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A Carla e a Cynthia tiveram seus caminhos cruzados pela primeira vez em 2004, quando Carla entrou na Rede Municipal de Macaé, sendo pedagoga. Nessa época, aconteciam alguns seminários de educação, que ambas participavam, e foi assim que a Carla observou a Cynthia pela primeira vez. Pensou no quanto ela era focada e sentiu curiosidade, por achar ela bastante diferente, mas elas não conversaram e não se encontraram mais. A Cynthia, por sua vez, nem se quer viu a Carla. Foi só em 2009, numa coordenação que ela mesmo ministrava, que as duas finalmente se conheceram e conversaram pela primeira vez. 

 

Esse “jeito” diferente da Cynthia persistiu pelos anos que se passaram, porque afinal, não é um jeito… é a essência dela: ela é uma mulher quieta, reservada, adora ler, vive rodeada de livros porque entende que a palavra salva - e isso, segundo ela, pode ser usado de várias formas: como algo divino, como o poder da leitura (como ela usa), como consciência… cada um tem o seu jeito - através da leitura ela enxerga o mundo de forma diferente. No mais, é uma mulher reservada, tímida e sem um jeito muito espalhafatoso.

 

Carla não sabia nada sobre ela. Não imaginava se ela tinha interesse em mulheres, quem ela era, se havia espaços para interesses (até porque, sendo tão reservada, não havia como surgir esse tipo de assunto), mas queria estar ali e ter aquela amizade misturada com outro interesse. Assim, aos poucos, as duas se aproximaram. 



Carla entende que o interesse entre elas existia, mas que a admiração se multiplicava enquanto conhecia cada vez mais a profissional que a Cynthia era. Quanto mais trabalhavam e conviviam juntas, mais queriam estar juntas também. E por mais que ainda não existissem brechas para falarem sobre relacionamentos ou assuntos do tipo, por conta da Cynthia ser uma mulher muito reservada, ela respeitava isso e queria estar ali, de qualquer forma. 

 

Carla já tinha vivido relacionamentos anteriores - com homens e mulheres - e inclusive tinha uma filha. Já a Cynthia, nunca tinha se envolvido com alguém, por isso também pisava em passos mais lentos. No começo, não entendia que a Carla poderia ter algum interesse, apenas gostava dela pelo o que tinham em comum - iam ao teatro, tomavam cafés. A vivência da Cynthia era algo totalmente diferente, uma pessoa caseira, com grupos pequenos de amigas (essas, reunidas pela leitura, com idades mais velhas). Enquanto Carla era do grupo de teatro, fazia amizade com todos, era super extrovertida. 

 

Entender que poderiam dar o primeiro passo foi um processo interno para ambas. Sentiam-se como adolescentes. Cynthia foi entendendo sobre o seu interesse, conversou com a sua psicóloga e ela disse: “Essa moça está afim de você”. Isso despertou diversos olhares novos. Enquanto Carla, por sua vez, tentava em um ritmo diferente. Não atropelava nada, deixava com que tudo fluísse para que ela também entendesse seu processo. Chamou a Cynthia para ir na sua casa, não deu certo na primeira vez, mas com o tempo convenceu. 

 



Nessa época, em que tudo era um mistério entre não saberem se existia algo a mais entre a amizade delas ou não, elas não moravam na mesma cidade, mesmo que trabalhassem juntas. Foi em Rio das Ostras, na região litorânea do Rio de Janeiro, que elas se encontraram, próximo da casa da Carla. Foram até um restaurante na praia (local em que fizemos as fotos, inclusive) e na hora de ir embora, quando estavam esperando uma van, ao sentirem frio esquentaram suas mãos umas nas outras. Foi, assim, um primeiro tato/uma primeira demonstração de afeto físico, como um pontapé inicial. 

 

Ao chegarem em casa, assistiram um filme estratégico que era nada mais, nada menos, que um amor entre mulheres, mas simplesmente não falaram nada sobre o filme e assistiram o filme cada uma em seu canto. Na hora de dormir, já ao anoitecer, foi quando - cada uma olhando para o teto - a Cynthia resolveu perguntar algo do tipo: “Você já beijou alguma mulher/você gosta de mulheres?” e, finalmente, elas se beijaram. 

 

Hoje em dia, 12 anos depois, elas riem e brincam muito sobre toda essa situação que viveram. Afinal, duas adultas, agindo dessa forma. Mas entendem que essa demora, ou melhor, esse processo, a forma que foi vivido, os intervalos, o tempo em si, tudo foi uma forma de respeito e de entendimento sobre o que estava acontecendo. Por a Cynthia nunca ter estado com alguém, viver isso dessa maneira, foi a forma mais real/pura e respeitosa possível sob o que ela é. Já a Carla, se permitir esse processo, foi um novo entendimento sobre algo que ela gostaria de viver e que nunca tinha se imaginado, também. 



 

No começo, todos olhavam a Carla super extrovertida, com sua gargalhada alta, com os seus amigos mais jovens, do teatro, das artes, de festa, bares, e a Cynthia sendo reservada, da leitura, de um mundo oposto e diferente e já diziam: “Não vai dar certo.”

 

O mais importante, em toda a história, foi que mesmo entendendo que são pessoas diferentes, suas afinidades são muito boas e uma não quis mudar a outra. Inclusive, era suas diferenças que faziam com que uma gostasse tanto da outra. A Cynthia conta o quanto ela se diverte com as palhaçadas da Carla, às vezes até sem querer - e a Carla o quanto sempre se encantou com tudo o que a Cynthia representa no seu tom reservado, quieto, leitor. 

 

O processo inicial, lento, de amizade e conhecimento, também foi muito importante porque enriqueceu quem elas são. Depois de tantos anos, sentem que tudo acontece com muita fluidez. Desde uma gostar de café e a outra de cerveja, cada uma sabe o gosto e a forma de acontecer. 




Na noite em que elas se beijaram, havia um detalhe - o dia seguinte era aniversário da Cynthia. Ela estava radiante! Quis logo assumir o namoro. Contar para a família. Porém, haviam alguns problemas, né?! Primeiro que, assumir um relacionamento hoje em dia não é fácil, imagina antes de 2010. Segundo, Cynthia sempre foi muito ligada com a sua família e Carla teve muito medo de que isso fizesse com que a família reagisse com preconceito e acabasse a afastando ou a tratando mal, portanto, não aprovou que ela contasse.

 

Ela decidiu conversar com a sua psicóloga, que também achou melhor esperar. Mas se sentiu muito triste, era como se estivesse fazendo algo errado, sendo que não estava. Estava amando, finalmente amando! Fazendo algo tão bom, queria tanto compartilhar. E, principalmente, pela família dela sempre apostar no amor, não entendia porquê não poderia compartilhar. 

 

Esperou uma semana, não se sentia bem estando lá, dividindo a casa, os cômodos, e não contando. A mãe aceitou tranquilamente, disse que em nome da felicidade dela, estava tudo bem. Ela ficou muito feliz em ter apostado no amor - como foi ensinada a fazer. Ela e a Carla passaram mais um tempo sem contar sobre o relacionamento delas no trabalho, por conta da pressão que isso envolvia, mas também não durou muito. Ao fim da nossa conversa ela falou algo importante, sobre fazermos o exercício de passarmos horas falando da nossa vida e ver se conseguiremos não falar de quem a gente ama. Porque ela, sinceramente, não conseguia/não consegue não citar a Carla, e reprimir isso por conta do preconceito social é absurdo, sufocante. É algo que não há motivos para permitirmos. Ela queria sentir a liberdade, da mesma forma que as pessoas perguntam “e o seu marido, está bem?!” perguntarem “E a sua companheira, está bem?”.



Hoje em dia, a Carla está com 50 anos, trabalhando como professora, pedagoga, sendo atriz e artista plástica. Adorando desenhar e pintar.

 

A Cynthia está com 44 anos, segue enquanto coordenadora de professores e alunos na Secretaria de Educação. Eterna apaixonada por leitura.

 

Elas estão juntas há 12 anos. Atualmente, morando em Rio das Ostras. Mas, no começo da relação, Cynthia tinha acabado de comprar um apartamento em Macaé, então passaram pela ideia de morar lá. 

 

Já moraram, também, com a filha da Carla, que hoje em dia é uma mulher adulta (mas que no começo do relacionamento delas tinha 11 anos) e que convive com as duas direto. Elas brincam sobre o enfrentamento da adolescência e sobre a Cynthia sempre ficar do lado de ambas (tanto da Carla, quanto da filha), na hora dos conflitos. Hoje em dia a filha também foi para a área da Educação, cursando História, no interior do Rio de Janeiro. 

 

Por mais que, antes de se relacionar com a Cynthia, a Carla dizia que não gostaria de se relacionar com ninguém, hoje em dia ela vê a vida e o amor de formas bem diferentes. Entende que não queria se mudar por ninguém: se fechava nessa ideia, dizia que era assim, a pessoa que aceitasse. Hoje em dia ela entende que segue na sua essência, mas que todo relacionamento precisa de ajustes e acordos para acontecer. Foi a partir do relacionamento delas que sentiu um cuidado único - tanto ela, quanto sua filha - e ambas ganharam uma nova família. Esse cuidado ensina diariamente. Antes, elas eram sozinhas, ela e a filha, no mundo. Hoje, elas têm uma parceria e com quem contar. Cynthia conta, finalizando, que a mãe dela faz a comida favorita da Carla e que tudo dentro do relacionamento delas é feito com um amor único. 

 

“O ódio é mais fácil. Sentir ódio. Mas o amor é a única forma de salvar as pessoas. Por isso precisamos escancarar o amor em todos os cantos… e a gente escancara mesmo!” - Carla.

 Carla 
 Cynthia 
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