A religião esteve presente durante toda a nossa conversa e isto se deu através de falarmos muito sobre o amor. Jojo explica que foi através do amor que ela decidiu voltar para a igreja, mesmo sabendo que o preconceito faria com que tudo fosse mais difícil… “o amor é o que sobra de verdadeiro depois que a paixão vai embora” e “não gosto de ter rotinas, mas pra mim, o amor significa essa rotina, porque ele é cotidiano e participa das coisas como um todo”.
O amor delas se constrói através de uma relação não-monogâmica, e para a Ana foi um grande desafio inicial, porque é totalmente diferente de todos os relacionamentos que viveu. Ela é uma pessoa que nunca gostou da monogamia, por achar ser egoísta no sentido de ter o amor como uma propriedade, mas ainda assim foi difícil desapegar dessa cultura monogâmica. Foi uma decisão dela, também, se permitir. A Joana já tinha tido relacionamentos abertos, mas não fez pressão para que o delas obrigatoriamente fosse assim. Hoje em dia, a Ana se vê muito mais livre. Ela entende que o ciúme possa existir, e que, principalmente, o relacionamento aberto não faz com que não seja permitido sentir isso, mas com que você se abra para entender o que é esse sentimento e de onde ele vem.
Falamos mais ainda sobre o amor porque as duas se definem como pessoas-que-amam-demais. Não veem problema em sentir o amor de forma rápida, serem intensas… da mesma forma que não querem limitar o amor. Costumam ser pessoas apaixonadas: “amar muito, por muito tempo” e “nunca me conheci sem estar amando alguém”. Debatemos sobre no primeiro momento isso soar problemático, mas em terapia elas foram entendendo que o amor e o amar fazem parte do seu ser.
Há dez meses estão juntas e afirmam: não querem se usar para tapar buraco de outras relações. Deixam claro que no relacionamento delas tudo pode ser compartilhado e conversado, falam sobre a importância de conversar e se mostram aberta ao diálogo em qualquer situação. Não acreditam na história de “ex louca”, mas de relações que não deram certo (e tudo bem não dar). Inclusive, fomentam grande amizade com a Lais, ex da Joana, e uma das pessoas que ela cita quando pergunto quem ela mais admira/se referencia no seu dia a dia.
A Ana tem 19 anos. É tatuadora e ama fortemente tudo o que envolve o circo. Ela conta que se inspira muito na Elisa, uma tatuadora do rio, e na Letrux, a cantora - e a banda. Ana define o amor como querer viver com a pessoa, querer compartilhar, querer estar presente e sentir admiração. Sua estação preferida é o verão, quando ela se sente bonita, feliz, viva, confortável, quando usa suas roupas favoritas e vive a liberdade. No dia em que elas se pediram em namoro, foi assim que ela definiu a Jojo: você é como se fosse o verão pra mim.
A Joana tem 21 anos, é formada em jornalismo e trabalha com mídias sociais. É uma pessoa que se dedica muito ao estudo, além disso, frequenta a igreja católica de forma muito ativa. Reivindica o fato de ocupar espaço enquanto LGBT dentro da igreja porque é um lugar que precisamos estar. Na sua construção enquanto mulher, cita vários nomes de pessoas famosas que ajudaram durante o processo, desde Marisa Monte até Anitta, mas pede para eu apagar tudo quando lembra da Letrux. Letrux é um grande símbolo da Jojo e da Ana enquanto indivíduos e enquanto casal. Além disso, cita também outras pessoas que se referencia: a Mari, sua primeira chefe; a Lais, sua ex namorada e a Luciana, uma mulher evangélica de Minas Gerais que produz um podcast do qual mostra a religião sob um novo olhar. Inclusive, a Luciana fez com que ela entrasse para um grupo de mulheres lésbicas e bissexuais que estão dentro das igrejas.
“Em outros tempos eu nunca chegaria nela, nunca tomaria iniciativa, não sei porque naquele dia eu tomei”, diz Joana. Joana, que por sinal, estava noiva - mas num relacionamento aberto. E Ana, que por sinal, estava namorando outra pessoa também. A coragem veio e Jojo tentou pedir um beijo à Ana, mas ela explicou que namorava… optaram por trocar contatos, já que ainda poderiam ser amigas.
Algumas semanas depois foi o início da pandemia. Ana não estava bem no seu relacionamento, tudo estava bastante confuso, então acabaram optando pelo término. Jojo tampouco estava bem também, seu noivado era mantido à distância (e que distância! Países diferentes) e nada se encaminhava. Eis que um dos assuntos mais comentados das redes sociais era Big Brother Brasil e elas começaram a interagir sobre o assunto.
Um tempo depois terminaram seus namoros e decidiram se encontrar. Assim, as duas, entre uma pandemia, decidiram dar uma chance para construir um relacionamento.
A história de amor da Ana e da Joana é digníssima de um filme daqueles que você pensa que nunca vai acontecer na vida real, sabe?
Começou em um domingo de carnaval no Rio de Janeiro, logo cedo, quando estavam pegando o metrô para chegar num bloco - o Tocoxona. Assim que chegaram na estação, ainda na espera do metrô, se olharam pela primeira vez. Ambas estavam com seus respectivos amigos e Ana, inclusive, comentou com um deles: eu namoraria aquela menina. O metrô chegou, e assim, passaram a viagem toda no mesmo vagão, sentadas uma de frente para a outra, se olhando.
A “coincidência” ou o “destino”, chamem como preferir, nunca para por aí. Elas acabaram descendo na mesma estação, chamada Glória, mas foram para lados opostos.
Elas não imaginavam que estavam indo para o mesmo bloco, por mais que o Tocoxona seja atualmente um dos blocos mais representativos das mulheres lésbicas e bissexuais na cidade do Rio. Este bloco, cada vez mais popular, costuma lotar um grande espaço no Aterro do Flamengo, e pra quem nunca esteve no Aterro, eu explico: quando você quer encontrar alguém já é bastante difícil, imagina na sorte?
Óbvio que elas tiveram sorte. Por mais que cada uma tenha ido para um lado e seguido com seus grupos, em determinado horário da festa elas se esbarraram no meio da multidão.