Cynthia estava com 33 anos no momento da documentação, é natural de Recife, nascida e criada no bairro que fizemos as fotos: em Santo Amaro, na Universidade de Pernambuco. Formou-se em Educação Física, mas hoje em dia trabalha na área de finanças individuais e comportamentais, junto da sua companheira Leylane, que no momento da documentação estava com 38 anos, também formada em Educação Física e que além de atuar na questão financeira sendo consultora e ensinando organização e planejamento financeiro pessoal, também faz parte da saúde pública integrada ao SUS num serviço chamado Academia da Cidade.
Leylane entrou na faculdade de Educação Física em 2005, fazendo o curso de licenciatura, depois especialização, bacharelado e mestrado. Como a universidade faz parte da sua vida há tantos anos e gosta muito desse espaço, passava muito tempo por lá. Cynthia, por sua vez, fazia parte de um projeto social da universidade que trabalhava com crianças e adolescentes da comunidade - ela, no caso, uma moradora da comunidade, frequentava a universidade antes mesmo de ser uma aluna. Ou seja, ambas viviam na universidade tanto tempo que nem sabem dizer quando de fato se conheceram, é como se sempre estivessem ali.
Por mais que exista 6 anos de diferença na idade entre elas, ainda eram muito jovens e Cynthia, alguns anos depois (em 2011) passou para o vestibular. Nesse momento, todos já se conheciam - ela era amiga tanto dos professores, quanto dos amigos em comum da Leylane - e torciam para ela entrar no curso de educação física. Nessa época, Leylane já havia se formado em licenciatura e cursava bacharelado, foi quando se encontraram enquanto colegas.
Leylane conta que se reencontraram num dia que ela foi jogar handebol e Cynthia fazer uma aula de dança, soube que ela estudaria na Universidade e parabenizou, disse que seria muito legal estudarem juntas… Quando as aulas começaram, ficaram na mesma turma e começaram a passar mais tempo do que imaginavam conversando. Leylane chegava do trabalho e Cynthia separava uma cadeira ‘de pessoa canhota’ para ela sentar, sempre faziam os trabalhos de aula juntas, passaram o semestre todo muito próximas, conversavam muito por SMS e, na época, “Oi Torpedo”… Até então se viam apenas como amigas, até que um dia conversaram sobre essa amizade estar “muito colorida” e sobre o medo do que poderia acontecer. Pensaram: “É muito bom, mas se melhorar estraga, então acho melhor ser só isso mesmo.”
Porém, ao mesmo tempo, não queriam ficar longe uma da outra. Cederam à vontade e ficaram juntas. Mesmo com medo e pensando que não daria certo, dez dias se passaram e ficaram novamente. Desde então, continuaram. No início não nomearam aquela relação - ou o que sentiam. Aos poucos, como se entendiam enquanto mulheres heterossexuais, chegou num momento que conversaram sobre e decidiram não manter relações com os homens que mantinham antes, até porque iriam se machucar se continuassem. Eram muito mais felizes juntas, não precisavam de nenhum tipo de heterossexualidade compulsória.
Todo o relacionamento de Cynthia e Leylane, no começo, era em segredo. Havia muito medo sobre o que as pessoas iriam dizer - elas mesmo estavam descobrindo aquele sentimento, tudo era novidade, e lidar com julgamentos não seria algo fácil. Só dois amigos sabiam (os mais antigos) e desde antes mesmo delas se relacionarem eles sentiam que existia algum sentimento ali e já “avisaram” sobre, então de alguma forma demonstraram apoio (e até hoje são amigos).
Como outros amigos e, principalmente familiares, não imaginavam, o refúgio e local seguro delas era o campus da Universidade. A faculdade de educação física se tornou o lugar onde poderiam estar juntas sendo quem elas são, num cantinho - e, durante a documentação, lembram saudosamente os lugares que sentavam e ficavam juntas passando o tempo - só para poderem viver sem esse julgamento.
Cerca de 6 meses depois, a mãe da Cynthia acabou descobrindo o namoro e, por mais que no momento ela tenha negado, no dia seguinte resolveu contar a verdade. Na hora, a relação dela foi bem ruim, disse coisas difíceis de ouvir, e mesmo gostando da Leylane (porque a conhecia enquanto amiga da Cynthia) verbalizou que preferiria ver sua filha se relacionando com uma pessoa que não tivesse uma boa vida (se envolvesse com drogas, por exemplo). Na hora, Cynthia defendeu a relação que elas possuem e a realidade da comunidade onde viviam, então saiu e buscou ajuda na casa de uma amiga. Um dia depois, a mãe da Cynthia contou para a mãe da Leylane e, por mais injusto que fosse elas não terem tido o momento e o processo do seu próprio tempo para conversarem com suas famílias sobre seus relacionamentos, foram proibidas de se encontrar. Novamente, a faculdade seguia sendo o refúgio dos encontros.
Depois de cerca de quatro anos e diversas formas de lidar, Cynthia e Leylane foram seguindo o relacionamento e enfrentando o preconceito familiar, até que a mãe de Cynthia cedeu e resolveu voltar a aceitar Leylane em sua casa. Foram anos se encontrando na faculdade, na casa de amigos - que sempre foram grandes parceiros e colaboraram para que elas tivessem locais seguros onde ficar - ou em pousadas por Olinda e Recife.
Aos seis anos de relação, Leylane passou em um concurso na cidade de Moreno. Financiaram um apartamento numa cidade próxima, Jaboatão, região metropolitana de Recife, e se mudaram. Brincam que queriam tanto morar juntas que já tinham um móvel em casa (guarda-roupa) que guardava só coisas de cozinha (panela, colher, vasilhas…) esperando o momento chegar - e entendendo que não teriam ajuda para a mobília. Então de tempos em tempos compravam coisas e guardavam. Conseguiram, no fim, alguns presentes da família - como eletrodomésticos - e ficaram bem felizes por isso.
Em 2018, alguns anos depois, oficializaram o casamento com os documentos e direitos civis respeitados, pensando na importância que isso representa por serem respeitadas enquanto uma unidade familiar. Não iriam fazer festa, mas a mãe da Leylane deu a ideia de comemorarem com um bolo de noivas, chamou alguns familiares; O primo cozinhou, a prima ajudou, alugaram um salão de festas, compraram bebidas e comemoraram como mereciam.
No momento da documentação, Cynthia e Leylane já estavam morando em Recife novamente. Desejavam trabalhar com algo que fosse delas, mesmo na área de educação física, e quando Cynthia conheceu o marketing digital e a educação financeira entendeu que gostava de trabalhar nessa área. Leylane havia feito alguns cursos de finanças para uso pessoal, administrando as próprias contas e sempre soube ensinar por conta de ser professora, então resolveu começar a compartilhar os estudos… foi assim que acabaram entrando de vez na área.
Admiram o quanto dão certo trabalhando juntas e acreditam que isso é reflexo de tanto tempo de relação e de tudo o que já enfrentaram nesses anos. Ficam muito felizes quando veem os amigos e os familiares admirando o amor que possuem, quando voltam na universidade e os professores ficam felizes em revê-las depois de tanto tempo, sabendo que esse amor começou ali.
Hoje em dia adoram andar de bicicleta, ler, sair para beber, dançar pagode, reunir os amigos, conversar (problematizar as coisas… inventar conversas complexas) ou compartilhar os assuntos que estão lendo. Confessam, também, que adoram passar o tempo trabalhando juntas.
























