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Patrini estava com 30 anos no momento da documentação. É natural de São Sebastião do Caí, interior do Rio Grande do Sul, e mora em Porto Alegre há pouco mais de três anos. Trabalha como psicóloga e desde o início da carreira já se dedicava ao trabalho com foco em sexualidade e gênero, participando de coletivos e acolhendo pessoas LGBTs em seus atendimentos, mas foi nos últimos anos que fora do consultório olhou para si e também permitiu o entendimento da sua própria sexualidade enquanto uma mulher que ama outra mulher - ainda que, nesse processo, nunca havia imaginado namorar outras pessoas porque sempre se via sozinha e não-monogâmica, até começar a relação com a Gabi. 

 

É no tempo livre que Patrini encontra o ritmo e o descanso na música: sendo percussionista. Filha de baterista, explica que o som sempre foi um modo de se manter viva. Religiosa de matriz africana, costuma dizer que o orixá orienta seus caminhos… e talvez por isso veja na vida, na música e no amor um lugar de movimento, de cruzamentos, de liberdade.

 

Gabriela estava com 23 anos no momento da documentação. É natural de Taquara, interior do Rio Grande do Sul, e cursa psicologia. Quando começou a se relacionar com mulheres, na adolescência e antes de se mudar para Porto Alegre, enfrentou uma reação violenta dos pais, que só mudou com o tempo, com a maturidade e a terapia. Aos 18 chegou em Porto Alegre para cursar a faculdade e desde então constrói sua carreira. Para além da psicologia, Gabi adora fazer crossfit e surfar. Sonha em unir o esporte à psicologia, principalmente na praia, onde se sente completa. 

 

 

Foi em 2023 que Patrini e Gabi se conheceram, sem marcar encontros ou sair de casa com grandes expectativas, estavam apenas com suas amigas curtindo o Bloco da Laje, famoso bloco carnavalesco gaúcho. Uma delas havia ido ao evento com uma antiga ficante, mas acabou se afastando para reencontrar uma amiga. A outra chegou mais tarde, apenas querendo se divertir e rever conhecidos. O encontro aconteceu quando uniram os grupos de amigos e trocaram olhares, sorriram uma para a outra e puxaram alguns assuntos falando sobre o glitter que usavam. Depois de uma rápida conversa descobriram que tinham a psicologia em comum, até que Patrini questionou: “Vem cá, você tem quantos anos hein?!”.

 

A troca que tiveram no bloco foi curta, trocaram o Instagram rapidamente e logo se perderam nos grupos. Patrini foi para casa em seguida, pois morava perto, e no dia seguinte trocaram mensagens no Instagram para se encontrar novamente. Ela achava que não iria dar em nada, principalmente pela diferença de idade, mas topou o encontro, que foi em um pagode, num lugar bastante aleatório. Se deram bem, seguiram se encontrando e entrando aos poucos uma na rotina da outra. 

 

Brincam que o que era ficarem juntas durante o fim de semana se estendeu para segunda, depois segunda e terça, depois quinta até segunda… até que não fazia mais sentido dormir separadas. A convivência se intensificou entre risadas, cafés, cachorros indo e vindo, e o caos afetuoso das diferenças também se revelaram com o tempo. Patrini, que há anos morava sozinha, estranhou o ritmo de uma casa mais cheia. Gabi, que morava com mais pessoas, mostrava outra forma de ver as coisas. Em meio a conversas sinceras, falaram sobre os limites da relação, sobre monogamia e liberdade, com respeito e escuta.

 

 

Foi um tempo depois de ficarem pela primeira vez - e de terem se conhecido no bloco - que Patrini e Gabi começaram o namoro, ainda em 2023. Um ano e meio depois, decidiram morar juntas, primeiro porque a logística de idas e vindas para ambas casas não fazia mais sentido, e segundo porque coincidiram suas datas de encerramentos de contratos dos imóveis locados. Um ultimato que virou oportunidade: se já se escolhiam na prática, por que não oficializar na rotina? O novo lar, porém, trouxe seus próprios ruídos: um bairro que não era o favorito, era escolhido por necessidade. Deslocamentos maiores. Outras adaptações. Ainda assim, ficaram. E seguem planejando, inclusive mudar de novo quando a vida permitir.

 

Nesse tempo que estão juntas passaram por muitas coisas, entre felicidades, tristezas, desafios e coisas que só o tempo comporta. Foram lutos, roubos, ansiedades, burnouts, reflexões sobre si, crescimento profissional… Nasceu a percepção de companhia: um porto seguro. Uma base que não é só idealizada, ela atravessa vulnerabilidade com presença. A terapia entrou como ferramenta e como espelho. Falou sobre conflitos antigos, influências familiares, a dificuldade de separar individualidade e dependência. Foi como colocar tudo sob a mesa. Coisas até que nem estavam preparadas para ver - e entender isso também. Entender que são pessoas, que compromisso não é cobrança. Perceberam que estar juntas implica aceitar também o que a outra é no mundo: sua história, suas crenças, suas formas de amar. E que essa decisão, apesar de exigir disposição, devolve amor de um jeito que faz sentido.

 

Com o tempo, a relação começou a transbordar para fora das duas. Olharam para as relações alheias com menos julgamento, entenderam acordos, nuances, possibilidades. A diferença de idade virou aprendizado mútuo: uma traz estabilidade e perspectiva, a outra traz experimentação e futuro em construção. Uma aprende organização financeira, aprende a respirar mais; a outra ganha calma, confiança, orientações de quem já ocupou alguns caminhos antes.

 

 

A rotina é como um ritual para Patrini e Gabi: o chimarrão ao fim do dia, o café da manhã, as conversas que acontecem nesses momentos… Gostam de cozinhar juntas, viver o dia sem pressa aos sábados. Ir na feira. Dormir um pouco a mais. Cuidar da casa, viver o dia com a cachorrinha. Cuidar das plantas. 

Há uma alegria tranquila em estar cuidando do lar, em organizar e ver tudo no lugar, sentindo que aquilo as representa. A rotina, antes dividida entre deslocamentos e urgências, hoje é feita de pausas, tendo cuidado no descanso.

De certa forma isso reflete o amor que amadureceu junto da relação, entre as conquistas nos dias comuns, os momentos de perdas. Um cotidiano que vai se construindo em coisas boas, em dias mais vulneráveis, sobretudo na companhia e numa intimidade que antes nem imaginavam conquistar: estar uma com a outra, e em casa.

 Gabriela 
 Patrini 
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