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Clara e Karine são muito amigas, conversam sobre tudo. Hoje em dia entendem o que passaram e respeitam o papel importante que isso teve na história delas. São muito parceiras e, mesmo de um jeito tímido, transmitem muito afeto. Sentem que o amor entre mulheres significa resistência. Elas amam ir para o parque de Madureira, para o cinema, para lugares com natureza e olhar para horizonte enquanto conversam. Quando perguntei qual modelo de cidade elas gostariam de viver, disseram que sonham em poder andar na rua sem medo, sem comentários ruins - “que a gente pudesse ser livre de verdade”.
A Karine tem 26 anos, é formada em administração e hoje em dia trabalha com contabilidade. Ela sempre foi uma daquelas pessoas únicas que encantam todo mundo, sabe? daquelas que são amadas por todos.
E a Clara tem 24 anos, é professora de geografia e além de sala de aula convencional, atua no Emancipa - um curso popular. Está bastante envolvida na militância e disse que isso não é um hobbie, mas um papel que ela cumpre enquanto educadora. Elas se inspiram muito na história da Marielle e da Mônica Benício. Não só pela figura que a Marielle representa (sempre com cuidado e respeitando o verdadeiro significado que ela tem), mas também pela coragem da Mônica - elas citam que pensam muito na bravura e em tudo o que ela faz para conseguir ocupar o espaço que ocupa agora.
Antes de terminarmos a conversa, me falaram uma das coisas que mais soou na minha cabeça nos dias seguintes:
“A gente não tá fazendo nada de errado. A gente tá amando.”
a palavra está com elas
Karine: Eu nunca imaginei que me descobriria como uma mulher lésbica. A vida foi me dando várias dicas que foram sendo ignoradas pela falta de conhecimento e também por conta da invisibilidade que envolve o amor entre mulheres. Não ser hetero não é uma coisa que é ensinada para gente como uma possibilidade, mas eu me permiti viver, me permiti seguir o que eu estava sentindo. Me joguei de cabeça com muito medo de todo preconceito e julgamento, tanto pelas amizades que eu tinha quanto pela minha família, mas fui me aceitando do jeito que sou, acreditando no que eu sentia pela Maria Clara e no que ela sentia por mim. Se permita ser feliz, se permita viver a vida do jeito que você quer viver, nem sempre vai ser fácil, mas eu tenho certeza que pra tudo existe um jeito, uma outra perspectiva, tudo vai acontecendo até chegar no ponto em que dá certo. Com luta e persistência iremos conseguir uma sociedade sem preconceito e cheia de amor.
Clara: O que posso afirmar é: se permita a viver o amor. Crescemos em uma sociedade que nos impõe sentimentos como culpa ou vergonha por qualquer ação que expresse a liberdade de nós mulheres. E isso é refletido na nossa capacidade de amar também. O amor é uma escolha diária e quando você escolhe amar outra mulher você se liberta. Sinto na alma o quanto é desafiador amar alguém e correr o risco de ser agredida ou morta apenas por ser quem eu sou, mas luto pela liberdade de ser uma mulher lésbica que apenas deseja amar sua companheira e ter uma casa com dois gatinhos.
Foi depois de um tempo e respeitando o espaço de cada uma que começaram a aceitar a paixão que estava acontecendo entre elas. Porém, quanto mais se assumiram juntas, mais problemas no trabalho aconteceram. Como a Karine trabalhava na loja há anos, o baque foi mais forte - todas as colegas passaram a olhar para ela de forma diferente, fazer comentários ruins sobre a Clara, excluírem elas de conversas. O problema não era namorar alguém do trabalho, mas sim duas mulheres estarem namorando. A Clara era vista como a “sapatão destruidora de lares”, como se estivesse desvirtuando a Karine (que nesse meio tempo também estava passando pela aceitação própria). Toda essa pressão gerou diversas crises e problemas de saúde nelas (enxaqueca forte e ansiedade, por exemplo).
Isso tudo tem nome e esse nome precisa ser dado: assédio moral no trabalho.
Foi aí que surgiu a Praça Nossa Senhora da Paz, o lugar em que tiramos as fotos. Ao mesmo tempo que era muito difícil aguentar o trabalho oito horas por dia, era na praça que o fortalecimento delas surgia. Todo dia, no fim da tarde, elas sentavam e conversavam, descansavam, se cuidavam. Mesmo com a dor, a memória afetiva pela praça ressignificou tudo. O começo do namoro foi o mais difícil, mas foi nesse momento em que entenderam que juntas dividiriam o peso e passariam por isso.
O mais difícil em toda a situação que viveram no trabalho foi o fato de sofrerem homofobia através de outras mulheres. Todas nós sabemos que somos hipersexualizadas por homens diariamente, que já sofremos muito na rua… mas sofrer isso num grupo de mulheres que tinham acesso à informação e que eram jovens, foi muito difícil.
Eram nas saídas do trabalho que percebiam que podiam estar gostando uma da outra, pois chegavam no metrô, se despediam e ficavam uma de frente para outra em lados opostos da estação (sentido zona sul > sentido zona norte), por um bom tempo se olhando.
O beijo, ou melhor, “o melhor beijo da minha vida”, segundo elas, foi numa dessas idas à casa da Karine. Dessa vez assistiram um filme grudadas e na hora de dormir, quando as colegas não estavam mais por perto, aconteceu.
No dia seguinte, Clara tomou uma decisão ruim: ter uma DR (discutir a recém relação) porque não estava entendendo o que tinha acontecido. A Karine estava lidando como se tudo tivesse sido um sonho (ou um surto?) e não quis conversar, não conseguiu agir bem. Hoje em dia entende que ela só estava nervosa e que não conseguiu dizer ou demonstrar o que sentia, foi tudo muito repentino, era um misto de sentimentos e precisava se entender primeiro.
Clara se sentiu muito frágil e triste. Então, foram embora e a cena do metrô foi diferente: ela entrou, o metrô fechou e pelo vidro olhou Karine do outro lado, até que ele se locomovesse. E aí, pra fechar essa baita cena de cinema, veio o quê? o play no Medo Bobo no fone de ouvido (e a lágrima querendo escorrer).
Você já ouviu Medo Bobo, da Maiara e Maraisa?
Então solta o play para ler essa história com uma trilha sonora digna.
Ok, agora sim. Podemos começar.
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“Eu não queria encostar meu corpo no da Karine porque tinha medo dela sentir meu coração, de tão forte que estava batendo”
Assim, entre risadas, Clara conta como foi o primeiro beijo.
Clara conheceu Karine quando começou a trabalhar em uma loja, eram colegas e a Karine era a pessoa com mais experiência, então acabou sendo sua supervisora. A loja ficava no meio de Ipanema, bairro da zona sul do Rio de Janeiro. Clara morava de um lado da cidade, Karine do outro. Suas vidas eram bem diferentes, mas ali, dentro da loja, se encontraram.
Clara sempre entendeu que gostava de mulheres, mas tinha medo de falar sobre isso no trabalho. Sempre se referia a alguém como “uma pessoa”, e não “a menina que estou ficando/minha namorada”. Karine se identificava enquanto heterossexual, não tinha sentido paixões por outras mulheres, mesmo que já tivesse beijado.
Quanto mais a Clara sentia que não se encaixava nos padrões das mulheres que trabalhavam na empresa, mais ela sentia algo pela Karine. Trocavam olhares e aumentava a ansiedade, porque logo pensava que seria impossível rolar alguma coisa. Se sentia algum sinal, com a Karine demonstrando mais afeto, achava logo que era coisa da sua cabeça e assim seguia num amor quase que platônico.
A verdade é que não era platônico, mas recíproco. A Karine estava começando a sentir algo por ela também e começou a criar situações para que pudessem ficar juntas. Desde chamar o pessoal para ir ao cinema - detalhe: isso no início empolgou muito a Clara, até que ela se viu sentada entre a prima e a irmã da Karine e assistindo um filme de anjos (!!) e saiu frustrada… (pode rir, mas com respeito kkk) - até convidar as colegas para passar uma noite na sua casa.