top of page

Documentei a Vivi e a Darlene na casa delas, em Camaçari, região metropolitana de Salvador. Casa de número 13, assim como os anos de relacionamento que se completaram em 2023 e uma numerologia bastante presente. Foi entre uma longa conversa sobre a vida, a política, a pandemia e os carinhos dados ao Cazuza, o filhote canino que acompanha elas há dois anos, que me contaram um pouquinho sobre essa construção que vivem dentro do relacionamento. 

 

Relembram como eram diferentes no começo da relação e o quanto são felizes pelas mudanças que já viveram - Vivi era muito mais fechada, sente que até a postura era diferente, um tanto quanto travada. Hoje em dia, mesmo que quando conheça alguém ainda se sinta tímida, consegue se soltar e relaxar os ombros, ser ela mesma… Conta que até no próprio trabalho, por ser um ambiente majoritariamente masculino, conseguiu mudar de postura e se posicionar. Darlene reconhece que viver esse processo com ela foi um reconhecimento sobre si próprio muito grandioso e que amar também é respeitar, observar as individualidades e os pensamentos. 

 

Vivi conta que nunca imaginou viver um relacionamento tão duradouro - no começo era uma paixão louca, depois se tornou um companheirismo, aprenderam a respeitar limites, individualidades… e hoje em dia entendem suas rotinas de formas separadas, mesmo que conversem e compartilhem muito, desejam estar juntas. O que antes ela não imaginava viver, hoje não se vê vivendo sem. 

Viviane, no momento da documentação, estava com 47 anos. Ela trabalha com instrumentação industrial, com consultoria técnica e vendas. Atende o estado da Bahia, Sergipe e possui o foco na região do polo petroquímico. Conta o quanto sempre se viu nessa profissão majoritariamente masculina, e que começou sem nem escolher a área de exatas, mas pela necessidade de cursar algo e o curso técnico ser gratuito. A própria ausência de um curso superior no currículo a deixava muito insegura em relação às outras pessoas (inclusive à Darlene, que possui duas faculdades e sempre foi muito cobrada aos estudos pela família), então depois de um tempo resolveu cursar algo que realmente gostava e se formou em História, descobrindo uma grande paixão pela história da América Latina. Mesmo com a formação, segue trabalhando na empresa, já com um bom cargo dado em razão ao mérito.

 

Darlene, no momento da documentação, estava com 37 anos. Ela se formou e trabalhou por muito tempo com secretariado executivo, mas não se sentia valorizada o bastante na profissão. Hoje em dia é esteticista, profissão cujo surgiu de um jeito aleatório e engraçado, segundo elas. Estavam num daqueles sites de compras coletivas (como o Peixe Urbano, Groupon…) e compraram uma limpeza de pele. Darlene foi fazer primeiro e saiu de lá com o rosto completamente inchado, o procedimento certamente tinha dado errado. Resolveu pesquisar sobre o valor que tinha sido cobrado, viu que era realmente muito inferior ao mercado e pesquisou cursos de esteticista. Foi assim que chegou até a faculdade e a profissão que possui hoje.

 

Na época em que começou a atender, Darlene ainda trabalhava com carteira assinada e ao sair do trabalho às 18h ia atender seus clientes, porém, a demanda na área da estética ficou muito maior que o esperado e acabou saindo do emprego e trabalhando de forma autônoma. Deu muito certo, conseguiu se manter assim por bastante tempo, até que a pandemia de Covid-19 chegou. 

 

Infelizmente, na pandemia perdeu boa parte do investimento feito nos produtos pelo tempo que ficou em casa e por terem um prazo de validade limitado. Isso a deixou muito triste com o passar do tempo, por mais que tentasse se restabelecer de todas as formas. Hoje em dia, segue tentando manter seus clientes e fazer seu trabalho de esteticista, mesmo que as marcas da pandemia ainda apareçam de vez em quando.


 

Elas contam como a pandemia foi algo muito marcante na rotina de casal que viveram. O começo enfrentaram bem, transformaram a casa quase que em uma academia e toda a ansiedade ou empolgação virava motivo de treino. Focaram, malharam, pensaram que tudo poderia passar logo. Foram tentando se manter bem durante todo o ano de 2020 e o começo de 2021… Mas, entre 2021 e 2022 sentem que as coisas foram desandando. Passaram por mudanças, apertos financeiros por conta de não conseguir voltar ao mercado de trabalho, foi realmente muito difícil. 

 

Sentem que se não fosse a conversa, não conseguiriam passar pelos problemas. Tem dias que sentem a necessidade de estar distante, enquanto outros dias o grude é demais - e são nesses momentos que entendem a base que construíram: sólida e resistente a tudo.

 

Vivi trabalha há muitos anos de home office, então comenta o quanto notou uma diferença significativa após 2020. Por mais que não frequentem tanto Salvador, a mudança vem dos espaços de casa em si, o condomínio onde moram, as ruas da cidade…Antes durante a semana as casas eram vazias e não eram tão pensadas no nosso bem-estar, enquanto hoje mesmo durante semana são mais movimentadas, melhor pensadas e investidas. 


Foi em 2010, quando a Darlene foi assaltada e avisou os contatos por e-mail que estava sem celular, que ela e a Vivi conversaram de fato pela primeira vez. Ela recebeu uma resposta super solícita e solidária, falando dos medos de assalto, e entendeu que a Vivi era moderadora de uma comunidade no Orkut chamada “Beco dos Artistas”, um espaço LGBT super badalado na época, mas não eram próximas. A partir de então, começaram a trocar e-mails, MSN e conversavam quase diariamente. Na época, Vivi tinha acabado de sair de uma relação e Darlene ainda estava em uma, então não foi nada fácil, o futuro era totalmente incerto.

 

Elas estavam ansiosas e marcaram de se encontrar. Na madrugada anterior, conversaram até o dia amanhecer. O primeiro beijo aconteceu de forma mágica, no trânsito enquanto o semáforo estava fechado, também passaram um tempo tomando açaí e conversando muito. Na semana seguinte era aniversário da Darlene e a Vivi deu um sapo de pelúcia para ela (que tem até hoje!) e, mesmo de forma complicada no início, com os términos dos antigos relacionamentos, começaram a namorar. 

 

Viveram vários processos, chegaram a se separar no começo, para voltar e nunca mais desgrudar. Vivi conta que era muito ciumenta e aos poucos foi entendendo que não deveria ser assim, que vem de uma criação muito diferente (por ter se assumido nos anos 90, ser tratada como doença, ter que ir à psicólogos e passar por muitos preconceitos) e que agora as coisas poderiam ser diferentes. Explica que aprendeu a pensar mais no amanhã e que a relação trouxe uma virada de chave, outra visão sobre as coisas e sobre a vida. 

 

Atualmente, amam os detalhes da vida de casal. Desde o quanto são diferentes ao ponto de se a Darlene não marca os médicos, a Vivi não vai. Até o quanto uma aprenderam a lidar com o mau-humor matinal da outra. Sentem que tudo faz parte da rotina da vida que formam juntas. 

 Viviane 
 Darlene 
bottom of page