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Não tem jeito, preciso começar essa história falando sobre como a Karol e a Beatriz se conheceram. 

 

Poderia dar uma introdução dizendo quem elas são, o que elas gostam de fazer, enrolar vocês… mas não tem como. Não tem. Essa história é insuperável pra mim. Talvez por ser uma daquelas que eu queria ter transformado num podcast porque o áudio é muito mais engraçado do que eu escrevendo (alô, roteiristas dos streamings do momento, estão preparadxs?)... ou talvez porque não seria nenhum pouco justo deixar o melhor para o final mesmo.

 

Só algumas informações importantes: hoje em dia a Karol tem 27 anos e a Beatriz 26 anos. Ambas são do interior de São Paulo, mas de cidades interioranas diferentes.

 

A década (meu deus, a década é ótimo. risos) era de 2000-2010 e uma das coisas que fazia muito sucesso era o famoso bate-papo UOL... foi lá que Karol conheceu uma pessoa chamada Tânia. A conversa entre elas fluiu bem e ela adicionou a Tânia no MSN, no Orkut e a Tânia foi apresentando de forma virtual outros amigos dela (a Maiara, a Poliana e o Gustavo). A Karol, com o passar do tempo e o “convívio” diário, descobriu um interesse pela Tânia, foi aí que elas começaram a webnamorar (SIM, jovens, a Karol praticamente fundou o webnamoro). 

 

Quando todos os amigos conversavam em grupo no MSN o ícone de webcam ficava visível, então ela sabia que todos ali possuíam webcam, mas por algum motivo os amigos não gostavam de ligar e sempre quem ligava na chamada era ela e o Gustavo (ou seja, ela só conhecia a Tânia por fotos). Isso já faz muito tempo, né gente? Então precisamos lembrar que naquela época era super normal as pessoas se mostrarem muito menos que hoje em dia na internet (e serem muito menos cobradas por isso também). 

 

Com o passar do tempo e do webnamoro se desenvolvendo, todos ali criaram laços muito fortes. Na época, a Karol estava na escola, o Gustavo estudava teatro e viajava por São Paulo e a Tânia passou por um período muito difícil em que a mãe ficou muito doente. Foi um tempo em que o Gustavo (que morava na mesma cidade) a acolheu em casa, já que a mãe dela foi internada e depois de um tempo a mãe dela veio a falecer. Isso gerou um choque bem grande para todo o grupo, já que eles trocavam muitas mensagens diárias e, principalmente na Karol, pelos sentimentos que ela tinha pela Tânia, somados ao fato de ser menor de idade, estar em uma cidade distante e não saber como poderia ajudar nesse momento.

 

Ela conta que lembra de nessa época uma outra menina do grupo, a Poliana, também estar passando por dificuldades e o quanto ela comentava em casa com a mãe sobre essas amigas, sobre querer ajudá-las… e o quanto isso também a angustiava.

 

Mais uma vez o tempo seguiu e um belo dia, alguém a adicionou no MSN… o MSN, pra quem não sabe, não é uma rede social da qual você posta coisas... era tipo um Whatsapp, apenas um bate-papo. Ninguém adicionava lá sem te conhecer. E então, essa pessoa que  adicionou a Karol do nada, chegou logo soltando um: “POR QUE VOCÊ ESTÁ NAMORANDO A MINHA NAMORADA?”.





 

Que?

 

Pois é. Eu também soltei isso quando eu ouvi.

 

Essa pessoa, é a Beatriz.


 

Vamos à versão da Beatriz. 


 

Beatriz conheceu a Tânia jogando um jogo, o Habbo (só quem viveu, sabe, né? como era bom ser jovem nos anos 2000). As duas conversavam bastante e a Tânia também apresentou o Gustavo para ela… com o passar do tempo as coisas se desenvolveram na conversa e elas também começaram a webnamorar (as precursoras do webnamoro, parte 2).

 

No caso, a Karol e a Beatriz foram as precursoras do webnamoro e da traição do webnamoro, ou seja, o webcorno. 

 

Até que um dia O GUSTAVO (gente… a balbúrdia) chamou a Beatriz para dizer “que tinha uma menina dizendo que estava namorando a Tânia” (!!) e ela disse “como assim, eu sou namorada da Tânia, não tem essa!!” (risos) e então ela foi tirar satisfação com a Karol, assim, adicionando no MSN.

 

Se fosse o MSN Plus na versão 2009, garanto que tinha até aquele efeito de som no fundo que dizia “eu estou sentindo uma treta!!!”


 

Quando a Karol e a Bea conversaram elas entenderam que não ia dar certo e decidiram de alguma forma se afastar da Tânia. Elas não lembram especificamente como aconteceu, mas o afastamento rolou. A Karol começou a se envolver com uma menina na cidade em que ela morava e a Bea foi seguir a vida dela também, sem mais contatos com a Tânia e os webamigos dela. 

 

Mas calma, aí você pensa… ah, só isso? a Tânia nunca mais apareceu?

kkkk meu amor… o mundo não dá uma volta, não. Ele dá um duplo twist carpado. 


 

Pois um dia chega o Gustavo (logo quem…) chama a Bea no MSN e dá a triste notícia: a Tânia morreu.

..

que²?

Ela estava enfrentando um período de muita tristeza e depressão após a morte da mãe dela e cometeu suicídio.


 

Ao saber da notícia, tanto a Bea, quanto a Karol, ficaram muito mal. Foram dias de choro, um sentimento de dor estranha e uma sensação de perda imensa.


 

Novamente venho lembrar que: hoje em dia é muito fácil para nós, que vivemos em uma década depois, num momento em que a internet está muito mais avançada, pensar que algo nessa história estava muito estranho. Mas precisamos nos transportar para os anos 2000-2010 e lembrar que por lá estava tudo bem as coisas não terem muito encaixe, né?



 

Foi no momento após o luto que a Bea teve uma luz e entendeu que as coisas não tinham encaixe, que a história que o Gustavo estava contando era muito ríspida, muito estranho falar sobre uma depressão assim… e foi então que resolveu dar uma de stalker. Ela começou a ler o Orkut da Tânia que ainda estava ativado, pesquisou pelo nome do colégio que aparecia na foto dela de uniforme e viu que o colégio não ficava em São Paulo… TCHARAM! Começou a ir mais a fundo nas buscas do próprio colégio e… finalmente achou o perfil da menina verdadeira, descobrindo, assim, que a Tânia nunca existiu. Gente. Vocês têm noção??? A pinta nunca existiu. Se ela nunca existiu, ninguém ao redor dela existia também!

 

Com isso caindo por terra, ela foi descobrindo uma série de fakes que o Gustavo tinha. Inclusive, por um momento, pensou que até mesmo a Karol fosse um dos fakes, mas entendeu que não era e chamou ela para conversar e contou tudo… e ela ajudou nessa busca por mais fakes. 

 

Até hoje elas acreditam que a única verdade em toda a história é que o Gustavo trabalhava com teatro (não por ele ser um ótimo personagem, porque o que ele era tem nome: criminoso, rs) mas porque ele viajava bastante pelo interior de São Paulo fazendo peças.

 

A primeira atitude que elas tiveram foi falar com a menina que ele usava as fotos para se passar por Tânia, mas ela nem ligou, não deu bola. Então elas não souberam mais o que fazer. Elas desmascararam ele nas redes sociais e alertaram as meninas que estavam próximas dele para que se afastassem, mas naquela época os crimes virtuais não eram considerados, então era realmente muito difícil conseguir barrar o Gustavo, ainda mais elas sendo menores de idade e ele não.

 

Foi muito engraçado pensar em toda a história e ouvir toda a história sendo contada por elas, da mesma forma que é muito incrível ver a forma que elas ressignificam algo que poderia ter sido traumático e horrível (como foi o período conversando com esse cara e com seus vários personagens), mas a única coisa que elas tentam pensar sobre, é que foi por conta disso que elas se conheceram e que passaram a ficar todos esses anos juntas e que isso, sim, foi bom. De qualquer forma, não queremos NUNCA, JAMAISSSSS, deixar de lembrá-las que os tempos atuais são outros e que precisamos denunciar homens iguais o Gustavo! Ele tinha um perfil MUITO claro: meninas, novas, lésbicas (que estavam se descobrindo) e provavelmente em algum momento usaria de tudo o que sabia sobre elas para se aproximar fisicamente, então, por favor: denunciem! Hoje em dia já temos leis, já temos um preparo e uma consciência maior e não podemos deixar nenhum caso passar. Além disso, Gustavo, se um dia você ler isso: a gente ainda consegue te enquadrar em crimes cibernéticos, seu escroto! 

 

:)

Agora, sim. Ufa, essa história é boa demais.

Depois que o crime foi desvendado e que as duas ficaram iguais aos integrantes do Scooby-doo tirando as máscaras dos inimigos e descobrindo que são todos a mesma pessoa, a Karol, que vivia um relacionamento um tanto quanto abusivo, foi meio que “proibida” de continuar conversando com a Bea porque a namorada estava com ciúmes… mas ela estava muito intrigada com essa história, não estava acreditando no que tinha vivido (também pudera… né?) e deu um jeito de continuar falando (!!hahahahaha). 

 

Elas resolveram se encontrar pessoalmente um tempo depois numa cidade que ficava entre as cidades em que elas moravam (Praia Grande e Vargem Grande Paulista), e essa cidade foi Cotia. Lá elas se viram para ficar em silêncio, basicamente (kkkk), porque estavam com vergonha e não tinham o que dizer. No fim, elas não se beijaram (obviamente, porque a Karol namorava, né? se não conversaram, imagina beijar kk) e na hora de ir embora pra ter um grand finale a Karol li-te-ral-men-te caiu no colo da Bea dentro do ônibus (!!!) quando ele freiou. 

 

Nessa época, a Bea começou a fazer faculdade em São Paulo, então ela ia diariamente e voltava para a capital (ou, algumas vezes, ficava na casa da tia). Era uma rotina exaustiva e durou muito tempo. Por outro lado, a Karol terminou o relacionamento e cerca de um mês depois a Bea soltou um “ah então agora a gente pode namorar, né?” e ela disse um “é.” pois foi assim que começaram a namorar. Quando se viram pela segunda vez, já estavam namorando. Com as fundadoras do webnamoro não se brinca, né?

 

A Bea ainda teve a patchorra de soltar um “primeiro a gente namora, depois a gente beija” hahhahaha. 




 

Quando elas já estavam namorando, a Karol passou em um curso que acontecia em São Paulo também, então elas acabavam se encontrando durante a semana na capital. 

 

Elas contam que o começo do namoro foi bastante difícil porque tinham realidades muito diferentes. A Karol tinha uma condição financeira mais conflituosa, precisava correr muito atrás para conseguir as coisas e pela condição da Bea ser mais favorável ela não tinha consciência de classe e consciência dos privilégios que o dinheiro trazia. A Karol se sentia bastante triste, não conseguia acompanhar e trazia muito do antigo relacionamento junto com ela… para elas mudarem isso e se equilibrarem exigiu um esforço em conjunto de cederem e se entenderem aos poucos. Entenderem os limites, abrirem mão de algumas coisas para ouvir mais a outra… e por aí vai. 

 

Foi nesse período de equilíbrio e de entenderem que estaria dando certo que a Bea sentiu que era o momento de contar à família sobre o relacionamento delas. Ela deixou uma carta para a mãe antes de sair de casa a caminho da aula em São Paulo e, quando a mãe dela acordou e leu, ligou para ela e elas conversaram. Foi um momento que misturou um choque, com um “é isso mesmo que você quer?” e um tentar respeitar ao máximo. Com o tempo, a mãe e o pai da Bea foram entendendo e respeitando, assim como o resto da família e hoje em dia super apoiam as duas ♥

 

Depois do fim da faculdade, elas decidiram que seria legal escolher um apê e irem dividir uma vida sob um lar. Foram morar juntas em Cotia, a famosa cidade, lá da primeira vez em que se viram. A Karol trabalha lá até hoje escrevendo notas no cartório, mas elas já estão morando em outro apartamento, na cidade de São Paulo. Hoje em dia, adotaram gatinhos, se desenvolveram profissionalmente e a Bea é analista de marketing.




 

Hoje em dia, a Karol e a Bea fundaram uma marca de camisetas para o público lésbico (que inclusive já apareceu no Documentadas), a @vestsapatao! Conversando sobre marcas LGBTs, elas comentaram que geralmente produtos LGBTs focam no público masculino, desde o nome (gay gay gay gay gay) até as coisas serem sempre arco-íris, unicórnios, coisas de homens afeminados, confetes e quando pensam na sapatão é só a mulher tipo caminhoneira e/ou a Ana Carolina/Maria Gadu. Automaticamente imaginam a lésbica como masculina. Enquanto elas não se enxergam nem enquanto masculina, nem enquanto feminina, mas enquanto duas mulheres que se amam, apenas. 

 

Além disso, falam também sobre a importância de fazerem roupas em modelos maiores porque só encontram coisas pequenas que caminham entre o P e o M e que elas pensam em corpos grandes porque se identificam assim. A VestSapatão é da gente e para a gente. ♥



 

As duas também estão noivas! O pedido foi feito em Ubatuba, num comecinho de dia super fofo e estão planejando uma boa festa depois da pandemia. 

 

A Karol, quando fala no amor, acredita que amar é transparente e verdadeiro. Completa que sente que não existe nada que não possa ser compartilhado com a Bea.

 

A Bea diz que a relação exige muito respeito, respeito por quem elas são e por quem querem ser. Esse respeito resume a liberdade. E diz que aprendeu a amar e a respeitar com as mulheres da família dela, porque a mãe dela tem 8 irmãs, que são muito diferentes, mas que são grandiosas de amor, de criação e de laço, porque sempre tiveram respeito. 

 

Quando pergunto se elas gostariam de mudar algo na cidade em que elas moram, sendo São Paulo a residência, ou Cotia na convivência, elas dizem que gostariam de mudar a forma que são tratadas pelos homens, por sempre ouvirem comentários (ou por sermos colocadas como quem quer roubar o lugar deles). Além disso, falam que gostariam de um lugar com segurança, porque lá em Cotia não conseguem caminhar nas ruas de mãos dadas. 

 

Bea comenta a importância de ver escolas falando sobre a diversidade e o quanto isso mudaria as nossas vidas, traria consciência para as pessoas desde a educação de base. É algo que ela gostaria de ver diretamente. Ela acredita que ninguém quer ser ignorante e fala sobre a família dela, no caso, as avós, estarem querendo entender e se esforçando ao máximo para compreender o relacionamento que ela têm com a Karol - e que o papel dela, nessa história, é de ensinar e explicar, dar o suporte para que elas entendam e vejam que está tudo bem… para conseguirmos, assim, quebrar o preconceito. 

A história da Bea e da Karol te ajudou de alguma forma?

Gostaria de mandar uma mensagem para elas?

 Beatriz 
 Karol 
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