Para dar início às nossas histórias de Salvador, nada melhor que duas mulheres nascidas e criadas nessa cidade que tão bem nos acolheu: a Iana e a Amanda.
Brinco com o ‘nascidas e criadas’ porque assim elas se apresentam: Iana, 29 anos, nascida e criada em Salvador. E Amanda, 28 anos, nascida e criada em Salvador.
Durante a nossa conversa, contam o quanto são felizes morando lá: se sentem parte da cidade, curtem os sambas, os cinemas de rua, a orla da praia… não enxergam Salvador enquanto um lugar preconceituoso ou hostil, pelo contrário. Gostam de ocupar os espaços da cidade sendo exatamente quem são.
Dizem que só o amor não constrói relacionamento; O relacionamento precisa de afeto, diálogo, entendimento… Entendem que nos 7 anos que estão juntas já viveram muitas coisas, e que não foi somente o amor quem as mantém unidas, mas a vontade e a disposição de estarem juntas, segurando as mãos e percebendo que esse amor que vivem é a soma de todas as outras partes, vontades e sentimentos.
Amor é gostar do que estão sentindo uma pela outra, de estarem presentes diariamente e de compartilharem a vida.
Iana é formada em psicologia e marketing, hoje em dia trabalha enquanto assessora parlamentar e tem sua rotina misturada entre os espaços de militância: seja pela luta de movimentos trabalhistas, pautas sindicalistas, LGBTQIA+ e até mesmo pautas da juventude.
Amanda também é psicóloga e no momento da documentação estava cursando pedagogia. Hoje em dia, ela já trabalha com crianças neurotípicas, com foco no autismo e também é militante política.
Iana e Amanda se conheceram em 2014 na faculdade, onde cursavam psicologia juntas. Amanda foi caloura da Iana e durante a faculdade via muito ela liderando movimentos estudantis e DCEs, mas não tinham contato ativo na época - e era até mais específico: a Amanda morria de medo da Iana.
O medo vinha perante sua posição de liderança, era respeitada dentro dos espaços acadêmicos e isso fazia com que a Amanda tivesse um receio/uma resistência de conversar com ela.
Cerca de um ano e meio depois, quando Iana estava no último semestre, elas começaram a ter mais contato organizando a próxima entrada de calouros. Nessa época, durante uma semana participaram de brincadeiras com os mais novos, como “verdade ou consequência” e “eu nunca”, e descobriram que tinham um sentimento recíproco entre quererem se beijar.
Mas o beijo só foi acontecer, de fato, na festa de aniversário de uma amiga em comum, num bar “super hétero top” que Iana jamais iria, mas foi pela consideração. Comemoram o relacionamento desde esse dia, com carinho pelo momento que estiveram juntas.
Neste dia, Iana deixou a Amanda e as amigas em casa (pois todas estavam bastante embriagadas) e mandou uma mensagem assim que acordou no dia seguinte perguntando se Amanda estava bem/dizendo para beber bastante água. Amanda achou super fofo e se sentiu especial quando ela mandou a mensagem, mas a verdade foi que ela fez um copia e cola para a Amanda e para todas as amigas, já que sua preocupação não era tão específica assim. Brincam com esse fato, mas foi essa mensagem que fez com que elas passassem a se falar diariamente.
Logo no próximo dia de aulas marcaram de se encontrar na faculdade. Nesse momento, Amanda já tinha contado para a Iana que morria de medo dela, mas Iana riu, entendeu, acolheu e se deixou disposta para que a Amanda a conhecesse de verdade, tirasse a imagem de medo e soubesse quem ela é e o que gosta de fazer.
Na faculdade então, se encontraram, Iana levou Amanda até a sala e contam que desde então não se desgrudaram mais. Na época, o medo demorou um pouco para passar: elas até pegaram uma disciplina juntas e, num dia, Amanda pediu para a Iana sair da sala porque ela ficava muito nervosa na presença dela e não iria conseguir apresentar um trabalho importante.
Entendem que aos poucos foram namorando e construíram o relacionamento com muita fé, amizade e cuidado.
Por uma decisão de maior necessidade, foram morar juntas logo aos 11 meses de relacionamento. Amanda ficaria sem lugar para morar, seria inicialmente de forma provisória, mas assim estão até hoje. Contam que se dão muito bem morando juntas e que a vivência faz com que se conheçam por completo. Também já passaram por muitas coisas, o que fortaleceu o companheirismo.
Em 2019 noivaram e entendem que estavam no pior momento do relacionamento. Foi como uma forma de assentar. Passavam por muitas coisas juntas e talvez se não tivessem noivado, acabariam se separando. Hoje em dia relembram como uma decisão ousada, mas que deu certo.
Quando a pandemia aconteceu, ambas começaram seus novos cursos, tiveram outras prioridades. Adiaram o casamento, mas pretendem realizá-lo no dia 8 de dezembro de 2023, porque é o ano que fazem 8 anos, 8 é o símbolo do infinito - que elas carregam em si - e também pelo sincretismo religioso que possuem com o dia de Nossa Senhora da Conceição da Praia, representando Iemanjá.
Por mais que os amigos as tratem como uma só e elas amam a companhia uma da outra, entendem e respeitam cada individualidade. Conversam muito (também pudera, duas psicólogas!) e costumam falar que dentro de um relacionamento existem 3 relacionamentos: o de você com você mesma, o da sua parceira com ela mesma e o de vocês duas juntas.
Quando percebem que estão distantes, sentam e conversam. Veem sua relação como um coração batendo: é preciso ter altos e baixos, quando tudo fica numa linha só é como o fim da vida, então querem estar sempre assim: em movimentos rítmicos.
Hoje em dia, gostam de viajar bastante, acordar e dormir juntas, estar com os amigos, sair para comer e ouvir samba. Iana é mais da rua, gosta de sair de casa e leva Amanda para os lugares.
No Museu de Arte Moderna, lugar que fizemos as fotos, foi onde elas falaram sobre o que sentiam pela primeira vez, no sentido de: “Estou gostando de gostar de você.” e se sentem muito bem estando nesse lugar especial. Para Salvador, no mais, desejam maiores políticas públicas para a população LGBT em situação de vulnerabilidade e mais segurança para as mulheres.