Olga estava com 34 anos no momento da documentação, é natural de Recife e mora em Paulista, Pernambuco. Formada em Engenharia Química, possui mestrado e doutorado em Engenharia Mecânica e atualmente trabalha com Engenharia de Software. Entende que não é só das engenharias e das exatas, mas também das artes: adora desenhar, cantar e escrever. Recentemente recebeu o diagnóstico tardio de autismo e TDAH, o que a fez entender diversas coisas e melhorar sua qualidade de vida, podendo visualizar e respeitar seus limites. No tempo livre, adora ler, praticar esportes, ter conversas longas e consumir arte.
Flávia estava com 31 anos no momento da documentação, é natural de Recife, mas ainda adolescente se mudou para Paulista e cresceu na cidade. É professora de história por formação e estava ocupando o cargo enquanto vereadora na cidade de Paulista quando nos encontramos. Flávia começou sua militancia no movimento estudantil, participou de alguns movimentos que buscam assistência estudantil para estudantes de origem popular, fez parte de movimentos sociais e se tornou a primeira vereadora negra e lésbica da cidade. É apaixonada pela rua, por estar com as pessoas conversando, no barulho, ouvindo música, falando sobre política… Gosta de fazer política de verdade, até nas folgas está lendo, vendo vídeos e debatendo com alguém.
Depois da pandemia de Covid-19, Flávia fez questão de ter sua militância mais voltada para a cidade de Paulista. Sempre saía de casa e se deslocava à capital para participar das atividades, até que começou a pensar em atividades para sua própria cidade, desde ações do Dia da Consciência Negra, até debates pensando mudanças que queriam para a cidade em si. Foi então que, aos poucos, começou a se desenvolver em Paulista, conhecer mais lideranças - e até mesmo se tornar uma - entender que essa era a prioridade. Hoje em dia, a vida em Paulista é muito mais que o trabalho e a casa: é o terreiro, a avó, a irmã, a família, a política que constroem e acreditam, o filho, o relacionamento, o lar.
Olga sempre gostou de fazer poesias, em sua maioria tratando sobre temas políticos, e foi quando descobriu o Slam das Minas que começou a se aproximar do movimento de rua e da militância. Em 2018, ano de eleição, Flávia foi para a reunião de candidaturas do partido e percebeu que todas as pessoas eram brancas, metade era composta por homens. Tomou iniciativa porque não se sentiu representada, decidiu colocar seu nome, se tornar candidata à Deputada Federal. Não tinha ideia de como seria fazer uma campanha, mas começaram a se organizar. Nessa organização, criaram um evento de lançamento e chamaram algumas mulheres para participar, inclusive o Slam das Minas, fazendo o convite para Olga recitar um poema.
Olga pesquisou um pouco sobre quem era Flávia, para não chegar lá, num evento de política, sem saber onde estava se metendo. Queria estar alinhada, ouvir as propostas. Decidiu conhecer Flávia pessoalmente antes do evento acontecer. Na época, a campanha foi feita como dava: Flávia foi morar no comitê, que era um apartamento bem pequeno no centro de Recife. Estava num dia tentando descansar nessa casa/comitê/escritório e Olga apareceu para conhecê-la. Como esperava ver uma pessoa com pose de Deputada, ficou logo na dúvida se era mesmo Flávia ou não… Achou melhor perguntar logo: “Tu é Flávia, é?!”. E ela respondeu que sim, que talvez conhecesse Olga de algum lugar. Claro, ela sabia que conhecia do Slam das Minas.
Sentaram para conversar, falou dos projetos, mostrou panfletos… Pensaram juntas: “Finalmente uma pessoa que pensa como eu!”. Olga conta que o discurso vago na política era algo que a incomodava muito, sempre falavam o quanto a diversidade é importante, o quanto era importante fazer algo, mas nunca era feito, nunca havia proposta efetiva. E ali, independente de um mandato ou não, era o movimento que estava sendo proposto: nós somos o povo, nós quem precisamos fazer algo.
O lançamento da Flávia foi um sucesso, coisa que nem o próprio partido esperava, muita gente da cultura estava presente, pessoas representando a militância negra… e quando terminou foram todos para um bar comemorar. Flávia estava muito feliz, estava abraçando as pessoas e abraçou muito Olga. Conta que não é uma pessoa afetuosa fisicamente, mas naquele dia estava muito contente, ficava demonstrando muito para Olga essa felicidade.
A vida seguiu depois do lançamento, seguiram os compromissos e começaram a interagir pelas redes sociais. Entre curtidas, comentários e conversas, surgiu um novo evento que seria a inauguração do comitê de campanha. Se beijaram pela primeira vez neste dia, depois de tentarem entender se iria rolar ou não, porque queriam mas estavam tímidas (e as coisas estavam acontecendo todas ao mesmo tempo). Flávia deixou Olga em casa e, no dia seguinte partiu para o Sertão, para trabalhar com a campanha eleitoral por alguns dias.
O tempo que a campanha durou, Flávia morou no centro de Recife, próximo de Olga, e elas ficaram juntas. Quando a campanha acabou e ela não foi eleita, voltou para Paulista e pensaram que era muito mais longe, não se veriam mais todos os dias, a rotina mudaria muito… O Miguel, filho de Flávia, estaria muito mais presente - e no começo, por receios, ele não tinha sido apresentado enquanto filho, estava longe dela por conta da campanha, então foi outra questão na relação… Precisaram de um tempo para se entender, entender suas comunicações, suas realidades que ficariam bem diferentes de uma hora para a outra. Flávia começou a mostrar quem ela era de fato: moradora da comunidade, com diversas questões familiares, sem emprego depois de uma campanha… não tinha o conforto de morar no centro da capital como estava tendo por alguns meses. Precisariam repensar a relação.
Flávia acreditava que só ia conseguir se relacionar com alguém quando o Miguel tivesse uns cinco anos… assim ele já seria um pouco mais independente e a pessoa que estaria com ela entenderia um pouco melhor também. Na sua visão, quem iria se relacionar com alguém que tem um filho de dois/três anos?
Quando Olga chegou com uma comunicação clara, as coisas foram mudando rápido. Ela gostou muito da força, da independência, das coisas que Olga fazia e de como era estar junto com ela. Mas não queria que ela “assumisse um B.O” que não era dela tendo que lidar com seus problemas. Porém, aos poucos, Olga deixou claro que eles, Flávia e Miguel, eram um só. E não eram um problema. Quando conheceu Miguel se deram bem logo de cara e tiveram uma conexão. Aos poucos, Olga seguiu sua vida nos estudos e Flávia conseguiu um emprego depois da campanha eleitoral, foi quando decidiram de fato seguirem juntas e Olga se mudou para Paulista, morando no bairro em que a família de Flávia morava.
A mudança para Paulista foi para ajudarem a mãe da Flávia por conta dela estar doente, mesmo ela não aceitando o relacionamento, Flávia pedia para que morassem juntas lá porque não aguentaria ficar longe de sua família. Olga cedeu e refez sua vida e sua rotina em Paulista, entraram num acordo, seu pedido em troca seria que Flávia começasse a fazer terapia e que mantivessem uma comunicação saudável, uma troca pensando em construir um relacionamento confortável juntas. Brincam que demorou um pouco, mas que deu certo.
Durante a pandemia de Covid-19 decidiram morar numa casa para reformular mais uma vez a rotina, pois tudo estava sendo feito sob o mesmo teto: os estudos, o trabalho e a vida do Miguel. Começaram a terapia de fato, estavam reaprendendo a se comunicar, foi um divisor de águas.
A qualidade de vida mudou muito morando numa casa. Começaram a curtir o espaço, fazer churrascos, exercícios, brincar mais com o Miguel… Não se sentiam presas dentro de um apartamento.
Com a pandemia, veio também a segunda eleição, em 2021. Dessa vez já tinham a experiência de uma campanha que Flávia teve uma votação expressiva. Porém, uma campanha eleitoral que exige contato com a população em meio à pandemia era um desafio imenso. Olga conta o quanto foi difícil para ela lidar com as questões do vírus, ver as pessoas sem máscara ou os momentos em que usavam a máscara errado, todos os contatos com as pessoas na rua… tudo mexia demais com ela e causava muito medo. Além de todo o estresse que uma campanha eleitoral já produz, isso era um dos pontos mais difíceis, lidar um um “inimigo invisível” sendo tão direto para a saúde. Mas, a campanha foi feita com sucesso e Flávia foi eleita.
No começo, Flávia estava muito destinada a não ser como os outros políticos que só aparecem de quatro em quatro anos. Então seguiu aquele ritmo frenético, trabalhando sem parar todos os dias. Olga entendeu que em algum momento ela adoeceria, estava impossível acompanhar - e entristecendo ver a companheira trabalhar tanto em seu primeiro ano de mandato, mesmo sabendo o quão importante isso é. Foi com muita conversa (e muita terapia) que Flávia entendeu o ritmo, os processos e as propostas.
Hoje em dia, Flávia e Olga estão morando num novo lar, apartamento que financiaram juntas pensando na segurança de vida e em parar de pagar aluguel, depois de problemas que tiveram nos lugares que alugaram.
Se aproximaram de um terreiro - e a aproximação começou por conta de uma luta contra intolerância religiosa no mandato de Flávia - e sentem que tudo melhorou depois disso. Hoje frequentam as festas, as cerimônias e os ritos, se sentem muito bem cuidando do seu ori. Foi através da religião, também, que chegaram até um terreno onde estão construindo - e reformando com suas próprias mãos - uma casa em Abreu e Lima, local que serve de refúgio, no meio de uma mata frutífera. Fomos até esse local e fizemos parte dessa documentação, pois é lá que se sentem realmente felizes.
Flávia conta que pretende continuar trabalhando nas lutas que acredita, pois esse é o seu propósito. Olga deseja seguir seus trabalhos e suas escritas, inclusive, lançou seu novo livro de poesias. E Miguel, agora com nove anos, conta o quanto adora jogar videogame, brincar com Lula, o cachorrinho, e brincar de futebol - com Flávia, ele destaca que gosta de jogar no celular, com Olga, ele gosta de seguir a rotina fazendo as tarefas de casa. Quando perguntamos sobre a casa do sítio, ele responde: gosta de ir lá pra ser feliz, inclusive, é onde quer ir agora.
























