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Kelly e Amanda estão juntas há mais de 18 anos. Contam que para fazer o relacionamento dar certo por tanto tempo criaram quase que um pacto de diálogo - tudo é conversado. Já enfrentaram processos depressivos, situações difíceis, mudanças de casa e de trabalho. A rede de apoio é fundamental, e a forma que lidam com paciência entendendo que as coisas fazem parte de processos e ciclos é evidente. 

 

Nos momentos mais difíceis tentam se equilibrar: quando uma está estressada, a outra ameniza. Mas há também os momentos em que ambas não se sentem bem e nesses a prioridade é: “Se não tem nada de bom pra falar, deixa pra falar depois”. Preferem o silêncio, mesmo que seguindo fisicamente juntas, sentadas uma ao lado da outra. 

 

Quando se conheceram, Kelly juntou suas coisas, colocou num saco de lixo preto e saiu de casa para viver essa relação. Conta o quanto foi difícil, ninguém validava e acreditava nesse amor. Em momentos depressivos, tentava afastar a Amanda achando que ela não deveria passar por isso também. Amanda, por sua vez, firmou o pé no chão e disse que ficaria ao lado dela a todo custo e assim entenderam a importância uma da outra, passando pelas primeiras barreiras juntas. 

 

Amanda, quando olha para trás e enxerga toda a vivência e o quanto construíram o relacionamento, não consegue ver tristeza. Se sente uma pessoa muito melhor. 

Kelly é natural do Rio de Janeiro, no momento da documentação estava com 35 anos e trabalha enquanto pedagoga e psicóloga. 

 

Amanda também é do Rio de Janeiro, no momento da documentação estava com 42 anos e trabalha na área de pesquisa/inovação em química. Está concluindo o doutorado.

 

Contam um pouco sobre a rotina sempre cheia com o filho, Antônio, de 1 ano e 3 meses. Até então ele ainda não vai à creche e elas se sentem muito felizes de poder viver essa infância com ele em casa, junto dos sobrinhos e primos, as crianças da família. 

 

Além das crianças, existem os 19 gatos que estão no lar. Quando se conheceram, em 2005/2006, nem pensavam em ter gatos porque ambas nunca tinham tido muito contato, adoravam cachorros, até que num dia de chuva acharam uma gatinha preta e não conseguiram deixá-la na rua. Ela foi uma fiel companheira de anos, se chamava Ágata e a Kelly fez uma tatuagem em homenagem. 



 

Passaram um período da vida morando em Cabo Frio, nessa época já tinham 4 gatos e uma cachorra. A rotina era muito puxada, acabavam tendo que fazer uma migração pendular (sair de Cabo Frio para trabalhar no Rio de Janeiro) diariamente até ficar insustentável. Em 2013 voltaram ao Rio.

 

Nessa volta, os outros gatos começaram a surgir. Moraram numa casa muito complicada, vivendo períodos difíceis e lá os gatos surgiam na porta. Foram 12 gatos resgatados da rua - e tiveram algumas ninhadas - que chegou a somar em 22 gatos no total. Foram cuidando de cada um, nunca doaram.

 

Depois de se mudarem novamente e para uma casa melhor (onde moram agora) conseguem ver uma diferença grandiosa na qualidade de vida. Não é fácil cuidar de tudo, manter limpo, envolve também muito gasto. Mas sentem que estão cada vez mais ‘expert’ enquanto cuidadoras. 

 

 

O que as deixa muito felizes é ver a casa cheia de crianças. Os sobrinhos passam muito tempo com elas, por exemplo. Treinaram muito para ser mães (e ainda tomam uns caldos da maternidade), mas a casa segue divertida.

 

Kelly explica que sempre quis ser mãe, era uma certeza na vida dela, mas não imaginava engravidar. Acabou que os planos mudaram e entraram no acordo. Amanda, por sua vez, se relacionava com homens antes de conhecer a Kelly e explica que a visão que tinha sobre ser mãe era muito relacionada aos moldes tradicionais, então não tinha desejo. Foi a partir do relacionamento com uma mulher que a perspectiva mudou e sentiu que, agora sim, encontrou uma parceria e pode vivenciar a maternidade. 

 

Em 2019 tiveram uma conversa decisiva sobre a gravidez. Em 2020 começaram as organizações com um amigo doador porque prefeririam fazer uma inseminação ao invés de viver o processo da FIV e tudo o que ele envolve. Tiveram tentativas de doador que desistiram por ser uma pessoa muito próxima, outro que tentou, engravidaram, mas sofreu abortos seguidos e descobriu uma incompatibilidade… Até que se viram sem saída, precisavam pesquisar em outros meios.

 

Foi quando a Kelly entrou em grupos de Facebook sobre o tema e encontrou um doador que trabalha com isso. Foram 4 tentativas, até o Antônio chegar. 

Em 2015 (quando ainda não era possível que mulheres que amam mulheres se casassem no cartório) elas conseguiram realizar o casamento devido à uma ação feita pelo projeto Rio Sem Homofobia, juntando mais de 180 casais num casamento coletivo. Os familiares e amigos foram, viram muitas pessoas celebrando o amor e o dia foi muito significativo, mas reiteram a importância do casamento por uma questão política também, tinham a preocupação de serem reconhecidas enquanto família e companheiras. 

 

Kelly traz como referência de amor uma música do Mundo Bita que fala sobre amor em suas múltiplas formas, desde o aconchego, o cuidado, as coisas cotidianas e o se permitir errar. 

 

Enquanto narram suas histórias, lembram das diversas fases que já viveram: a da paixão profunda, a de serem muito festeiras e também outra em que estavam muito caseiras e a própria maternidade, como vem sendo. Adoram cada uma dessas fases. 

 

Hoje em dia, caminham para a educação do Antônio ser a melhor possível e pensam na pessoa que querem ver ele se tornando. Amanda explica que toda essa preocupação é, também, política. Desde o registro dele quando nasceu, tudo é político. Ele terá consciência disso e da importância que a dupla maternidade tem. Para além do Antônio, também fazem questão de ser exemplo para as outras crianças que estão na vida delas, levando o amor como bandeira, e também no trabalho, quando todos reconhecem a família da Amanda, acompanharam a Kelly grávida e adoram o Antônio. Quando caminham nos corredores do trabalho dela, sente que a família é reconhecida e entende a importância de se posicionar o tempo todo. 

 Kelly 
 Amanda 
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