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A história da Isabelle e da Isadora parte de um ponto que elas fazem questão de justificar: não contam algo que já passaram, uma dificuldade já vivida, mas algo que estão vivendo - o processo intenso. 

 

Isa e Dora namoram há um tempo e travam uma luta para que as famílias as aceitem. Isa já era assumida à família desde 2017, mas viveu vários processos dos quais nunca foi completamente aceita. Ela conheceu a Dora durante a pandemia, depois de viver diversos momentos dos quais se obrigou a ficar com homens por aquela ideia de “Você só não conheceu o cara certo” e hoje em dia sente que a Dora é uma das coisas mais importantes e verdadeiras da sua vida. 

 

Isa faz questão de levar a Dora nas festas de família, contou para a mãe sobre a Dora logo no começo, quando a paixão estava se iniciando. A mãe respondeu com um imaginário popular tradicional da ‘família brasileira’: “Ela é lésbica? Tem cabelo verde?” porque insiste que, se a filha beija mulheres, precisa beijar apenas mulheres femininas. Já passou por várias fases, como aquela de tudo bem ela ser - desde que seja em silêncio, ou também a de que a família sente culpa como se tivesse errado em algo na criação, ou que só faz isso porque passa por algum processo depressivo e quer se culpar.

 

Diante de muitos preconceitos vindos por ambas famílias, elas se firmam para o enfrentamento disso. Acreditam que o relacionamento que possuem é como um investimento, desejam isso para suas vidas. Isa, ao estudar física e já estar no mestrado, conta que sempre quis descobrir uma equação que mostrasse o sentido de tudo (do universo e de estarmos aqui), e no dia em que encontrou a Dora pela primeira vez entendeu. Hoje, diz que nenhuma fórmula matemática iria explicar o que ela estava sentindo ao ter a resposta do que procurava. 

Isa e Dora se conheceram por um aplicativo de relacionamentos. Naquela época, Dora baixou o Tinder para não se sentir sozinha, mesmo sem querer relacionamentos. Por conta de ter uma mãe bastante conservadora, não costuma sair muito, então conversar com alguém online seria a solução. 

 

Logo no primeiro instante de Tinder, encontrou a Isabelle. Foi um dia bem confuso por conta de mudanças na casa dela, mas conversaram e foram se aproximando. Mesmo morando próximas, numa área mais distante no Rio de Janeiro, elas não podiam se encontrar porque ambas famílias não aceitavam suas formas de ser, então marcaram um encontro em um museu, no centro da cidade. 

 

Passaram uma tarde incrível, contam o quanto já estavam apaixonadas. Voltaram para suas casas e no dia seguinte se encontraram de novo, dessa vez em Madureira, o local em que a Dora fazia um curso. Brincam que são bastante emocionadas, porque depois do primeiro encontro, não se desgrudaram.


Como a Isa vivia um momento de tentar se envolver com homens antes de conhecer a Dora (do qual a família aplaudia) e a Dora não podia se assumir, começaram o relacionamento de forma escondida. 

 

Logo depois, Isa decidiu contar para a sua mãe, que acabou aceitando melhor a Dora por ela ser uma mulher feminina. Conta que sempre ouviu da mãe dela que ela precisava ser uma lésbica feminina, se quisesse beijar mulheres, e se relacionar com uma lésbica feminina também. Foi muito duro ouvir isso durante tanto tempo - e também levar a Dora pela primeira vez em casa, mas conta que hoje em dia a mãe dela acha que a Dora tem uma alegria, uma felicidade, e por isso ela foi a primeira mulher que a família mais ou menos aceitou e abraçou.

 

Isa ressaltou o quanto é ruim você estar fazendo algo escondido por puro preconceito dos outros. É como se você estivesse fazendo algo errado, sendo invalidado. E não que a família precise validar, mas porque amamos nossas famílias e gostariamos de ser nós mesmas na frente de todos. 

 

Mesmo com os comentários horríveis, depois que assumiram o relacionamento na família da Isa ela passou a fazer questão de levar a Dora em todos os encontros. Acredita que só assim conseguem encarar: estando juntas. Aos poucos isso tem dado certo, já que a família vai aceitando e considerando a existência da Dora nos espaços.


 

A vivência na casa da Isa também não é nenhum pouco fácil para a Dora. Por ser uma mulher muito tímida, acaba se sentindo num campo minado - cada passo que dá é analisado por alguém. Ela já tomou diversas iniciativas para dominar a timidez (falar em público, participar de concursos de dança, ser professora…) e na casa da família da Isa acaba se vendo muito posturada, tomando cuidado no que fala.

 

Contam que não podem falar da religião da Dora, sendo de umbanda, na casa da Isa composta por pessoas muito católicas. Também contam que uma familiar se negava a cumprimentar e falar com a Dora, mas hoje em dia de tanto ela estar presente já a abraça e conversa. 

A Dora, por sua vez, vive um processo de sair do armário desde a adolescência. Ela sempre soube que gosta de mulheres - e no começo foi até difícil aceitar a si própria - mas ainda no ensino médio ficou com as primeiras mulheres e entendeu a sua forma de ser. 

 

Naquela época, sua mãe descobriu lendo mensagens no celular dela. De início ela tentou lutar, demarcando quem ela era, mas foi vencida pela mãe que cortou todos os seus meios de comunicação e não conseguiu sustentar. Passou anos ouvindo piadas e sendo limitada em diversos aspectos.

 

Até ela se assumir de fato, recentemente, foi uma luta. Passou por psicólogas que eram evangélicas e contra LGBTs, levava as pessoas para casa alegando que eram só amigas, e não conseguia se imaginar falando sobre o relacionamento que possui com a Isa. 

 

Foi numa das idas da Isa até a sua casa que a Isa acabou ficando sozinha num cômodo e a mãe da Dora começou a interrogá-la. Vendo sua nítida ansiedade e nervosismo, seguiu a interrogação até que a Isa começasse a chorar. Então, a cada pergunta sobre a intimidade das duas e o silêncio da Isa, ela dizia: “Pergunta respondida.”

 

Quando a Dora chegou, a mãe falou que já sabia tudo sobre elas. Foram momentos muito difíceis, enfrentaram xingamentos, brigas e medos, mas a Dora assumiu e falou: “Estou com a Isabelle”.


Até hoje os pais da Dora odeiam a Isa e não permitem mencionar o nome dela na sua casa. Entendem que uma família só pode ser composta por um homem e uma mulher e, por isso, não aceitam e respeitam o que a Dora é.

 

Dora acaba encarando sua mãe dizendo que pode ser expulsa de casa, mas não vai abrir mão do relacionamento. Hoje em dia a relação delas têm melhorado por uma certa teimosia da Dora em fazer dar certo - sai para encontrar a Isa e não dá valor ao preconceito que sofre.

 

A maior dor, para a Dora, é não ver sua família reunida. Sempre cresceu em espaços com muita gente, churrasco e pagode. Queria muito ter uma família com a Isa presente - e também construir uma nova família com ela, mas por enquanto, morando com os pais, não vê possibilidade disso. Ela e a Isa pretendem morar juntas assim que ela for efetivada e tiverem mais estabilidade financeira, então guardam cada centavo (literalmente!) para a nova vida que há de chegar.




 

Isabelle tem 23 anos no momento da documentação, é natural do Rio de Janeiro e cursa mestrado em inteligência artificial. 

 

Dora tem 22 anos no momento da documentação, também é natural do Rio de Janeiro e cursa arquitetura. 

 

Juntas, adoram ver filmes e provar fast foods - brincam inclusive que estão se tornando sommelier de fast food, porque compram, comem e dão notas. Também adoram filmes cults (e filmes cults ruins), passam o tempo jogando jogos no computador e amam conhecer novos lugares na companhia uma da outra. 

 

Hoje em dia, estão noivas e enxergam o noivado enquanto uma firmeza sobre quem são. Também é um álibi para que a família leve-as mais à sério e se sentem tratadas de forma muito mais respeitosa depois que assumiram o noivado.

 

Isa entende que o amor é a única coisa que transcende o tempo e o espaço além da gravidade. E que, para além disso, o que têm com a Dora é um amor baseado em comunhão e disposição. 

 

Dora diz que o amor que sente é a resposta de todos os porquês. Entende que todo ser vivo é feito para amar alguma coisa - seja um leão com seus filhotes, um ser humano com seu par. Amar é seu refúgio, é onde vai quando está bem ou mal, e que também está no que sente de forma sensorial - os cheiros, os sons e o prazer de ser quem é.

 

Por fim, elas desejam deixar o recado de que todas as mulheres possuem o direito de amar, independente do preconceito. Nenhuma mulher está sozinha. “Não se fechem para o amor”.

 Isabelle 
 Isadora 
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