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Na intensa rotina de trabalho que Gabriela e Joyce possuem, nos encontramos num final de semana no centro do Rio de Janeiro. Gabi trabalha em farmácia, Joyce em supermercado, são horários bastante cheios e cotidianos exaustivos. Elas moram em Duque de Caxias, região da baixada fluminense, e o que mais gostam de fazer juntas - além de cozinhar (sempre acompanhadas de vinhos) e tirar fotos das coisas por aí, é também ir até o Rio para aproveitar a praia e descobrir lugares novos - ser turista na própria cidade.  

 

É justamente entre a dinâmica pouco fácil de uma rotina cheia, de horários de trabalho que não nos dão muitos momentos de descanso e de uma vida agitada que elas entendem o quão é importante se esforçar para enxergarem o amor na relação que vivem. Já são mais de 6 anos morando juntas, Joyce acredita que o amor está nos pequenos gestos do dia que demonstram uma pela outra - uma somatória de coisas que vão se acumulando, fazendo com que a paixão siga existindo. Conta que desde o começo, como não tinha dinheiro, demonstrava escrevendo cartas, imprimindo fotos, criando coisas personalizadas… Hoje em dia, mesmo odiando café, por exemplo, sabe o quanto a Gabi ama e faz café pra ela, compra cafés diferentes quando vê no mercado, sempre quando sai sozinha traz algo que lembrou a Gabi para demonstrar o quanto ela estava presente em pensamento… e sente que nesses pequenos gestos estão vivos os significados do amor. 

No momento da documentação Gabi estava com 33 anos e Joyce com 24. Por mais que hoje em dia essa idade ainda tenha seu peso pelas diferenças, quando elas começaram o relacionamento, tudo era ainda mais conflituoso. 

 

Na época, Joyce nunca tinha se relacionado com mulheres. Gabi tinha uma vida mais agitada, era uma mulher independente, trabalhava numa drogaria próxima à casa da Joyce e foram assim que se viram pela primeira vez. 

 

Foi Joyce quem se interessou pela Gabi - e Gabi estava num momento de querer sossego, pensou que era melhor não retribuir interesses, principalmente pela diferença de idade. Mas quando se deu conta já estava entregue e interagindo.

 

Não foi um início fácil, bem pelo contrário. Viveram muitos problemas vindo por conta da não aceitação familiar da Joyce. Ela até então era uma mulher que vivia uma cultura cristã, com padrões sociais, e pensava que no momento que descobrissem até poderia ficar tudo bem pois tinha um tio gay que era casado há anos e aceito na família… mas não foi apoiada nem por ele. Todos foram contra, gerando confusão ainda maior. Gabi foi a mais prejudicada, pois envolveram o trabalho dela, passando por uma grande exposição. Precisou mudar de loja e só não foi demitida porque era uma funcionária exemplar.
 

Todos os conflitos familiares que viveram começaram quando tinham cerca de 6 meses juntas, e duraram mais de um ano e meio, quando Joyce já tinha 18 anos e sem terem outras opções, decidiram morar juntas. 

 

Joyce conta que foi num domingo, se sentiu exausta após uma discussão muito grande e saiu de casa. Hoje em dia, aliviada, a família se dá muito bem. A mãe pediu desculpas para a Gabi, entende que a visão que tinha sobre a relação delas era muito distorcida e que a Gabi não era a pessoa que ela pensava. 

 

Gabi entende também que as coisas mudam com o tempo e que a base para que tudo mude é o diálogo. Sente muito por não ter tido isso na infância, não foi ensinada a dialogar dentro de casa e não era algo instigado pela sua família. Ao decorrer da vida adulta tenta mudar isso de todas as formas e conversa o tempo todo: sempre está disposta a falar o que sente. 


Gabi entende que amar é respeitar, em qualquer âmbito. Pensa que talvez na família, no modelo em que vive, as pessoas não respeitam tanto - elas aceitam. Já nos amigos e no relacionamento, aí sim, é diferente: se sente respeitada de verdade, pode ser quem ela é, sem julgamentos, de forma livre. 

 

Num momento da conversa, lembram de um filme evangélico que viram uma vez e que fala sobre amar ser uma forma de não desistir, de passar pelas fases, persistir. Sempre pensam no filme quando as coisas estão difíceis, se impulsionam a acreditar no relacionamento, reforçam o amor que sentem.

 

Joyce, por fim, fala sobre o quanto gostaria de mudar algumas vivências que possuem nos dias de hoje no dia a dia morando em Duque de Caxias e tendo as rotinas de passeios pelo Rio também, como o fato de que gostaria muito de sair andando na rua em paz. Comentou que quando vieram me encontrar para registrarmos essa documentação, desceram na rodoviária e estavam caminhando na rua em direção ao lugar que nos encontramos, nisso passaram dois homens de moto e gritaram “Quatro é par” em alusão à elas estarem ‘sozinhas’ e eles também. Reforça que o assédio que sofremos quando estamos na rua enquanto um casal de mulheres (ou enquanto mulheres quando estamos sozinhas) é uma das piores coisas que podemos sentir. E que só queriam estar vivendo bem enquanto um casal que sai na rua, sem essa violência, esse medo. Queriam sair de casa a hora que quisessem (muito cedo ou muito tarde) sem o medo acompanhando o tempo todo. 

 Joyce 
 Gabriela 
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