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Começo a história da Dani e da Fabi contando um fato que elas me relataram sobre como enxergam o amor e a relação, logo no fim da nossa conversa: elas viveram uma situação em que foram até um bar encontrar alguns amigos, mas uma chegou antes que a outra. Até então estava super divertido… Ria, conversava, e brincava. Quando quem faltava chegou e elas finalmente ficaram juntas, o amigo comenta: “Você estava bem antes. Estava feliz. Mas agora, que ela chegou, vocês se encaixam. É como um brilho que acrescenta. Não faltava, mas agora acrescentou.” - e, assim, talvez consigam identificar muito do amor em pequenos detalhes.  

 

A Fabiana tem 41 anos, é natural de São Paulo (capital) e trabalha enquanto bartender, mas já foi da área de eventos e de produção. Ela entende o amor como uma dedicação e um ponto, também, de descanso, porque quando está do lado da Dani está tranquila. Ao longo da vida, a Fabi não teve grandes demonstrações de amor sendo explanadas e colocadas fisicamente - na família ou em outros relacionamentos - por isso a relação dela com a Dani se tornou uma referência. Elas estão sempre relembrando o quanto são importantes uma para a outra.

 

A Danielle tem 34 anos, sua família é de Santa Catarina, mas ela cresceu e vive até hoje em São Paulo (capital). Dani trabalha (e muito!) em uma agência, com mídias e publicidade. É apaixonada por cachorros, convenceu a Fabi de adotar a Nina e a Laka (quando a ideia inicial era a doce ilusão de ter uma cachorra de porte pequeno…) e acredita que o amor está, dentro das relações entre mulheres, de uma forma importante e única. Ela vê o amor no cuidado porque quando pára o mundo para cuidar de alguém, é a melhor forma de demonstrar que ama. E que, quando esse alguém é outra mulher, a doação é muito mais intensa e profunda. 



 

Quando a Dani e a Fabi começaram o relacionamento, foi aquele clássico: logo partiram para morar juntas. Mas calma, antes disso tem uma introdução. 

 

Elas se conheciam “de vista”, eram colegas de bar. Tinham amigos em comum, mas não conversavam muito. A Dani tinha saído de um relacionamento que não tinha sido legal há pouco tempo, começava a frequentar mais o bar e numa dessas idas a Fabi estava lá. Foram se encontrando, interagindo e num dia, após um evento na Casa 1, se encontraram e conversaram mais (a Casa 1, caso você não conheça, é um centro de acolhimento para LGBTs que foram expulsos de casa - e também funciona como centro cultural e clínica social em São Paulo).

 

Nos dias seguintes se encontraram novamente e beberam bastante. Nesse dia, finalmente os amigos se uniram numa mesa só e no final da noite elas foram dormir no mesmo lugar. Nessa altura do campeonato, a Fabi já sabia que a Dani beijava mulheres também e foi então que o interesse aconteceu. Após ficarem pela primeira vez, a vontade de se encontrar foi surgindo naturalmente e durante as próximas semanas voltaram ao bar algumas vezes.


 

Contam que foi muito natural o começo do relacionamento pela vontade que tinham de estarem juntas. Nessa época, a Dani ainda morava com a mãe, mas elas passavam muito tempo na casa da Fabi e foi então que decidiram pela mudança. 

 

O apartamento inicial era pequeno, mas a comunicação entre elas era o principal e sempre fluiu bem. Elas brincam que até hoje, quando acontece alguma briga, os amigos estranham, porque não é tão normal assim. O que elas precisam resolver, se resolve na hora: a comunicação é o mais direto possível para que as coisas sigam seu caminho da melhor forma. 

 

Elas entendem também que isso foi devido a um processo interno e individual. A Dani, por exemplo, tinha uma comunicação ruim antes do relacionamento porque guardava muitas coisas para si, mas entendeu que a sociedade já é muito difícil de se conviver e de se estabelecer boas relações. É difícil sermos aceitas, conquistarmos nossos espaços, termos um bom contato… Então decidiu melhorar esse processo da melhor forma que poderia: demonstrando o que sente para deixar as coisas mais claras. Hoje em dia, elas não aceitam preconceitos, discriminações, críticas árduas vindo de quem não as conhecem… Reconhecem o amor delas enquanto algo único e lindo - e reconhecem também o caminho que percorreram para chegar até aqui. 




 

Alguns anos (e mudanças) depois, as cachorras chegaram para alegrar ainda mais a casa. A Dani sempre sentiu muita falta de ter um cachorro no lar e a Fabi estava amadurecendo a ideia, então procuraram abrigos e ONGs, decidiram num sábado de manhã cedo ir até uma feira de adoção juntas escolher um cachorro >pequeno<... e, obviamente, os planos foram interrompidos. 

 

Na sexta à noite a Dani estava num bar e a prima dela ligou desesperada precisando de ajuda, quando ela chegou para prestar suporte, a cena era: uma cachorra precisando de lar temporário. Acho que o resto nem precisa explicar, né? De pequena não parecia ter nada, principalmente o coração: Nina adotou a Dani e a Fabi na primeira oportunidade. 

 

A Laka surgiu um tempo depois, quando a irmã da Dani resgatou e cuidou, postou fotos e a Dani, ao ver, chorou e sentiu que precisava adotá-la. Rimos muito porque a Fabi nem teve escolha, ela tinha se apegado só pela foto. Como diria não? 

 

Hoje em dia, elas contam o quanto as cachorras são sensitivas. Elas sabem quando as humanas estão doentes, estão sempre sendo muito parceiras, ficando ao lado e sendo atenciosas. Além disso, no dia a dia, são a diversão da casa e fazem com que tudo fique mais leve. É um cuidado refletido em muito amor. ♥ 




 

Entendemos que cada pessoa possui a sua forma de amar. Às vezes o amor não precisa ser sempre demonstrado da forma mais delicada, feminina e romântica. Elas, por exemplo, entendem que possuem a sua forma de amar. É uma forma pura, que vai se moldando com o tempo. É também uma forma muito carinhosa, que envolve admiração, preocupação, brincadeiras, diversão e tantas outras coisas cotidianas. 

 

Logo depois da eleição do atual presidente foraBolsonaro, elas sentiram medo e necessidade de reafirmar esse amor, portanto oficializaram a relação com o casamento. Entendem esse ato como um ato político, visto que a nossa união está o tempo todo ameaçada pelo atual governo. Muitos outros casais sentem e sentiram o mesmo no momento em que ele foi eleito, portanto o casamento delas foi um dos exemplos de casamentos coletivos realizados no Brasil. 

 

Hoje em dia, são mulheres que seguem enfrentando da forma que está ao alcance os desgastes dessa política que nos ataca diariamente. E enfrentam, também, com afeto. A Fabi explica, por fim, o quanto foi ensinada a ser dura, bruta, demonstrando menos fragilidade nessa vida, mas que aprendeu (e aprende todos os dias) que o afeto está em fazer com que as pessoas que ela ama se sintam bem. É uma forma que ela e a Dani encontram de acolhimento e de estarem compartilhando coisas boas ao redor de quem amam. 

Por mais que a Yasmin e a Ignez se conhecessem desde 2019, elas foram ter o primeiro encontro e sair de verdade só em 2020, mais especificamente, um fim de semana antes da pandemia ser oficializada no Brasil - e em Fortaleza, cidade onde elas moram. 

 

Elas contam que estavam juntas quando saíram as primeiras notícias na TV sobre o primeiro caso de COVID-19 no Ceará e que no dia seguinte viraram 3 casos e que no dia seguinte dos 3 casos foi anunciada a “quarentena”. E aí? Como que duas pessoas que moram com os pais começam a construir um relacionamento (e a se conhecer) num contexto inicial de pandemia?

 

Hoje, mais de um ano depois juntas, elas contam quanta coisa foi possível fazer mesmo estando dentro de casa: descobriram hobbies, cozinham juntas, jogam videogame, estudam muito, escutam música, se reinventam. A família da Yasmin desde o começo soube da Ignez e sempre foi uma convivência tranquila… enquanto a Ignez, nesse meio-tempo, se abriu e resolveu contar para os pais que estava namorando - isto, inclusive, é um processo recente, mas que está dando certo! Ela conta que há um ou dois anos atrás jamais se imaginaria dizendo que a família sabia e apoiava o namoro dela com outra mulher… e que hoje isso acontece naturalmente. Reforça: “Não que seja fácil, mas de estar acontecendo me deixa mais tranquila. Eu contei num segundo de coragem, sabe?”. 



 

Yasmin tem 24 anos e estuda Arquitetura na Universidade de Fortaleza. Ela e o seu irmão sonham em montar uma empresa de engenharia e, além do trabalho, adora cantar, tocar violão, pintar aquarela...  É uma pessoa que adora ser criativa, montar coisas e deixar o corpo se expressar.

 

Ignez tem 25 anos, é formada em Direito e quando nos encontramos estava com foco total estudando para a OAB. Ela adora ouvir música, conhecer lugares novos e viajar. Inclusive, mesmo na pandemia, elas têm conseguido viajar de carro até o interior para ficar na casa de parentes e isso acaba garantindo uma experiência muito legal para as duas, é algo que adoram fazer. 

 

Mesmo com as dificuldades que, não só a pandemia, mas a vida em si nos coloca, tanto a Ignez quanto a Yasmin se mostraram ser pessoas que conversam muito e que se ouvem muito também. Nos momentos mais complicados, elas tendem a ficar juntas e resolver as coisas juntas. A Ignez diz “Às vezes só de estarmos quietinhas, no mesmo ambiente, já ajuda”. Ou seja, não precisa ser uma questão de resolver tudo o tempo todo, mas de gerar apoio e acolhimento. 

 

Elas acreditam que o diálogo consegue resolver qualquer coisa e possuem um acordo de que não vão dormir brigadas, então caso aconteça algum desentendimento, tentam resolver de alguma forma ou ao menos respeitam o espaço, mas não ficam desentendidas uma com a outra. 



 

Mesmo que as duas tivessem vários amigos em comum, elas nunca tinham se esbarrado por aí. Mas a Ignez já tinha visto a Yasmin pelas redes sociais. E então, lá em setembro de 2019, rolou uma festa chamada “Tertúlia” em Fortaleza e a Yasmin apareceu por lá. Quando ela chegou e a Ignez viu, ficou até um pouco nervosa. Elas deram um oi, mas a Ignez percebeu a Yasmin saindo com outra menina da festa e desistiu. 

 

Uns dias depois, resolveu segui-la no Instagram e a Yasmin seguiu de volta. Meses se passaram, ela até tentou interagir pelas redes, mas não rolou. Quando o ano virou e chegou 2020, era fevereiro e elas estavam na festa de uma amiga em comum, então a Ignez viu a Yasmin chegando e até comentou com uma amiga: “Nossa, sabe aquela menina lá da festa Tertúlia? Ela tá aqui!”.

 

Nessa festa, elas conversaram a noite toda, ficaram na borda da piscina tomando drink, dançaram forró juntinhas e se divertiram muito. E aí a Yasmin chegou nessa amiga em comum e disse que achava que ia rolar algo com a Ignez… até a amiga soltar a fatídica frase: “Não, amiga!!! Ela namora! Ela só é assim mesmo. Ela é simpática!”.

 

O mundo da Yasmin caiu naquele momento. Ela ficou sem entender nada. Como assim?? Namora?? Um amigo dela já sabia da história do “relacionamento” da Ignez - que não era um namoro super longo e oficial, era um rolo que ela tinha com uma menina - e disse para a Yasmin “Vocês vão ficar hoje.”, mas ela estava decidida que não, por conta do namoro e tentou evitar isso a noite toda. O amigo ainda completou: “Ela “namora”, mas já-já esse relacionamento aí acaba”.


Ele acabou estando certo. Na hora de ir embora elas conseguiram uma carona para irem juntas e ficaram bastante próximas, foram até um local onde pediram o uber para a casa e lá aconteceu um beijo. Elas conversaram no dia seguinte sobre o que tinha acontecido, entenderam que tinha sido errado e que não era certo continuar e uns dias depois a Ignez realmente terminou o relacionamento. 

 

No carnaval, em seguida, elas se encontraram, mas pouco se falaram. Trocaram algumas mensagens pelo Whatsapp um tempo depois e a Yasmin soltou uns flertes, só para cutucar, mas depois falava “Ei, você não pode flertar de volta, porque você namora!”. Pois foi aí que a Ignez contou que não namorava mais e que poderia, sim, corresponder ao flerte. Foi nessa semana que elas decidiram sair juntas, que tiveram o primeiro encontro oficial e que em seguida a pandemia começou. 

 

No dia das namoradas, em junho, a Yasmin pediu a Ignez em namoro (mas foi praticamente uma corrida! Porque a Ignez também estava preparada para fazer o pedido). ♥

 

Para elas, o amor é uma construção. Seja ele entre um casal, entre a família ou amigos. É sempre construir e lutar para que seja bom, leve (que precisa ser leve) e que amar é você olhar para alguém e sentir que o que foi construído é genuíno, que veio de dentro da alma. Amar é, também, uma conexão de muita intensidade, principalmente entre duas mulheres - são corpos que desenvolvem uma força inexplicável, é revolução, uma luta constante contra quem quer que seja, contra tantas violências, e a favor do amor, com resistência.

 

Quando pergunto como elas se sentem morando em Fortaleza e como enxergam a cidade, Yasmin comenta que gosta muito de lá e que sente muita falta de sair e curtir a cidade em si, mas que se tivesse o poder de mudar algo socialmente e culturalmente falando, seria que as pessoas respeitassem mais a história da cidade e trocassem mais o respeito entre si como um todo. Ela entende que se nos fosse ensinado a conhecer e respeitar a história da cidade e a história das pessoas que estiveram lá antes de nós estarmos, viríamos tudo com outro olhar e cuidaríamos mais dos espaços. A Ignez concorda com a educação sobre o nosso povo e completa que, nos dias de hoje, ela sente muita falta da segurança. Sente que o policiamento está sempre presente nos bairros nobres, mas que nas periferias e nos locais menos frequentados pela elite (como espaços centrais ou mais boêmios da juventude), é muito comum não se sentir segura. Gostaria que esses espaços e que a segurança em si fosse repensada - para que chegasse em todos. 

 Fabiana 
 Danielle 
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