. Se dão muito bem trabalhando juntas, adoram o que fazem e Marcela acredita muito que o amor entre mulheres está presente nessa torcida que uma tem pela outra, nesse fortalecimento. Vivem uma amizade muito potente dentro desse amor. Lilian concorda: talvez por ser tão poderosa é que muitos temem. São muito matriarcais, cuidam e zelam umas pelas outras. 

 Marcella 
 Lilian 
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