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Quando conheci a Carol e a Joyce nos encontramos num museu em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro e ficamos um tempo por ali, conversando e fotografando. Passamos a manhã juntas e logo entendi que elas seriam pessoas das quais eu gostaria de ter como amigas de verdade, como uma das conexões que o Documentadas propõe trazer para todas nós.

 

Um tempo antes da história delas ser lançada aqui no site, estive no aniversário da Carol e ouvi uma fala, vindo de uma amiga próxima, sobre elas, que ecoou durante alguns dias: “São pessoas que adicionam na sua vida. Sabe? Pessoas que acrescentam. Não estão ali por estar. Elas sempre somam em algo. Sempre te trazem algo, não passam despercebidas”. 

 

Ouvir essa fala sem-querer (até porque foi realmente sem querer, já que a pessoa não falou para mim, eu ouvi de puro enxerimento) foi como ouvir um conselho - e levei a sério: desde então Joyce e Carol já frequentaram minha casa, compartilhamos rotinas, chamamos para almoços de família e planejamos incansavelmente andar de skate aos sábados de manhã.

 

Começo esse texto dessa forma não por ego e vontade de mostrar um começo de amizade, mas por acreditar que isso descreve muito sobre quem as duas são. Quando conversamos, aquele dia lá em Niterói, Joyce falou sobre o quanto, para ela, amor significa compartilhar. Também ceder, doar, mas principalmente pensar nesse coletivo. O amor delas é sempre coletivo, elas abraçam sonhos. Tudo o que uma sente, a outra sente, então nunca é “meu”, vira “nosso”. Elas falam no coletivo - e, quando eu falo com elas, também falo no coletivo. É um “tudo bem com vocês?” mesmo que eu esteja falando com uma pessoa só no Whatsapp. Essa partilha fala sobre a forma que elas querem sentir as trocas e as vivências e na nossa conversa a Carol explica também o quanto ela aprende sobre olhar mais o outro, ouvir mais o outro lidando com todas as pessoas, mesmo fora do relacionamento. 

 

Elas destacam o quanto esse “doar” e ser “coletivo” não é apenas sobre coisas materiais, sobre dinheiro e sobre posse. Mas doar tempo, doar afeto, estar presente. Contribuir de alguma forma para deixar as coisas um pouquinho melhores. E ver a diferença que isso faz, entender o quanto isso acaba refletindo na vida de quem é atingido pelas atitudes e por quem toma a iniciativa… o quanto elas se ajudam profissionalmente, o quanto as amizades delas são agregadas por pessoas com propósito e o quanto a relação delas é construída por puro afeto.















 

A Joyce tem 35 anos e é carioca, natural de Duque de Caxias, na baixada do Rio. Ela é topógrafa, mas trabalha com muitas coisas - pedreira, marceneira, costureira, restauradora, faz-tudo, decoração… mexer com coisas em casa é com ela mesmo!

 

Já a Carol tem 37 anos e é vendedora em uma operadora de celulares. Ela sempre morou no mesmo bairro (e na mesma casa!) em Niterói, por mais que a gente brinca muito por antigamente ela ter tido uma alma burguesa e vivido na utopia de quem morava no Leblon. 

 

Essa brincadeira existe porque elas se conheceram há 12 anos atrás numa festa em Madureira, lugar que a Carol jamaaaais frequentaria (justamente por só frequentar festas na Zona Sul, consideradas para um público burguês) e estava lá por um acaso, quando desceu para ir ao banheiro. Foi nesse caminho que viu uma menina atrás da Joyce e achou ser uma conhecida, foi em direção dela e a Joyce a “puxou”, lançou um papinho e elas ficaram logo de cara!

 

A Carol brinca que o baque foi grande, a perna ficou bamba e ela nunca tinha sentido isso na vida! Então chegaram à conclusão de que precisavam do contato uma da outra, né? Mas para a juventude de plantão, a gente explica: lá no ano de 2009, não era tão normal sair com o celular, ou seja, nenhuma das duas tinha como anotar telefone ou MSN. Foi aí que elas chamaram uma amiga que também estava sem telefone, mas que garantiu que decoraria o número… e não é que decorou?! Na segunda-feira elas se ligaram (assim, por linha móvel) e começaram a conversar. Ou melhor, ficou uma coisa meio estranha, né? Segundo a Carol, existem fases: teve a fase do monólogo, a fase de ficar horas, a fase de não saber o que falar… foram momentos super diferentes, mas o ponto é: elas não queriam namorar, apenas estavam curtindo aquilo. A Carol saia para outros lugares e depois ia pra casa da Joyce em Caxias, a Joyce também saia… ficaram um tempo assim até que Joyce começou a namorar outra pessoa, ligou um dia e pediu que a Carol não ligasse mais para ela e nem aparecesse mais na casa dela. Assim. Foi forte, mesmo, viu?!




















 

E aí a Carol logo pensou “Como assim, namorando??” e a ficha dela caiu por completo: “mas quem quer namorar você sou eu!”. Ela foi atrás e investiu: deixou claro o sentimento e pediu a Joyce em namoro. A Joyce aceitou e elas começaram essa aventura que vem durando 12 anos. 

 

Nesse tempo todo elas já moraram em Caxias, já foram para o interior do Pará por conta do trabalho da Joyce e ficaram lá por 1 ano (mas, pela adaptação difícil, voltaram ao Rio) e hoje em dia estão morando juntas em Niterói, com seus dois gatos e um lar muito aconchegante. A Carol comenta que acredita agora estar vivendo a melhor fase de todas no relacionamento delas, ou pelo menos, a mais saudável.

 

Elas adoram andar de skate, de bike, acampar, fazer trilha, cross, rapel e pegaram muito gosto pela corrida. A Joyce passou por uma cirurgia para redução de peso e a Carol a acompanhou nesse processo passando também pelas dietas alimentares. Elas falam sobre como é um corpo gordo estar no esporte, como se sentem felizes fazendo trilha, andando de skate, fazendo rapel. E como se sentiam inseguras quando vestiam os equipamentos e recebiam olhares. Hoje em dia, tentam reafirmar cada vez mais o esporte como uma necessidade e um hábito para o corpo ser saudável e motivo de felicidade semanal para as duas. 

 

A Carol brinca sobre o espírito aventureiro da Joyce tornar a frase mais utilizada ultimamente ser “Joyce, cuidado!”, mas mesmo ficando preocupada, sabe que ela faz porque ama. E reforça o quanto a corrida têm salvo ela do estresse, principalmente em meio a pandemia. 

























 

Por mais que elas já viveram diversas fases no relacionamento, sendo baladeiras, viajadas, morando em outros lugares e se permitindo outras coisas, viver algo mais voltado à saúde agora também está sendo prioridade porque elas começaram a perceber algumas coisas ao redor estarem um pouco diferentes.

 

Isso aconteceu por pensarem sobre o envelhecimento. Elas querem se ver com saúde ao envelhecer e querem estar dispostas para fazerem as coisas sozinhas. Entendem que serão só as duas, que não podem contar com muitas pessoas, então o corpo é um aliado fundamental e precisa estar bem. 

 

No fim da nossa conversa a Carol falou sobre a união delas e sobre o amor - o amor em si ela enxerga como Deus, porque Deus está em tudo o que ela faz e quando ela coloca Deus nas coisas, essas coisas dão certo - e a união delas é como a luz da vida dela. A Joyce é uma pessoa que sempre traz ela de volta para onde ela deve estar (e o relacionamento traz muita vida à ela). Quando pergunto sobre onde é esse lugar que ela deve estar ela explica que é: “No pensar nos outros, na natureza, nos meus propósitos e justamente em me envolver com os meus propósitos. Me envolver no que estamos querendo deixar para as próximas pessoas, as próximas gerações, porque nada é em vão também. É reinício, reconstrução, fortalecimento.”

Por mais que a Yasmin e a Ignez se conhecessem desde 2019, elas foram ter o primeiro encontro e sair de verdade só em 2020, mais especificamente, um fim de semana antes da pandemia ser oficializada no Brasil - e em Fortaleza, cidade onde elas moram. 

 

Elas contam que estavam juntas quando saíram as primeiras notícias na TV sobre o primeiro caso de COVID-19 no Ceará e que no dia seguinte viraram 3 casos e que no dia seguinte dos 3 casos foi anunciada a “quarentena”. E aí? Como que duas pessoas que moram com os pais começam a construir um relacionamento (e a se conhecer) num contexto inicial de pandemia?

 

Hoje, mais de um ano depois juntas, elas contam quanta coisa foi possível fazer mesmo estando dentro de casa: descobriram hobbies, cozinham juntas, jogam videogame, estudam muito, escutam música, se reinventam. A família da Yasmin desde o começo soube da Ignez e sempre foi uma convivência tranquila… enquanto a Ignez, nesse meio-tempo, se abriu e resolveu contar para os pais que estava namorando - isto, inclusive, é um processo recente, mas que está dando certo! Ela conta que há um ou dois anos atrás jamais se imaginaria dizendo que a família sabia e apoiava o namoro dela com outra mulher… e que hoje isso acontece naturalmente. Reforça: “Não que seja fácil, mas de estar acontecendo me deixa mais tranquila. Eu contei num segundo de coragem, sabe?”. 



 

Yasmin tem 24 anos e estuda Arquitetura na Universidade de Fortaleza. Ela e o seu irmão sonham em montar uma empresa de engenharia e, além do trabalho, adora cantar, tocar violão, pintar aquarela...  É uma pessoa que adora ser criativa, montar coisas e deixar o corpo se expressar.

 

Ignez tem 25 anos, é formada em Direito e quando nos encontramos estava com foco total estudando para a OAB. Ela adora ouvir música, conhecer lugares novos e viajar. Inclusive, mesmo na pandemia, elas têm conseguido viajar de carro até o interior para ficar na casa de parentes e isso acaba garantindo uma experiência muito legal para as duas, é algo que adoram fazer. 

 

Mesmo com as dificuldades que, não só a pandemia, mas a vida em si nos coloca, tanto a Ignez quanto a Yasmin se mostraram ser pessoas que conversam muito e que se ouvem muito também. Nos momentos mais complicados, elas tendem a ficar juntas e resolver as coisas juntas. A Ignez diz “Às vezes só de estarmos quietinhas, no mesmo ambiente, já ajuda”. Ou seja, não precisa ser uma questão de resolver tudo o tempo todo, mas de gerar apoio e acolhimento. 

 

Elas acreditam que o diálogo consegue resolver qualquer coisa e possuem um acordo de que não vão dormir brigadas, então caso aconteça algum desentendimento, tentam resolver de alguma forma ou ao menos respeitam o espaço, mas não ficam desentendidas uma com a outra. 



 

Mesmo que as duas tivessem vários amigos em comum, elas nunca tinham se esbarrado por aí. Mas a Ignez já tinha visto a Yasmin pelas redes sociais. E então, lá em setembro de 2019, rolou uma festa chamada “Tertúlia” em Fortaleza e a Yasmin apareceu por lá. Quando ela chegou e a Ignez viu, ficou até um pouco nervosa. Elas deram um oi, mas a Ignez percebeu a Yasmin saindo com outra menina da festa e desistiu. 

 

Uns dias depois, resolveu segui-la no Instagram e a Yasmin seguiu de volta. Meses se passaram, ela até tentou interagir pelas redes, mas não rolou. Quando o ano virou e chegou 2020, era fevereiro e elas estavam na festa de uma amiga em comum, então a Ignez viu a Yasmin chegando e até comentou com uma amiga: “Nossa, sabe aquela menina lá da festa Tertúlia? Ela tá aqui!”.

 

Nessa festa, elas conversaram a noite toda, ficaram na borda da piscina tomando drink, dançaram forró juntinhas e se divertiram muito. E aí a Yasmin chegou nessa amiga em comum e disse que achava que ia rolar algo com a Ignez… até a amiga soltar a fatídica frase: “Não, amiga!!! Ela namora! Ela só é assim mesmo. Ela é simpática!”.

 

O mundo da Yasmin caiu naquele momento. Ela ficou sem entender nada. Como assim?? Namora?? Um amigo dela já sabia da história do “relacionamento” da Ignez - que não era um namoro super longo e oficial, era um rolo que ela tinha com uma menina - e disse para a Yasmin “Vocês vão ficar hoje.”, mas ela estava decidida que não, por conta do namoro e tentou evitar isso a noite toda. O amigo ainda completou: “Ela “namora”, mas já-já esse relacionamento aí acaba”.


Ele acabou estando certo. Na hora de ir embora elas conseguiram uma carona para irem juntas e ficaram bastante próximas, foram até um local onde pediram o uber para a casa e lá aconteceu um beijo. Elas conversaram no dia seguinte sobre o que tinha acontecido, entenderam que tinha sido errado e que não era certo continuar e uns dias depois a Ignez realmente terminou o relacionamento. 

 

No carnaval, em seguida, elas se encontraram, mas pouco se falaram. Trocaram algumas mensagens pelo Whatsapp um tempo depois e a Yasmin soltou uns flertes, só para cutucar, mas depois falava “Ei, você não pode flertar de volta, porque você namora!”. Pois foi aí que a Ignez contou que não namorava mais e que poderia, sim, corresponder ao flerte. Foi nessa semana que elas decidiram sair juntas, que tiveram o primeiro encontro oficial e que em seguida a pandemia começou. 

 

No dia das namoradas, em junho, a Yasmin pediu a Ignez em namoro (mas foi praticamente uma corrida! Porque a Ignez também estava preparada para fazer o pedido). ♥

 

Para elas, o amor é uma construção. Seja ele entre um casal, entre a família ou amigos. É sempre construir e lutar para que seja bom, leve (que precisa ser leve) e que amar é você olhar para alguém e sentir que o que foi construído é genuíno, que veio de dentro da alma. Amar é, também, uma conexão de muita intensidade, principalmente entre duas mulheres - são corpos que desenvolvem uma força inexplicável, é revolução, uma luta constante contra quem quer que seja, contra tantas violências, e a favor do amor, com resistência.

 

Quando pergunto como elas se sentem morando em Fortaleza e como enxergam a cidade, Yasmin comenta que gosta muito de lá e que sente muita falta de sair e curtir a cidade em si, mas que se tivesse o poder de mudar algo socialmente e culturalmente falando, seria que as pessoas respeitassem mais a história da cidade e trocassem mais o respeito entre si como um todo. Ela entende que se nos fosse ensinado a conhecer e respeitar a história da cidade e a história das pessoas que estiveram lá antes de nós estarmos, viríamos tudo com outro olhar e cuidaríamos mais dos espaços. A Ignez concorda com a educação sobre o nosso povo e completa que, nos dias de hoje, ela sente muita falta da segurança. Sente que o policiamento está sempre presente nos bairros nobres, mas que nas periferias e nos locais menos frequentados pela elite (como espaços centrais ou mais boêmios da juventude), é muito comum não se sentir segura. Gostaria que esses espaços e que a segurança em si fosse repensada - para que chegasse em todos. 

 Joyce 
 Carol 
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