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Brenda estava com 31 anos no momento da documentação. Nasceu no Rio de Janeiro, passou a maior parte da vida na Rocinha e veio de uma família evangélica, com valores políticos conservadores dos quais ela não concorda, que nunca refletiram sua essência. Antes de se mudar para Arraial D’ajuda, em Porto Seguro/BA, era bancária e trabalhava no setor administrativo. Foi nessa rotina, durante 6 anos, que se sentiu consumida física e emocionalmente. A saúde começou a dar sinais de alerta: problemas de visão, ansiedade, ganho de peso e cansaço. Tudo culminou no esgotamento. Em meio à pandemia de Covid-19, decidiu mudar de vida, um impulso que começou após férias na Bahia, onde ela e Jéssica vislumbraram um novo modelo de existência.

 

Em novembro daquela viagem, a Bahia mostrou um estilo de vida mais simples e feliz, livre da pressão do consumismo das grandes cidades: conheceram pessoas que viviam como nômades ou em home office, e, em Arraial d'Ajuda, sentiram uma conexão especial. Foi ali que o sonho começou a tomar forma.

 

Jéssica, no momento da documentação, estava com 34 anos. É natural de Belford Roxo, baixada fluminense. Nutricionista de formação, é apaixonada por cozinhar e estudar alimentos, mesmo sem atuar diretamente na área. Antes da mudança, dirigia para aplicativos de transporte e trabalhava com energia solar e reformas de elevadores. Para ela, a família sempre foi tudo, apesar das dificuldades em aceitar sua orientação sexual no início. Hoje, sua mãe não só aceita, mas admira Brenda, reconhecendo nela alguém que inspira e impulsiona Jéssica. Na hora de partir para a Bahia, foi certeiro - ainda que Jéssica tenha sentido medo - vendeu o carro e Brenda retribuiu o apoio que teve nos momentos de dificuldade anteriores: disse “Vambora!”. Alugaram uma casa, partiram para um novo negócio. Agora, o sucesso ali não é uma obrigação, mas uma possibilidade. Se não der certo, sabem que podem recomeçar em outro lugar, porque ficar paradas já não é uma opção.
 

Foi por meio de um aplicativo de relacionamentos que Brenda e Jéssica se conheceram. Jéssica, natural de Belford Roxo, não deixou que a distância fosse um obstáculo. "Vale a pena investir porque sou uma pessoa legal". E estava certa. Em apenas 13 dias, já estavam namorando. Foi tudo tão intenso que, após os primeiros encontros, Jéssica deu a Brenda um anel feito com folha de bananeira, em um passeio no Parque Lage, no Rio de Janeiro. Juntas, adoravam passar o tempo na Lagoa, um lugar que se tornou ponto de encontro nos primeiros meses.

 

O primeiro lar que dividiram foi no Engenho Novo, onde começaram com pouco: dois colchões e duas televisões. Brenda já vivia no bairro com sua mãe - que via Jéssica como uma amiga. Aos poucos, enfrentaram desafios e momentos importantes com a família de Brenda, construindo laços e superando diferenças. Foram mobiliando a casa com muito esforço e dedicação, cada item, desde a decoração até os utensílios mais simples, ganhou um valor especial. Cada conquista representava a luta diária das duas. Depois de outras mudanças, anos mais tarde, moraram na Rocinha, voltando ao bairro onde Brenda nasceu.

 

"Vamos embora. Não sei o que vai acontecer, mas vamos embora. E estamos juntas nessa." É assim que elas resumem as mudanças. No começo, Brenda era mais reservada, mas com o tempo, Jéssica viu nela uma transformação que trouxe muito orgulho. "Hoje vejo a Brenda conversando com minhas amigas e fico feliz de como ela mudou", conta. Com oito anos de relacionamento, ambas destacam a importância de se comunicarem com abertura e respeito. Por mais que nem sempre concordem, sabem que haverá compreensão. Essa base sólida de apoio e admiração mútua é também reconhecida pelos amigos, que veem na relação delas algo natural, leve e inspirador.

 

Conversamos sobre não ser apenas sobre compartilhar a vida juntas, mas algo maior: um espaço onde é possível ser amiga de si mesma, aceitar as diferenças ao redor e, acima de tudo, viver em verdade.

Planejando o que seria a nova vida em Arraial d'Ajuda, Brenda e Jéssica encontraram, pelo Facebook, a casa onde moram atualmente e decidiram transformá-la em um espaço acolhedor para mulheres viajantes. A ideia foi criar algo intimista, um hostel diferenciado, com uma rotatividade máxima de 06 hóspedes, permitindo conexões mais profundas, trocas e um ambiente propício ao aprendizado e segurança.

 

Mais do que uma hospedagem, o sonho delas é um espaço que acolha e empodere mulheres. “Queremos mostrar que o mundo também é para nós. Que a gente pode, a gente merece”. As mulheres enfrentam muito pedo de viajarem sozinhas por conta de assédios, abusos e desconfortos, então lá seria o local ideal para estarem hospedadas. Para o futuro, querem implementar práticas como yoga, terapias e atividades na rua que cuidem do corpo e da mente. 

 

Fecharam o contrato da casa à distância, na “cara e na coragem”, sem sequer visitá-la antes. “Estamos rindo mais do que chorando, e isso é muito importante” - quando Brenda diz isso, resume o sentido da jornada que têm trilhado: ganhar mais do que perder, viver plenamente com o que têm hoje. Para ela, deixar o emprego que possuíam foi um divisor de águas. Sem a pressão da rotina exaustiva, não precisou mais de remédios ou óculos. Perdeu peso e ganhou saúde, no corpo e na alma. A mudança foi além da geografia – foi interna, profunda. “A gente é criado para acreditar que o dinheiro importa mais. Que o dinheiro vai te trazer qualidade de vida. Mas não era sobre isso”. 
 

Para Jéssica, estar com Brenda permitiu que ela expandisse suas próprias percepções sobre afeto. É algo que vai além do relacionamento: é sobre construir, juntas, um tipo de amor que inspira e transforma. Brenda complementa: "Acho muito legal quando as pessoas olham e falam: ‘Caraca, elas são parceiras mesmo!’" Seja em pequenos gestos, como carregar caixas lado a lado, ou no apoio e amor que compartilham diariamente, elas mostram o significado de uma relação baseada em parceria verdadeira.

 

Mais do que um casal, elas se veem como militantes do amor e da proteção às mulheres. Não militantes políticas, mas militantes do dia a dia, mesmo. Vivem seu amor como um ato político. Uma forma de reivindicar respeito e espaço para as mulheres em um mundo que ainda carrega tantas barreiras. Enaltecem e protegem outras mulheres sempre que podem, fazendo de sua própria relação uma inspiração para quem cruza seus caminhos.

 

Embora já se vejam como uma família, sonham em maternar no futuro. É um desejo que vem acompanhado de receios: o medo de não serem compreendidas ou aceitas enquanto família por seus próprios parentes. Ainda assim, acreditam na força que construíram juntas para enfrentar desafios e realizar sonhos.

 

"Nosso amor é sobre isso", refletem. "Construir, apoiar, e, acima de tudo, lutar. Por nós e pelas mulheres que ainda precisam de coragem para serem quem realmente são."

 Brenda 
 Jéssica Quittéria 
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