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A Rey hoje em dia trabalha enquanto arquiteta em um escritório em São Paulo, ela sonha em se mudar para a Bahia e conta o quanto ama morar no Brasil. Ela aprendeu a se aceitar morando no Brasil e aprendeu também a gostar de todo o tipo de diversidade. Fala sobre a sua vivência na Venezuela e sobre lá ser tudo muito escondido, sobre jamais poder demonstrar qualquer tipo de afeto com outra mulher na rua e não ter um espaço do qual ela possa se sentir à vontade. Aqui ela encontrou esse espaço. Mas, agora que ela já mora aqui, também entende que ainda assim existe o medo, os olhares, a violência, o aumento de um certo conservadorismo nos últimos tempos… mas que não é hora de abaixar a cabeça porque temos que seguir caminhando para vencer totalmente esse medo.    

 

Elas acreditam que o amor que cultivam significa e sempre significou: compartilhar. Porque começou por estarem compartilhando os detalhes do dia a dia. E que mesmo não sendo fisicamente presente, ele existe de forma intensa e sempre foi vivo, porque elas sempre se preocuparam, sempre tiveram empatia em pensar não só no que sentem, mas na forma em como faziam uma a outra se sentir. A relação também serviu como um processo de cura, aconteceu de forma natural. E por mais que já receberam olhares na rua, já passaram por certas violências sendo mulheres, entendem que o amor entre elas gera força e sintonia, é político e também é sobre se recusarem a se envolver com homens, é sobre reverter uma situação de uma sociedade que coloca os homens no centro de tudo. 

 

Por fim, a Mari é urbanista e faz parte de alguns projetos super legais, como mobilizadora da Rede de Ativismo Nossas Cidades (clica aqui!), e também integra a organização TODXS Brasil como articuladora política LGBTQIA+, e é colaboradora do projeto Nossa Fala, onde desenvolve conteúdos sobre território, gênero e interseccionalidades. Ela fala sobre a importância de, para mudarmos realmente a cidade, precisarmos colocar mulheres que fazem cidades para mulheres - desde arquitetas, urbanistas, pensadoras de mobilidade, cultura, política, educação, enfim, de tudo. Aí, sim, viveremos em um lugar seguro para nós mesmas. 

Quando a Mari voltou da Espanha, em junho de 2019, logo no mês seguinte elas conseguiram se encontrar, foi quando a Reylibis veio ao Brasil, passar alguns meses. Foi tudo muito bom, elas moraram juntas por um tempo e decidiram que ela voltaria para a Venezuela para terminar algumas matérias da faculdade e organizar o trabalho de conclusão de curso entre o fim de 2019 e o meio de 2020 e assim que estivesse formada se mudaria de vez para o Brasil. Foram algumas idas e vindas, até que ela embarcou no dia 6 de março para apresentar o trabalho lá e voltar em maio e no dia 14 aconteceu o que jamais esqueceremos… foi declarado o início da pandemia.

 

O que era maio, virou novembro. Mais uma vez elas se viram em países diferentes. E dessa vez foi muito pior, porque a Mari estava sozinha no apartamento e a Rey acabou apresentando o trabalho online, ou seja, ela poderia ter continuado no Brasil. Foram todos esses meses tentando comprar passagens, mas ninguém poderia sair da Venezuela, as fronteiras estavam fechadas por conta da situação política e não haveriam voos para o Brasil por conta dos nossos governos não se reconhecerem (Bolsonaro não reconhece o governo Maduro, e vice-versa). Mesmo que elas pedissem auxílio em espaços de imigrantes refugiados e embaixadas, não conseguiram ajuda, e no fim só foi possível por terem viajado para outros países até conseguirem chegar ao Brasil. 

 

Enquanto elas relembram cada detalhe sobre como foi muito difícil passar por isso no meio da pandemia, lembram que no começo jamais teriam cogitado um relacionamento à distância. Nem sabem me explicar como ocorreu, ambas nunca teriam topado ou acreditado se contassem à elas que iriam viver isso, simplesmente aconteceu. E é também por isso que dão tanto valor a todos os momentos que estão juntas. Desde os momentos em casa, até qualquer ida ao mercado, viagens, almoços, momentos em família… não querem mais passar momentos distantes, estão sempre juntas. 

A Mari conta, inclusive, que por mais que elas agissem de forma sensata antes da despedida do tipo “não podemos ter nada.”, elas já estavam se sentindo diferentes, e que a Reylibis, enquanto ela fazia as malas, estava deitada na cama e disse que por mais estranho que isso pudesse soar, de alguma forma, ela sentia que estava amando a Mari. No momento a Mari ficou quietinha, não disse nada de volta, mas se sentia balanceada também. Ela nunca tinha se sentido assim por uma mulher, então isso também era bastante novo, também era uma posição bem diferente. 

Quando ela chegou na Espanha foi compartilhando tudo com a Rey, desde mandar fotos, fazer ligações… virou uma companhia à distância. Elas almoçavam e jantavam juntas, contavam sobre seus dias e sobre as novidades de tudo o que estavam aprendendo. Por mais que ainda não possuíssem um compromisso de relacionamento, elas até tentaram se encontrar na europa, mas não foi possível por conta de todas as dificuldades políticas que a Rey enfrentava toda vez que tentava sair da Venezuela. 

 

É muito importante lembrarmos que a Venezuela passa por uma situação de ditadura militar e crise econômica muito forte, dos quais os militares acabam barrando e fazendo dura fiscalização sobre quem circula dentro do país, de quem entra e sai do país, pelas mulheres, LGBTs, jovens, pelas pessoas não terem condições de guardar dinheiro e por tudo ser muito escasso. A Rey comenta que o plano dela sempre foi sair de lá o mais rápido possível - e que inclusive sempre foi muito apoiada pela família - porque essa é a principal saída para todos os jovens. Infelizmente, no momento não há oportunidades para quem fica lá. Com o passar do tempo e com a relação delas se estruturando, elas foram entendendo que queriam ficar juntas, e isso abriu maiores possibilidades para a Rey pensar sobre fazer o trabalho de conclusão da faculdade no Brasil (em alguns quilombos na Bahia) e encontrar novamente a Mari. 

Abram alas para a nossa primeira documentação internacional ♥♥♥♥

 

A Reylibis é venezuelana, natural de Carúpano, mas morava em Caracas antes de (finalmente!) se mudar ao Brasil. Digo finalmente porque vocês vão entender o quanto as duas (ela e a Mari) passaram por muitas batalhas juntas para fazer essa mudança acontecer. Ela tem 25 anos e conheceu o Brasil através de um intercâmbio da faculdade de arquitetura, que durou 14 meses, durante os anos de 2017 e 2018, na cidade de São Paulo. Lá fez muitos amigos, frequentou a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (a FAU, local que fizemos as fotos), da USP e, no último mês antes de retornar ao seu país, conheceu a Mari. 

 

A Mari também tem 25 anos, é paulista, urbanista e conheceu a Rey por conta de todos os amigos que tinham em comum na faculdade. Elas passaram meses frequentando os mesmos espaços, saindo com as mesmas pessoas, mas nunca conversavam de fato. Foi durante uma janta, um mês antes da Rey voltar para a Venezuela e a Mari dar início ao seu intercâmbio para a Espanha, que elas se conheceram de fato, em uma janta com os amigos. 

 

Elas brincam que “a janta começou com uma conversa e quando vimos já estávamos uma no colo da outra, fazendo cafuné na cabeça e rindo de bobagem”... naquela noite ficaram e no mês todo que se passou também. Quando a despedida aconteceu e elas seguiram para países distantes não pensavam em assumir algum tipo de relacionamento e nem achavam que o contato seguiria sendo mantido, até porque sabiam que não tinham data para se encontrar novamente, mas o tempo foi passando e as coisas aconteceram ao contrário: elas se falaram cada vez mais. 

 Reylibis 
 Mariana 
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