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Em um momento da conversa, falando sobre o lugar que estávamos, naquela praça, naquele espaço da cidade e sobre sermos mulheres, ouvi duas coisas que me marcaram muito e que acabei pensando depois que fui embora. Primeiro, a Terci, que por ser uma pessoa visivelmente mais tímida, disse que quando se relacionava com homens tinha vergonha de dar as mãos, de beijar em público, de ter atitudes românticas na rua… hoje se vê nesse papel porque acha que com a Ju é muito mais puro. O sentimento é praticamente ao contrário, ela faz questão de pegar na mão, de dar um abraço. Mesmo se ela não falasse, seria visível nos detalhes esses toques, porque é algo natural, o toque acontecia durante a conversa, era de fato puro. Logo depois que ela comentou isso, a Ju falou também que embora seja muito difícil a luta LGBT como um todo, chega um momento em que vale a pena expor o amor por quem você ama… e que mesmo que você coloque seu corpo na linha de frente por esse amor, o que literalmente nos acontece, enquanto vivemos no Brasil e muitas pessoas não escondem a LGBTfobia que possuem, nós precisamos seguir mostrando que está tudo bem amarmos e sermos amadas. Isso não quer dizer que não temos medo (temos, sim!) - inclusive a Terci escreveu uma música sobre isso depois que elas se encontraram numa praça (sobre ser um ato político, sobre ser uma luta) - elas andam com medo, às vezes receosas, principalmente quando cruzam com homens, mas entendem que é preciso o equilíbrio entre se cuidar e não baixar a cabeça e se esconder dentro de um armário. “Saber cuidar e cuidar dos nossos.”

 

Por fim, trouxeram mais duas coisas. A Terci disse que logo pensou no filme Zootopia, que a coelha descobriu um lugar que ninguém ligava pra ela e que ela poderia viver tranquila. No fim, é esse o objetivo: que as pessoas olhem as diferenças e não pensem nisso como algo ruim. E a Ju traz a importância de, além de conversar com pessoas mais velhas, ser fundamental conversar também com as crianças e adolescentes, trazer diálogos de inclusão para os mais novos normalizando discussões de igualdade de gênero e inclusão social.

Quando comentamos sobre a pandemia e sobre essa forma de se reinventar, a Ju falou que no começo do relacionamento tudo foi muito rápido, tudo se desenvolveu de forma involuntária. Com um mês elas já estavam muito próximas, praticamente namorando e a Ju frequentava a casa da Terci com uma frequência cotidiana por ser muito próxima à faculdade. Elas criaram uma rotina de cafés da manhã, ônibus, massagens no final do dia, feirinhas nos fins de semana, tapiocas de queijo com morango, parques, peças… tudo foi criando um tom. Hoje em dia, com a pandemia e a Terci voltando a morar com os pais dela, tudo fica diferente. Primeiro que é preciso estar em casa, segundo que o espaço em casa é outro, a privacidade é outra, o tempo é outro, sentimento é outro. São muitas readaptações. 

 

A sensação presente agora é que, por mais que estejam há mais de um ano e meio juntas, a pandemia faz com que todo dia seja uma novidade dentro de uma certa “mesmice” por conta de novas descobertas internas. Aprenderam que a Ju é mais explosiva, mais estressada, mais extrovertida… e que a Terci é ao contrário, mais quietinha, em outro tempo. Mas que também isso leva a outro contexto de conversa, de amor e de equilíbrio. Que as conversas voltam ao início da vontade de se conhecer e se encontrar de múltiplas formas.  

 

Aos poucos também entendem que estão construindo uma nova relação, com mais comunicação e com cuidado para não se magoar. Sempre tentam respeitar as limitações e redescobrir zonas de conforto, perceber o que representa o amor em suas essências, onde elas encontram ele nos seus detalhes e referências. Quando conversamos sobre o amor em seu estado puro, a Ju fala sobre amar e se apaixonar, então o “amar” ser o amadurecimento da paixão, fazer com que o calor exista, mas de forma mais concreta, mais efetiva, mais consistente. E a Terci completa “enxergando os defeitos e amando também, mas com cuidado, porque existe o amor que cuida, que quer o bem... e outro que prende, que toma posse”.

A Tercianne adora música, ela se afastou um pouco por um tempo, mas depois que voltou à faculdade um professor conseguiu guiar e monitorar ela de volta. É um lugar que ela sempre quis estar, muito positivo e que se encontra muito com a Ju também. Antes de estudar teatro a Terci passou por um momento entre arquitetura e engenharia civil, ainda no Ceará, mas não se sentiu bem cursando. O pai estava estudando com ela e por já ser aposentado decidiu que apoiaria o curso que ela tivesse vontade de cursar. Ela descobriu a Casa de Artes de Laranjeiras (a CAL, no Rio) e falou que gostaria de estudar aqui, foi então que toda a família se mudou: ela, a mãe, o pai, os irmãos, os cachorros… todo mundo! E aqui estão até hoje.

 

A Ju se vê muito na escrita dos sentimentos, nas crônicas… quando o teatro não dá conta ela abre um bloco de notas e se coloca a escrever. Desde sempre, sentiu mais resistência enquanto à vontade de ser artista, era algo que sabia. 

 

Ambas se consideram bissexuais e as famílias, hoje em dia, sabem e apoiam o relacionamento das duas - a Ju, inclusive, já foi até o Ceará com a Terci. Nem sempre foi um debate fácil a se encarar dentro de casa, o começo foi mais difícil e foram contando aos poucos para as pessoas, entendendo o contexto de cada situação. Mas no geral a família sente o quanto o relacionamento representa crescimento para ambas e fica feliz em ver essa mudança acontecendo de pertinho.  

A Juliana e a Tercianne se conheceram e se encontram entre muitas coisas em comum. Ambas estão com 22 anos, fazem faculdade de teatro, gostam de música, de cinema, de feirinhas... A Ju é natural do Rio de Janeiro, já a Terci é do Ceará.  Elas se viram pela primeira vez quando a Ju fez uma peça interpretando uma personagem da qual a Tercianne já tinha interpretado no ano anterior. A Terci viu, se apaixonou, mas não conseguiu falar com ela logo depois do espetáculo porque precisava ir para o aeroporto pegar um voo para o nordeste, estava indo de volta para casa. Decidiu chamar a Ju no Instagram para elogiar e falar que gostou bastante da apresentação e então elas começaram a conversar.

 

- Vou embarcar agora, mas depois continuamos a conversa.

- Ah, quer continuar a conversa? vou achar que é um flerte!

Foi a primeira vez que Terciane tinha mandado mensagem para uma menina dessa maneira e a Ju lançou a brincadeira, então acabou acontecendo e elas seguiram conversando (ou flertando!). Deu certo.


 

Assim que a Terci voltou ao Rio de Janeiro decidiram se encontrar e assistiram o Rei Leão no cinema, foi tudo meio estranho, não sabiam se seria um encontro num tom mais romântico ou na amizade. Conversaram muito sobre a vida, depois ficaram, mas não sabiam dizer exatamente o que sentiam. No decorrer do que foram estabelecendo contato elas entenderem que o que queriam mesmo era se conhecer, por inteiro, saber quem eram e se encontrar no maior número de sentidos possíveis. 

 

Quanto mais se viam, conheciam os amigos, frequentavam os espaços em comum (a casa da Terci, a faculdade…), mais ouviam o quanto estavam diferentes (de um jeito ótimo, é claro!)… a Ju conta que logo no começo uma amiga da Terci contou que há tempos não via os olhinhos dela brilhando tanto como brilhavam agora. Aos poucos isso foi mostrando o quanto era real e recíproco. No show do Lagoon, a Ju pediu a Terci em namoro. E no dia seguinte, a Terci já tinha planejado tudo para pedir a Ju em namoro lá na faculdade, então pediu também. Foi uma troca justa!  

 Tercianne  
 Juliana  
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