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Brena estava com 43 anos no momento da documentação, atua como secretária em uma organização do movimento negro e também é percussionista da Banda Afro Axé Dudu e do bloco do Terreiro de Candomblé que fazem parte. Dentro da casa de santo, é Iaôci (o lado esquerdo do peito do pai de santo) e exerce suas funções com responsabilidade e firmeza, guiada pelo axé. 

 

Bruna Suelen estava com 37 anos no momento da documentação. É mãe de Valentina e Ernesto. Filósofa de formação, atua como professora de filosofia, com mestrado e doutorado em arte. Também trabalha com produção executiva e direção criativa, tendo uma trajetória voltada principalmente para a cultura popular e as tradições afro-brasileiras. Iniciada no Candomblé Ketu, faz parte da mesma casa que Brena, carregando o cargo de Iyarobá, (como são chamadas as Ekedis dentro da tradição Gantois/Gantuá) – e também ocupa o posto de Ya Oju Odé, os olhos de Oxóssi, responsável por observar e administrar tudo que acontece para o orixá. 

 

Juntas, compartilham o prazer pela boa comida (principalmente, porque amam degustar, saborear novas comidas), a boa cervejinha gelada, o carinho pela praia, churrascos e encontros. Dividem não só a casa de axé, mas também a vida, o cuidado e o afeto. Cultivam um cotidiano cheio de axé e amor.

A história da Bruna e da Brena começou quando ainda eram amigas, em 2019. Na época, Brena tinha um relacionamento e quando Bruna chegou para fazer sua iniciação no terreiro, foi Brena quem a acompanhou por algum tempo, ensinando e guiando na religião.  Toda a relação começou num processo de amizade e confiança, com o passar dos meses foram sentindo uma paixão se transformando, mas com Brena sendo casada e Bruna tendo uma relação (ainda que não-monogâmica), sabiam que era muito complicado deixar o sentimento evoluir.

 

A ex-companheira de Brena também frequentava o espaço da religião, era mãe de santo de uma outra casa e conhecia Bruna, então era uma situação ainda mais delicada. Tentaram negar o afeto que sentiam uma pela outra por bastante tempo, mas ficou insustentável. Cada vez mais, Brena sentia muita vontade de sair daquela relação, independente de estar com Bruna ou não, então os fatos se somaram. 

 

Bruna fez sua iniciação no santo, ficou 21 dias no terreiro e o que inicialmente afastaria ela de Brena, acabou aproximando mais. Nesse ponto, o desgaste do ex-relacionamento de Brena já era imenso, insustentável, foi quando ela tomou coragem e terminou, assumindo a paixão pela Bruna tempos depois. Todo o processo, até se assumirem enquanto um casal, demorou cerca de dois anos.  


Por mais que foram ficar próximas enquanto amigas e, depois, namoradas, no terreiro, Bruna e Brena se conheceram num festival chamado Amazônia Negra, onde estavam em um grupo formado por amigas do movimento negro e do terreiro. Depois do evento, seguiram juntas para alguns bares e acabaram dormindo em uma instituição próxima, já que estavam longe de casa. Foi ali que se olharam diferente pela primeira vez, mas nada aconteceu, Bruna soube do relacionamento de Brena e se tornaram amigas. Só mais tarde, já no terreiro, é que começaram a conviver e ter uma amizade de fato.

Depois de todos os desafios para ficarem juntas, se casaram oficialmente há um ano, completando o primeiro ano de casamento em julho. Planejam ainda fazer uma festa, da forma que merecem. Contam que vivem hoje uma relação com uma maturidade que não haviam experimentado antes, marcada por muita conversa, honestidade e escuta. Reconhecem que brigam, sim, mas até nisso existe um afeto: “Às vezes a gente briga só pra fazer as pazes”, brinca Brena.  Há um entendimento de que o diálogo é o alicerce, conversam o tempo todo.

Bruna diz que nunca tinha vivido com uma mulher em relações duradouras antes e que com Brena foi a primeira vez que sentiu o que é uma escuta real, profunda. Com Brena, se sente alcançada, escutada, compreendida. Acredita que isso também se construiu pela base de amizade que têm. “No fim das contas, a gente é muito amiga. E se ama muito. É muito companheira. É muito gostoso.”


Bruna e Brena moram juntas, com os filhos de Bruna, que entendem o relacionamento delas e tratam Brena enquanto ‘tia’ e uma ‘segunda mãe’. Ainda que a rotina com as crianças seja de muitas tarefas, aprendem a ser leves também. Brena se tornou um ponto de referência para elas e o axé também ajuda muito, já que elas participam das atividades no terreiro. Em 2025, no dia das mães, elas convidaram Brena para participar das homenagens na escola, e a defenderam quando um colega falou que ela era “o pai” deles, afirmando que: “Ela é a nossa mãe!”. Bruna e Brena entendem que isso tudo também faz parte desse processo e tentam fazer o processo ser leve, ainda que não seja isento de turbulências.

 

Falam, também, sobre como construíram uma relação baseada em liberdade. Respeitam profundamente a individualidade uma da outra, seja para acordar mais tarde, sair, viajar ou simplesmente viver o dia no próprio ritmo. “Tu quer tomar café? Vai. Eu não quero.” Esses pequenos gestos mostram como se apoiam sem exigir uniformidade. Não se trata de se afastar, mas de permitir espaço. Acreditam que muitas relações fracassam ao tentar encaixar tudo no tempo e vontade de apenas uma pessoa - e elas se recusam a seguir esse padrão.

 

Reconhecem que essa liberdade só é possível porque construíram, com muitas conversas, uma base de segurança e confiança. Entendem que inseguranças existem, ciúmes também, mas o importante é comunicar: “Isso aqui é grave pra mim”, ou “Me avisa, não me deixa esperando.” é o lugar onde uma aprende a respeitar o jeito da outra, sem tentar mudar, mas sim buscando uma forma mais generosa de olhar e aprender quem são. “A gente não se cobra mudança, a gente se cobra um novo jeito de ver.”

Por fim, Bruna também reconhece o quanto mudaram em formas políticas de se relacionar. Brena é de uma família que funda o movimento negro em Belém, então pulsa uma veia ativista, anti-racista, que traz muitas questões em como conduzir a vida. Enquanto Bruna a traz visões sobre ser menos machista, não normalizar condutas patriarcais. E assim crescem juntas - refletindo também na educação das crianças.

 Brena 
 Bruna 
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