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Quando ela era mais nova, aos 14, na época da novela Amor à Vida, com o personagem gay Félix, ao debater sobre homossexualidade a mãe da Fernanda chegou a desconfiar de algo, mas ela negou fielmente. Na vida da Maria Vitória, a referência veio mais tarde, na novela A Força do Querer, com a/o personagem Ivana/Ivan, da qual surgiu o debate com a avó e fez com que ela se abrisse sobre a sexualidade. Hoje em dia, ambas famílias lidam bem com os relacionamentos, elas brincam com eles que eles nem deixam elas cogitarem um término, são grandes entusiastas. Mas sabem respeitar e elas também entendem tudo o que passaram para chegar até o momento em que estão, tudo o que precisaram enfrentar, inclusive, seus próprios medos. 


 

Ainda sobre suas dificuldades, entendem que a maior delas também está relacionada à comunicação. Até hoje é algo que buscam explorar, cuidar e cultivar. O momento do pré vestibular da Mavi foi muito difícil, passar em medicina requer muita pressão, muito stress, saber colocar cada coisa no seu lugar, lidar com a distância… são muitas coisas que precisam estar em equilíbrio e nem sempre estão. A Fernanda faz o papel de sempre incentivar a Mavi a falar, enquanto a Mavi sempre foi uma pessoa que pouco falou sobre seus sentimentos. Cada vez mais ela tenta se abrir, mas ambas também entendem aquilo que eu comentei no começo, que possuem diferentes linguagens. Jeitos diferentes de ver as coisas. A melhor forma que encontram é enxergar o lado de cada uma, entender múltiplas interpretações, se encaixar de jeitos diferentes. Na linha de explorar e cultivar, entender que não precisam ser quadradas, que tudo tem seu tempo, que não precisam das coisas na hora, urgentes e emergentes. E que se precisarem, estarão dispostas também, porque tudo pode ser conversado e ultrapassado. ♥

Quando elas começaram a ficar, a Mavi entendeu logo de cara que queria namorar com a Fê, ela diz que sabia que o terceiro amor é o amor verdadeiro na vida e que a Fê é o terceiro amor da vida dela. Mas foi muito difícil elas começarem a namorar de fato, inclusive, brincam que foi preciso pedir vááárias vezes em namoro até a Fê aceitar (e que se a Fê não aceitasse, aquela seria a última vez, porque ela não iria mais pedir!). Ela sempre dava um jeito de adiar, até que foi colocado um limite... e adivinhem? O pedido aconteceu dentro do carro. 

 

O carro foi muito importante em vários momentos, não só nesse. É o local onde elas têm as conversas mais sérias, onde viajam, onde se sentem à vontade, onde estão sempre indo para Porto Alegre, Laguna… passam muito tempo lá. No começo do namoro elas não eram assumidas, então o carro era o lugar que representava segurança. "Às vezes quando a gente anda de carro, a gente não vê nada... mas também vê tudo” 

 

Como a Fê não era assumida, elas entendem que essa foi uma barra muito forte que passaram juntas. Ela não se aceitava, foi um período muito longo. A Mavi não quis mais ficar escondida, entendia que não era mais justo viver assim. Antes de começar a namorar, nem passava pela cabeça da Fernanda se assumir, não pensava em contar porque tinha muito medo da reação (e spoiler: hoje em dia a mãe dela gosta tanto das duas que se emociona vendo elas). A Fê odiava pensar em contar e em não contar, porque ama tanto a mãe dela, é tão próxima, mas tinha medo de alguma reação de não aceitação. Acredita que se não fosse a Maria fazer esse movimento, talvez ela não tivesse se assumido até hoje. E teria se privado de todos os momentos em família que já viveram, em todas as vezes que andam juntas pela cidade (porque isso era o que mais as incomodavam, passavam bastante tempo “escondidas” por medo de encontrar pessoas conhecidas)…até que chegou o momento que mais pesou, pelo falecimento de uma familiar da Maria, em que a Fê entendeu que gostaria de estar presente com ela, de estar dando apoio à ela, mas que não podia. E aí resolveu abrir o jogo, contar, não podia mais segurar isso, precisava mudar. Ela explica que quando o medo de não estar vivendo fica maior que o medo da mudança, a gente entende que precisa mudar. E foi isso que aconteceu. 

A Fernanda tem 22 anos e é natural de Criciúma, Santa Catarina. É designer, trabalha com branding e social media. Estuda psicologia, é apaixonada pela mente humana, ama estudar isso, pensar sobre como as relações acontecem. Também adora desenhar e estudar comunicação. 

 

Maria Vitória tem 23 anos e é natural de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. É estudante de medicina e estuda em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Ela adora tudo o que envolve música, desde o piano (que toca e que aprendeu admirando a avó tocar), até a dança que vem de toda a família no palco. É entusiasta da história, sonha em um dia cursar uma faculdade de história também.  

 

Ambas adoram viver em Criciúma, são entusiastas da cidade, por isso, também, se preocupam em como seria importante levar mais cultura para lá. Mavi comenta que traria mais história, mais acesso à informação de verdade, conhecimento de verdade e formação de opinião. A Fê mora em um bairro mais afastado do centro e fala sobre como é bom sentir que vive em comunidade e os vizinhos serem considerados uma grande família, só que conta também como ainda falta o bairro ter a mesma visibilidade que o centro e ser tão valorizado quanto. Por fim, mas não menos importante, falam sobre a importância que seria ter na cidade um espaço que valorizasse a vida LGBT, a nossa cultura, os nossos valores, não só pela questão do medo de estarmos sempre em locais públicos, mas por ser um lugar nosso, com a nossa cara, um lugar que estivéssemos sendo nós mesmos, porque nós merecemos isso. 





Quando perguntei como a Mavi e a Fernanda se conheceram, elas disseram que foi por uma coincidência ou por um erro que deu em acerto, chamem como preferir. Vamos lá:

 

A mãe da Mavi é professora de dança e trabalha também em uma universidade. A Mavi estava lá acompanhando uma audição e uma menina chegou atrasada, ela viu a menina, se interessou e fim. Um tempo depois, estava rolando um evento na principal praça da cidade,  ela viu uma menina muito parecida e pediu para o amigo ir lá saber se a menina beijava mulheres. A menina disse que era bissexual, mas que namorava. A Mavi não sabia o nome da menina, mas sabia que ela tinha uma pinta no rosto e colocou, absolutamente do nada, na cabeça dela: acho que o nome é Fernanda. Decidiu desbravar no Facebook e achou uma Fernanda, com uma pinta no rosto. Que era quem? a Fê. Adicionou a Fê em todas as redes sociais, curtiu tudo o que ela postava: no Facebook, no Instagram, no Twitter… e a Fê pensando “meu Deus… quem é essa menina hétero curtindo tudo o que eu posto???”! Até que uns meses depois, em outro evento, nessa mesma praça, ela viu a Mavi e decidiu falar com ela, chegou dizendo “ei, você é a Maria Vitória do Twitter?”, que respondeu “não!” e foi descoberta pelos amigos “é ela sim!!!” e envergonhada, rebateu “e tu foi fazer teste na companhia de dança, né??”. As amigas da Fê gargalharam e ela só disse “não???”, então a Mavi entende que de fato, não era a guria da audição, mas achou a Fernanda muito mais bonita que a menina. Nesse dia elas acharam a situação muito engraçada, riram, conversaram e decidiram continuar se falando de forma online. 

 

Foi só um tempo depois que elas saíram pela primeira vez, tendo um primeiro encontro (que por sinal, foi fazendo as compras de natal no shopping), depois conversaram em um bar e entre o natal e o ano novo deram o primeiro beijo. 

Quando comecei a conversar com a Maria Vitória e a Fernanda, ouvindo elas falarem, eu ainda estava desacreditada de que o encontro tinha dado certo. Todos os planos foram, literalmente, por água abaixo - dois dias antes decretaram a volta do lockdown em Criciúma, cidade catarinense, onde estávamos - e uma hora antes de nos encontrarmos caiu a maior chuva possível. Além de que no dia seguinte, de manhã cedo, eu viajaria de volta para o Rio. Não tinha jeito, teríamos que cancelar. Aí elas falaram: “vamos fazer dentro do carro! É o nosso lugar. Sempre foi nosso lugar.”

 

Quando eu saí do encontro com elas, pensei muito sobre o amor porque acredito que nunca falei tanto com um casal sobre as múltiplas formas de olharmos esse sentimento. Tudo começou porque uma vez a Fê compartilhou um post sobre as 5 linguagens do amor e disse quais que ela mais se identificava, que eram três, enquanto a Mavi disse quais que ela mais se identificava, que eram as únicas duas que a Fê não disse, ou seja, elas viam o amor de formas totalmente diferentes. Desse mesmo jeito, elas entenderam que vivem esse relacionamento porque o amor e as relações, como muitas coisas na vida, tem múltiplas interpretações e para entendê-las precisamos estar abertas a isso. 

 

A Fê entende que o amor é uma junção de coisas, o carinho, o olhar, a atenção. O amor é olhar reconhecendo os defeitos. Ela fala sobre em toda a construção do relacionamento dela com a Maria, desde o comecinho, ver o amor. Em cada detalhe, cada entendimento, cada passo que deram juntas, ela sempre soube onde esteve presente o amor. Fala também sobre o amor entre mulheres ser mais intenso porque quando um homem e uma mulher se relacionam eles estão em mundos que foram construídos socialmente diferentes, enquanto duas mulheres estão em mundo socialmente construídos iguais, então elas se identificam, se entendem, são corpos semelhantes.  



Já a Maria Vitória fala sobre como o amor pode ser doloroso também, como podem existir relações tóxicas transvestidas de amor. Como as pessoas podem se machucar em nome do amor, e como isso pode deixar pessoas mais ariscas, menos abertas a viver coisas boas. O amor tem que ser cuidadoso. Ela disse que o amor entre mulheres pode ser (e na maioria das vezes é) diferente, mas que o que difere realmente cada relação é o jeito que cada pessoa se olha, se vê, se respeita. Elas brincam o quanto foi difícil no começo da relação a Mavi também demonstrar carinho, ela não abraçava, dava dois tapinhas, como quem encontra um conhecido na rua. Foi preciso muita calma e investimento para ela entender que podia ter carinho. Enquanto, por outro lado, a Fê também não se entregava de cabeça, pisava em ovos, ia com calma demais. Uma foi tentando permitir a outra, até que por fim, pudessem caminhar juntas. Tudo foi muito novo. 

 

 Fernanda 
 Maria Vitória 
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