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Ela conseguiu diversos trabalhos fazendo lettering em paredes e outros freelas com comunicação, e por mais que tivesse chegado aqui em dezembro com algum dinheiro guardado, ambas sabiam que o mesmo teria prazo para acabar. Quando a pandemia surgiu em março foi um susto muito grande, porque passaram por um aperto e por muitas incertezas. Ela parou de trabalhar e a Mari corria o risco de também ficar sem emprego. Por mais que ainda tentassem de diversas formas conseguir contornar as situações (no carnaval antes da pandemia, por exemplo, venderam sacolés - que chamaram de sacolésbicos! - e assim conseguiram dinheiro para aproveitar o feriado e pagar as contas), tudo gerava bastante medo de não conseguirem bancar e não sabiam muito o que fazer sobre, até porque a pandemia não mostra nenhuma outra oportunidade ou opção. 

 

Elas contam que a família da Mari foi essencial e muito acolhedora nesse momento também, foram muito importantes para que elas não se sentissem sozinhas, e que mesmo com os problemas financeiros, isso nunca afetou elas enquanto um casal nos sentimentos e no amor. Existem vários tratos que nunca precisaram nem serem especificamente feitos, foram surgindo naturalmente entre elas, de que quando uma está com menos dinheiro a outra tenta segurar as pontas, já que ambas estão sempre conversando sobre tudo. A parceria é muito forte nesse sentido. ♥

Por mais que hoje elas brincam e dão muitas risadas pelo começo rápido do namoro, a verdade é que ele não foi nenhum pouco fácil. Elas estavam muito felizes juntas, enquanto um casal, mas a vida da Gabi em Araras estava bastante complicada. Ela passava por muitos momentos complicados no trabalho e sofreu duras críticas dos amigos por ter começado a namorar tão depressa. Muitos se afastaram dela e nem quiseram tentar acompanhar o relacionamento dela com a Mari, ela se sentiu bastante triste e acabava vindo mais para o Rio porque não se sentia tão bem ficando em São Paulo.

 

Além disso, a partir do primeiro momento em que ela esteve no Rio, criou uma conexão muito forte com a cidade. Ela conta que o Rio representa tudo o que ela sempre estudou, a antropologia está muito presente aqui o tempo todo, e acabava também que sempre que estava aqui conseguia bastante trabalho freelancer... as coisas iam acontecendo muito rápido. As pessoas sempre falavam que o lugar dela não era em Araras e um pouco antes delas completarem um ano de namoro sentiu que era o estopim e o momento: fez as malas e largou o emprego em São Paulo, veio apenas com a passagem de ida para o Rio!

 

Assim que ela chegou, ficou hospedada na casa de um amigo e a ideia era ficar lá no primeiro mês, porém o lugar era bastante perigoso e a família da Mari achou melhor acolhê-la. As duas ficaram juntas e conseguiram alugar uma kitnet, por mais que o espaço fosse pequeno e que as coisas tivessem se ajeitando aos poucos, a família da Gabi também foi entendendo que ela estava mais feliz no Rio e foi apoiando a vinda dela, então ela foi conhecendo pessoas, distribuindo currículos e tentando empregos.  

De uma forma um tanto quanto aleatória, a Gabi viu o perfil da Mari sendo divulgado em algum Twitter LGBT de pessoas solteiras, mais em tom de brincadeira do que de seriedade, e resolveu segui-la, então a Mari seguiu de volta e elas se tinham nessa rede social. O tempo foi passando e em 2019 ambas estavam solteiras e interagiam em alguns tweets. 

 

Até que em um sábado, a Gabi estava estudando e resolveu beber... já estava começando a ficar alcoolizada e viu um tweet que a Mari fez sobre queijos (quem quer puxar assunto dá um jeito, né minha filha?) e resolveu responder, resumindo: começaram a conversar e um tempo depois a Mari estava pegando um ônibus, saindo do Rio de Janeiro e indo para Araras em pleno carnaval, para as duas se conhecerem! 

 

A Gabi foi buscá-la em Campinas, cidade próxima, e a rodoviária de Campinas tem dois andares, então ela conta que, enquanto estava no piso superior, ao ver a Mari saindo do ônibus, ela teve certeza que namoraria essa mulher. As duas se falaram, ambas nervosas, o papo fluiu, já era tarde da noite e quatro horas depois elas se pediram em namoro - ou seja, quando a família da Gabi acordou e foi dar bom dia para a ‘menina do Rio que finalmente chegou’, a menina já tinha virado ‘a namorada do Rio que finalmente chegou’. 

A Gabi tem 26 anos e é natural de Araras, interior de São Paulo. Se formou em Ciências Sociais com foco em antropologia e está cursando publicidade e propaganda, trabalhando atualmente em uma agência de publicidade, mas vive entre muitos hobbies, freelas e artes: pinta quadros, faz lettering, web design, curte fotografar, é líder de torcida e adora falar sobre muitos temas na internet, principalmente saúde mental.

 

A Mari tem 31 anos, trabalha enquanto instrutora de informática e faz faculdade de educação física. Ama música, adora cantar, tocar vários instrumentos, já teve até canal no YouTube (alô, sapatão MPB!). Sempre adorou esportes e joga muita bola, além de arrasar na cozinha. 

 

Elas amam fazer coisas juntas, falam muito sobre o relacionamento nas redes sociais para incentivar mulheres a saírem do armário e falarem sobre conexões homoafetivas e também gostam muito de criar coisas juntas, a Gabi brinca que a Mari adora montar e fazer coisas, então, por exemplo, elas precisavam comprar um sofá e quando ela se deu conta a menina já estava vendo formas de fazer o próprio sofá! Hahahaha! Se pudesse, faria tudo! Hoje em dia, moram juntas com os gatinhos em um apartamento em que cada cantinho tem algo feito por elas, desde os quadrinhos nas paredes, até as plantas que cuidam juntas e o espaço aconchegante no quarto. 

Por mais que no primeiro encontro da Mariana com a Gabriela já tenha acontecido o pedido de namoro e isso soe bastante impulsivo e até mesmo um pouco inconsequente, hoje em dia, alguns anos depois, com alguns quilômetros de distância e morando juntas, elas são as pessoas mais sensatas e conscientes sobre suas atitudes que eu poderia conhecer. Não que uma pessoa que comece a namorar no primeiro encontro não esteja consciente da sua atitude, mas que poucas vezes vi casais que conseguem se equilibrar em tanto companheirismo como na tarde que eu passei dentro do apartamento da Gabi e da Mari, em Madureira, no Rio de Janeiro.

 

Me peguei por muito tempo depois pensando se talvez tamanho companheirismo tivesse surgido pela correria diária que passaram juntas - porque nos momentos mais difíceis acabamos sempre nos fortalecendo - mas acredito que o que envolve tamanho amor entre a Gabi e a Mari é o quanto elas se impulsionam em querer ver bem, sobretudo, na saúde mental. Ambas estão sempre com diálogo muito aberto, compartilhando inseguranças, medos, conversando sobre o que sentem, sobre suas admirações e sobre seus olhares à forma de ver o mundo. A Gabi, quando falou da Mari e da importância que ela têm na luta pela saúde mental, se emocionou e deixou claro o quanto é grata pela mulher que a Mari se tornou. Por quem ela é.

 

E a Mari, logo depois, completou com uma fala em que explicava que família é algo que nem sempre está ali para te entender em cada detalhe, mas para te apoiar e dar amor em o que você precisar. Tudo se encaixou entre elas, de alguma forma, nesse amar, admirar, se encontrar, encantar, apaixonar e confiar. 

A Gabi e a Mari acreditam que o amor entre mulheres envolve não só as relações românticas, mas saber admirar, apoiar, escutar, reconhecer e querer estar com outras mulheres. 

 

A Mari comenta que quanto mais descobrimos o mundo de amar e de nos apaixonarmos por coisas feitas por mulheres, por espaços compostos por mulheres… mais queremos estar nesses lugares, mais queremos conhecê-las, e também mais queremos exaltar seus trabalhos e quem essas mulheres são. 

 

A Gabi conta também a importância de ter outras mulheres na nossa vida para nos referenciarmos… desde nos nossos trabalhos, na nossa faculdade, nos espaços que antes eram majoritariamente ocupados por homens.

 

Ambas acreditam que para que a sociedade como um todo mude e para que a gente cresça, é preciso uma reeducação sobre o machismo (e sobre os preconceitos em geral), além de uma redistribuição de cargos públicos, de renda, de condições de vida. Para que ninguém mais passe pela fome, que ninguém mais sofra discursos de ódio e que a gente não viva no caos porque o caos só beneficia o lado de um sistema que realmente não quer saber da gente. Que saibamos ir além dele. ♥ 

 Mariana 
 Gabriela 
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