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Começo essa história dizendo que é muito difícil documentar duas pessoas com o mesmo nome, então para ser uma leitura mais fácil, vou identificá-las de forma diferente, ok? Gabriela e Gabi.

 

Gabriela tem cabelos longos, um black cacheado. Ela estava com 27 anos no momento da documentação, estuda Letras na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (local em que fizemos as fotos), possui dois filhos (gêmeos) e ama livros, poesia, literatura… também ama dançar - algo que vê em comum com a Gabi - e andar de patins. É natural de Duque de Caxias, na baixada fluminense.

 

Gabi tem cabelo curto, também cacheado. Ela é natural de Nilópolis, baixada fluminense. Estava com 31 anos no momento da documentação e trabalha como cinegrafista e editora de vídeo. Adora andar de skate e fala sobre ser uma mulher tranquila, “de boas”, não é uma pessoa que faz muitos planos, mas está sempre disposta a fazer algo.

 

O hobbie pelo patins e pelo skate foi algo que aproximou bastante elas no começo. Antes mesmo de engatar o namoro, já se imaginavam andando juntas por aí.

 

Gabriela tinha muito receio sobre como seria o namoro e a reação das crianças ao saber. Foi o primeiro relacionamento que viveu desde a separação, procurou páginas sobre madrastas e queria entender como seria. No fim, tudo foi de forma muito natural. Entende que as crianças são genuínas, ficam felizes ao receber amor e retribuem num sentimento puro. Foi assim, numa saída ao shopping, que se conheceram e adoraram a Gabi. Se sentiram confortáveis, o que fez elas entenderem que só os adultos enxergam problema no amor. Também acham incrível ter dois meninos em contato com uma relação tão bonita fazendo-os crescer longe de preconceitos.

 

Gabi conta a maior parte da história e depois pergunta se era pra ser assim, eu rio e digo que pode ser, sim. E ela completa: “É que me empolgo muito falando de nós.”


Em outubro de 2024, num aplicativo de relacionamento, conversaram pela primeira vez. Gabi estava desacreditada, achava que aplicativos serviam apenas para fazer amizade (e olhe lá!). Gabriela, por sua vez, demorava um pouco para responder (o que alimentou o sentimento de que não ia dar em nada). Achava que Gabi respondia muito seca e não alimentava tanto assim as conversas. 

 

Foi num momento, falando sobre as regiões onde moram, que Gabi analisou e disse “É muito longe!”, quando Gabriela respondeu: “Depende do ponto de vista”.

A partir disso, o tom da conversa mudou. Gabi entendeu que Gabriela queria conhecê-la. 

 

Passaram alguns dias conversando online, até que Gabriela comentou que teria um horário vago na faculdade no dia seguinte e perguntou se Gabi não queria ir lá, passarem um momento juntas. Gabi pensou “Já?? Essa menina quer mesmo me conhecer??”, então pediu conselhos aos amigos e topou o encontro.

 

Quando chegou, pensou que reconheceria ela pelo cabelo e quando viu ela chegando virou de costas para fingir surpresa. Decidiram almoçar num fast-food próximo, Gabriela teve seu lanche lotado de alface e ficou com vergonha de comer - isso vira piada até hoje. Riem lembrando e pontuando que no fim Gabi disse que não precisava ter vergonha e toda a situação acabou fazendo com que elas ficassem mais à vontade. 



 

Durante as conversas comentaram sobre relacionamentos que já tinham tido e sempre que a Gabriela falava dos seus, se referia à homens. Então Gabi pensou: “Essa menina é hétero, tudo bem, vamos ser só amigas”.

 

Depois do primeiro encontro, que não rolou beijo, comentaram online que gostariam de ter se beijado e que seria ótimo se reencontrar. Foi quando Gabi convidou Gabriela para ir à Feira de Tradições Nordestinas, no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, junto com suas amigas. Pensou: “Ou ela fica comigo, ou não vai me ver nunca mais - porque minhas amigas são doidas!”. Gabi dançou, se divertiu e Gabriela ficou mais quietinha. Tentaram se beijar, mas o nervosismo falou mais alto. O beijo aconteceu, finalmente, no fim da noite, madrugada adentro. 

 

Continuaram se encontrando e na virada do ano, estando em lugares diferentes, Gabi enviou um vídeo com vários momentos das duas, pedindo Gabriela em namoro. Ela aceitou.

 

Entendem que mesmo sendo um relacionamento recente, já passaram por vários momentos importantes, inclusive o preconceito familiar sobre terem uma relação sendo duas mulheres. Gabriela vem de uma família cristã e em casa tem sua relação ignorada, não falam sobre. Ela explica que não deseja romper com sua família, afinal são unidos e suportes uns dos outros, então está priorizando entender o espaço e o tempo que as pessoas levam para processar. Ambas ficam tristes porque queriam estar se introduzindo mais na vida familiar, mas possuem a esperança de isso acontecer com o tempo. Por outro lado, Gabi apoia muito a maternidade da Gabriela, adora os momentos que vivem juntas com as crianças, andando de mãos dadas, por exemplo. Se alguém perguntar se Gabi está feliz, ela só sorri: está explícito.



 

Entendem que um dos pontos altos da relação é a conversa. Se sentem muito bem juntas, brincam, riem, sentem que são parecidas e ao mesmo tempo diferentes. Nunca brigaram, mas já tiveram conversas bem difíceis e entendem a importância disso. 

 

A relação veio como algo muito novo para a Gabriela. Ela conta que sempre sentiu atração por mulheres, mas foi criada num lar que achava muito errado esse tipo de amor. Foi retraindo esse sentimento e só depois da sua separação chegou à conclusão de que muitas vivências são dela enquanto indivíduo, não precisa passar pelo o que a família ou a sociedade acha sobre. Decidiu ser cada vez mais fiel ao que ela realmente é. Não quer mais sentir rivalidades entre mulheres ou viver pensando no que um homem gostaria. 

 

Gabi, mesmo já tendo vivido outros relacionamentos com mulheres, sente que esse é o mais leve, com uma comunicação aberta que possibilita ela ser quem é sem medo. Não sente que está abandonando seu “eu” para ser o que os outros querem, ama a Gabriela da forma que ela é e entende que as duas ficam à vontade juntas. Acha muito bacana quando encontra o amor no dia a dia: fazendo uma comida esperando a Gabriela chegar, ou nos momentos juntas, com as crianças… Entende que por mais que isso seja o básico, muita gente não conhece esse tipo de cuidado, então sabem valorizar. Gabi sempre quis ser mãe de gêmeos, dois meninos, e entende que a relação é um presente do destino. Adora quando as crianças pedem pra ela ficar. Explica que existe e Gabriela e mais dois serzinhos nesse “combo”, três pessoas diferentes que ela ama e respeita. 


Gabriela fala sobre como é diferente sentir o preconceito racial e de gênero quando estão juntas na rua, sendo duas mulheres negras se amando. Cita um dia na praia, uma mulher encarando-as de ‘cara feia’, apenas por estarem juntas e felizes. Não entende porque esse amor incomoda tanto e também não vai mudar por conta dos olhares. Deseja - e tenta manter a esperança - de que um dia esse preconceito saia da sociedade, é por isso, também, que cria seus filhos de maneira diferente para que eles sejam símbolo de mudança. 

 

O racismo está sempre presente nos lugares de vivência e de trabalho, então Gabi completa sobre tudo ser mais simples quando se existe o respeito. Respeitar as conquistas, as escolhas. Não gosta de se sentir impotente diante às situações que vivem. Sente que precisa se esforçar muito mais para ser reconhecida no meio profissional, que não adianta ter um trabalho bom, precisa entregar um resultado melhor ainda que o esperado para quebrar o preconceito sobre quem ela é, como se veste, etc.

 

Entendem que viver esse amor juntas é quebrar muitas questões sociais. Mesmo não sendo uma escolha, reconhecem que isso faz o amor que sentem ficar ainda mais forte e revolucionário.

 Gabriela 
 Gabi 
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