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O primeiro ano da Raffa na faculdade foi o último da Gabi e, por mais que elas estudassem o mesmo curso, pouco se cruzaram pelos campus da universidade. Raffa viu o perfil da Gabi no Instagram e decidiu adicionar, comentam que como tinham poucas mulheres lésbicas no curso de medicina, era mais fácil identificar logo de cara e pensar numa aproximação. Gabi aceitou, mesmo ficando intrigada por não fazer ideia de quem seria a Raffa, e seguiu de volta. 

 

Raffa tentava puxar alguns assuntos, mandava umas mensagens e até fotos, mas Gabi não estava entendendo o que significava aquilo - e não lia enquanto flerte. Num dia, Raffa postou um storie pedindo indicações de músicas e quem respondeu foi a Gabi, começando então longas conversas até decidirem sair. 

 

Se encontraram no centro da cidade, local próximo de onde fizemos as fotos. Almoçaram num restaurante vegetariano, supondo uma à outra que eram vegetarianas, sendo que ambas comiam carne. Depois, no calor do verão Porto Alegrense, decidiram andar pelo centro buscando adereços para usar num famoso bloco carnavalesco que iriam juntas (o Bloco da Laje). Na época, com a orla do rio recém revitalizada, não havia uma árvore fazendo sombra, então pararam no lugar que nos encontramos: a praça do aeromóvel. Lá, passaram a tarde do primeiro encontro e sentem que depois tudo aconteceu como esperado - se deram bem desde o início, como uma paixão avassaladora. 


No momento da documentação, Gabriela estava com 28 anos. Ela é natural de Porto Alegre, é médica e no momento está fazendo o período de residência. Ama andar de bicicleta, sente que viver de pedalando pela cidade é sua grande paixão - e junto com a Raffa, usam a bike como meio de transporte.

 

Raffaela, no momento da documentação, estava com 23 anos. Ela é natural de Esteio, região metropolitana de Porto Alegre, mas reside na capital desde 2021 quando decidiu se mudar para ficar mais próximo da Gabi e focar nos estudos em meio ao caos da pandemia de Covid-19. Ela está na graduação de medicina e no tempo livre, para além de pedalar, é atleta de crossfit - participa de competições e se dedica bastante ao treino. 

 

Quando começaram a namorar, em 2019, Raffa ainda morava com a mãe. Tiveram um ano muito bom, aproveitaram, se divertiram, sentem que tudo estava fluindo bem até a chegada da pandemia. Com as mudanças abruptas a partir de março e o fato da Gabi já estar trabalhando enquanto médica - e trabalhar no setor da Covid - tudo ficou muito balançado pela incerteza de não sabermos como seria a vida dali para frente. Gabi precisou ficar em isolamento, havia todo o pânico sobre a doença e algumas aulas da Raffa aos poucos precisaram acontecer em hospitais, então decidiram morar juntas de uma forma inicialmente temporária, assim fariam companhia uma à outra e não estariam sozinhas num momento tão difícil. 


No momento forte da pandemia, viveram juntas na companhia de mais dois amigos que viviam também a rotina da medicina. Estavam sempre em inconstâncias: um dia totalmente otimista, outro dia seria o fim dos tempos. Sempre cercadas de sensações de não-sobrevivência, ou medo de não passar por isso. 

 

Entendem que foram se refugiando muito uma na outra, na casa… O que tinham era a única coisa segura que se mantinha perante o resto, porém, entre todos os sentimentos, em algum momento sentem que houve um desequilíbrio - o peso caiu sobre a Gabi e ela passou a segurar muitas barras além do que poderiam carregar. Entendem que nesse processo de oficializar que moravam juntas, ter um lar, viver uma vida a dois, a Gabi foi indo para um espaço de cuidadora do lar que não cabia à ela (e que também era um espaço de cobranças com a Rafa, assumindo um papel que não queria assumir). Então, depois de um certo tempo e já com a pandemia se flexibilizando aos poucos, decidiram morar em lares separados.

 

Nesse momento, enfrentaram mais uma barreira: um processo de entender que uma separação era necessária, mas não era um motivo de término, de ficarem longe e não terem mais um relacionamento. Entendiam que gostavam uma da outra, mas as questões rotineiras estavam atrapalhando muito ao invés de colaborar com a relação. Precisavam crescer de outras formas (individuais também), melhorar comunicações, seguir caminhos e que poderiam fazer isso estando cada uma em um apartamento. 



 

Hoje em dia, Gabi e Raffa vivem um novo modelo de relação, muito diferente de como era no começo, e se sentem muito melhor em suas rotinas. 

 

Decidiram ser mais livres: não se cobram para que façam tudo juntas. Conseguem falar sobre o que sentem, sem a sensação da cobrança presente, e estão juntas quando desejam estar - seja saindo com os amigos, seja em casa comendo pizza e assistindo séries. Entendem que não possuem necessidade uma à outra, mas um gosto em suas companhias. 

 

Entender isso foi um processo bastante longo, mas acabou com as inúmeras brigas diárias. Hoje, cada uma em sua casa e se encontrando quando preferem, compartilhando os momentos bons e ruins quando se sentem prontas para isso, foi a melhor forma que encontraram de manter uma relação saudável. 


Durante a nossa conversa, falamos sobre essas formas de encontrar o amor no dia a dia e do nosso jeito. Gabi explica que entendeu o amor enquanto uma forma de estar em paz com as pessoas - e também tendo o amor enquanto uma somatória, algo que te deixa melhor, que não te puxa para as coisas negativas. 

 

Enquanto dialogamos sobre essas ‘posições’ e sobre onde encontramos o amor, Raffa trouxe muito sobre a realidade que ela vive trabalhando na saúde pública. Não teve como desvincular o amor de algo político, das muitas histórias e vivências das pessoas que atende e cuida diariamente. Entende que muitos dos problemas sociais que temos existem justamente pelas pessoas não receberem o amor de ninguém - e amor enquanto cuidado, escuta. Entender as necessidades do outro, querer apoiar e cuidar também é uma forma de amar, tal como ela se dispor a compartilhar a vida dela, se abrir, trabalhar para entender e fazer todo aquele atendimento humanizado pelo outro é o amor que sente. 

 

Pensamos o amor também enquanto questão de classe, sobre as pessoas que enfrentam vidas muito árduas e criam forma de demonstrar o amor totalmente diferentes, onde é cada vez mais difícil enxergar a beleza, e não só enquanto amor romântico, mas amar em se dedicar a alimentar sua família, a criar alguém, a melhorar algo. 

 

Enfim, a importância que existe em tratar as pessoas enquanto pessoas, escutá-las, e ver o reflexo de quanto elas se sentem à vontade quando alguém está disposto a ouvir, é também um ato de amar. 

 Gabriela  
 Raffaela 
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