Quando pergunto sobre o amor entre mulheres, Bru diz que sente o amor entre mulheres ser muito diferente que os demais relacionamentos na sociedade. Não só pelo cuidado e pelo respeito, mas sobre saber escutar, tentar e compartilhar as necessidades.
Manô diz que o amor em geral, para ela, é ter segurança. É acolher e é sentir algo que te nutre para enfrentar outras coisas na vida. Além disso, o amor entre mulheres é uma força da natureza absurda. “Tem uma conexão absurda, são vivências diferentes, realidades diferentes, mas ao mesmo tempo vão se complementando e se identificando.” Ela conta que se encontrou enquanto pessoa quando começou a se relacionar com mulheres, e isso implica não só conexões românticas, mas relacionar-se com mulheres no dia a dia, no afeto, na amizade, no cuidado. Brinca que é uma conexão mística, uma sintonia e construção de relação diferente de qualquer outra.
Falam sobre como é ocupar a rua enquanto uma mulher lésbica também, o medo que sentem por não performarem feminilidade “é como se agredissemos os olhos desses homens”. Ao mesmo tempo que muitas vezes vem um sentimento de só querer rebater o preconceito, em outros momentos se sentem muito fragilizadas. Bru comenta sobre o medo que sente com coisas que deveriam ser tão básicas, como usar um banheiro público, por conta da alta violência... e ambas entendem que as coisas só vão mudar realmente quando mulheres feministas ocuparem espaços de poder, porque a cidade é pensada por quem está ocupando esses espaços.
Elas decidiram morar juntas há bastante tempo e a decisão surgiu pela facilidade de locomoção, apoio financeiro e melhoras no relacionamento. A Bruna morava mais distante do centro, numa casinha no terreno da família e Manô foi para lá também, não precisariam pagar aluguel, mas reformaram a casinha e deixaram mais confortável.
Na pandemia, por alguns problemas familiares, a mãe dela passou a morar na casa também. O espaço foi ficando mais apertado, mesmo que elas tivessem acolhido a mãe e estabelecido algumas regras para a casa. Contudo, sabemos que não é fácil passar por tempos de pandemia, com todas dentro de casa, o dinheiro curto e sem perspectivas de melhora, então a questão da convivência foi ficando insustentável e elas decidiram sair de lá. Foram acolhidas por dois amigos num apartamento na Cidade Baixa, no centro de Porto Alegre.
Ficaram na casa dos amigos por alguns meses, até conseguirem o apartamento em que estão morando agora. Hoje em dia dão muito valor à ele, cuidam bastante, contam como foi muito batalhado conseguirem achá-lo, se mudarem, decorarem com a carinha delas… esse espaço significa um lugar de empoderamento, em que ninguém pode falar nada para elas, é a zona de conforto, o lugar onde o preconceito não entra.
Sabe aquela história de rebuceteio bem bem bem clássico? então, aqui temos.
Bruna e Manô se conheceram porque ambas possuem uma ex em comum. Manô terminou com uma menina e Bruna começou a namorar a mesma, logo depois, mas elas (Bru e Manô) não se conheciam. Foram se conhecer pessoalmente quando trabalhavam em bares vizinhos e a Bruna, com seu grupo de amigos, vivia frequentando o bar que a Manô fazia uns trabalhos de vez em quando. Decidiram investir em um ‘acordo de paz’, já que, mesmo que ela fosse a atual da ex, não tinha motivo para não conversarem e gerar climão nesses momentos… então criaram uma amizade.
Com o tempo, o relacionamento da Bru com a menina desandou consideravelmente, ela não se sentia bem, não estavam conseguindo se comunicar, conversar… uns dias se passaram e numa das saídas entre os bares vizinhos, ela e Manô sentiram algo. Ficaram em um dia, não foi nada combinado, mas na próxima vez que a Bru viu a menina resolveu terminar o relacionamento, não sentia mais motivos para seguir. Depois disso ela ficou com a Manô durante um tempo, meio que sem ninguém saber, até que no dia dos namorados (ou melhor, das namoradas), assumiram o novo namoro.
Manô tem 25 anos, é psicóloga e ativista social/uma das coordenadoras da ONG Somos (um grupo situado em Porto Alegre (RS) que realiza ações transdisciplinares, tendo como base os direitos sexuais e direitos reprodutivos) e trabalha no SUS atendendo pessoas que vivem com doenças sexualmente transmissíveis e AIDS - um projeto que traz, através da psicologia, a importância do tratamento, incentivando os novos pacientes a participarem e resgatando os que, por algum motivo, abandonaram.
Bruna tem 29 anos, é bartender e sempre trabalhou com bares e eventos. Fez diversos cursos, ama essa profissão. Hoje em dia descobriu também a gastronomia, uma nova paixão. Aprendeu a equilibrar a comida com os cocktails e durante a pandemia desenvolveu uma empresa para vender comidas veganas. Bru fala sobre o quanto pra gente ser ‘bem sucedida’ tem que dar muito mais corre, ainda mais ela enquanto uma mulher negra sapatão trabalhando em um dos melhores bares de Porto Alegre. Ela está sempre se superando, sempre batalhando, sempre melhorando expectativas.
Enquanto a militância é o maior “hobbie” da Manô (viver entre reuniões e eventos), Bru conta que sua vivência sempre foi mais longe do movimento - e isso faz com que sua verdade seja o que ela vive diariamente nas ruas, nos lugares, fora dos meios acadêmicos. Manô fala sobre querer estar em espaços mais lésbicos, porém entende que muitas ONGs sempre são, em sua maioria, compostas por homens gays... e justamente por isso quer seguir ocupando esse espaço. Não quer que as mulheres fiquem em lugares mais afastados, mas sim que estejam debatendo e construindo o movimento LGBT como um todo.