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Conheci a Thaty e a Lari no Parque Ibirapuera, em São Paulo, numa tarde de sábado. Estávamos andando, nos apresentando, quando a Lari disse: “Foi aqui que eu caí depois de beijar a Thaty pela primeira vez.” e eu perguntei “Mas caiu, caiu? Ou caiu, tropeçou?” e ela contou que caiu, mesmo, se ralou e teve que fazer curativos. Na hora, pensei: ok, quero muito ouvir essa história. 

 

Mas não vou começar por ela porque o começo se começa pelo começo, e, nesse caso, demorou um pouquinho até o beijo (e a queda no parque) acontecerem.

 

A Thatiely e a Larissa trabalhavam juntas na TV Cultura, mas em horários diferentes. Elas se encontravam de vez em quando, a Thaty era estagiária de jornalismo e a Lari já estava lá há mais tempo. Na versão da Thaty, ela conta o quanto nunca tinha se visto numa relação com uma mulher porque vinha de uma cultura muito hétero (e especificamente “hétero top”), além de que naquele momento estava priorizando o estar-sozinha, por ter passado por um relacionamento bastante difícil do qual saiu bem machucada. O período que passou sozinha foi muito importante para aprender o que aprendeu e também para ver as coisas sob um novo olhar. Eis que, nesse meio tempo, ela encontrava a Larissa e sempre chamava atenção, por usar turbantes bonitos e brincos grandes, nas suas palavras: “É uma pessoa que chama atenção”, mas o olhar da Thaty para ela mesma, até então, não era o de ficar com uma mulher a ponto de ter um relacionamento… ou, pelo menos, ela não estava colocando nenhum rótulo na sexualidade - beijou mulheres em bares e foi entendendo o processo, se aceitando, afinal, foram 25 anos vivendo sob outro olhar e outra cultura, entender a bissexualidade era um tempo novo.  


 

Era janeiro e a Thaty trabalhou em um sábado - dia que ficavam pouquíssimas pessoas trabalhando, entre elas, a Larissa. Elas conversaram e surgiu o interesse, mas não sabia se era uma amizade ou uma paquera. Até que se adicionaram no Instagram, trocaram reações e quando chegou o carnaval elas tiveram a oportunidade de ir juntas num bloquinho com os amigos do trabalho. 

 

A Lari estava vivendo o momento dela sendo solteira no carnaval, ela conta que só se relacionou com mulheres na vida e foram poucas pessoas, então tinha recém saído de um relacionamento longo também, queria aproveitar o momento. A Thaty brinca que ficava não só observando, mas também se questionando, porque nunca tinha chego em ninguém. Na realidade heteronormativa em que ela estava inserida o costume era que os homens tomassem as iniciativas de chegarem até as mulheres, então ela não sabia como dar o primeiro passo com a Lari. Uma amiga até ofereceu ajuda, mas ela não quis, decidiu chegar lá e falar, mas na hora a Lari nem ouviu o que ela tinha pra dizer, as duas se beijaram logo. ♥

 

Porém, era um beijo de carnaval, né? No meio de um bloco acontecendo. Nesse mesmo dia elas beijaram outras pessoas - e por mais que a Lari em um momento tenha pego na mão da Thaty ela ainda brincou com um “Não me ilude, não!!”. 

 

Foi nessa hora que veio ele: o tombo. A Lari caiu porque estava muito bêbada e apostou corrida com uma amiga. Coisas de carnaval, né?! A Thati estava plena, disse que tinha um curativo e pediu pra eu escolher um machucado pra colocar, ou seja, eram vários. A Lari pedia: “Cuida de mim”, pra Thaty. E de alguma forma, deu certo o cuidado. 


Logo depois do carnaval a Thaty entrou de férias porque a melhor amiga dela estava tendo um neném e ela queria ajudar nos primeiros dias pós parto. Foram 15 dias sem ir trabalhar e, nesses dias, a Lari passou a trabalhar de manhã, no mesmo horário que ela trabalhava. Quando voltou das férias elas estavam sentadas numa mesa lado a lado, e por mais que isso inicialmente tenha despertado uma esperança, aos poucos foi fechando porque a Lari é uma pessoa bastante séria no trabalho.

 

A Thaty justifica dizendo que a seriedade vem dela ser de capricórnio, porque leva o trabalho com muita lealdade, ficando muito fechada. Mas, como ela é mais tranquila, acabava conseguindo puxar alguns papos e distrair, então elas conversavam um pouco ali e continuavam a falar também pelo Instagram - além disso, todos os colegas incentivavam e apoiavam o casal que parecia surgir.  

 

Ainda sobre trabalhos, a Lari, no momento da documentação, possui 25 anos e é natural de São Paulo, ela trabalha como roteirista de audiodescrição, além de dar aulas de espanhol e fazer trabalhos com surdos e cegos. No cotidiano, também estuda para sua meta de vida, que é prestar mestrado em literatura (e, inclusive, dá aulas de literatura também em um cursinho pré-vestibular: o Maria Carolina de Jesus, que fica na capital).   

 

Já a Thaty, no momento da documentação estava com 26 anos, é natural de uma cidade chamada São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Thaty trabalha com marketing e experiência/expectativa do cliente em uma startup de alimentos e também dá aulas no cursinho pré-vestibular, porém de Redação. Atualmente, ela cursa Letras na Unifesp, mas já cursou jornalismo e odontologia em outros momentos. Por mais que ela acredite no poder da comunicação e usa muito isso nas suas aulas, não vê mais o jornalismo como uma profissão para si - pois entende que é muito difícil trabalhar com o jornalismo de fato. Sobre a odontologia, ela ainda pensa em voltar (e a Lari incentiva) - por mais que saiba do cansaço que envolve a rotina - acredita que é algo que vale a pena e que vai trazer muito orgulho à família também. Além disso, complementa que um dos motivos para voltar é que o conhecimento é algo que ninguém tira de nós. 


Foi com essa desculpa de muitos trabalhos e correrias que a Thaty resolveu pedir o Whatsapp da Lari para um projeto de audiodescrição. Por lá, durante a conversa, a Lari a convidou para o aniversário de um amigo em comum e novamente elas se encontraram, mas não ficaram juntas. 

 

Logo em seguida, a pandemia começou. E elas passaram todo esse momento inicial pandêmico conversando pelo Whatsapp e adaptando o trabalho para home office. Começaram com ligações à noite, o contato realmente aumentou até que a Lari foi até a casa da Thaty… e assim começaram uma relação que durava o período de se ver quinzenalmente.     

 

Até decidirem estar em um namoro, houve uma série de conversas sobre o que elas sentiam sobre isso, visto que a Thaty considerava que o período solteira após terminar uma relação era muito necessário para a pessoa se entender enquanto indivíduo, nos seus problemas íntimos. A Lari, por outro lado, queria viver de fato o romance, se entregar mais e se envolver. Rolou até aquela situação de confundir o ‘tchau’ com o ‘teamo’ e não entender o que está acontecendo de verdade entre elas. Mas foram se encaixando e conversando até chegar no ponto em que estaria tudo um pouco mais equilibrado… e então a Thaty foi apresentada para a família. 


Ao mesmo tempo que ser apresentada para a família da Lari era um ponto, para a Thaty, envolver a família, era outra questão. 

 

A família dela não fazia a menor existência da possibilidade dela se relacionar com uma mulher - e enquanto não acordassem que isso era um relacionamento, ela não sentia a necessidade de contar. Até o momento em que virou um namoro, e aí entenderam que esse passo deveria ser tomado. 

 

A primeira questão foi a mãe reagir como uma fase. Entendemos que é um processo familiar e que muitas pessoas passam por isso, que esse processo foi respeitoso sobre o que a filha sentia, mas que houve um certo afastamento - até certo ponto natural para o entendimento de cada uma com seus pensamentos. Contar para o pai que foi mais difícil, pois o passo teve que surgir de outra pessoa e a conversa não aconteceu de fato. Ela conta que, no fim, o processo não é tão doloroso por já não conviverem tanto presencialmente, já que mora em São Paulo há alguns anos. A única coisa que deseja - e luta - é por respeito, e por isso também respeita os processos familiares. Hoje em dia, a mãe dela já trata a Lari com bastante carinho, o que mostra que as coisas precisam de um tempo, e a mãe dela  até brinca que as duas já estão se casando, com naturalidade.

A família da Lari passou por outro processo, visto que é uma família que está mais próxima do relacionamento das duas e que sempre manteve a Lari muito perto. Desde mais nova eles sabem da sexualidade dela e não foi de uma forma fácil, pelo contrário: foi muito mais abrupta. Mas, também, foram processos. Ela falou algumas vezes na conversa a frase: “A educação me salvou.”, referindo-se à faculdade como um processo de libertação.  

 

No processo do relacionamento elas já passaram por muitas coisas, entre tentativas de morarem nos fundos da casa dos pais da Lari, até uma maturidade e um crescimento muito rápido das duas juntas nos primeiros meses de relação. Aprenderam a ter mais cuidado com os outros, não só em relação à empatia, mas em relação ao cuidado com quem se envolve, pois tinham suas energias rapidamente sugadas. Aprenderam a acreditar e ter mais fé na religião, no que está em volta e a serem mais elas por elas, juntas.  

 

Hoje em dia morar na mesma casa não significa casar. E casar, principalmente para a Thaty, tem um peso gigantesco. Ela sempre quis casar. Quis e idealizou a vida toda casar com um homem, naqueles moldes que conhecemos, mas hoje está feliz com uma mulher. “Eu quero casar com uma mulher. Quero fazer festa, convidar pessoas que gostamos. Quero viver esse momento, sempre sonhei com esse momento e quero viver isso com ela.” Elas falam sobre a naturalidade do relacionamento que possuem e que querem refletir isso no casamento, mesmo sendo socialmente tratadas diferentes, sabem que o amor que sentem é puro e natural. 




 

Por mais que existam idealizações no amor, a Thaty entende que tinha muita referência no amor que via em casa, entre os pais, pois eram muito cúmplices e amigos. Até hoje entende que o amor está na parceria e no cuidado, não nos grandes feitos: o amor é todo o dia. “O amor tá quando minha mãe manda o remédio pra Larissa quando ela tá gripada.” 

 

Hoje o relacionamento da Lari e da Thaty representa algo que elas conquistaram juntas, o melhor que elas puderam ser. Isso não quer dizer que não existam uma série de questões individuais próprias, de problemas a enfrentar ou de vida a acontecer, mas que o que era antes uma batalha solitária hoje em dia é uma força conjunta. 

 

A Lari conta sobre um livro do qual ela sentiu uma conexão muito forte, o “Amares”, do Eduardo Galeano, em que são crônicas sobre tudo que ele ama - e tudo que ele ama é literatura. Já estava tudo escrito de outros livros, ele só organizou. São várias esferas de amor. Ela fala, também, sobre o quanto encontrou o amor na religião e o quanto isso é importante para o entendimento dela enquanto pessoa: “Eu agradeço muito a Oxum e Oxalá que são os dois orixás que regem a cabeça dela (Thaty), pela vida dela e espero que muitas mulheres possam encontrar outro amor assim. Não só amor romântico, mas amor no geral porque eu acredito que o amor entre duas mulheres pode transformar a vida uma da outra porque tenho certeza que esse me transformou. Eu me sinto livre. Todos os dias eu quero fazer uma coisa nova e ela tá sempre me incentivando. Eu me sinto forte.”. 

 Larissa 
 Thatiely 
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