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Paola estava com 37 anos no momento da documentação. Trabalha enquanto assistente social, sendo funcionária pública há mais de uma década, com trajetória marcada pelo compromisso com o cuidado e a proteção social. É natural de Porto Alegre, adora morar na cidade e foi criada na zona sul, morando agora na zona norte com a Tai. Jogou futebol por muitos anos e é apaixonada - um tanto quanto fanática - pelo Internacional. Além de dividir o lar com a Tai, também mora com seus pets: dois cachorros e um gato e nos momentos livres adora tocar violão. Brinca que é uma sapatona tradicional. 

 

Taiane estava com 30 anos no momento da documentação. Também é natural de Porto Alegre, da zona norte. Se formou em relações internacionais e trabalha com comércio, mas é marcada pelas suas grandes paixões: os idiomas, os livros e os estudos. Assim como a Paola, já passou pelo mundo dos esportes: desde criança praticou patinação artística, mas parou por questões de saúde (ainda que continue amando dançar). De forma tardia, Tai descobriu o diagnóstico de TDAH e autismo, o que fez reorganizar sua vida, ampliar compreensões e redesenhar a maneira que lê a si mesma e suas relações sociais. Hoje diz o quanto foi bom ter esse diagnóstico para entender melhor como a vida acontece ao seu redor, descobrindo novas formas de existir. 

 

 

Quando pergunto sobre a história da Tai e da Paola, elas explicam que tudo começou num aplicativo de relacionamentos, em janeiro de 2022, que funcionava por geolocalizações. Até hoje não entendem como foi possível, porque era bastante improvável elas se cruzarem via app porque estavam um pouco longe uma da outra, mas em algum momento o gps se esbarrou. Foi assim que conversaram e marcaram um encontro no local em que fizemos as fotos, o Parque da Redenção, no centro da cidade. Até hoje, quando voltam ao local, fazem um ritual que é reviver o momento que se viram pela primeira vez, lá no mesmo lugar, na entrada do parque. 

 

O primeiro encontro foi como deveria ser… superou as expectativas e a história começou a nascer de “nãos” que viraram “sims”: não queriam casar, não queriam morar com ninguém, não imaginavam dividir uma vida. Mas tudo começou a mudar. Ao decorrer desses anos juntas compraram um carro, formalizaram a união estável, dividiram o lar, assinaram o casamento. Misturaram universos. Cachorro, gato, outro cachorro. Muitos desafios novos.

 

Tai conta que no dia seguinte do primeiro encontro, o afilhado da Paola nasceu. E o crescimento dele passou a caminhar lado a lado com o crescimento do relacionamento delas. Com um mês de vida dele, elas estavam se pedindo em namoro… Hoje em dia, com ele já sendo uma criança que corre, fala, entende quem elas são, elas pensam: “Caramba, como crescemos também!”. 


 

 

Logo no início do relacionamento entre Paola e Tai, chegaram diversos desafios. Desde os mais leves e até mesmo divertidos, como apresentar os bichos uns aos outros - e adotar um novo cachorrinho - aos mais intensos, como o diagnóstico do autismo da Tai e o preconceito vindo de familiares e amigos perante o diagnóstico. Começando com a vida compartilhada com os animais, o Max, pinscher da Paola, adotou Taiane imediatamente. Já a gata que era da Thai, virou amiga fiel da Paola. A questão maior foi o terceiro integrante, o Sirius, que chegou com muita energia criando uma nova dinâmica para todos dentro de casa. Elas confessam que às vezes rola uma confusão, porque ele ainda é muito jovem, mas deixa a casa muito mais animada.

 

Sobre o diagnóstico tardio, a Tai já sabia o de TDAH desde os 17 anos, mas as particularidades da rotina, da rigidez com mudanças e da seletividade alimentar começaram a ser percebidas no início do relacionamento, levando elas a conversarem entre si, pesquisar e conversar mais com a terapeuta sobre. Elas lidaram bem com o diagnóstico, Tai sempre reforça como foi bom entender melhor o que vivia, redescobrir como lidar cada vez mais com os seus limites e respeitá-los. O problema foi descobrir como as pessoas podem ser tão preconceituosas com algo que não deveria existir preconceito. Pessoas que eram amigas da Paola reagiram de forma capacitista e cruel, como se ela tivesse assumindo o namoro com alguém que fosse eternamente dependente, como se virasse uma cuidadora. E pior: como se o diagnóstico fosse uma mentira. “Como a Tai tem autismo se ela consegue falar?” questionaram. A falta de informação era muito grande. E ainda que conversassem sobre, o preconceito firmava presença. A postura deles gerou afastamentos dolorosos, mesmo que necessários, fazendo com que elas se unissem cada vez mais no enfrentamento desses estigmas. 

 

Dentro das unidades familiares o processo foi doloroso também, mas mais tranquilo pelo fato de entenderem os comportamentos que existiam antes do diagnóstico. Tai conta sobre uma situação que viveram na praia, um tempo depois, quando chegaram e haviam comprado uma cama de casal para que elas pudessem ficar mais confortáveis num quarto que antes era formado por camas de solteiro. Foi como um conforto, um acolhimento e uma aceitação. Toda a relação foi se transformando, principalmente considerando os limites e não tratando com capacitismo: a Tai ajuda muito a Paola, e a Paola ajuda muito a Tai. É uma relação de troca. Uma relação que se transforma.





 

 

O diagnóstico da Tai também transformou a vida cotidiana, trazendo novas compreensões sobre limites, questões sensoriais, rotinas e sobrecargas. Antes, situações simples como mudança de planos, uma festa ou um shopping cheio geravam desconfortos que ninguém entendia. Hoje, elas reconhecem gatilhos: exaustão, mudanças no humor. Paola muitas vezes percebe antes da própria Tai e “muda a rota” ou cria uma saída, acolhendo e garantindo segurança. A consciência sobre o autismo também trouxe novos gestos simbólicos, como a tatuagem que Paola fez entrelaçando, que tem o símbolo do espectro e duas mãos entrelaçadas. É sobre serem um casal, se amarem, se apoiarem, crescerem juntas em uma sociedade que insiste em questionar essa legitimidade. 

 

Elas contam também como o preconceito existe em momentos que as pessoas tentam infantilizar Tai e colocar a Paola nesse lugar de eterno cuidado, como se a relação sempre fosse se resumir à isso: não como esposa, mas num capacitismo que atravessa a leitura social sobre mulheres autistas independentes. A luta diária que elas travam envolve reafirmar a autonomia, identidade e o vínculo que construíram, sem precisar provar a existência de cuidado, suporte ou reciprocidade. 

 

Ainda assim, é nítido o quanto se amam. Independente das críticas. E sobretudo, o quanto crescem: as transformações são profundas - como quando Paola parou de fumar um dia antes de pedir a Tai em namoro, como quando ela redesenhou sua vida financeira com a ajuda da Tai ou como quando elas conversaram, melhorando cada vez mais a comunicação, sobre os lugares que a Tai se sentia bem ou não frequentando e entenderam os limites não “forçando a barra”.

 

Foi em 2024 que Tai e Paola oficializaram a união com um casamento. A data foi cheia de significados: dia 26 porque ambas nasceram em um dia 26, começaram a namorar em um dia 26 e gostam da harmonia numérica. O pedido de casamento havia acontecido meses antes, em 2023, durante um período especial. A festa foi para as pessoas que realmente torciam por elas e acompanharam a relação - um dia para comemorar, genuinamente. 

 

Quando conversamos sobre o dia a dia e o amor nele presente, para além de todos os desafios que marcaram muito nossa conversa, elas contam sobre o quanto aprendem uma com a outra de forma leve. Riem muito juntas, brincam, se jogam água em dias quentes, implicam uma com a outra, mas também gostam de se mimar, de apoiar, tomar um café, deixar um bilhete. São apaixonadas por Harry Potter e tudo o que envolve o mundo da saga. Acreditam que nesses afetos de detalhes cotidianos está muito da essência da relação, porque é onde se apoiam quando acontece algo difícil. Geralmente a relação é composta por todas as “coisas pequenas” e não por coisas grandiosas. Cultivam essa manutenção delicada do amor, que impede que se tornem apenas colegas de apartamento e garante que a parceria siga viva, alegre e presente.

 

Também aprenderam a respeitar e acolher as particularidades uma da outra, especialmente as rotinas e rituais estruturais. Depois de quatro anos juntas, projetam um futuro mútuo, consciente e responsável. 

 Paola 
 Taiane 
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