top of page

Em um momento prévio da nossa conversa a Alyce contou sobre um domingo em que ela e a Manu saíram de manhã para comprar chocolate e passaram por uma manifestação bolsonarista na praia. Ela ressalta que em nenhum momento elas pegaram na mão, nem se tocaram, mal falaram. E quando está falando sobre amar uma mulher, relembra dessa manifestação, sobre não tocar na Manu e diz uma frase que ecoou na minha cabeça por um bom tempo: “estar com uma mulher, infelizmente, é estar em um lugar que a qualquer momento pode ser tirado de você”. 

 

Ainda quando falávamos sobre este episódio da manifestação, falamos também sobre hoje em dia estarmos muito ocupadas tentando nos manter vivas, e que isso é o nosso foco e tem que ser o nosso foco, por mais que soe exagerado. Quando pergunto a elas o que elas mais gostariam de mudar no cenário atual sobre a sociedade em que estamos, elas respondem que dentre esse governo, ainda se sentem invisíveis. Exigem respeito, e para termos respeito precisaríamos investir em políticas de educação, em seguranças para acabar com as milícias (que, na realidade de São Gonçalo, por exemplo, toma cada vez mais espaço) (porém, não só, visto que cresce desenfreadamente por todo o Brasil). Comentam também sobre não se sentirem seguras, sobre sentirem falta de coletivos de mulheres lésbicas que possam acolher, gerar segurança, comunicação, para além dos meios acadêmicos, para as mulheres que ainda estão nas periferias. E que gostariam também de ver mais cultura sendo explorada em São Gonçalo porque só a cultura é capaz de unir e dar conta de salvar as pessoas de muitas coisas que nem conseguimos dimensionar que possam estar acontecendo. 

A história da Manuela e da Alyce te ajudou de alguma forma? Gostaria de mandar uma mensagem para elas? Vem cá que conectamos vocês ♥

 

 

Tem alguma proposta de trabalho para elas? Opa! Pode mandar por aqui! 

Quando falamos sobre o amor entre mulheres, a Manu diz sentir o amor enquanto algo desafiador e importante, mas que mais que isso, o amor entre mulheres, é um gesto político e revolucionário. Ela já se viu em muitos momentos refletindo sobre a quantidade de coisas que precisou enfrentar (e que as amigas ou que outras mulheres que já conheceu/que já se relacionou também precisaram enfrentar) para que pudessem viver o amor de forma livre e para que também pudessem aceitar esse amor em seus próprios corpos de forma livre. Estar vivendo um amor de verdade de forma tão saudável, hoje em dia, é algo muito grandioso.

 

Já a Alyce, se refere ao amor enquanto acolhimento. Ela diz que amar é ter um lugar para voltar. É sobre revisitar também, porque você se revisita, revisita o outro, revisita momentos. E amar outra mulher é muito intenso porque essa pessoa sabe penetrar muito fundo no que você é, sabe entender e compreender. “Além de que, às vezes, você fala algo para a pessoa que você se relaciona e em pouco tempo depois ela consegue descrever tão perfeitamente coisas que são tão íntimas, porque ela compreende, se coloca no seu lugar, tem empatia”.

Na época em que elas se conheceram, a avó da Manu, que mora no interior, estava pelo Rio, por conta da Manu estar passando por alguns momentos mais delicados devido ao psicológico não estar totalmente saudável e feliz. Então elas acabaram tendo um contato com a avó que criou a Manu e esse laço familiar foi naturalmente nascendo no relacionamento.

 

Como em março de 2020 foi declarado o início da pandemia, elas só tiveram 4 meses de namoro em espaços de convívio social antes da quarentena. Conseguiram aproveitar vendo os amigos, indo para bares, shows, espaços de lazer, porém contam que ainda era um momento bastante inicial. Foi muito desafiador realmente conhecer alguém nesse contexto pandêmico e adaptar convivências com as famílias. A relação virou uma relação do agora, do presente, porque tudo foi acontecendo e elas foram se colocando dia após dia, “ninguém sabia como iria ser, só fomos vendo e vivendo”. 

 

Elas contam dos aniversários que passaram juntas e das formas que usaram a criatividade para se inventar, mas também falam sobre a maior dificuldade ser já estar aqui, mais de um ano após tudo ter começado, e ainda não enxergar um fim em saber quando que realmente poderão fazer algo fora de casa, planejar algo realmente na rua. Tentam se apoiar na ideia de agora estarem voltando a trabalhar fora aos poucos e de não estarem mais tão trancadas no apartamento, até pela importância da rotina ter mudado pelo fato de estarem vendo outras pessoas no trabalho/no transporte/na rua e o quanto isso melhora o nosso estado de espírito, e também comentam que o que faz com que elas segurem as barras e as dificuldades que sentem é poder conversarem sobre isso, terem uma comunicação aberta para falarem sobre suas inseguranças e sobre o que sentem perante a própria pandemia e os desafios que nos são colocados diariamente.

A história da Manu e da Alyce aconteceu de uma forma aleatória, por conta de uma amiga que elas tinham em comum e que estava na casa da Manu, junto com outras pessoas em uma noite. Todo mundo comendo, bebendo, até que tocou uma música da Ana Carolina e essa amiga falou “gente, tenho uma amiga que é muito parecida, assim, de jeito, com a Ana Carolina…”, e a Manu respondeu “e por que você ainda não me apresentou???”, então a amiga mostrou o Instagram dessa amiga teoricamente parecida com a Ana Carolina, que era, a Alyce, cujo a Manu nem achou tão parecida, mas se interessou da mesma forma, então seguiu. A Alyce não seguiu ela de volta e na época a Manu tentava acompanhar o que ela postava nos stories para tentar puxar algum assunto, mas ela só postava sobre o trabalho, até que um dia postou uma selfie e o flerte estava lançado! Agora, pergunto, vocês acham que ela respondeu? Claro que não. Ou melhor, até respondeu, mas não correspondeu ao flerte. Elas conversaram, a Manu chamou ela para sair e ela topou, mas disse que sairia sem segundas intenções, porque não estava interessada. Combinaram assim, mas a Manu conta que na cabeça dela estava tudo planejado, quando chegasse o momento a intenção iria acontecer, era quase que uma questão de honra… “vai rolar, em algum momento, vai rolar”.

 

A conversa seguiu por mais uns dias e a Manu chamou a Alyce para ir na casa dela beber, mas a Alyce achou meio absurdo, ficou pensando como ela iria lidar com os pais da menina logo no primeiro dia, não pensou na possibilidade dela morar sozinha, disse que preferiria ir em algum local público e o encontro não aconteceu. Mais um tempo passou e finalmente, depois de uma viagem da Manu e com a Alyce já entendendo que ela não teria que lidar com familiares, ela topou encontrar a Manu na volta da viagem e foi almoçar no apartamento assim que ela desembarcou. Elas brincam que foi o primeiro encontro mais aleatório possível. A Manu chegou de viagem do nordeste. A Alyce chegou com um engradado de cerveja e chocolates. Elas se encontraram ao meio dia, ela foi embora às onze horas da noite. E nesse meio tempo, o que aconteceu? elas beberam, em algum momento se sentiram com sono e, sim, dormiram. Abraçadas. Ou seja. Conhecer algum familiar no primeiro encontro? Jamais! Local público! Dormir abraçada no meio do dia com alguém que até então “não tínhamos interesse”? Aceitamos! Hahahaha. Tudo bem, Alyce. A gente te entende. ♥

 

Foi esse dormir abraçadas que conquistou tudo, depois desse dia, em outubro de 2019, não tinha mais volta, ficaram juntas. 

A Alyce e a Manuela são duas pessoas muito calmas e encantadoras. Visitei o apartamento da Manu em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, local em que passaram a morar juntas, mas a Alyce é natural de São Gonçalo, cidade vizinha. Foi um fim de tarde muito acolhedor, elas se apresentaram, eu falei sobre o projeto, caminhamos juntas na praia e conheci o lar. 

 

A Alyce tem 22 anos, é técnica em química, trabalha na FioCruz fazendo o controle de qualidade das vacinas da Covid-19. Seu trabalho envolve o laboratório biofármaco - e além das vacinas da covid, também fazem controle de outras vacinas como a da poliomielite, sarampo, febre amarela, etc. Além disso, como hobbie, em casa, ela ama cozinhar, é algo que realmente a distrai. Gosta de testar novas receitas e explorar novas coisas. Antes da pandemia trabalhava com pesquisas em meio ambiente e comenta sobre a responsabilidade e a importância que é trabalhar com uma causa tão nobre em tempos tão difíceis como os que vivemos atualmente.

 

A Manu tem 23 anos, faz faculdade de estudos de mídias e atualmente está estagiando enquanto jornalista em uma escola. Lá ela faz cobertura de eventos, já trabalhou também em agências de publicidade e, pasmem, já publicou um livro. Alô, literatura LGBT, ela manda MUITO bem. O livro se chama ‘Diário de Guernica e Cartas de Amor’ e é só clicar aqui para comprar ♥  (apoia o trabalho dela!).  

 

Tanto a Manu, quanto a Alyce, desde o começo da conversa, ainda na praia, falaram coisas muito interessantes sobre a pandemia e sobre o tempo em que estão juntas, por passarem muito em casa e por estarem sempre se reinventando e se ajudando. Passar tanto tempo juntas em um apartamento fez com que elas se redescobrissem de muitas formas, mas fez com que, mais que tudo, elas sempre estivessem tentando se puxar para cima, se fortalecer e servir de apoio, de abraço, uma para a outra. 

 Manuela 
 Alyce 
bottom of page