top of page

Lara estava com 25 anos no momento da documentação. É natural de Ilhéus, morou lá a vida toda e atualmente trabalha enquanto psicóloga infantil atuando com crianças neurodivergentes.  É uma área que ama trabalhar: lidando com crianças portadoras de autismo, acompanha principalmente as que estão na transição para a adolescência. Adora estudar e acolher todas as questões, analisar os comportamentos e estar nos ambientes escolares, no dia-a-dia da criança em si, sair do espaço da clínica num momento de consulta. Além do trabalho, também adora estar em Salvador visitando os amigos (inclusive foi lá que fizemos a documentação acontecer) e também gosta de ir até Itacaré fazer alguns passeios.


 

Ingra estava com 24 anos no momento da documentação. Também é natural de Ilhéus e conta que cresceu com muitas referências femininas - dentro e fora de casa. Morou em São Paulo durante dois anos depois de terminar o ensino médio, enquanto ainda escolhia o que cursaria na faculdade. Quando voltou para Ilhéus, resolveu cursar psicologia. É apaixonada pelas múltiplas formas artísticas e sabe que isso influencia diretamente sua forma de ser: a arte ajuda ela a viver seus melhores momentos. Além disso, sempre soube que gostava de mulheres, mas de alguma forma não insistia nisso porque pensava que iria passar com o tempo. Ingra lembra de uma situação, quando ainda era criança, que sentia algo diferente por mulheres e escreveu num papelzinho, confessando na igreja “que por mais que sentisse que isso fosse errado por pressão social, não deveria pedir desculpas para Deus por isso, porque não era de fato maldoso”. Escondeu o papel atrás de uma santa e anos depois achou o papel novamente. Adora acessar essas partes suas que estão no passado e que complementam quem ela é hoje, de alguma forma acolhe a criança que era e a adulta que se está se tornando.

 

Ingra procura voltar seus estudos em psicologia para gênero e sexualidade, mas também trabalha enquanto assistente terapêutica. Sua irmã mais nova possui uma síndrome rara, chamada de síndrome de rett, precisando 100% de suporte, então isso influencia na sua vontade de fazer diversos cursos e especializações - e também foi o que aproximou a relação dela com Lara.

Ingra e Lara se conhecem desde a adolescência, pois estudavam no mesmo colégio, mas eram de turmas diferentes. Não eram próximas, no máximo se cumprimentavam. Lara lembra do processo de Ingra ir para São Paulo porque havia amizades em comum que comentavam. Depois de formada na faculdade, Lara já atendia crianças com deficiência (e já se entendia enquanto uma mulher lésbica também), enquanto a mãe de Ingra procurava uma nova acompanhante para sua irmã (que possui síndrome de rett).

 

Lara conta o quanto a irmã de Ingra é famosa em Ilhéus por conta da síndrome rara que possui e diversos profissionais têm interesse em estudar o caso dela. Quando soube que Ingra estava de volta na cidade, em 2023, nem imaginava que ela se relacionava com mulheres - até lembra do seu estilo meio surfista mais jovem, dos amigos que tinha, não “dava muitos sinais” -  mas uma amiga em comum comentou e surgiu um interesse. Logo em seguida, soube que Ingra havia ingressado na faculdade de psicologia e a amiga comentou “o quanto elas eram parecidas e tinham coisas em comum”. 

 

Quando Ingra chegou em Ilhéus, se sentia muito insegura sobre a sexualidade. Como se relacionar com outras mulheres na cidade em que nasceu? Conversou com sua mãe sobre, ela foi uma forte aliada, mas ainda existia muito medo das reações das pessoas na rua, principalmente por ela ser vista o tempo todo como uma mulher muito feminina. A amiga em comum que havia com Lara também foi muito importante nesse processo para desmistificar a ideia de que mulheres que se vestem e performam feminilidade não podem amar outras mulheres e viver de forma livre esse amor. Foi a amiga quem falou sobre Lara para Ingra, e assim elas interagiram no Instagram pela primeira vez - mesmo Ingra tendo certeza que provavelmente não iria dar em nada.

 

Foi num restaurante o primeiro encontro de Lara e Ingra, depois de conversarem alguns dias online. Antes de sair, Ingra estava tão nervosa se arrumando que a mãe logo notou e perguntou se ela iria encontrar alguma mulher. Ela havia comprado até uma roupa especial, que conseguiu garimpando em algumas lojinhas do centro. Chegou ansiosa, atrasada e mais arrumada do que Lara esperava - o que, de toda forma, não era ruim. Lara, que não é de ficar nervosa, ficou. 

 

Conversaram e foram desenrolando a ansiedade, o que foi muito legal porque sentiram tudo mais leve. Mesmo Ingra sendo tímida e não gostando de se abrir sobre a vida logo de cara, adorou que Lara fez tudo fluir, as conversas seguiram bem. Acabaram se beijando no primeiro encontro, algo que até então não era comum para Ingra, mas ela se mostrou confortável e até saiu de mãos dadas do local. Foi algo marcante porque nos dias seguintes demonstraram o quanto gostaram e queriam continuar se encontrando. Lara apresentou seu primo para Ingra, passaram o ano novo juntas de um jeito simples e calmo, no mês seguinte oficializaram o início do namoro e por mais que fosse um início rápido, sentem que a dinâmica foi tradicional e no tempo que se sentiram bem.

 

Ingra fala sobre o amor que a sua família criou por Lara e como isso foi fundamental para quebrar muitos medos que tinha enquanto uma mulher que ama outra mulher ao se pensar vivendo coisas tão básicas como apresentar a namorada para a família e/ou ter momentos em família. Quando contou para sua mãe que estava indo encontrar Lara, ela ficou feliz por saber quem Lara era, conhecer seu trabalho e admirá-la enquanto profissional, então desde sempre apoiou, mas respeitou/esperou elas começarem a namorar para serem apresentadas oficialmente.

Marcaram uma janta na casa da família de Ingra para que Lara fosse apresentada oficialmente enquanto namorada, mas dois dias antes esbarraram com a mãe dela, na pracinha do bairro, comendo acarajé, então se conheceram antes do previsto. O dia era de comemoração:a mãe dela havia acabado de se matricular na faculdade de psicologia - curso que tanto Lara, quanto Ingra, já cursaram. 

 

A janta aconteceu de qualquer forma e foi até melhor que o esperado: Lara chegou e a mãe de Ingra já apresentou a filha mais nova sabendo que Lara iria gostar de conhecer. Haviam outras crianças em casa porque ela chamou alguns vizinhos para comemorar um aniversário de bonecas que criou de última hora com os brinquedos da pequena, Ingra estava focada em cozinhar a janta, e Lara se divertiu com a criançada. Ao mesmo tempo que estava nervosa por conhecer uma família grande e muitas crianças, estava num lugar muito confortável por estar com o que mais ama - as crianças. Comenta, também, que mesmo a irmã da Ingra não verbalizando, ela tem um olhar muito marcante e ficou nítido o quanto elas se deram bem naquele primeiro momento, era o que a deixava mais feliz saber que tinha dado certo. E foi apresentada como namorada de Ingra, recebeu um sorriso de todos, sente que foi aceita desde o início.

 

Na família de Lara, elas sentem que sua mãe sabe mas ainda está no processo de aceitação, então vivem isso frequentando a casa e entendendo que o tempo age aos poucos. Desejam cada vez mais construir o relacionamento que possuem enquanto uma família - seja unindo suas famílias, se vendo enquanto uma unidade familiar sendo duas mulheres que se amam e, esperam que daqui um tempo, adotando uma nova vida sendo mães e gerando uma nova família. 

 Ingra 
 Lara 
bottom of page