Luísa estava com 29 anos no momento da documentação. É formada em teatro, mas sua atual profissão é ser professora de inglês. Natural de Nova Prata, cidade interiorana do Rio Grande do Sul, viveu oito anos em Porto Alegre, onde estudou - e onde também mantém muitos amigos até hoje. É apaixonada (vamos dizer, fascinada) pelo universo do horror-terror, foi o assunto do seu trabalho de conclusão de curso e espaço escolhido para fazer a nossa documentação acontecer (um café temático em Porto Alegre), afinal, ela compartilhou sua paixão com a Ju durante o relacionamento.
Juliana, por sua vez, estava com 36 anos no momento da documentação. Também nasceu em Nova Prata e viveu em Porto Alegre por uma década antes de retornar à cidade, em 2016. Filha mais velha de pais separados, descreve sua família como “bagunçada, mas com afeto”. Conta que precisou de muito tempo (e terapia) para entender seu processo e se livrar aos poucos das expectativas e dos padrões familiares que são impostos ao longo da vida. Em 2022, deixou o emprego formal para se dedicar ao bordado livre, arte que aprendeu com a avó, que era muito habilidosa e adorava costurar, bordar, trabalhar com madeira e outros artesanatos e, além do trabalho, Juliana também estuda psicologia atualmente.
Quando começaram a namorar, o universo do horror era muito temido pela Ju. Ela sempre sonhava com os filmes, se assustava, tinha medo. Luísa aos poucos passou a incentivar outro olhar, um olhar de arte como algo provocativo e reflexivo, uma forma de expressão que incomoda para fazer pensar. Mesmo nas cenas de susto, quando chega a levantar os pés da cadeira e segurar firme a mão, aprendeu a rir depois, entender o susto e o que ele provoca. Hoje, o medo virou também um lugar de encontro, curiosidade e afeto entre as duas.
Ao viver uma vida padrão esperada, a Ju acreditava que a felicidade viria no check dessa ‘lista’ imaginária - tinha a faculdade certa, o emprego estável, o relacionamento esperado. Mas ao chegar aos trinta e poucos anos, entendeu que nada disso preenchia um vazio. Se sentia frustrada. Nessa mesma época, aos 33 anos, participou da criação de um núcleo de mulheres na cidade, e foi colando lambes nas ruas, em plena pandemia, que viu Luísa pela primeira vez. Ainda sem compreender direito o que sentia, ficou encantada pela presença dela. Sentia que queria conhecer mais, chamar ela para sair. Foi nesse processo de frustração e descoberta que começou a pensar sobre ser uma mulher lésbica, mas ainda de forma muito calma, respeitando seu processo.
Diferente da Ju (que não tinha muitas referências lésbicas ou bissexuais por perto) Luísa conta que sempre foi a “responsável” e a “certinha” entre os seus. Cresceu numa família majoritariamente feminina e cercada por primas que se relacionam com outras mulheres. Tímida, introspectiva e tranquila, sua sexualidade foi algo que surgiu de modo natural, quase como uma confirmação de algo que todos à sua volta já percebiam. Quando entrou para o teatro, o contato com outras formas de liberdade a fez repensar seu próprio lugar no mundo, e mudou um pouco a sua forma de se relacionar.
Quase dois anos depois daquele primeiro encontro no coletivo de mulheres em Nova Prata, Ju criou coragem para enviar uma mensagem a Luísa. Parecia ser simples, né? Só enviar uma mensagem. Mas o receio da Ju é que elas tinham uma certa diferença de idade e ela não queria parecer uma pessoa muito aleatória fazendo um convite estranho. Mas o convite foi aceito e o encontro foi muito bom, tanto que já quiseram repetir em seguida. Logo estavam juntas, sem precisar de grandes planos ou certezas, apenas com o desejo de permanecer. Desde então, foram aprendendo a compartilhar um amor, uma forma de estar no mundo, a coragem, o humor, os desencontros… E Luísa ainda morava em Porto Alegre, então ainda aprenderam a compartilhar um pouco de distância também.
Como o namoro da Ju e da Luísa começou entre Porto Alegre e o interior do Rio Grande do Sul, a semana era dividida em um tempo na capital, outro tempo na casa do pai da Ju, em Nova Prata - e esse foi o momento de apresentar às famílias também. O pai dela reagiu de uma forma até um pouco engraçada, afinal, ela não sabia o que esperar da reação dele e tinha certo medo. Ele não morava de forma fixa no Rio Grande do Sul e ela aproveitou uma vinda para falar sobre o namoro. Nas palavras de Ju, foi assim: “Pai, a gente tem que conversar. Porque eu estou saindo com outra pessoa. Eu estou vendo essa pessoa. E talvez ela venha aqui. E é uma mulher. E daí ele disse: ‘Tá. Tá bom. Tudo bem. Tu teve namoros muito ruins com homens, talvez tu seja mais feliz agora’” (risos). E foi nesse dia que eles se conheceram. Dias depois foram conhecendo outros familiares e as coisas foram se ajeitando da melhor forma, com serenidade.
O namoro seguiu com espontaneidade. Em 2023, com um ano de relação e a Lu já morando em Nova Prata, decidiram se casar. O debate sobre o casamento homoafetivo voltava à pauta na Câmara dos Deputados e elas sentiam cada vez mais a certeza do afeto, então resolveram celebrar numa cerimônia pequena, num restaurante acolhedor, pouco antes do Natal, para que o pai de Juliana pudesse estar presente. Entre mesas apertadas, famílias misturadas, a sobrinha apaixonada pelas flores e pelo vestido, o cuidado onde cada familiar iria sentar… o momento se tornou um retrato delicado da união: simples, verdadeiro e cheio de amor.
Depois da cerimônia de casamento, elas começaram a planejar a possibilidade do primeiro lar verdadeiramente seu. Ele deu certo em 2025 e, quando pergunto como está sendo, Ju explica que essa nova casa simboliza algo além do casamento: é a conquista da autonomia, o rompimento com antigos vínculos familiares e o início de uma vida guiada por escolhas próprias. Entre risadas, sustos de filmes de terror e silêncios confortáveis, as duas constroem uma rotina que traduz aquilo que buscavam desde o início: a sensação de estar, finalmente, em casa.
Ju e Luísa passaram a ouvir com frequência comentários de amigos e familiares sobre como parecem ainda melhores juntas. A nova casa trouxe algo que antes faltava: privacidade e pertencimento. Com o tempo, aprendem também sobre os próprios limites e como eles podem ser diferentes entre si. Juliana, acostumada à convivência intensa da família, precisou entender o valor do silêncio e da reserva que Luísa prezava. Luísa, por sua vez, aprendeu a acolher essa espontaneidade familiar que faz parte da história da companheira. Nesse processo, a busca pelo convívio mais harmonioso foi o que permitiu que cada uma reconhecesse o que traz conforto e o que precisa ser ajustado.
Reconhecem também o amadurecimento, o quanto a relação foi amadurecendo nesses anos. Elas atravessaram perdas e desafios: o luto, mudanças de trabalho, afastamentos de amizades, os sonhos que se materializaram… e assim o vínculo se consolida. O amor antes era uma idealização, algo romântico, agora é uma manifestação cotidiana de cuidado, escuta e apoio. A convivência se tornou um espelho de crescimento individual: quanto mais se fortalecem como casal, mais se transformam como pessoas. É movimento.

























