Melina estava com 34 anos no momento da documentação, é professora de música e artista. Atua em diversos eventos na cidade, dá aulas (inclusive para pessoas com deficiência) e trabalha com diferentes etapas da produção musical: da escrita de partituras à edição e masterização de áudios. Está finalizando a graduação em licenciatura em música pela UFPA. Nasceu em Belém do Pará e possui uma trajetória muito ligada à arte e à cena musical paraense.
Acácia estava com 28 anos no momento da documentação. Também é paraense, nascida e criada em Belém. Psicóloga, atua na área clínica de reabilitação e é apaixonada pela cultura. E foi justamente essa cultura (mais especificamente a cena musical LGBT) que aproximou as duas.
Melina toca há anos no Rebuw, bar conhecido por acolher o público LGBT - especialmente as mulheres. Durante os domingos, o espaço recebia o projeto Sapa Session, um ‘pagode de sapatão’ que lotava o bar com mulheres se apresentando no palco. Acácia frequentou algumas dessas edições e, em uma delas, viu Melina tocando.
Já conhecia Melina por vê-la na cena artística da cidade, até que em novembro de 2023, depois do Sapa Session, resolveu segui-la no Instagram. Melina, ao ver a notificação, achou Acácia linda e seguiu de volta, mas nenhuma das duas puxou conversa. No evento seguinte, novamente no Rebuw, Melina a reconheceu na plateia com uma amiga e, sem querer, ficou reparando demais nela, brinca que era quase deselegante, o que causou uns “gays panics”. Quando o show terminou e foi guardar o equipamento, criou coragem, foi até Acácia e se apresentou, mas não continuou uma conversa, disse seu nome, prazer, e saiu em seguida. A situação foi tão inusitada que nenhuma das duas entendeu direito o que tinha acontecido. Acabou sendo uma situação engraçada. Nunca fazia isso com ninguém… Nem Acácia, nem a amiga entenderam direito.
Em dezembro, pouco tempo após a primeira interação no bar, Melina e Acácia se reencontraram em um evento que misturava show e festa, em outro local da cidade. Com amigas em comum, passaram a noite bebendo e curtindo. Quando começou a tocar o brega paraense com seus melodys, tecnobrega e clássicos regionais, as duas - que amam dançar - se encontraram e passaram duas horas dançando sem parar. Não conversaram, não se beijaram, não fizeram nada além de dançar muito.
Mesmo depois de tanto tempo dançando, foram embora sem trocar palavras. Melina elogiou o quanto Acácia era cheirosa e só. Quando o dia já estava quase amanhecendo, Acácia mandou uma mensagem para Melina agradecendo pela dança e pela noite. A partir daí, começaram a conversar e passaram todo o domingo trocando mensagens. Na segunda, Acácia não estava se sentindo bem, e Melina, que estava dando aula perto do trabalho dela, decidiu levar algo para ela comer. Para Acácia, foi uma surpresa total, ela não acreditou quando Melina disse que estava lá embaixo com comida esperando por ela. Ela nem esperava esse tipo de gesto vindo de alguém que conhecia há tão pouco tempo.
Ficou tão inacreditada que quando desceu já foi com o celular gravando. Tinha dez minutos de intervalo entre um trabalho e outro e foi o bastante para conversarem rapidamente. Acham engraçado essa primeira interação, foi diferente e especial. Melina também não entendia direito como tinha tido coragem de ir até lá, não era algo que ela fazia, mas sabia que já gostava de Acácia de algum jeito. Mesmo sem planos de namorar ou de tomar iniciativas, algo ali já era diferente.
Melina e Acácia seguiram se conhecendo nos dias que seguiram e tudo foi bastante rápido, mas com a leveza que queriam. Conversavam muito sobre trabalho, a rotina e a vida. Quando pensavam em se encontrar para comer algo, escolhiam o Rebuw, bar que já fazia parte da vida de ambas e que amavam.
Acácia conta que o Rebuw virou um espaço de conforto: além da comida boa e da proximidade com o trabalho, passou a se sentir acolhida, antes mesmo de conhecer Melina. Lá criou laços com quem trabalha no bar, e a frequência dos eventos faz dar vontade de frequentar cada vez mais. Para ela, é fundamental que existam espaços como esse, voltados para mulheres, onde possam se sentir seguras… saírem dos ambientes tradicionais que muitas vezes são pensados para nos acolher.
Mesmo com a conexão entre elas aumentando consideravelmente, Melina e Acácia ainda não haviam se beijado. Passavam o dia conversando e, às vezes as noites também, por chamadas de vídeo ou pessoalmente. Melina havia decidido que só se envolveria de novo se pudesse conhecer alguém de verdade antes, e assim foi. Conversaram sobre planos de vida, limites, sonhos, opiniões sobre assuntos polêmicos… e perceberam que não queriam parar de conversar. Tanto que foram duas semanas de convivência intensa: já conheciam até ambas famílias. Entenderam que estavam gostando uma da outra, mudaram até a notificação dos celulares para não perder suas notificações a cada mensagem. Depois desse tempo, o beijo aconteceu: Acácia dormiu na casa de Melina após um show e finalmente se beijaram. Foi um momento de cuidado, carregado de afeto, responsabilidade e principalmente a escuta, o que priorizam até hoje.
Poucos dias depois do primeiro beijo, Acácia adoeceu e Melina ficou visivelmente apreensiva. Acácia estranhou a reação, mas não comentou muito. O que não sabia era que Melina já estava preparando um pedido de namoro todo elaborado: aconteceria no show que ela faria no final de semana seguinte, no Rebuw, claro! Queria que tudo estivesse perfeito (inclusive a saúde de Acácia). Mobilizou amigas, combinou com a equipe do Rebuw e montou um repertório romântico único.
Quando chegou ao show, Acácia percebeu que havia algo diferente no ar, mas nem imaginava que era o pedido. Até que, em meio à apresentação, o momento chegou: o bar estava lotado, recebeu um buquê com as alianças e Melina anunciando o pedido. Ficou em choque, emocionada. A filmagem do pedido viralizou nas redes sociais e, por dias, elas viveram esse momento recebendo mensagens afetuosas. Sentiram que aquele gesto ultrapassou o próprio namoro porque inspirou outros casais e fez diversas mulheres se sentirem representadas.
Como tudo aconteceu às vésperas do Natal, passaram a celebração juntas, em família. Brincam que a ceia foi quase um banquete em homenagem ao novo relacionamento. Mas foi, também, um momento simbólico: estar entre as famílias, de forma aberta, dizendo quem são e quem amam. Isso é o mais importante. Melina, por exemplo, levou quase dez anos para ser aceita e nunca tinha vivido uma celebração dessa forma. Esse início, marcado por cuidado, coragem… selou o que buscavam: estavam vivendo um amor para ser visto, não escondido. Queriam celebrar. E sentia que poderia confiar na relação.
Melina e Acácia reconhecem que o início foi acelerado, mas foi o tempo certo. Tudo fluiu de forma intensa e natural. Depois disso, passaram a seguir os próximos passos com mais calma. Quando surgiu a possibilidade de morarem juntas, Acácia ainda tinha medo. Estava terminando de mobiliar um apartamento alugado e Melina propôs: “bora, bora juntas.” Ela disse não no início, o medo existia por conta de outros relacionamentos em que viveu dividindo um lar. Melina resolveu insistir, ao menos para conhecer o lugar. Quando chegou, sentaram no chão, com a sala ainda vazia e conversaram sobre o que significaria dividir a vida naquele espaço.
O começo da relação foi como se vivessem antes do mundo acabar: faziam tudo a todo tempo. Era muito intenso, acelerado. Até que olharam uma para a outra e entenderam: estavam cansadas. Não dava para viver em ritmo de maratona todos os dias. Decidiram ir ao cinema para desacelerar, mas o cansaço era tanto que dormiram durante o filme. Resolveram ouvir o cansaço e pisar mais lento.
A mudança para o apartamento veio no início de 2024. Fizeram um chá de casa nova e, depois, foram morar mais afastadas do centro da cidade. Hoje, brincam sobre como tudo mudou: já não vivem naquele ritmo, são mais caseiras e estão em paz com isso. Melina diz que essa é a relação mais saudável que já viveu. Admira a inteligência emocional de Acácia e juntas encontram um equilíbrio leve. Sente que é muito bonito e verdadeiro o quanto querem crescer - e crescem - nessa caminhada.

























