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Espaço de Pesquisas

Oi! Este é um espaço do qual você pode pesquisar e encontrar histórias de mulheres que participaram do nosso projeto por todo o Brasil! Legal, né? 

Pra usar, basta digitar no espaço de pesquisa alguma palavra-chave, por exemplo: alguma profissão, alguma cidade, algum tema... 

 

É o nosso verdadeiro banco de dados - o primeiro, da história das mulheres que se relacionam afetivamente

com mulheres - e precisa ser valorizado! ♥

112 itens encontrados para ""

  • Thacia e Ju

    No relacionamento da Juliana e da Thacia, o que prevalece é o cuidado. Primeiro, porque estão sempre cuidando uma da outra; Segundo, porque estão sempre tomando cuidado nos lugares que frequentam. Thacia e Ju são policiais, formadas pelo BOPE. Juliana trabalha enquanto policial penal há 9 anos, enquanto Thacia é policial civil, trabalhando na delegacia de homicídios e fazendo operações. Além disso, logo no começo do relacionamento, Ju descobriu uma anemia muito agressiva e o cuidado entre elas redobrou: Thacia aprendeu a cozinhar para ajudar a companheira, Ju brinca que se sente até infantilizada de tanto cuidado - desde o pijama preparado, até as frutas cortadas. “É tudo uma forma de carinho, é maior que eu, não faço de propósito.”, justifica. Tanto na cadeia, quanto na delegacia, todos sabem que elas são esposas. A vida particular não tem nada a ver com a instituição, ou seja, elas trabalham e são casadas. Por mais que amam o que fazem, acreditam que existem outras alegrias na vida além do trabalho, como por exemplo o hobbie da Ju de fazer acrobacias nos tecidos ou o quanto são devotas à religião. Juliana, no momento da documentação está com 44 anos e trabalha enquanto policial penal num manicômio judicial que serve a ambos os gêneros. Quando fez concurso trabalhou num presídio feminino, com cerca de 700 presas. Atualmente, neste trabalho, explica que todos os presos têm transtornos mentais e os crimes são bastante pesados. O juiz é quem determina a pessoa que irá para lá, isso serve como uma medida de segurança. O preso, então, se torna paciente do hospital, entrando em em tratamento junto à equipe técnica composta por psicólogo, psiquiatra, assistente social e terapeuta ocupacional, para tentar formas de compreender como aconteceu, identificar e tratar psicologicamente. Conta sobre as interações, a função dela e o fato de ser um local que também tem espaço para pessoas trans e travestis, oferecendo tratamento hormonal e coordenação específica LGBT+. Para Juliana, o governo do RJ faz um bom trabalho em relação ao cárcere. Thacia, no momento da documentação, está com 36 anos e trabalha enquanto policial civil na delegacia de homicídios, além de fazer operações de rua em todo o Rio de Janeiro. Para ela, é bom ter a mesma profissão que a companheira, pois assim se entendem em muitos aspectos, frequentam os mesmos cursos, a mesma área. Ju entende a sua rotina, que não é fácil… às vezes precisa sair para operações na madrugada. Explica que dificilmente em outras relações as pessoas entenderam isso. São um casal que não proíbe as vontades uma da outra e se respeitam, nesse sentido. Por mais que trabalhassem na mesma área, não se conheceram no ambiente de trabalho, mas pela mãe da Thacia, que as apresentou. Thacia tem uma família envolvida na profissão, a mãe dela é policial penal aposentada e ensinou muita coisa para a Ju, foi sua mentora. Em 2018 Thacia e Ju se reencontraram e começaram o relacionamento. Ju conta que no mesmo ano que começaram o relacionamento, o filho dela foi morar nos Estados Unidos e ela se sentiu muito sozinha. Em 2019, no dia das namoradas, a Thacia deu uma cachorrinha de presente para ela não se sentir tão solitária: a Kira. Desde então, tratam a Kira como uma filha… ela tem berço, plano de saúde, festa de aniversário e nunca fica sozinha. Quando está só com uma delas, fazem chamada de vídeo para matar a saudade. No momento da documentação o filho já tinha voltado ao Brasil e brincam que ao invés dele ter uma cachorra, tinha uma irmã. “Ela é muito mimada. Ela arranca sorrisos, é uma benção. Faz você se sentir a pessoa mais amada do mundo. Você sempre ri com a presença dela”, diz Ju. Adoram a rotina que vivem. Gostam de dormir cedo, entre 21h ou 22h já estão na cama, depois acordam às 05h30 da manhã, saem para trabalhar com o café já pronto, ou tomam café na cama. Ainda de madrugada, passeiam com a cachorra. Thacia mora em Maricá (diferente da Ju, que mora em Niterói) e fala sobre lá ser uma cidade muito única. Vê bastante público LGBT, as coisas geralmente são gratuitas e tem uma qualidade de vida muito boa. ​ Sentem que já erraram muito nos relacionamentos anteriores, então quando resolvem ficar juntas querem fazer dar certo. E querem se colocar uma no lugar da outra. Para Ju, o amor é entrega, tempo, dedicação, construção. Com a Thacia, o amor significa companheirismo. Thacia vê o amor que elas possuem como uma amizade, acima de tudo. O relacionamento é a coisa mais preciosa que ela tem. A Ju conhece ela por completo, são parceiras. Nunca tinha encontrado isso, sempre se viu separando relacionamento de amizade e com ela encontrou essa junção - tem uma melhor amiga e uma esposa. Diz que isso faz toda a diferença. Ela não sabia cuidar de ninguém, além de si própria, e agora aprendeu a fazer tudo pela outra pessoa. Juliana diz: “Ela deixa a parada boa, aquilo que é ruim, ela deixa boa”. E Thacia completa: “Antes de pensar em você, você pensa e se preocupa com o outro. Eu não ligo pra saber onde ela, só ligo pra saber se ela tá bem, se chegou bem. Amor é o desprendimento, ver a pessoa bem, feliz, voe. Você quer que pessoa voe e eu quero tá do lado pra acompanhar.” ​ Thacia explica que elas nunca sofreram discriminação, agradece à Deus por isso e conta que também não possuem o costume de ir em festas e Paradas LGBTs justamente por causa do tumulto e da exposição. Pela profissão, o tempo todo tomam cuidado sobre os locais que frequentam e o que pode acontecer ao seu redor. De qualquer forma, acham que andar na rua de mãos dadas e se beijar em público não tem problema nenhum e por isso fazem com naturalidade. Depois, ela lembra de uma situação, em que foram numa churrascaria juntas e um homem ficou encarando por muito tempo. Ela ficou muito desconfortável, não sabia se ele as conhecia, se estava sendo preconceituoso… No fim, trocaram de mesa. Sente que não podem ir para qualquer lugar, visitar qualquer amigo… É uma questão de preservar a vida delas e de quem tá com elas. ↓ rolar para baixo ↓ Thacia Juliana

  • Inara e Marina

    A documentação da história da Inara e da Marina veio a acontecer com uma pressa maior que a da maioria dos casais que passam pelo Documentadas, mas por um motivo bastante especial: elas se inscreveram sabendo que, no próximo mês, já não estariam mais morando no Brasil. As duas decidiram começar uma nova vida em Portugal. No começo do namoro era uma brincadeira boba de usar a dupla cidadania da Nina, mas depois virou um sonho concreto. Casaram-se e começaram a organizar como seria a nova vida. Nos encontramos no momento de venda de todos os objetos que elas possuem por aqui e, agora, com a história no ar, elas já estão começando os primeiros passos no novo país. Durante a conversa, elas relembram que quando a Inara foi apresentar a Nina para as melhores amigas dela, comentou algo que nunca tinha falado sobre nenhuma outra pessoa com quem se relacionou: “Anotem aí! Eu vou casar com essa mulher!”. No casamento, essas amigas eram as madrinhas. Assim, elas falam sobre o poder das palavras, do querer estar junto de alguém e, de alguma forma, do curso da vida. ​ Inara e Nina se conheceram naquele aplicativo de relacionamentos super citado por aqui, o Tinder. Elas deram match e conversaram, depois sumiram, voltaram, sumiram de novo… A conversa não saiu de lá. Falavam sobre trabalho, família, diversos assuntos nessas idas e vindas, e foi num dia que a Nina cansou do aplicativo e decidiu sair de forma definitiva que avisou a Inara e pediu o Instagram, para que elas mantivessem o contato e se encontrassem em algum momento. Esse momento chegou, ainda que demorou mais um tanto - o encontro foi ótimo. Na época elas estavam em momentos bem diferentes… a Nina saía de um relacionamento bastante abusivo, a Inara estava numa solteirice contínua do qual ficava com várias pessoas, mas sentia que não se aprofundava com ninguém - e calhou de na época conversar com uma amiga (que, futuramente, viria a dividir apartamento com elas por anos) sobre essa sensação de fazer encontros à troco de nada. A amiga aconselhou a desmarcar o encontro, mas a Inara disse que não tinha como desmarcar, que seria desrespeitoso porque a Nina parecia ser muito legal, era melhor ir e ver no que iria dar - Ela disse: “de qualquer forma, vai ser o último”. E, por fim, foi. ​ Essa história de dividirem apartamento surgiu logo depois, quando a Nina pediu a Inara em namoro elas já estavam praticamente indo morar juntas. O contrato estava por vencer e elas iriam se mudar. Até poderiam ir para o apartamento da Inara, que tinha uma vista ótima, ou optar pelo da Nina, que era grande, mas preferiram alugar um novo, recomeçar. Não queriam lugares que tivessem vivido outras histórias e outras dores. Assim, a amiga da Inara também estava em busca de apartamento e elas foram dividir um imóvel na Lapa, no centro do Rio de Janeiro. Elas contam que mesmo morando juntas, mantinham cada uma o seu quarto, até porque tudo estava muito no início quando alugaram e não sabia o que poderia dar certo. Acabou que juntas, com a companhia da amiga, no apartamento enfrentaram toda a pandemia, compartilharam diversas histórias e viveram muitas coisas. A amiga, por sua vez, confessou no casamento que não chegou nem a desabilitar o aplicativo do Zap Imóveis do celular, imaginando que no começo, pós mudança, elas brigariam, se separaríam, e ela quem teria que arranjar um novo lar. Mas a verdade é que isso não passava na cabeça delas, tinham uma responsabilidade em mãos e queriam estar juntas. ​ Da mesma forma que um apartamento novo significava viver um recomeço, a viagem e a mudança para Portugal significava outro. Não está sendo fácil vender absolutamente tudo, desapegar das coisas que foram compradas e conquistadas ao longo dos anos. Mas é um esforço em conjunto para entender que isso abre caminhos para novas experiências. Elas contam que é uma possibilidade maravilhosa pensar em ter Portugal completamente do zero. Comprar coisas novas, mobiliar com a cara delas o novo lar, construir tudo novamente. É excitante, também, pensar na segurança de viver fora do Brasil. Hoje, viver no Rio de Janeiro, pela concepção delas, está muito difícil. Recentemente passaram por assaltos e criaram medos e traumas de vivenciar a rua. Pensam em viver Portugal por retomar o que amavam fazer aqui e que abdicaram pela violência: andar de bicicleta, curtir a cidade, sair sem medo do que pode acontecer a qualquer momento. Inara explica o quanto isso também dialoga com o trabalho dela, que é explorar o lado criativo: vai ser muito feliz podendo fotografar a rua, usar o celular, filmar mais em vias públicas e produzir mais conteúdos. ​ Inara tem 39 anos, é natural do Rio Grande do Sul, mas desde criança se mudou para o Rio de Janeiro com a família. Ela trabalha com fotografia. Marina tem 39 anos, é natural do Rio de Janeiro e trabalha num site de música digital, sendo head de operações. No período da pandemia agravado pela quarentena, elas viveram momentos muito difíceis e também momentos muito bonitos (como o pedido de noivado e, posteriormente, o casamento). Foi logo no começo, quando ninguém sabia o que era a doença do Covid-19 e que havia-se um sentimento generalizado de luto, de desespero e de incerteza, que no dia do aniversário da Inara, elas juntaram os amigos online e a Nina fez o pedido de casamento. Foi como um sopro de esperança brotando: ver os amigos ali, através de uma vídeo chamada, e sentir que um dia estariam todos juntos novamente na festa, inclusive alguns com seus filhos (pois crianças estavam sendo geradas) era como brotar esperança em meio àquele caos. O casamento de fato aconteceu, cheio de detalhes sobre o que elas gostavam, como sapinhas nos buquês, tudo de mais clássico e que representava elas verdadeiramente. O casamento também inspirou amigos LGBTs próximos a se casarem. ​ Entre os momentos mais delicados que uma relação envolve, como estar uma para a outra passando por coisas difíceis, enfrentando lado a lado e estando juntas de verdade, a Inara viveu uma cena, como ela mesmo diz, de novela, que foi bastante dolorida e que não saberia ter passado por isso sem todo o apoio da Nina. Reencontrou sua mãe depois de muitos anos sem contato, porém, ela estando em um leito de UTI, na fase terminal de um câncer. Foram algumas semanas de contato direto, apoio, em meio às ondas muito fortes de Covid-19 e, mesmo assim, as duas fazendo o possível acreditando com todas as forças que teria algum jeito dela melhorar. A Inara e a Nina acreditam muito no amor em forma de cuidado, em observar a necessidade do outro para além da sua. Isso, na relação delas, está desde os detalhes como a comida preferida da Inara ser o pão com mortadela que a Nina prepara nas manhãs, ou a força que elas tiveram nesses momentos mais difíceis. A Inara nunca tinha conhecido um amor que proporcionasse tanto apoio como quando elas passaram por isso - e, não só pela parte mais técnica e burocrática que sabemos que esses momentos infelizmente impõem - mas pela dor, também. Receber o acolhimento de uma forma que nem sabia que era possível tê-lo. Um cuidado realmente saudável, um amor único - e também calmo. A mãe da Nina, por sua vez, respeita as duas mas ainda não entende o relacionamento delas enquanto uma relação amorosa, de fato. Elas compreendem que isso é por motivos religiosos que são colocados acima de tudo e que, com o tempo, vai se apaziguando da melhor forma. ↓ rolar para baixo ↓ < Marina Inara

  • Karol e Camilla

    Quando a Cami decidiu entrar no internato militar, ela não passou na primeira vez porque precisava fazer uma prova de corrida e ela não conseguiu um bom desempenho, mas se dedicou e no ano seguinte já estava preparada. O primeiro ano lá dentro é realmente difícil, uma prova sobre quem tem psicológico e aguenta ficar, mas depois foi ficando mais tranquilo e ela decidiu seguir lá dentro. A vontade e a empolgação que tinham vendo os navios e a maior interação quando puderam conviver mais com as outras pessoas foi colaborando com a vontade de estar lá também. E quando ela entrou, por ter tido uma boa colocação na prova (as pessoas que passam em primeiro lugar viram líderes de pelotões), virou líder e passou a ter uma presença muito forte, sendo muito cobrada. Foi assim que a Karol a conheceu, ouvindo falar dela e vendo ela circulando pelo espaço. Elas não podiam conversar por um tempo, mas na primeira oportunidade, a Karol lançou diversos elogios por realmente ser uma figura que admirava: falou sobre a ver como uma guerreira lá dentro - e a Cami abriu um sorriso (que, diga-se de passagem, levou o coração da Karol embora). Como elas não eram do mesmo ‘camarote’ (do mesmo espaço/pelotão), ficavam organizadas em ambientes diferentes e tinham pouco contato, mas com o passar do tempo passaram a se ver mais. Aos fins de semana a Cami saía para visitar a família e a Karol ficava lá e, durante a nossa conversa, conta que lembra de vê-la com outra roupa sem ser a farda e o quanto isso a marcou, dizendo o quanto era bonita e o quanto ela mexia com os sentimentos dela. Além de que, sempre foi completamente apaixonada por mulheres inteligentes e nessa posição a Cami já estava com a luta ganha. Para quem não faz ideia do que seja a EFOMM, ela é a Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante. Lá, as pessoas passam por um concurso, fazem uma formação que dura cerca de três anos + um período de um ano em embarcações e, então, se formam. Hoje em dia, a Karol e a Cami seguem trabalhando embarcadas (enquanto oficiais de máquinas da marinha mercante - área de engenharia da embarcação), mas não possuem mais ligações diretas com a área militar, por mais que para sempre sejam consideradas militares da reserva não-remuneradas, ou seja, fora de serviço oficial. É muito importante resgatarmos o quanto é um trabalho braçal e pesado, pouquíssimo feito por mulheres. Elas relatam a pouca presença de mulheres nos navios e como se sentem no meio disso tudo. Vemos as diferenças de tratamento entre a Cami, que transmite um estereótipo mais feminino e a Karol, que possui um estereótipo de jeito mais despojado e cabelo curto. Como os comportamentos masculinos mudam ao lado delas e como as posições em alto mar também. Além disso, elas contam como é a vida de decorar um apartamento e viverem juntas enquanto passam tanto tempo longe fisicamente. A Camilla decorou boa parte do apartamento enquanto a Karol estava embarcada, desenhou as almofadas, fez muitas coisas nos cantinhos da casa. E cada vez mais compartilham as coisas quando as agendas se encaixam e elas conseguem ficar juntas. Gostaria que esse texto pudesse expressar o sentimento que tenho de carinho pela tarde que tive na casa da Karol e da Camilla, pela admiração que sinto pela história delas e, também, pela gratidão (sem clichês nessa palavra) que tenho por elas me permitirem registrar esses tantos anos de relacionamento que começou de forma tão pouco provável. Antes de escrevê-lo, não sei se de fato ele irá cumprir o papel, mas espero que ele sirva como um abraço à quem elas são e um presente à quem irá conhecê-las agora. Aproveitem e acreditem nas histórias improváveis! ♥ Acho que podemos começar assim: a Karol e a Cami se conheceram em um internato militar. Mas antes de falar sobre o amor delas, queria explicar quem elas são. A Karol é natural de Rondônia, de uma cidadezinha chamada Alta Floresta D’Oeste, mas como a família é de uma mistura brasileiríssima, ela foi morar em São Paulo quando era mais nova. Ela sempre curtiu bastante a área de exatas, mas não era muito dos estudos. Curtia também a área militar e queria fazer parte da esquadrilha da fumaça. Ela viveu o momento em que as mulheres começaram a ser incentivadas a participar do exército e nunca pensou em trabalhar em escritório ou alguma profissão relacionada a isso - inclusive, acha muito cedo a época em que somos obrigadas a escolher qual carreira seguir. Porém, antes mesmo de decidir o que iria fazer, aconteceu o que não esperava: ela foi expulsa de casa. E foi aí que ela investiu em estudar e passar no internato militar, afinal, era uma ótima opção para quem não tinha lugar para morar e nem para onde ir. Veio ao Rio de Janeiro para estudar na EFOMM. A Camilla tem 24 anos, é natural do Rio de Janeiro e morou (quase) a vida toda na mesma casinha. Ela é uma mulher apaixonada pelas artes e pelo artesanato, já estudou na UERJ e descobriu o internato militar e a vida nas embarcações por conta do avô, que era dessa área e também trabalhava em navios. Ele contava das viagens, então ela conhecia as histórias e sabia que era uma profissão que pagava bem, foi por isso que decidiu se inscrever na EFOMM. Nunca foi algo muito sonhado, mas sempre foi algo que esteve ali. Se dedicou e passou no curso. Hoje em dia, ainda arrasa (e muito!) nos artesanatos. Hoje em dia, no apartamento com os gatinhos, o cachorro e várias decorações lindíssimas feitas pela Camilla, elas vivem entre os encontros e reencontros um espaço de lar muito confortável. A Cami comenta que sonha em juntar dinheiro e fazer alguma outra coisa voltada à arte e a Karol complementa: “qualquer coisa que ela pegar pra estudar, vai arrasar!”. Quando pergunto sobre o lar e sobre o que, nesse momento da vida delas, elas identificam como amor, a Cami diz que amar é uma escolha. Desde escolher estar com a pessoa até aceitar essa pessoa e se sentir disposta a compartilhar a vida com essa pessoa. Ela sente que amar uma mulher é também uma escuta ativa, um entender, uma empatia. Está sempre se inspirando em outras mulheres e sente que as mulheres se entregam com muito mais facilidade. Disse também que, por mais que tenha tentado, não se viu capaz de amar um homem ainda, mas que não generalizaria no sentido de ser totalmente incapaz - mesmo reconhecendo o quanto as mulheres mostraram que a completam mais em muitos sentidos. A Karol entende que o amor é feito na base da amizade e do diálogo e fica sempre muito feliz pensando no quanto ela e a Cami são realmente amigas. Por mais que o relacionamento delas já tenha envolvido brigas e já tenha sido essa montanha russa, para ela, tudo isso faz parte porque se trata de um amadurecimento conjunto. Não acha que o amor tenha gênero e forma para acontecer, que possa ser melhor entre mulheres ou não, porque muitas mulheres também podem ser bastante abusivas e trazer traços de machismos e do patriarcado que estão dentro delas de uma forma cultural. Por fim, completa que o relacionamento não se resume sempre só em amor, mas na forma como a vida se construiu e se constrói diariamente. ♥ Hoje, antes de postar o texto aqui no site, falando com a Karol, ela me trouxe a notícia em primeira mão de que elas deram mais um passo nesse meio tempo desde que nos encontramos: e estão noivas! Muito amor pra vocês! Perguntei para a Karol como era, para ela, essa sensação inicial de ser uma mulher, sapatão assumida, chegando num internato militar. Ela disse que sentiu um medo no começo, mas que nunca pensou em esconder a orientação sexual dela. Quando chegou lá, logo no segundo dia, as mulheres já vieram perguntar para ela se ela realmente gostava de outras mulheres e ela achou tudo muito engraçado. No fim, ela não fazia questão de se relacionar com alguém na frente de todo mundo ou deixar os relacionamentos explícitos nos espaços em comum, mas também não se escondia. Fala que não sentia as coisas de forma absurda, mas que a vivência, em geral, foi tranquila. “As pessoas sabem que existimos e está tudo bem.” Quando elas começaram o relacionamento, foi uma montanha russa de sensações. Nesses mais de 6 anos juntas, praticamente os primeiros 4 anos foram de relacionamento aberto, porque permitiam que ainda precisassem viver outras coisas. Não foi nenhum pouco fácil, mas conversavam muito e trabalhavam muito sobre o que sentiam. Enfrentaram distâncias, preconceitos muito pesados e por um tempo a Cami tentou se entender, se descobrir sobre o que sentia enquanto uma mulher que se relaciona com outras pessoas… foram muitos momentos diferentes entre duas pessoas que crescem e amadurecem. E somente quando a Karol foi para o estágio dela (o período de um ano embarcada) que elas conversaram muuuuuuito e entenderam que realmente já tinha esgotado o tempo e que agora querem estar sozinhas - mas juntas. Foi então o momento que decidiram assumir um relacionamento sério, pensar em um lar, um apartamento aos pouquinhos, a vida e tudo foi acontecendo. Com o tempo e com elas conversando enquanto amigas, a Karol foi entendendo quem ela era e como a cabeça dela funcionava, como ela foi criada e como as duas estavam em realidades diferentes. Enquanto eram amigas, a Cami chegou a se envolver com um menino e a Karol conheceu algumas meninas e saiu para várias festas no Rio. Foi um tempo depois, durante um fim de semana no internato, em que a Cami estava lá por ter ficado de serviço, que elas estavam juntas e que já eram amigas o bastante para trocarem carinhos e serem mais próximas nas conversas (sem malícias, justamente, pela Karol entender que a Cami não a via com malícia), que elas passaram bastante tempo conversando juntas em uma noite. E, depois de uma amiga alertar a Karol algo como “você não vai mesmo ficar com a Cami???” e ela cismar que não porque jamais a Cami ficaria com uma mulher, ela tomou coragem para investir e com muita calma o beijo aconteceu! Ressalto a calma porque tudo aconteceu muito aos poucos, com cuidado e respeito à primeira experiência da Cami e pela Karol saber que não era algo que ela já tivesse pensado sobre. Não queria um sentimento de invasão, de arrependimento no dia seguinte, de desconforto na amizade. Elas comentam que, se estão juntas há 6 anos, foi graças há tudo ser feito com tanto respeito à amizade lá no começo, não saindo atropelando todas as coisas, porque era um dos maiores medos da Karol naquele momento. Depois daquela noite, elas passaram a ficar juntas todas as noites em seus camarotes, ou seja, em seus espaços dentro do internato. ♥ Por mais que a Cami tivesse uma posição muito importante e que exigisse uma maturidade imensa dentro do internato, ela sempre foi uma pessoa muito ingênua e teve uma realidade muito diferente. Poucas vezes alguém lhe ensinou alguma malícia ou maldade no mundo. Ela foi criada por uma avó que casou absurdamente jovem e viveu a vida toda com a mesma pessoa, nunca foi alertada sobre sexo, sobre relações amorosas e sobre como essas coisas acontecem. A mente dela funcionava tal qual a ideia de que chegaria um príncipe encantado e que tudo ficaria bem, que o homem sempre seria perfeito e a respeitaria. Ela nunca tinha conhecido o próprio corpo ou pensado sobre isso e também sobre mulheres ficarem com outras mulheres (na verdade, na nossa conversa ela falou sobre já ter visto uma menina lésbica no programa Ídolos quando era mais nova e que a família dela repulsou, mas que ela entendeu que pessoas se apaixonavam por pessoas, porém nunca se permitiu pensar sobre quem ela gostaria de ficar). E essa ingenuidade e desconhecimento da Cami fez com que ela tivesse muitos casos de desconforto na vida sob relacionamentos - desde coisas que, para quem já se envolveu sexualmente, são realmente muito básicas e ela achava muito desrespeitosas, até colocar inúmeras barreiras que faziam com que os relacionamentos não acontecessem de fato. No começo, quando a Karol teve sua paixão quase que platônica por ela e lançou uma brincadeira em estilo de cantada, recebeu em troca um corte gigantesco. E, quem dera, ela soubesse, que esse corte nem planejado tivesse sido, porque de tamanha ingenuidade a Cami nem se dava conta das coisas serem assim levadas na maldade. Era tudo muito mais simples na cabeça dela. Karoline Camilla

  • Jeniffer e Renata

    Foi no local onde a Jeniffer e a Renata se conheceram há anos atrás que nos encontramos para documentá-las. Logo no início elas brincaram: “Se naquela quinta-feira alguém me contasse que um dia eu estaria aqui com a mãe da minha filha, eu acharia que seria uma loucura!”. Jeniffer é musicista, cantora e faz diversos shows pela noite carioca. Foi numa quinta-feira de 2016 que se apresentou num restaurante chamado Espeto Carioca, que pertencia a uma amiga da Renata. Essa amiga, ligou para a Renata e a convidou, ela marcou um encontro com o grupo de conhecidos que tinham passado pelo mesmo que ela: a cirurgia bariátrica e, foi tão bom, que toda quinta-feira esse passou a ser o encontro oficial do grupo. Nesses encontros, a Jeniffer e a Renata viraram grandes amigas, apresentaram suas companheiras (que também viraram amigas), se juntaram em mais conhecidas e formaram um grande grupo, que saía quase todo fim de semana junto. Um tempo depois, a Jeniffer e a ex companheira dela entraram em um momento muito delicado e tóxico da relação, o que fez com que a Jeniffer sumisse dos ambientes com as amigas. Era muito difícil ter contato com elas e encontrá-las além dos shows… Acabaram todas se afastando. Nesse meio tempo, a Renata também terminou o relacionamento que tinha e, só em 2017, quando ambas estavam solteiras, elas se reencontraram. Decidiram retomar a amizade que tinham e voltaram a ter contato, misturar os grupos de amigas e se reencontrar. ​ Entre todos os programas que faziam juntas, em um dia, assistindo ao lançamento de La Casa de Papel em casa, elas se beijaram. Nesse momento, Jeniffer ficou desnorteada, nitidamente incomodada e Renata compreendeu, elas entraram em um acordo de que era melhor fingir que nada aconteceu e não tocaram mais nesse assunto. No mesmo dia, a Renata ia para um encontro com uma mulher que a Jeniffer apresentou para ela e acabou que o encontro foi bom, elas continuaram se encontrando, o tempo fez seu papel de passar, ela namorou e casou com essa mulher. A Jeniffer, nesse meio tempo, voltou com a ex companheira dela, porém o relacionamento que antes já demonstrava ser tóxico, dessa vez ficou muito pior. Novamente ela se afastou de todos e, algum tempo depois, terminou definitivamente. Em 2019, um tempo depois, a Renata já estava com a ideia de engravidar mais amadurecida dentro do antigo relacionamento. Algo que partia sempre dela, pois ela tinha o desejo muito forte de ser mãe, mas amadureceu ao ponto de decidir: é a hora. Teve a primeira tentativa, através da inseminação, e não deu certo. Foi bastante doloroso, porque querendo ou não existem muitas expectativas, mas ela esperou um tempo, superou aos poucos e decidiu, logo no comecinho de 2020, tentar novamente. Diferente da primeira vez, com muito cuidado e seguindo as regras, a segunda vez foi muito mais desesperançosa. No mesmo dia que foi feita a inseminação ela foi num show da Jeniffer, bebeu, ficou até tarde com os amigos na rua, tinha para si a ideia de que não daria certo. ​ Em meados de fevereiro de 2020, descobriu: a segunda tentativa deu certo! Renata estava grávida. Chamou a Jeniffer para ser madrinha, junto com outra amiga. Começou a cuidar melhor do seu corpo, parou de beber e compreendeu que, parando de beber, percebeu muito melhor tudo o que acontecia ao seu redor. Tudo é muito bom no momento de festa, mas muitas coisas passam batido. Foi numa dessas percepções que as brigas com sua ex-companheira começaram a intensificar até se envolveram em agressões. A chave virou. Não tinha como romantizar ou passar pano. O sonho de ser mãe era dela, ela estava grávida. A Jeniffer e a outra amiga protegeram ela nos atos, no término e, a partir daí, fizeram de tudo: passaram os dias cuidando dela e acompanhando cada detalhe da gestação. Foi nesse momento que começou a pandemia, estavam as três no apartamento vivenciando a gestação juntas: a Renata e as madrinhas da Analu, suas duas melhores amigas, até que uma delas precisou voltar ao trabalho e sair de casa para não as expor ao risco do Covid-19. Quando ficaram só a Jeniffer e a Renata, elas seguiam se ajudando de todas as formas. Conversavam muito, compartilhavam de tudo, até que numa madrugada a Jeniffer resolveu voltar naquele assunto que elas nunca tocaram: o dia que se beijaram. A Renata deu a versão dela, falou que era óbvio que tinha sido horrível para a Jeniffer, já que ela tinha "fugido como foge o diabo da cruz”, até que a Jeniffer revelou que não, era o contrário, tinha fugido porque justamente tinha sido muito bom e sentiu muito medo - de se envolver e acabar perdendo-a. Pensou “se era para ter, de alguma forma, era melhor ter como minha melhor amiga”. Quando elas entenderam suas percepções, se beijaram novamente. No dia seguinte, era dia das mães e a Jeniffer foi na rua, voltou com balões e uma carta, assim, comemoraram o primeiro dia das mães juntas - e entenderam também que não era uma brincadeira, que queriam isso de verdade: ser mães da Analu. ​ Entender que estavam juntas não foi algo tão rápido, só com a noite que passaram, mas uma longa conversa sincera sobre o que sentiam. Para a Renata, o que ela estava vivendo não conversava mais com a pessoa que ela era quando conheceu a Jeniffer: que ia para todos os shows, bebia, vivia nas festas. Agora, a prioridade dela era ser mãe, parir e educar a Analu, trazer cuidado. Se fosse para a Jeniffer estar com ela, sem ser na condição de madrinha, era para estar de verdade, porque ela não queria mais um relacionamento para trazer machucados. Elas entendem que o “Combinado não sai caro para ninguém” e assim foi: a Jeniffer sempre quis ser mãe e mostrou que, se a Renata permitisse, ela embarcaria no sonho da Analu. Depois de um tempo juntas, assumiram o relacionamento. Sabiam que poderia ser complicado, que muitas pessoas julgariam e poderiam achar que era um caso antigo, uma traição - tinham muito cuidado também pela vida pública da Jeniffer enquanto cantora - mas tiveram pulso firme, afinal, essa era a história que elas estavam vivendo no momento, acreditassem ou não. ​ Vivenciar uma nova visão de relacionamento, tanto para a Renata, quanto para a Jeniffer, foi libertador. Depois de terem passado por situações muito abusivas com ex companheiras, hoje em dia elas enxergam as relações humanas de forma bem diferente e tentam conversar sobre tudo. Carregam, também, muito da amizade que já tinham antes do namoro. Tentam não se culpar pelos machismos sofridos diários, pelos preconceitos externos e trazer cada vez mais acolhimento uma para a outra, justamente por terem sentido falta disso em outros momentos. Ver o desenvolvimento da Analu na vida delas é um sonho sendo realizado diariamente. Elas fazem absolutamente tudo por ela e contam como é difícil a missão de educar uma criança. Além disso, como não é fácil também, a rotina de um casal com filhos. Existe uma parceria muito clara em que entendem que não vão estar 100% todos os dias, uma vai preenchendo o que a outra não pode dar no momento, e assim vão seguindo. Jeniffer também conta o quanto a chegada da Analu mudou a forma que ela enxerga o mundo. Ela vivenciou toda a maternidade, desde a escolha do modelo da fralda, até as roupinhas, as decisões mais sérias sobre educação e hoje em dia está em muitos detalhes na formação do ser que a Analu vem formando. Se emociona muito em cada detalhe, explica que nunca sentiu um amor tão grande por alguém. ​ No momento da documentação, a Renata estava com 34 anos e a Jeniffer com 32, elas estão trabalhando juntas - a Jeniffer fazendo os shows e a Renata enquanto empresária, produtora e assessora. Nessa rotina intensa de apresentações, Renata explica a admiração enorme que sente pela Jeniffer no palco, e brinca: da empresa, ela é só funcionária e fã. Para elas, esse cotidiano é um ato de amor também, nele entra tudo o que constroem com a Analu. E, olhando ao redor, chegam à conclusão: amor é essa linha do tempo que viveram desde a primeira vez que tiveram no restaurante, até hoje, que voltaram com a filha. Por fim, me trouxeram a comparação: pensam no relacionamento enquanto uma casa. Muita gente começa a pensar numa casa pelo teto ou pelas paredes, enquanto elas literalmente começam pelo chão, pela base. Hoje em dia, possuem uma casa com a base mais sólida possível, capaz de enfrentar qualquer coisa. Foi a partir da base que foram construindo tudo e a casa foi tendo vida, hoje vivem dentro dela, fortalecida. Entendem como foi bom ter dado uma chance para viver esse amor de verdade, um amor que até então elas não sabiam que existia. “Não era alguém para completar, mas transbordar”. ↓ rolar para baixo ↓ Renata Jeniffer

  • Juliana e Tercianne

    Em um momento da conversa, falando sobre o lugar que estávamos, naquela praça, naquele espaço da cidade e sobre sermos mulheres, ouvi duas coisas que me marcaram muito e que acabei pensando depois que fui embora. Primeiro, a Terci, que por ser uma pessoa visivelmente mais tímida, disse que quando se relacionava com homens tinha vergonha de dar as mãos, de beijar em público, de ter atitudes românticas na rua… hoje se vê nesse papel porque acha que com a Ju é muito mais puro. O sentimento é praticamente ao contrário, ela faz questão de pegar na mão, de dar um abraço. Mesmo se ela não falasse, seria visível nos detalhes esses toques, porque é algo natural, o toque acontecia durante a conversa, era de fato puro. Logo depois que ela comentou isso, a Ju falou também que embora seja muito difícil a luta LGBT como um todo, chega um momento em que vale a pena expor o amor por quem você ama… e que mesmo que você coloque seu corpo na linha de frente por esse amor, o que literalmente nos acontece, enquanto vivemos no Brasil e muitas pessoas não escondem a LGBTfobia que possuem, nós precisamos seguir mostrando que está tudo bem amarmos e sermos amadas. Isso não quer dizer que não temos medo (temos, sim!) - inclusive a Terci escreveu uma música sobre isso depois que elas se encontraram numa praça (sobre ser um ato político, sobre ser uma luta) - elas andam com medo, às vezes receosas, principalmente quando cruzam com homens, mas entendem que é preciso o equilíbrio entre se cuidar e não baixar a cabeça e se esconder dentro de um armário. “Saber cuidar e cuidar dos nossos.” Por fim, trouxeram mais duas coisas. A Terci disse que logo pensou no filme Zootopia, que a coelha descobriu um lugar que ninguém ligava pra ela e que ela poderia viver tranquila. No fim, é esse o objetivo: que as pessoas olhem as diferenças e não pensem nisso como algo ruim. E a Ju traz a importância de, além de conversar com pessoas mais velhas, ser fundamental conversar também com as crianças e adolescentes, trazer diálogos de inclusão para os mais novos normalizando discussões de igualdade de gênero e inclusão social. Quando comentamos sobre a pandemia e sobre essa forma de se reinventar, a Ju falou que no começo do relacionamento tudo foi muito rápido, tudo se desenvolveu de forma involuntária. Com um mês elas já estavam muito próximas, praticamente namorando e a Ju frequentava a casa da Terci com uma frequência cotidiana por ser muito próxima à faculdade. Elas criaram uma rotina de cafés da manhã, ônibus, massagens no final do dia, feirinhas nos fins de semana, tapiocas de queijo com morango, parques, peças… tudo foi criando um tom. Hoje em dia, com a pandemia e a Terci voltando a morar com os pais dela, tudo fica diferente. Primeiro que é preciso estar em casa, segundo que o espaço em casa é outro, a privacidade é outra, o tempo é outro, sentimento é outro. São muitas readaptações. A sensação presente agora é que, por mais que estejam há mais de um ano e meio juntas, a pandemia faz com que todo dia seja uma novidade dentro de uma certa “mesmice” por conta de novas descobertas internas. Aprenderam que a Ju é mais explosiva, mais estressada, mais extrovertida… e que a Terci é ao contrário, mais quietinha, em outro tempo. Mas que também isso leva a outro contexto de conversa, de amor e de equilíbrio. Que as conversas voltam ao início da vontade de se conhecer e se encontrar de múltiplas formas. Aos poucos também entendem que estão construindo uma nova relação, com mais comunicação e com cuidado para não se magoar. Sempre tentam respeitar as limitações e redescobrir zonas de conforto, perceber o que representa o amor em suas essências, onde elas encontram ele nos seus detalhes e referências. Quando conversamos sobre o amor em seu estado puro, a Ju fala sobre amar e se apaixonar, então o “amar” ser o amadurecimento da paixão, fazer com que o calor exista, mas de forma mais concreta, mais efetiva, mais consistente. E a Terci completa “enxergando os defeitos e amando também, mas com cuidado, porque existe o amor que cuida, que quer o bem... e outro que prende, que toma posse”. A Tercianne adora música, ela se afastou um pouco por um tempo, mas depois que voltou à faculdade um professor conseguiu guiar e monitorar ela de volta. É um lugar que ela sempre quis estar, muito positivo e que se encontra muito com a Ju também. Antes de estudar teatro a Terci passou por um momento entre arquitetura e engenharia civil, ainda no Ceará, mas não se sentiu bem cursando. O pai estava estudando com ela e por já ser aposentado decidiu que apoiaria o curso que ela tivesse vontade de cursar. Ela descobriu a Casa de Artes de Laranjeiras (a CAL, no Rio) e falou que gostaria de estudar aqui, foi então que toda a família se mudou: ela, a mãe, o pai, os irmãos, os cachorros… todo mundo! E aqui estão até hoje. A Ju se vê muito na escrita dos sentimentos, nas crônicas… quando o teatro não dá conta ela abre um bloco de notas e se coloca a escrever. Desde sempre, sentiu mais resistência enquanto à vontade de ser artista, era algo que sabia. Ambas se consideram bissexuais e as famílias, hoje em dia, sabem e apoiam o relacionamento das duas - a Ju, inclusive, já foi até o Ceará com a Terci. Nem sempre foi um debate fácil a se encarar dentro de casa, o começo foi mais difícil e foram contando aos poucos para as pessoas, entendendo o contexto de cada situação. Mas no geral a família sente o quanto o relacionamento representa crescimento para ambas e fica feliz em ver essa mudança acontecendo de pertinho. A Juliana e a Tercianne se conheceram e se encontram entre muitas coisas em comum. Ambas estão com 22 anos, fazem faculdade de teatro, gostam de música, de cinema, de feirinhas... A Ju é natural do Rio de Janeiro, já a Terci é do Ceará. Elas se viram pela primeira vez quando a Ju fez uma peça interpretando uma personagem da qual a Tercianne já tinha interpretado no ano anterior. A Terci viu, se apaixonou, mas não conseguiu falar com ela logo depois do espetáculo porque precisava ir para o aeroporto pegar um voo para o nordeste, estava indo de volta para casa. Decidiu chamar a Ju no Instagram para elogiar e falar que gostou bastante da apresentação e então elas começaram a conversar. - Vou embarcar agora, mas depois continuamos a conversa. - Ah, quer continuar a conversa? vou achar que é um flerte! Foi a primeira vez que Terciane tinha mandado mensagem para uma menina dessa maneira e a Ju lançou a brincadeira, então acabou acontecendo e elas seguiram conversando (ou flertando!). Deu certo. Assim que a Terci voltou ao Rio de Janeiro decidiram se encontrar e assistiram o Rei Leão no cinema, foi tudo meio estranho, não sabiam se seria um encontro num tom mais romântico ou na amizade. Conversaram muito sobre a vida, depois ficaram, mas não sabiam dizer exatamente o que sentiam. No decorrer do que foram estabelecendo contato elas entenderem que o que queriam mesmo era se conhecer, por inteiro, saber quem eram e se encontrar no maior número de sentidos possíveis. Quanto mais se viam, conheciam os amigos, frequentavam os espaços em comum (a casa da Terci, a faculdade…), mais ouviam o quanto estavam diferentes (de um jeito ótimo, é claro!)… a Ju conta que logo no começo uma amiga da Terci contou que há tempos não via os olhinhos dela brilhando tanto como brilhavam agora. Aos poucos isso foi mostrando o quanto era real e recíproco. No show do Lagoon, a Ju pediu a Terci em namoro. E no dia seguinte, a Terci já tinha planejado tudo para pedir a Ju em namoro lá na faculdade, então pediu também. Foi uma troca justa! Tercianne Juliana

  • Pethra e Marcia

    Pethra tem 34 anos e Márcia 29. Hoje em dia, Pethra é vendedora e Márcia é formada em moda, trabalha enquanto analista de qualidade. São pessoas que não ligam para o que os outros pensam, saem na rua de mãos dadas e entendem a importância disso. Se pudessem, fariam com que as crianças fossem educadas com maior consciência, visto que são seres que não veem a maldade. Pethra já participou de eventos sobre a diversidade nas escolas e Márcia fala sobre a importância de também se falar sobre educação sexual. Como Pethra sempre se vestiu de forma mais masculinizada, entende que não sofrerem tanta homofobia nas ruas é resultado de um certo machismo - os homens não mexem com elas porque veem a Pethra enquanto homem também. E, por outro lado, cita a importância de ter mais banheiros unissex pela cidade, porque também já se sentiu mal entrando em um banheiro de shopping, com mulheres olhando atravessado pelo jeito que ela se veste. Falando em shoppings, no fim, isso é uma das coisas que elas mais gostam de fazer - e motivo de ter gerado muitas risadas, porque quando perguntei o que era mais a cara delas, responderam: ir na Renner. Elas adoram andar em shopping, ir nas lojas, restaurantes, conhecer novos espaços (leia-se: novas lojas Renners……….) e, mais que tudo, encontrar os amigos para saírem juntos. Quando falei pela primeira vez com a Márcia, chamando elas para fazerem parte do Documentadas, tivemos a ideia de reunirmo-nos com as suas melhores amigas, a Tayna e a Jú. Elas fazem parte de um grupo de 4 amigos, que virou 8, porque chegaram os “agregados” (ou seja, viraram casais). A Márcia e a Tayna são amigas há mais de 10 anos e se ajudam em todos os momentos possíveis…. uma acompanhou toda a história da outra, entre os relacionamentos e os momentos mais felizes e tristes. Decidimos tirar fotos das duas com suas “agregadas” e fizemos toda a conversa em grupo. Elas têm uma amizade incrível. O processo de aceitação da Pethra começou bem nova, quando gostou de uma menina pela primeira vez e entendeu que era isso que ela queria. Não foi fácil contar para a família e ela se sentiu bastante pressionada, mas chamou a mãe dela para sair e contou. O que deixa a situação engraçada é que a mãe dela esperava ouvir que ela estava grávida e quando ouviu algo tão diferente disso, ficou quieta um bom tempo, processando. Entendeu que se era isso que fazia a Pethra feliz, estava tudo bem, mas que ela precisaria se assumir para o restante da família também. Para a Márcia, o processo foi um pouco diferente. Ela não sabia que gostava de ficar com meninas até conhecer a Pethra. Então, passou por maior incerteza, por um maior choque. Decidiu contar para a família uns dias depois de começarem o namoro. Elas brincam que a família já tinha aceitado a Márcia antes mesmo dela se aceitar, porque a mãe já esperava que ela estivesse namorando a Pethra. A única questão, foi o pai quem trouxe: “agora você precisará se assumir para todos. Levar ela nas festas da família. Viver normalmente. Não vá se esconder”. Márcia brinca que jurava que o namoro não iria durar nem 6 meses - inclusive, falava isso para todo mundo. Ela achava que o amor era algo gigantesco, romantizado, que ela não sentiria naquele momento. Aos poucos, com o decorrer do relacionamento, foi entendendo que o amor no fim pode ser gigante, mas que ele é construído aos poucos e diariamente, com muito respeito e principalmente gerando felicidade. Antes da Pethra ser contratada, ela procurava emprego porque queria se mudar para Florianópolis (já estava com as malas compradas e tudo), mas precisava trabalhar alguns meses para juntar dinheiro e poder ir. Numa sexta-feira, ela fez entrevista, passou e foi chamada na empresa que queria trabalhar (e começaria na segunda!), mas recebeu uma ligação de outra loja querendo marcar uma entrevista - também para segunda. Decidiu ir na loja, sem avisar, dizendo que “estava passando por ali” e queria ver se conseguiria fazer a entrevista na hora. E conseguiu! Chegando em casa, ligou para a empresa que tinha passado e disse que não iria mais começar a trabalhar lá - detalhe: ela não tinha a resposta da loja ainda, ou seja, se estivesse desistindo e se não passasse na entrevista da loja, voltaria a estar desempregada. Por fim, ela passou… e começou a trabalhar com a Márcia. No começo elas conversavam, mas não tinha um sentimento envolvido. Com o tempo e com um amigo da Márcia que se aproximou delas, foram saindo, convivendo mais juntas, passaram a conversar direto, fazer umas brincadeirinhas… até que deram o primeiro beijo. Um mês depois, saindo do BRT (o sistema de transporte rápido do Rio de Janeiro), a Pethra organizou com os amigos o pedido de namoro: quando a Márcia saísse do ônibus, lá estariam eles, esperando com uma plaquinha. Ela aceitou e, neste ano, completaram 6 anos juntas. Quando a Márcia apareceu na vida da Pethra, ela chegou chutando a porta…. ou, quando a Pethra apareceu na vida da Márcia, ela chegou chutando a porta…. Foi tão mútuo que a gente nem sabe dizer quem chutou primeiro. Além disso, algo até mais potente na vida das duas é como elas teriam que, uma hora ou outra, se encontrar. A Márcia pode revirar os olhos não acreditando tanto nas coincidências do mundo (e nos sininhos! hahaha), mas essa é praticamente um fato: elas tinham que se encontrar. Acabaram se conhecendo quando Pethra foi trabalhar na loja em que Márcia gerenciava e, depois de um tempo, descobriram que a Pethra é amiga da melhor amiga da Márcia há mais de 10 anos e que a Márcia conhece a irmã da Pethra há muito tempo também - e que elas deveriam ter se esbarrado em várias festas e encontros, mas sempre acontecia algum imprevisto. Enfim, mesmo com tantas coisas em comum, foram se conhecer de uma forma totalmente diferente. Márcia Pethra

  • Mariana e Thalassa

    Entenderam que para o relacionamento acontecer de verdade precisavam ter uma comunicação muito ativa e transparente. Mesmo em dias ruins, tentam conversar antes de dormir e dormem abraçadas. Thalassa diz o quanto se sente completa: na casa, com os cachorros, as plantas, tendo o carro, tudo. Entende que é uma mulher adulta que conquistou o que sonhava. Ela fala também sobre o quanto aprendeu a admirar a Mari, a persistência dela e a forma que lida com as coisas. Para a Mari, amar é ter cuidado, ter respeito. Tenta sempre entender o ponto de vista da Thay sobre as coisas do mundo. Amar é um exercício diário. Por fim, falamos sobre o amor ser um mosaico - tem a risada, o tempo, o respeito, a compreensão, a lealdade… não tem como falar dele sem todas as coisas que completam. Cada parte é importante para construir o todo. ​ ​ A história da Thay e da Mari te ajudou de alguma forma? Gostaria de mandar uma mensagem para elas? Vem cá que conectamos vocês ♥ ​ Tem alguma proposta de trabalho para elas? Opa! Pode mandar por aqui! Thalassa tem 32 anos, é professora de biologia e ciências para alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Está atualmente no chamado “ensino híbrido”, do qual a carga de trabalho é muito maior que em tempos comuns (que já é grande!). Ela trabalha em Niterói e mora próximo ao Recreio, é uma distância longa, costuma demorar 2h para chegar (mas já chegou a demorar 5h, em dias de trânsito). Fala sobre como é ser professora no Brasil e como os desafios triplicaram na pandemia. Mariana tem 27 anos, é bancária, trabalha com abertura de empréstimos. Está cursando psicologia e fala sobre a vontade de ouvir e poder auxiliar pessoas. Trabalhar com o público não é fácil, ainda mais em grande escala. Existem muitos desafios e com a modernização dos aparelhos bancários e precisamos sempre exercitar o cuidado com todos os tipos de público, entendendo suas especificidades. Mari cuida muito de si, quer viver com tranquilidade. A maior dificuldade que elas passaram foi quando decidiram morar juntas, em janeiro de 2015. O dinheiro era muito curto e precisavam mobiliar a casa, Thalassa chegou a pegar diversos freelas - sendo Uber, professora em outros lugares... foi um momento bastante turbulento. Se conheceram de uma forma um tanto quanto aleatória. A Thay ainda mantinha uma amizade com a ex namorada e a Mari ficava com essa menina (tá ouvindo esse barulho???? é o som do rebuceteio!). Na época, a Thay já namorava outra pessoa e conhecia a Mari porque já estiveram entre amigos algumas vezes. A menina (amiga/ex de Thay e amiga/atual da Mari) estava de aniversário e elas foram numa festa comemorar (a Thay e a namorada + a Mari e a aniversariante), mas ambas se meteram em confusão, a Thay já não andava bem no relacionamento, brigaram na festa e ela optou pelo término. Enquanto a Mari acabou ficando no canto e um pouco chateada por outros acontecimentos simultâneos. Ambas se viram sozinhas e o que restava era aproveitar a festa juntas. Alguns outros amigos chegaram para aproveitar a noite com elas e numa brincadeira, inventaram de todo mundo se beijar. Até então tudo bem, afinal, estavam só se divertindo. Mas quando a Mari e a Thay se beijaram, logo se sentiram totalmente diferentes, algo único. Não entenderam muito bem o que era esse sentimento/essa sensação, mas passaram a noite juntas aproveitando a festa. Nos dias seguintes elas continuaram se encontrando. Por um momento foi até meio escondido, com medo das pessoas saberem, mas depois entenderam que não tinha outra saída, ficariam juntas. Hoje, 7 anos depois, o sentimento é o mesmo. Quando fui encontrar a Mari e a Thay, não imaginava que iria gostar tanto (delas e do lugar). Marcamos num horto, no Rio de Janeiro. Com espaço para café (e cervejas), foi lá que nos sentamos para conversar. Elas tinham escolhido este lugar porque amam plantas, cuidam de vários tipos e espécies e falam sobre a importância de respeitar o tempo da terra e da natureza. O amor que passam para as plantinhas é de um jeito muito especial, gostam de usar os temperos na hora de fazer comida, esperam ansiosamente as frutas crescerem… acreditam que mexer na terra e acompanhar esse processo faz com que a gente aprenda a ter mais respeito pelo mundo. Depois que elas descobriram o horto, na primeira vez que vieram (ainda moravam longe), se apaixonaram. Agora, por morarem muito próximo dele, criaram uma memória afetiva forte e tentam frequentar o máximo que podem. Tanto a Mari, quanto a Thay são pessoas muito tranquilas. Moram com seus bichos, têm suas rotinas de trabalho… e também são mulheres muito divertidas. Elas acreditam que o encontro que tiveram nessa vida foi um fenômeno da natureza - a partir do primeiro beijo tiveram certeza que ficariam juntas. < Mariana Thalassa

  • Luana e Gabrielle

    A Luana e a Gabi são mulheres que amam amar mulheres. Gabi brinca sobre como o sexo não tem comparação, mas o sentimento acaba indo bem além disso: querem ver mulheres ocupando espaços de poder (judiciários, públicos…) porque acreditam que só assim a sociedade poderia mudar de verdade. Depois, ela ressalta que sonha com lugares que acolham pessoas em situações de vulnerabilidade (moradores de rua, crianças sem creches públicas), dando um futuro diferente para elas. Falam, também, sobre a importância de darmos oportunidades para as mães poderem trabalhar e gerenciar suas independências financeiras. No fim, mas não menos importante, não gostaria de deixar de fora o momento em que elas comentaram que foram no show do Lenine, tempos depois de já estarem juntas, sempre lembrando de quando cantaram a música naquele primeiro dia, no fanchokê. ♥ A Luana tem 22 anos, é designer (e está se formando agora!) e ama jogar Roller Derby. Ela veio de São Paulo fazer faculdade no Rio, é filha de uma mãe solo e tem quatro irmãos. Quando ela chegou morou em república, dividiu apartamentos, deu muito corre para se virar. Foi ter uma casa de verdade quando decidiu dividir um lar com a Gabi e, mesmo tendo uma parceria e construindo a família juntas, elas já passaram por períodos bem difíceis, como quando estavam desempregadas. Elas decidiram morar juntas em agosto de 2020, estava muito difícil manter as coisas na pandemia (a distância, os gastos sozinhas…) e optaram pela vinda da Gabi, com os três filhos, para uma casa que alugaram. A relação delas foi ficando cada vez mais concreta, as crianças entendendo melhor o novo ritmo e a mãe da Gabi acompanhando tudo de pertinho (e ajudando bastante também!). Hoje em dia, elas sonham com o momento em que vão se estabilizar na casa para começarem novos planos (como montar uma empresa juntas - já que trabalham em ramos bem próximos). Os filhos lidam de forma bem tranquila com o relacionamento e a Luana brinca que, antes de conhecer eles, jamais pensava em ter filhos (e na responsabilidade de educar crianças) dessa forma, mas o relacionamento delas virou o porto seguro deles... e completa com um sorriso no rosto: “o mais novo já chama as duas de mãe”. Quando perguntei sobre o que a Luana e a Gabi pensam sobre o amor, a Luana logo se identificou enquanto uma amante do amor. Ela adora ler sobre e pensar sobre. Entende que o amor é risada, porque risada é algo que todo indivíduo é capaz de dar desde o primeiro minuto que nasce, até o último minuto de vida. Mas é aquela risada, sabe? aquela que toma conta de tudo. Amar, além de tomar conta, é se importar em querer fazer alguém rir. É querer, em qualquer situação, que a pessoa esteja ali com você - uma apoiando a outra, se sentindo bem. A Gabi acredita que amor “é não querer desistir... porque você consegue ver valor”. Ela comenta que no começo as coisas são romantizadas, sim (e tudo bem ser!), mas é depois, quando tudo se transforma em desafios diários e que você se vê enfrentando, que a recompensa chega com o sentimento de se estar vivendo algo valioso, algo que sempre traz um quentinho para o coração. E assim é o amor entre mulheres: um corre o tempo todo. Brincam que a mãe da Luana só aceitou a homossexualidade dela quando viu as duas lavando um tapete, juntas, no quintal. E disse “ah, então é bom namorar mulher! Porque aí vocês limpam as coisas juntas! Tô gostando, então!” e enquanto ríamos sobre a situação chegamos à conclusão de que a vida assim, de fato, fica mais leve. Porque não temos essa coisa de limpar a casa enquanto a função do homem é prover o dinheiro, só se envolver com a cozinha na hora de fazer churrasco ou coisas masculinas. Sendo mulheres, como já somos criadas nos ajudando na cozinha, o casal trata com normalidade a atitude de se ajudar, cuidar da casa, do lar, educar as crianças, trabalhar de home office e dar conta disso tudo… e mil outras coisas. Gabi tem 32 anos, é desenvolvedora web, já tocou bateria (e inclusive é algo que ela pensa em voltar a fazer), é da baixada fluminense (mais especificamente, de Belford Roxo) e é mãe de três filhos. “Uma de 14, outra de 12 e um de 9”. Hoje em dia ela mora com a mãe dela, com as crianças e com a Luana, em uma casa grande, no Rio de Janeiro. Na internet, além de jogar sinuca (coisa que a Luana disse que é o maior dos hobbies), ela gosta de acompanhar pessoas como a Nataly Neri e o Jonas - diz que o relacionamento deles faz ela acreditar no amor. Além disso, não possui muitas referências de pessoas famosas que sejam lésbicas, acredita que esse conteúdo não acaba chegando tanto nela. Elas se conheceram de uma forma muito aleatória, no Arco do Teles (local, inclusive, que fizemos as fotos!). Luana, que estava acompanhada, foi pedir um isqueiro durante uma festa e acabou conversando com a Gabi… ela reconhece que se interessou pela Gabi logo de cara, mas a vida pregou uma peça: a Gabi, por outro lado, se interessou pela menina que a Luana estava ficando. Um tempo depois, a Luana viu a Gabi e a menina juntas e entendeu que não tinha mais esperanças. A Gabi e a menina começaram um relacionamento (nessa história, quem nunca foi um pouco Luana - sozinha vendo as duas juntas - que atire a primeira pedra!), mas a relação não deu tão certo quanto esperavam e terminaram um tempo depois. O tempo passou e a Gabi foi falar com a Luana sobre a menina, abrir o coração, já que era uma ex em comum. Elas conversaram, se mantiveram nas redes sociais e um tempo depois a Lu postou um storie com uma música da Duda Beat, pois naquele dia seria o show dela no Circo Voador, e a Gabi respondeu dizendo um “ei, também vou! vamos nos ver lá?!”. Enfim, nem preciso dizer que se encontraram, né?! Quando elas finalmente ficaram, foi um dia muito feliz para a Luana. Ela fez até um café da manhã e levou na cama, no dia seguinte. A noite anterior tinha sido num ‘fanchokê ’, o karaokê das sapatão. Elas cantaram Lenine juntas. Depois, tomaram um banho de chuva e foram para a casa. Gabi brincou que para ela jamais faria sentido que isso fosse alguma coisa séria, a Luana passava uma impressão de ser muito solta, muito livre de relacionamentos. Gabrielle Luana

  • Juliana e Marci

    Foi após uma noite de natal, quando já estavam há alguns anos num misto entre amizade e flerte que, finalmente, a Juliana e a Marcyllene se beijaram e começaram a se envolver afetivamente. Elas se conheciam desde 2016, moravam em regiões próximas e tinham amigos em comum, o que facilitava com que frequentassem os mesmos lugares. E também já tinham se beijado em outros momentos, mas de alguma forma, não tinham sentido encaixar. Eram momentos diferentes, estavam com outras pessoas em mente e não sentiam ser o mais justo insistir em algo que não iria para frente. Entenderem que aquele não era o momento não impediu que elas seguissem com a amizade, o que gerou uma confiança e um respeito entre elas que foi alimentado e cuidado com o tempo. Assim, elas se encontravam, até participaram da fundação de uma Organização Comunitária no bairro, passavam todos os dias cuidando quando chegavam em casa tarde (por ser perigoso e por trabalharem em locais distantes) e seguiram por alguns anos a amizade, até a noite de Natal de 2019, que a Marci tinha recém voltado de uns meses que passou em Fortaleza e, depois da ceia, foi para a casa da Ju, se reunir com todos e celebrar. ​ A Juliana tem 22 anos, faz graduação em hotelaria e trabalha como estagiária em um hotel no Rio de Janeiro. A Marci tem 25 anos, é técnica em saúde bucal e também cursa Ciências Ambientais, além disso faz alguns trabalhos como designer gráfico e transcrição de áudios. A Ju e a Marci são de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, de um bairro chamado Jardim Catarina, o mais populoso da cidade. O que mais gostam de fazer juntas é cozinhar, estar em casa tomando uma cerveja, conversando e também estudam bastante, trocando muito sobre coisas que aprendem. Elas entendem que quando estão com problemas respeitam muito os espaços, mas que se for preciso, resolvem juntas - o apoio é sempre muito presente. Logo no começo do relacionamento elas passaram por perdas familiares e estiveram juntas uma com a outra, oferecendo base e afeto. Contam que isso foi algo que sempre destacou, desde o início, porque sentem que podem confiar uma na outra de verdade. ​ Na noite de Natal, quando a Marci acabou dormindo na casa da Ju, foi que finalmente o beijo aconteceu. Depois disso, já no começo de 2020, começaram a sair juntas enquanto um casal (não mais sendo apenas amigas) e a fazerem programas de casais, como ir ao cinema, cozinharem juntas… Mas neste momento, não estava claro para elas algum rótulo ou o que elas seriam, inclusive ainda saiam com outras pessoas e frequentavam outros lugares. Então, com o começo da pandemia e por morarem tão próximas (a Marci que sempre se locomovia muito de bicicleta e frequentava a casa da Ju) foi se tornando algo bastante natural ir até lá e ficarem juntas nesse período. A Ju entrou na faculdade, elas estudavam um tempo juntas em casa, se divertiam bastante, faziam diversos programas, mas sentiam que os passos delas enquanto um casal ainda eram muito lentos. Elas contam que não é por estarem juntas que necessariamente se envolviam, às vezes passavam semanas e não acontecia nada, rolava uma trava muito grande da Ju em relação ao que estava acontecendo e foi nesse momento que elas resolveram conversar e estabelecer melhor o que teriam. Nunca aconteceu um pedido oficial sobre o namoro, mas elas brincam que a verdadeira iniciativa veio da mãe da Ju porque elas cozinharam juntas no dia dos namorados e quando a mãe dela chegou em casa, disse: “Cadê a sua namorada???”. Foi aí que tudo começou. Até cantarolou depois “Juliana e Marcyllene estão namorandooo!”. Faz parte também entender que esse processo foi lento pela insegurança, pelo medo do preconceito familiar e pelo próprio envolvimento que já tiveram com outras pessoas e que saíram machucadas. Não é um processo fácil estarem abertas novamente para relacionar-se e, durante a conversa, fomos entendendo que talvez se elas ficassem juntas enquanto um casal, lá no começo, não teria dado certo… não teriam maturidade suficiente para entender seus momentos, seus espaços e seus tempos de processá-los. ​ Para Marci o amor é um afeto mais cuidadoso. É sobre entender quem é o outro e que ele merece ser respeitado. Respeitado em diversos sentidos, desde sua orientação, até suas escolhas (profissionais, pessoais…). Quando você respeita o que a pessoa é, aprecia aquilo que ela oferece para o mundo e para todos ao redor. E na relação entre mulheres, ela sente que o respeito está presente na grande maioria dos momentos, pela conversa ser ativa, com escuta e atenção. Sente também que é possível existir mais colo, mais cuidado. A Ju explica que para ela o amor está literalmente nos mínimos detalhes: num sorriso ou abraço, numa palavra, no apoio. Acolher a pessoa por quem ela é, enxergando quem ela é. Ela acredita que nas relações entre mulheres o amor pode se demonstrar um pouco diferente porque as mulheres conhecem seus corpos, suas vivências e sabem se entender. Falamos também sobre a vivência que elas gostariam ter na cidade de São Gonçalo e no bairro em que elas moram, por ter um contato direto com cursinhos pré-vestibulares, organizações comunitárias etc. É impossível desviar a conversa da questão de segurança pública. O medo, ao sair de casa para trabalhar, é sempre presente. Não à toa falamos no começo sobre quando elas ficavam até tarde conversando quando ainda eram amigas para saber se chegariam em casa seguras, viver num local muito perigoso é nunca saber como será chegar em casa. A Marci disse que vê o quanto isso pode mudar quando as ações dos cursinhos, cine debates e investimentos na cultura são feitos por lá, já que são os grandes transformadores das pessoas e da sociedade - abrem um leque de possibilidades para novos futuros. Falamos também sobre como é importante pensarmos sobre o presente que temos e registrá-lo, registrar também as pessoas que vivem essa realidade e que não querem simplesmente sair dela e fingir que ela não aconteceu. A Ju e a Marci são mulheres que amam o bairro, que querem mudar, investir nele. Sentem ódio pelo o que ele se torna atualmente, mas além do ódio, querem ficar para mudar. É uma sensação de pertencimento, de raiz, muito forte - e de acreditar mesmo. De promover mudanças.

  • Gabriela e Mariana

    Ela conseguiu diversos trabalhos fazendo lettering em paredes e outros freelas com comunicação, e por mais que tivesse chegado aqui em dezembro com algum dinheiro guardado, ambas sabiam que o mesmo teria prazo para acabar. Quando a pandemia surgiu em março foi um susto muito grande, porque passaram por um aperto e por muitas incertezas. Ela parou de trabalhar e a Mari corria o risco de também ficar sem emprego. Por mais que ainda tentassem de diversas formas conseguir contornar as situações (no carnaval antes da pandemia, por exemplo, venderam sacolés - que chamaram de sacolésbicos! - e assim conseguiram dinheiro para aproveitar o feriado e pagar as contas), tudo gerava bastante medo de não conseguirem bancar e não sabiam muito o que fazer sobre, até porque a pandemia não mostra nenhuma outra oportunidade ou opção. Elas contam que a família da Mari foi essencial e muito acolhedora nesse momento também, foram muito importantes para que elas não se sentissem sozinhas, e que mesmo com os problemas financeiros, isso nunca afetou elas enquanto um casal nos sentimentos e no amor. Existem vários tratos que nunca precisaram nem serem especificamente feitos, foram surgindo naturalmente entre elas, de que quando uma está com menos dinheiro a outra tenta segurar as pontas, já que ambas estão sempre conversando sobre tudo. A parceria é muito forte nesse sentido. ♥ Por mais que hoje elas brincam e dão muitas risadas pelo começo rápido do namoro, a verdade é que ele não foi nenhum pouco fácil. Elas estavam muito felizes juntas, enquanto um casal, mas a vida da Gabi em Araras estava bastante complicada. Ela passava por muitos momentos complicados no trabalho e sofreu duras críticas dos amigos por ter começado a namorar tão depressa. Muitos se afastaram dela e nem quiseram tentar acompanhar o relacionamento dela com a Mari, ela se sentiu bastante triste e acabava vindo mais para o Rio porque não se sentia tão bem ficando em São Paulo. Além disso, a partir do primeiro momento em que ela esteve no Rio, criou uma conexão muito forte com a cidade. Ela conta que o Rio representa tudo o que ela sempre estudou, a antropologia está muito presente aqui o tempo todo, e acabava também que sempre que estava aqui conseguia bastante trabalho freelancer... as coisas iam acontecendo muito rápido. As pessoas sempre falavam que o lugar dela não era em Araras e um pouco antes delas completarem um ano de namoro sentiu que era o estopim e o momento: fez as malas e largou o emprego em São Paulo, veio apenas com a passagem de ida para o Rio! Assim que ela chegou, ficou hospedada na casa de um amigo e a ideia era ficar lá no primeiro mês, porém o lugar era bastante perigoso e a família da Mari achou melhor acolhê-la. As duas ficaram juntas e conseguiram alugar uma kitnet, por mais que o espaço fosse pequeno e que as coisas tivessem se ajeitando aos poucos, a família da Gabi também foi entendendo que ela estava mais feliz no Rio e foi apoiando a vinda dela, então ela foi conhecendo pessoas, distribuindo currículos e tentando empregos. De uma forma um tanto quanto aleatória, a Gabi viu o perfil da Mari sendo divulgado em algum Twitter LGBT de pessoas solteiras, mais em tom de brincadeira do que de seriedade, e resolveu segui-la, então a Mari seguiu de volta e elas se tinham nessa rede social. O tempo foi passando e em 2019 ambas estavam solteiras e interagiam em alguns tweets. Até que em um sábado, a Gabi estava estudando e resolveu beber... já estava começando a ficar alcoolizada e viu um tweet que a Mari fez sobre queijos (quem quer puxar assunto dá um jeito, né minha filha?) e resolveu responder, resumindo: começaram a conversar e um tempo depois a Mari estava pegando um ônibus, saindo do Rio de Janeiro e indo para Araras em pleno carnaval, para as duas se conhecerem! A Gabi foi buscá-la em Campinas, cidade próxima, e a rodoviária de Campinas tem dois andares, então ela conta que, enquanto estava no piso superior, ao ver a Mari saindo do ônibus, ela teve certeza que namoraria essa mulher. As duas se falaram, ambas nervosas, o papo fluiu, já era tarde da noite e quatro horas depois elas se pediram em namoro - ou seja, quando a família da Gabi acordou e foi dar bom dia para a ‘menina do Rio que finalmente chegou’, a menina já tinha virado ‘a namorada do Rio que finalmente chegou’. A Gabi tem 26 anos e é natural de Araras, interior de São Paulo. Se formou em Ciências Sociais com foco em antropologia e está cursando publicidade e propaganda, trabalhando atualmente em uma agência de publicidade, mas vive entre muitos hobbies, freelas e artes: pinta quadros, faz lettering, web design, curte fotografar, é líder de torcida e adora falar sobre muitos temas na internet, principalmente saúde mental. A Mari tem 31 anos, trabalha enquanto instrutora de informática e faz faculdade de educação física. Ama música, adora cantar, tocar vários instrumentos, já teve até canal no YouTube (alô, sapatão MPB!). Sempre adorou esportes e joga muita bola, além de arrasar na cozinha. Elas amam fazer coisas juntas, falam muito sobre o relacionamento nas redes sociais para incentivar mulheres a saírem do armário e falarem sobre conexões homoafetivas e também gostam muito de criar coisas juntas, a Gabi brinca que a Mari adora montar e fazer coisas, então, por exemplo, elas precisavam comprar um sofá e quando ela se deu conta a menina já estava vendo formas de fazer o próprio sofá! Hahahaha! Se pudesse, faria tudo! Hoje em dia, moram juntas com os gatinhos em um apartamento em que cada cantinho tem algo feito por elas, desde os quadrinhos nas paredes, até as plantas que cuidam juntas e o espaço aconchegante no quarto. Por mais que no primeiro encontro da Mariana com a Gabriela já tenha acontecido o pedido de namoro e isso soe bastante impulsivo e até mesmo um pouco inconsequente, hoje em dia, alguns anos depois, com alguns quilômetros de distância e morando juntas, elas são as pessoas mais sensatas e conscientes sobre suas atitudes que eu poderia conhecer. Não que uma pessoa que comece a namorar no primeiro encontro não esteja consciente da sua atitude, mas que poucas vezes vi casais que conseguem se equilibrar em tanto companheirismo como na tarde que eu passei dentro do apartamento da Gabi e da Mari, em Madureira, no Rio de Janeiro. Me peguei por muito tempo depois pensando se talvez tamanho companheirismo tivesse surgido pela correria diária que passaram juntas - porque nos momentos mais difíceis acabamos sempre nos fortalecendo - mas acredito que o que envolve tamanho amor entre a Gabi e a Mari é o quanto elas se impulsionam em querer ver bem, sobretudo, na saúde mental. Ambas estão sempre com diálogo muito aberto, compartilhando inseguranças, medos, conversando sobre o que sentem, sobre suas admirações e sobre seus olhares à forma de ver o mundo. A Gabi, quando falou da Mari e da importância que ela têm na luta pela saúde mental, se emocionou e deixou claro o quanto é grata pela mulher que a Mari se tornou. Por quem ela é. E a Mari, logo depois, completou com uma fala em que explicava que família é algo que nem sempre está ali para te entender em cada detalhe, mas para te apoiar e dar amor em o que você precisar. Tudo se encaixou entre elas, de alguma forma, nesse amar, admirar, se encontrar, encantar, apaixonar e confiar. A Gabi e a Mari acreditam que o amor entre mulheres envolve não só as relações românticas, mas saber admirar, apoiar, escutar, reconhecer e querer estar com outras mulheres. A Mari comenta que quanto mais descobrimos o mundo de amar e de nos apaixonarmos por coisas feitas por mulheres, por espaços compostos por mulheres… mais queremos estar nesses lugares, mais queremos conhecê-las, e também mais queremos exaltar seus trabalhos e quem essas mulheres são. A Gabi conta também a importância de ter outras mulheres na nossa vida para nos referenciarmos… desde nos nossos trabalhos, na nossa faculdade, nos espaços que antes eram majoritariamente ocupados por homens. Ambas acreditam que para que a sociedade como um todo mude e para que a gente cresça, é preciso uma reeducação sobre o machismo (e sobre os preconceitos em geral), além de uma redistribuição de cargos públicos, de renda, de condições de vida. Para que ninguém mais passe pela fome, que ninguém mais sofra discursos de ódio e que a gente não viva no caos porque o caos só beneficia o lado de um sistema que realmente não quer saber da gente. Que saibamos ir além dele. ♥ Mariana Gabriela

  • Julia e Milena

    No começo do relacionamento foi um pouco mais difícil manter os encontros, por conta da família não saber, não lidar muito bem e a pandemia não permitir que saíssem de casa. Agora, mesmo com a distância intermunicipal, elas acabam se vendo a cada 15 dias ou nos fins de semana. Entendem que essa escolha faz parte da relação e que o relacionamento está sendo construído com muito respeito e conforto, tendo cumplicidade. Nesse momento, a Milena disse que nunca teve alguém na vida que olhasse ela e tratasse ela da forma que a Júlia a olha e a trata, e que isso já resume toda a diferença e tudo o que o relacionamento vem significando para ela. “Todo o carinho. Todo o cuidado. Ninguém nunca se preocupou comigo assim." No começo da conversa, a Júlia tinha comentado sobre uma mulher que estava no metrô olhando as duas no caminho que fizeram até o local que nos encontramos. O olhar que ela fez foi um olhar específico de julgamento, não chegou a ser vulgar, foi algo do tipo “nossa, mas duas meninas? por que elas não estão com homens?”. Ela estava realmente bem incomodada com esse olhar, falou dele várias vezes na conversa. Comentamos sobre a diferença de olhar que nós mulheres recebemos quando estamos sozinhas, quando estamos com nossas companheiras, quando são dois homens, quando é um homem gay, quando é uma mulher nos olhando e quando é um homem nos olhando… sobre como todos os olhares são diferentes, mas como todos eles são violentos. Ela disse que queria que as coisas LGBTs fossem mais divulgadas para que tivéssemos mais espaços de fala, não só para “nos mostrarmos”, mas para educarmos essas pessoas, para explicarmos “sim, somos duas mulheres, amamos, está tudo bem, viu? não precisa do homem”. A divulgação pela nossa própria representatividade, porque precisamos disso, porque é importante para nós. Elas comentam também o quanto o fato de ocuparmos esse espaço as coisas já vão mudando naturalmente, como na própria família: os familiares que antes nunca usavam o termo “namorada da Milena” ou “namorada da Júlia”, ou que substituíam por “amiga”, hoje em dia já estão verbalizando isso… e que elas já estão podendo se referir à mãe da companheira enquanto sogra. O quanto faz diferença para a gente nos considerarem enquanto uma família e enquanto parte da família. O quanto elas vibram em cada pequena conquista que acontece quando uma está na casa da outra e sentem que avançam um pouquinho nessa conquista de território, que é diária. ​ Sabe aquela famosa frase que nos acostumamos a ouvir? “e ai depois veio a pandemia.”, pois é. Foi logo em seguida, então os sentimentos se misturaram novamente: o término da Jú, ela tinha recém começado em um novo emprego, as várias coisas acontecendo mundialmente, tempos de incertezas, mudanças bruscas e todos dentro de casa. Elas foram voltando a conversar com maior frequência, de forma online, e só puderam se encontrar no início de junho. Quando se encontraram foi certeiro: começaram a namorar na mesma semana. Hoje em dia a Júlia está com 23 anos e a Milena também, a Jú faz muitas coisas, é fotógrafa, trabalha como social media e faz produtos digitais. Começou uma graduação em jornalismo e adora a área de criação (faz orçamento com ela, gente!), enquanto a Milena está desempregada, mas possui técnico em administração (mandem jobs e vagas por aqui também! estamos super na busca!). A Jú acredita que a fotografia entrou na vida dela como um grande hobby, acabou virando profissão, mas ela ainda faz em grande parte por diversão, porque gosta mesmo é de treinar, desbravar, se aventurar. E a Milena brinca que o hobbie da vida dela é o esporte, jogar e praticar. Elas entendem que cada vez mais querem estabelecer um nível de relação totalmente diferente das que já tiveram antes. Algo muito mais saudável em diversos âmbitos. Desde a família - antes a mãe da Jú não aceitava, por exemplo, e hoje ela adora a Milena. Assim como a família da Milena demorou um tempo para processar também e hoje adora a Jú - até os próprios preconceitos internos que ainda podem existir em nós. E falam sobre querer enfrentar os desafios que surgirem juntas, crescerem e se apoiarem. Desde o começo, quando eram apenas amigas, sempre falaram sobre absolutamente tudo (e por isso se deram tão bem), então agora não será diferente. Elas podem contar uma com a outra para entender seus processos internamente sem julgamentos. Quando falamos sobre isso, a Júlia logo disse em seguida sobre o arrependimento da escolha de ter voltado àquele relacionamento, por conta do ano de 2019 ter sido um ano muito difícil em diversos sentidos, incluindo o relacionamento. Mas como podemos saber se ela e a Milena teriam dado certo se tivessem ficado juntas naquele ano? de alguma forma, as coisas foram caminhando. O ano serviu para que ambas, em seus caminhos distintos, construíssem um amadurecimento muito maior, enfrentando coisas que não enfrentariam estando juntas. Ela também comenta que mesmo reatando o namoro, a Milena nunca deixou de ser uma prioridade na sua vida, e que isso foi algo totalmente novo, ou seja, que ela nunca tinha sentido por alguém. Ela sempre procurou saber como a Milena estava, se estava precisando de algo… sempre deixou amigos por perto dela. No meio do ano, alguns meses depois do afastamento, elas voltaram a conversar. Durante todo o ano de 2019 a vida da Milena também passou por idas e vindas, ela reatou o ex namoro, também passou por mudanças, processos diferentes. Se viu andando em círculos, processos muitos semelhantes aos da Jú. Nos meses em que elas conversavam se identificavam com algumas questões, se encontravam quando ela poderia estar pelo Rio, já que seguia morando em Magé, e conversavam muito sobre como os caminhos tinham sido separados e como mesmo com situações tão diferentes elas ainda se identificavam. Foi em Janeiro de 2020 que a Milena tomou a iniciativa de romper o relacionamento dela, por não sentir que fazia mais sentido continuar naquela forma que estava. Em março a Júlia terminou também. Uma semana antes da pandemia elas se encontraram em um show do cantor Delacruz, no Circo Voador, porque gostavam de uma música dele que sempre teve um significado muito forte para elas. Esse dia foi um divisor de águas, elas consideram que a partir dele e a partir daquele momento queriam passar a fazer as coisas serem diferentes. A Milena olhou no fundo do olho da Jú e disse: eu realmente gosto muito de você. A história da Milena e da Júlia começou oficialmente durante a pandemia, em 2020. Mas elas se conheceram em 2018, durante um curso, enquanto eram jovens aprendizes. A Júlia é natural do Rio de Janeiro, enquanto a Milena é de Magé, no interior, mas toda semana chegava até o centro do Rio para o curso. Na época elas não tinham nada em comum, a Júlia já sabia que se interessava por mulheres e estava num relacionamento com uma menina, enquanto a Milena nunca tinha se interessado por nenhuma mulher, estava em um relacionamento heteronormativo e pensava que não teria muito assunto em comum para conversar com a Jú. Aos poucos, foram criando uma amizade. Na versão da Jú, ela conta que logo no primeiro dia sentiu atração e uma paixonite pela Milena, por isso tentou investir na amizade começando com piadinhas e tentando se aproximar… assim elas se seguiram nas redes sociais e começaram a conversar além do ambiente do cursinho. Com o tempo passando e a frequência ao se verem semanalmente no curso acontecendo, acabaram criando um grupo de amigas e a amizade foi se fortalecendo. Elas passaram a manter uma rotina de conversas ativas, se ligavam por chamadas de vídeos, viraram confidentes. A Milena se sentiu à vontade para contar para a Júlia que estava sentindo algum tipo de atração por ela (Júlia que não à toa ficou com um sentimento de “eu sempre soube que você gostava de mulheres também!!!!”) e então ela contou que não sabia que gostava de mulheres e que essa estava sendo a primeira vez que sentia isso. Como a Júlia estava em um relacionamento, elas até chegaram a sair juntas depois disso, mas não se beijaram ou algo do tipo, apenas continuaram tendo contato. Em janeiro de 2019, o relacionamento não estava indo bem, ela acabou dando um tempo a ex e foi o momento em que finalmente pode ficar com a Milena. Por mais que elas estivessem ficando e se encontrando durante o mês de janeiro, tudo ainda era novo para a Júlia, porque o relacionamento recém tinha acabado, ela ainda se sentia muito dividida. Foi quando a ex-namorada soube que ela estava se envolvendo com alguém nesse período de “dar um tempo” e a pressionou, como quem diz “e aí, você vai começar algo com ela? ou nós vamos voltar a seguir o que já tínhamos construído?”. Foi então que a escolha de voltar ao relacionamento em que estava foi feita. Ela parou de falar com a Milena, parou de frequentar o curso e mudou totalmente a rotina.

  • Alyce e Manu

    Em um momento prévio da nossa conversa a Alyce contou sobre um domingo em que ela e a Manu saíram de manhã para comprar chocolate e passaram por uma manifestação bolsonarista na praia. Ela ressalta que em nenhum momento elas pegaram na mão, nem se tocaram, mal falaram. E quando está falando sobre amar uma mulher, relembra dessa manifestação, sobre não tocar na Manu e diz uma frase que ecoou na minha cabeça por um bom tempo: “estar com uma mulher, infelizmente, é estar em um lugar que a qualquer momento pode ser tirado de você”. Ainda quando falávamos sobre este episódio da manifestação, falamos também sobre hoje em dia estarmos muito ocupadas tentando nos manter vivas, e que isso é o nosso foco e tem que ser o nosso foco, por mais que soe exagerado. Quando pergunto a elas o que elas mais gostariam de mudar no cenário atual sobre a sociedade em que estamos, elas respondem que dentre esse governo, ainda se sentem invisíveis. Exigem respeito, e para termos respeito precisaríamos investir em políticas de educação, em seguranças para acabar com as milícias (que, na realidade de São Gonçalo, por exemplo, toma cada vez mais espaço) (porém, não só, visto que cresce desenfreadamente por todo o Brasil). Comentam também sobre não se sentirem seguras, sobre sentirem falta de coletivos de mulheres lésbicas que possam acolher, gerar segurança, comunicação, para além dos meios acadêmicos, para as mulheres que ainda estão nas periferias. E que gostariam também de ver mais cultura sendo explorada em São Gonçalo porque só a cultura é capaz de unir e dar conta de salvar as pessoas de muitas coisas que nem conseguimos dimensionar que possam estar acontecendo. A história da Manuela e da Alyce te ajudou de alguma forma? Gostaria de mandar uma mensagem para elas? Vem cá que conectamos vocês ♥ ​ Tem alguma proposta de trabalho para elas? Opa! Pode mandar por aqui! Quando falamos sobre o amor entre mulheres, a Manu diz sentir o amor enquanto algo desafiador e importante, mas que mais que isso, o amor entre mulheres, é um gesto político e revolucionário. Ela já se viu em muitos momentos refletindo sobre a quantidade de coisas que precisou enfrentar (e que as amigas ou que outras mulheres que já conheceu/que já se relacionou também precisaram enfrentar) para que pudessem viver o amor de forma livre e para que também pudessem aceitar esse amor em seus próprios corpos de forma livre. Estar vivendo um amor de verdade de forma tão saudável, hoje em dia, é algo muito grandioso. Já a Alyce, se refere ao amor enquanto acolhimento. Ela diz que amar é ter um lugar para voltar. É sobre revisitar também, porque você se revisita, revisita o outro, revisita momentos. E amar outra mulher é muito intenso porque essa pessoa sabe penetrar muito fundo no que você é, sabe entender e compreender. “Além de que, às vezes, você fala algo para a pessoa que você se relaciona e em pouco tempo depois ela consegue descrever tão perfeitamente coisas que são tão íntimas, porque ela compreende, se coloca no seu lugar, tem empatia”. Na época em que elas se conheceram, a avó da Manu, que mora no interior, estava pelo Rio, por conta da Manu estar passando por alguns momentos mais delicados devido ao psicológico não estar totalmente saudável e feliz. Então elas acabaram tendo um contato com a avó que criou a Manu e esse laço familiar foi naturalmente nascendo no relacionamento. Como em março de 2020 foi declarado o início da pandemia, elas só tiveram 4 meses de namoro em espaços de convívio social antes da quarentena. Conseguiram aproveitar vendo os amigos, indo para bares, shows, espaços de lazer, porém contam que ainda era um momento bastante inicial. Foi muito desafiador realmente conhecer alguém nesse contexto pandêmico e adaptar convivências com as famílias. A relação virou uma relação do agora, do presente, porque tudo foi acontecendo e elas foram se colocando dia após dia, “ninguém sabia como iria ser, só fomos vendo e vivendo”. Elas contam dos aniversários que passaram juntas e das formas que usaram a criatividade para se inventar, mas também falam sobre a maior dificuldade ser já estar aqui, mais de um ano após tudo ter começado, e ainda não enxergar um fim em saber quando que realmente poderão fazer algo fora de casa, planejar algo realmente na rua. Tentam se apoiar na ideia de agora estarem voltando a trabalhar fora aos poucos e de não estarem mais tão trancadas no apartamento, até pela importância da rotina ter mudado pelo fato de estarem vendo outras pessoas no trabalho/no transporte/na rua e o quanto isso melhora o nosso estado de espírito, e também comentam que o que faz com que elas segurem as barras e as dificuldades que sentem é poder conversarem sobre isso, terem uma comunicação aberta para falarem sobre suas inseguranças e sobre o que sentem perante a própria pandemia e os desafios que nos são colocados diariamente. A história da Manu e da Alyce aconteceu de uma forma aleatória, por conta de uma amiga que elas tinham em comum e que estava na casa da Manu, junto com outras pessoas em uma noite. Todo mundo comendo, bebendo, até que tocou uma música da Ana Carolina e essa amiga falou “gente, tenho uma amiga que é muito parecida, assim, de jeito, com a Ana Carolina…”, e a Manu respondeu “e por que você ainda não me apresentou???”, então a amiga mostrou o Instagram dessa amiga teoricamente parecida com a Ana Carolina, que era, a Alyce, cujo a Manu nem achou tão parecida, mas se interessou da mesma forma, então seguiu. A Alyce não seguiu ela de volta e na época a Manu tentava acompanhar o que ela postava nos stories para tentar puxar algum assunto, mas ela só postava sobre o trabalho, até que um dia postou uma selfie e o flerte estava lançado! Agora, pergunto, vocês acham que ela respondeu? Claro que não. Ou melhor, até respondeu, mas não correspondeu ao flerte. Elas conversaram, a Manu chamou ela para sair e ela topou, mas disse que sairia sem segundas intenções, porque não estava interessada. Combinaram assim, mas a Manu conta que na cabeça dela estava tudo planejado, quando chegasse o momento a intenção iria acontecer, era quase que uma questão de honra… “vai rolar, em algum momento, vai rolar”. A conversa seguiu por mais uns dias e a Manu chamou a Alyce para ir na casa dela beber, mas a Alyce achou meio absurdo, ficou pensando como ela iria lidar com os pais da menina logo no primeiro dia, não pensou na possibilidade dela morar sozinha, disse que preferiria ir em algum local público e o encontro não aconteceu. Mais um tempo passou e finalmente, depois de uma viagem da Manu e com a Alyce já entendendo que ela não teria que lidar com familiares, ela topou encontrar a Manu na volta da viagem e foi almoçar no apartamento assim que ela desembarcou. Elas brincam que foi o primeiro encontro mais aleatório possível. A Manu chegou de viagem do nordeste. A Alyce chegou com um engradado de cerveja e chocolates. Elas se encontraram ao meio dia, ela foi embora às onze horas da noite. E nesse meio tempo, o que aconteceu? elas beberam, em algum momento se sentiram com sono e, sim, dormiram. Abraçadas. Ou seja. Conhecer algum familiar no primeiro encontro? Jamais! Local público! Dormir abraçada no meio do dia com alguém que até então “não tínhamos interesse”? Aceitamos! Hahahaha. Tudo bem, Alyce. A gente te entende. ♥ Foi esse dormir abraçadas que conquistou tudo, depois desse dia, em outubro de 2019, não tinha mais volta, ficaram juntas. A Alyce e a Manuela são duas pessoas muito calmas e encantadoras. Visitei o apartamento da Manu em Niterói, região metropolitana do Rio de Janeiro, local em que passaram a morar juntas, mas a Alyce é natural de São Gonçalo, cidade vizinha. Foi um fim de tarde muito acolhedor, elas se apresentaram, eu falei sobre o projeto, caminhamos juntas na praia e conheci o lar. A Alyce tem 22 anos, é técnica em química, trabalha na FioCruz fazendo o controle de qualidade das vacinas da Covid-19. Seu trabalho envolve o laboratório biofármaco - e além das vacinas da covid, também fazem controle de outras vacinas como a da poliomielite, sarampo, febre amarela, etc. Além disso, como hobbie, em casa, ela ama cozinhar, é algo que realmente a distrai. Gosta de testar novas receitas e explorar novas coisas. Antes da pandemia trabalhava com pesquisas em meio ambiente e comenta sobre a responsabilidade e a importância que é trabalhar com uma causa tão nobre em tempos tão difíceis como os que vivemos atualmente. A Manu tem 23 anos, faz faculdade de estudos de mídias e atualmente está estagiando enquanto jornalista em uma escola. Lá ela faz cobertura de eventos, já trabalhou também em agências de publicidade e, pasmem, já publicou um livro. Alô, literatura LGBT, ela manda MUITO bem. O livro se chama ‘Diário de Guernica e Cartas de Amor’ e é só clicar aqui para comprar ♥ (apoia o trabalho dela!). Tanto a Manu, quanto a Alyce, desde o começo da conversa, ainda na praia, falaram coisas muito interessantes sobre a pandemia e sobre o tempo em que estão juntas, por passarem muito em casa e por estarem sempre se reinventando e se ajudando. Passar tanto tempo juntas em um apartamento fez com que elas se redescobrissem de muitas formas, mas fez com que, mais que tudo, elas sempre estivessem tentando se puxar para cima, se fortalecer e servir de apoio, de abraço, uma para a outra. . Manuela Alyce

  • Clara e Laura

    Clara e Laura, por mais que estejam há pouco tempo juntas, entendem que já passaram por muitas coisas. Seja pelo fato de que vivem a grande maioria dos dias na casa da Clara, ou por serem muito dispostas uma para a outra, acabam todos os dias topando diversos eventos diferentes, desde que estejam juntas. É na rotina que criaram que Laura entende o que é o amor. Quando lembra de ter se assumido durante o período que estão juntas, também reflete que foi ali que se permitiu viver detalhes cotidianos: dormir e acordar com quem se gosta, compartilhar o dia com a família, sair com os cachorros para passear sem medo e receio de que alguém pudesse ver… São coisas muito simples, porém que não poderia viver antes, e hoje em dia encontra seu sentido de amor no cotidiano. Clara complementa que para além dos fatos diários, tem o ponto chave para ela: o cuidado. Elas cuidam muito uma da outra e de quem amam: sejam os amigos, a família, os bichinhos, o curso que estudam na faculdade. Tratam tudo com muito cuidado, até mesmo nas palavras, e é no carinho que uma demonstra pela outra ao ter cuidado que enxerga o amor. = Laura, no momento da documentação, estava com 20 anos. Ela estuda Relações Internacionais na PUC-Rio, é carioca, adora ler e escrever. Clara, no momento da documentação, estava com 22 anos. Ela também é carioca e estuda Psicologia na PUC-Rio, se forma esse ano e está completando o estágio na clinica social da universidade. Clara também ama escrever, já lançou até um livro, mas hoje em dia se vê um pouco distante do hobbie, pretende voltar. Ambas são muito próximas das suas famílias, contam que suas mães são as maiores amigas e inspirações que possuem e admiram tudo o que já foi conquistado por elas. E hoje em dia, como ambas as mães sabem sobre suas relações, gostam bastante de conviver em família. = Laura gosta de pensar que a história delas é dividida em duas partes: uma da qual elas não se encontravam mesmo estando nos mesmos lugares durante meses (e tendo amigos em comum/vivendo situações em comum) e outra em que elas finalmente se encontram e começam a se envolver. A primeira vez que se esbarraram foi nos jogos universitários, que aconteceram no interior do Rio de Janeiro. Ambas fazem parte de atléticas dos seus cursos e, lá, durante os dias de jogos, se viram na arquibancada pela primeira vez. Até esperaram se encontrar nas festas que tinham no fim do dia, mas não aconteceu. Voltaram para o Rio sem ao menos conversar. Laura achou o perfil da Clara nas redes sociais e adicionou - enquanto Clara achou que era apenas uma menina hétero com amigos em comum e aceitou. = Um tempo depois, com suas vidas seguindo rumos bem distintos, começaram a conversar através do Instagram. Enquanto o tempo foi passando Clara já tinha entendido que a Laura era uma mulher que se relacionava com outras mulheres e que estava solteira, foi quando começou a demonstrar interesse. Passaram muito tempo conversando e não conseguiam se encontrar: quando uma chegava na faculdade a outra estava saindo, nas festas de universidades quando uma estava a outra não ia, e assim seguiram até que um dia Clara chamou a Laura para um date. Ela topou, mas novamente não conseguiram se encontrar por imprevistos no dia e o tempo foi passando. Clara brinca sobre o quanto é uma pessoa emocionada e apegada, então mesmo sem encontrar a Laura já sentia corações saindo dos olhos… Os amigos, por sua vez, orientavam: “Tenha calma!”, mas quando ela percebia já estava se deixando levar novamente. Foi quando marcaram de sair em uma confraternização dentro da própria faculdade. Havia muita gente, estava um tanto quanto caótico, mas junto com todos os amigos (que já sabiam da existência uma da outra, de tanto que conversavam), conseguiram se encontrar e tiveram o primeiro beijo. = Desde que se beijaram pela primeira vez, seguiram conversando. No dia seguinte, Clara mandou uma foto que tiraram juntas para a Laura e marcaram de se reencontrar na próxima semana. Numa quarta-feira foram beber cerveja em um bar qualquer, depois viram o jogo do Flamengo e seguiram numa sequência de fechar bares até às 4h da madrugada. Sentiam que não queriam se separar, encerrar a noite: queriam ficar juntas. Antes do encontro ficaram com muito medo de uma falar demais, a outra ser tímida, mas eram duas tagarelas e acreditam que se dão até melhor por conta disso: quando uma está quieta é porque tem algo errado. E entender o que está errado nesses momentos também é um novo desafio. São pessoas que se veem entre muitos diálogos, sentem as coisas de forma parecida, mas desejam cada vez mais um relacionamento comunicativo, que entende seus tempos, dores e individualidades. = Fizemos as fotos na casa da Clara e também numa rotina que as representa muito: sair com os cachorros. E, dentre o encontro, outros detalhes estiveram presentes também: como os símbolos da lhama e do pato, animais que representam suas atléticas, e que acompanharam nos pedidos de namoro e escritas na parede da casa. Hoje em dia planejam viagens, gostam de misturar os amigos (que viraram um grupo só) e também de ficar em casa, comendo e assistindo filmes e séries. São mulheres muito dispostas, desde acordar cedo para tomar café uma com a outra antes dos seus afazeres começarem, a vivenciar coisas que nunca imaginaram só pela alegria de estarem juntas. ↓ rolar para baixo ↓ < Laura Clara

  • Lara e Ana

    A Lara comenta que o amor entre mulheres pode envolver maior cuidado pelo reconhecimento que uma mulher possui pela luta da outra, mas também comenta a não-generalização justamente tanto por ela quanto pela Ana já terem passado por relações com pessoas que acabaram sendo bastante tóxicas. Além do amor em si, comenta sobre a necessidade de olharmos para nós e para o que somos, as pressões que nossos corpos passam, nossa estética, nos olharmos com cuidado, entendermos nossas inseguranças, nossos medos… não desacreditarmos no amor de forma geral. Elas entendem que o preconceito existe pela falta de conhecimento e pelas pessoas tirarem conclusões precipitadas, julgarem por algo que não tentam conhecer. Falam que o amor lésbico deveria ser olhado com mais afeto e menos hipersexualização, menos olhar de indústria pornográfica, porque no fim as pessoas precisam apenas saber querer conhecer, ter essa proatividade de reconhecer que precisam buscar mais, mudar as coisas, quebrar preconceitos… e que a partir do momento que elas perceberem que é tão simples, que tá tudo bem, que isso tudo é “só” amor, as coisas vão ser muito mais fáceis para todo mundo. Mas que para isso acontecer temos um longo caminho ainda. Não à toa, elas tentam estar sempre abertas à dialogar e mudar cenários, independente de tudo. ​ ​ Quer contribuir financeiramente com o Documentadas para conseguirmos registrar cada vez mais casais por esse Brasilzão? cá entre nós, é muito fácil! Se liga no PIX, aqui :D Hoje em dia, a Lara trabalha em uma loja de roupas, é modelo plus size e estudante pré-vestibular. Sonha em fazer relações públicas para se especializar em marketing digital. Sua ligação com a mãe é absurdamente forte, assim como a fé e a religião. Frequenta a umbanda/candomblé e ama cultivar os momentos em que está no centro de religião. Além disso, também é uma grande fazedora-de-poemas. A Ana trabalha em uma farmácia de manipulação e também possui uma ligação muito forte com a religião. Foi algo que ela sempre se encontrou e que o relacionamento potencializou de um jeito transformador para ambas. Ela comenta que se viu muito tempo distante do que mais gostava, se sentia perdida, longe dos amigos e não se sentia bem nos outros relacionamentos e por muito tempo falar com a Lara, mesmo que rapidamente pelas redes sociais, acabava trazendo de volta o que ela sentia falta e não sabia nomear. Hoje em dia disse que se encontrou de novo e que sente uma paz muito grande, algo muito saudável. “Meu lar se ancorou nos olhos dela”. ​ ​ ​ A história da Ana e da Lara te ajudou de alguma forma? Gostaria de mandar uma mensagem para elas? Vem cá que conectamos vocês ♥ ​ Tem alguma proposta de trabalho para elas? Opa! Pode mandar por aqui! A Lara conta que nessa época começou a entender que quando beijasse a Ana, iria se apaixonar. Elas sempre tiveram muita sintonia, a amizade ia além, o afeto conectava, se encaixava… e elas se pareciam muito também. Então surgia até um certo receio do momento em que isso fosse acontecer, por mais que ambas sentissem vontade. Com a chegada de 2020 e o início da pandemia, elas tiveram um afastamento automático na amizade, que só voltou após o término do relacionamento da Ana e de ela passar por momentos bem difíceis, já próximos ao fim do ano. A Lara ofereceu muito suporte nessa época, elas voltaram a se aproximar e foi aí que decidiram finalmente dar uma chance a essa história de amor acontecer (no começo, em forma de amizade colorida, pra ver se daria certo!!!! e hoje em dia estão de aliança e tudo!). Perguntei para a Ana se não foi difícil assumir um relacionamento logo depois de ter passado por algo assim, justamente por ela ter proposto a amizade colorida, e ela comentou que sim, que não pensava em se envolver dessa forma, mas como gostava da Lara há tantos anos e desde tão nova, sentiu esse momento como finalmente uma oportunidade de estarem juntas, não havia formas de deixar isso passar. No dia primeiro de janeiro de 2021 elas estavam conversando e a Ana mandou uma música para a Lara (Mirrors, do Justin Timberlake), dizendo que era uma música que sempre ouvia e a fazia pensar nela. Essa música secretamente é a música favorita da vida da Lara e ela nunca tinha compartilhado isso com ninguém, o que a fez ficar muito emocionada, porque sempre quis que alguém a visse como a música descreve. Foi a partir da música que elas ficaram juntas e que o pedido de namoro também aconteceu, meses depois, cheio de jantar, vinhos, painel de led, comidas gostosas e preparativos. ♥ O romance das duas, teoricamente, começou ainda láááá no ensino fundamental, mas só de um lado. Elas estavam em um grupo de amigos e a Lara chegou para a Ana e disse “ei, escuta uma música chamada Segredos, da Manu Gavassi”, até aí ok, Ana foi pra casa e quando decidiu ouvir viu que a música era super romântica e pensou que pudesse ser algum tipo de indireta para ela, sendo que na verdade não envolvia nenhuma maldade, era realmente só uma indicação, mas a menina se deixou levar, criou um sentimento, desenvolveu um interesse e ficou com isso guardado no peito. O tempo se passou, elas não eram tão próximas e quando chegaram no ensino médio foi criado um grupo e a amizade foi se desenvolvendo, enquanto simultaneamente estavam se descobrindo nas suas vidas também. Hoje em dia, a Ana conta que naquela época percebia que o corpo automaticamente, como se fossem instintos, respondia às ações da Lara - cada vez que ouvia a voz, ou que ela saía para ir ao banheiro… coisas do tipo - o coração disparava, as borboletas batiam no estômago… e assim, a relação ficava mais próxima. Porém, aconteceram uma série de situações que fez com que esse grupo acabasse se envolvendo em discussões e todo mundo optou pelo afastamento, então as duas acabaram se afastando nisso também e interromperam a amizade. Ambas se envolveram com pessoas e acabaram criando relações bastante tóxicas, a Ana enquanto um namoro, e a Lara por mais que não chegasse a namorar de fato, acabava tendo envolvimentos, idas e vindas e não se sentia bem no que vivia. Foi quando ela resolveu retomar um contato com a Ana, saber como ela estava e as duas voltaram a conversar frequentemente. Foi nesse momento em que a Ana passou a olhar a Lara com novos olhares, a relação que antes mostrava o interesse surgindo só dela agora parecia ser diferente, sempre tinha uma implicância de brincadeira, uma bobagem à toa para ver a Lara sorrindo, uma palhaçada… e naquele momento parecia ser diferente, com o passar dos anos e já no fim do ensino médio, elas também estavam diferentes. Foi quando ela tentou um primeiro flerte e foi correspondido, mas elas nunca chegaram a se beijar, terminaram o ensino médio, a Ana começou a namorar outra pessoa, se envolveu em outro relacionamento do qual não se sentia tendo algo saudável e toda vez que parava para analisar e pensar sobre a situação em que estava, se via caminhando em círculos. A história da Lara e da Ana faz acontecer uma boa mistura na nossa cabeça porque envolve muita coisa, mesmo elas sendo tão tão tão novinhas, já se conhecem há 7 anos! Elas se conheceram no colégio, ainda no ensino fundamental. Sim, geração 2000! (se você não está se sentindo velha, é porque você provavelmente também faz parte dessa geração). A Lara tem 19 anos, a Ana tem 20 e por mais que no colégio fossem amigas, lá, no auge dos 14 aninhos, elas não eram tããão próximas assim. A Ana conta que já era capaz de se sentir mexida com algumas coisas que a Lara fazia, mas não sabia que nome dar para isso, porque tudo é muito novo quando se está na adolescência. Ela foi se entender e se descobrir mesmo aos 16, quando beijou uma mulher pela primeira vez. Começamos a conversa falando sobre isso, esse momento que envolve o descobrimento da sexualidade, do corpo, dos sentimentos… e sobre como a tendência é nos levarmos à uma heteronormatividade compulsória. A Ana comenta que passou por muitos problemas enquanto bullying, problemas com o próprio corpo, chegou a namorar um menino e só em 2017/2018 que começou a entender o que era de fato se relacionar com mulheres, foi um processo muito delicado conhecer e se identificar com o movimento LGBT. Já a Lara, conta que o processo da bissexualidade foi também caminhando e se desenvolvendo um tempo depois, no ensino médio. Hoje em dia, a Ana é a sua primeira namorada e isso implica em desafios diários - ela está começando a contar para as pessoas, começando um processo de realmente assumir quem é, como se sente. E por mais que ambas famílias apoiam e reconheçam este relacionamento, ela entende que não é a maioria da realidade no Brasil e que não é a realidade das ruas também, que pode enfrentar preconceitos e outras barreiras por conta da sua orientação. < Lara Ana

  • Julia e Ana

    Para a Júlia, falar sobre amor no meio da conversa a fez lembrar de uma fala do Manoel de Barros, que diz que a poesia em si não existe e que o amor em si não existe, o que existe é sempre uma construção em torno do que acreditamos. E hoje, ela acredita que essa relação de carinho, de afeto (e também, de amor, claro) que sente junto à Ana Carolina, existe por puro sentir, por vir do coração diariamente e por acreditar e confiar em quem elas são quando estão juntas. Sendo quando estão em casa assistindo filme, comendo pipoca, fazendo carinho, ou quando estão reunidas com os amigos jogando cartas e rindo de bobeiras. A Ana também fala sobre a construção delas porque para essa construção acontecer foi preciso muita vontade de estarem juntas. E talvez seja assim que ela ache uma forma de dizer o que pensa sobre o amor: é um jeito de alguém falar que gosta muito de outro alguém - quando independente do que acontecer ou de como for a relação, você querer estar com a pessoa. Depois de conversarmos, a Ana retoma o que falávamos anteriormente e diz que o amor é também abrir mão de algumas coisas. Para elas o amor entre mulheres é o maior ato de resistência que existe no mundo. ​ Júlia e Ana têm 25 anos, ambas são formadas em psicologia, atuantes na área e moram em Niterói, cidade metropolitana do Rio de Janeiro. Como hobbies, adoram jogar cartas, tomar cervejas, comer e sair com os amigos. Inclusive, foi no jogo de cartas (Magic!) que as duas fizeram a amizade se consolidar. Elas se conheceram por conta da UFF, a Universidade Federal Fluminense, estudando juntas a faculdade de Psicologia. O jogo surgiu no meio porque a Júlia soube que a Ana jogava e perguntou se ela podia ensiná-la. Para a Jú é só um jogo, mas a Ana adora, faz diversos amigos e produz até conteúdo na internet! Ela levou a Jú em umas lojas, apresentou os amigos e a Jú, que estava fazendo isso para jogar com o namorado, acabou começando a frequentar vários espaços de jogos diferentes. Elas, com cada vez mais amigos em comum, estavam sempre juntas - e não só na faculdade. A Ana era bastante sacaneada por ter aquela “coisa” (Foi difícil achar um nome para isso aqui, gente! Mas muitas vão se identificar!) de se interessar por mulheres que até então se identificam enquanto heterossexuais… E os amigos viviam brincando dizendo: “Ana, salva a Júlia, traz ela para o lado bissexual dessa vida!!”, mas ela não dava bola para a brincadeira e na época ambas namoravam. ​ Com o passar do tempo e a aproximação aumentando, elas começaram a fazer estágios juntas na faculdade e, foi num trabalho em dupla, que a maior aproximação de fato aconteceu - por conta dos exercícios corporais. Foram experimentos que trouxeram estudos sensacionais para a vida delas, academicamente falando, e que também somaram muito enquanto relação e confiança que elas tinham na amizade. Porém, depois do experimento, era nítido que elas tinham mais carinho entre uma e a outra… Existia uma relação de amizade com bastante afeto. Ambas já tinham terminado seus relacionamentos, se aproximavam cada vez mais e um dia uma das amigas delas comentou sobre um sonho que teve em que as duas estavam juntas enquanto um casal. Elas levaram na brincadeira e depois desse momento começou uma piada interna entre elas e também entre os amigos sobre o possível casal, até que, em um evento do curso, elas se beijaram. A expectativa de que elas poderiam ‘ficar’ já existia, mas ainda era uma sensação estranha para as duas. Brincaram com isso durante tanto tempo e ao mesmo tempo tinham tanto carinho que chegaram a se ver um pouco confusas sobre o que realmente estava acontecendo. E, por um momento, a Ana que “estava decidida a não se envolver novamente e dar um tempo nas relações” já estava totalmente envolvida - enquanto nem sequer terminava de falar essa frase em voz alta. O problema era que, dois dias depois, ela estava embarcando para a Europa com os pais em uma viagem (que duraria um mês) - e a Júlia estava indo para Inhotim com os colegas da faculdade. ​ No mês de viagem, elas se falaram todos os dias. A Ana brinca que estava totalmente entregue, enquanto a Jú dizia que aquele dia em que se beijaram tinha sido apenas “uma experiência”. Mas, assim que ela voltou de viagem, se encontraram no dia seguinte e ela trouxe de presente para a Jú um colar que comprou na Espanha e tinha um fio de ouro, desenhado à mão, com um valor sentimental muito intenso, como o carinho delas. Cerca de um mês depois da volta da Ana e delas estarem ‘juntas’, a mãe da Jú acabou descobrindo e foi um momento bastante delicado, então a Ana a pediu em namoro. Não foi no sentido de pressioná-la, mas ao contrário, para mostrar que não era um sentimento ‘de brincadeira’. Mexer em algo tão delicado como a nossa base familiar envolve muita coragem e precisamos estar dispostas e elas queriam dar as mãos e enfrentar isso juntas. Até hoje, não é nenhum pouco fácil, mas seguem uma luta (literalmente) diária. Pensando em momentos difíceis como esse (e também nos outros, enquanto um casal), a Ana conta que ela é uma pessoa mais explosiva e a Júlia tende a ficar mais quietinha quando está triste, então temos momentos distintos quando a situação em si acontece - e está no ápice - porém, com o tempo e a convivência, a Júlia têm aprendido a acolher muito mais e a Ana têm aprendido a ser mais calma também, então uma está tentando puxar a outra para um equilíbrio. A Júlia explica que quando está chateada com algo tende a ficar mais introspectiva, mas mesmo assim elas se comunicam de alguma forma. E entende que esse é o maior aprendizado de todo o relacionamento, porque quando elas se perguntam: “Queremos passar por isso?” sempre chegam à conclusão de que, sim, querem, porque reconhecem o quanto crescem e o quanto constroem muitas coisas incríveis juntas. ​ Por fim, quando pergunto como elas se sentem vivendo em Niterói, a Júlia conta que gostaria de mudar a realidade dos animais de rua. É algo que realmente mexe muito com ela e que se pudesse e tivesse condições, a primeira coisa que faria seria construir santuário para os bichinhos e medidas protetivas de direitos aos animais e ao meio ambiente. Já a Ana, iria tentar instituir uma política de coletivização na educação, para que as pessoas desenvolvessem maior empatia e convívio social, assim como aprendemos disciplinas como matemática, português, geografia… porém pensando em estruturas sociais e sendo mais coletivos. E, para finalizar, a Jú fez um pedido para utilizar um espacinho aqui e elas comemorarem o aniversário de namoro que completaram no último mês ♥ (surpresa, Anaaa!) (pode chorar, essas duas são boiolas demais!) "Você é o meu presente e nessa data, desse ano, cheio de incertezas e medos por conta dessa pandemia que nunca acaba, você é o meu porto seguro e minha certeza. Hoje, mais uma vez, repito pro mundo e deixo registrado, definitivamente, o quanto te amo. Felicidade para nós, que venham mais anos. ❤" Julia Ana Carolina

  • Renata e Marcela

    Hoje em dia elas entendem que isso fez parte da história, mas tentam sempre ressignificar o sentido de família. A Marcela passou o último natal com a família da Renata, os amigos estão sempre por perto, inclusive, são grandes admiradores do casal. Elas fomentam o lar, o amor e o cuidado. Tudo o que viveram serve de fortalecimento não só na relação, mas também enquanto seres humanas. Quando perguntei sobre o amor, me disseram que o amor, mesmo que de forma geral, é político, porque ele está em tudo. Identificam esse atual momento como o pior que já viveram em relação ao ódio e à ignorância disseminada e que, mais perigoso que isso, é sobre o “agressor” estar gerando o nosso país. “O amor tem que ser colocado em prática. Não responder o ódio com mais ódio.” Renata comenta o quanto o ódio é tentador, o quanto nos deixamos levar pelo impulso do ódio. O amor, não. Ele é muito maior que a gente. O amor está entre as relações de pessoas conhecidas (amigos, familiares) e também nas relações sociais. “Quem ama não coloca uma calçada com espinhos em cimento para as pessoas em situação de rua não poderem deitar embaixo do viaduto. Como que chegamos nesse ponto?! Se chegamos, foi porque alguém normalizou o ódio nesse nível. E o nosso maior desafio é não deixar o primeiro passo ser dado para chegarmos onde estamos, ou, agora, revertermos a situação.” Marcela comenta que amar mulheres é ter um tipo de amizade único também. É uma relação muito mais completa - é ter respeito, trocar, entender, ter vontade de estar junto e querer que funcione, mesmo que nem tudo sejam flores. É entender que são pessoas incríveis separadas, mas que estando juntas são ainda mais. Quanto mais a relação delas se desenvolvia, mais a Marcela achava injusto que seus pais não soubessem do relacionamento. Ela já era uma mulher financeiramente e emocionalmente independente, mas acabava tendo uma vida ‘dupla’ por dentro de casa não poder demonstrar seu amor por outra mulher. O pai reagiu de uma forma mais tranquila, mas a mãe não lidou (e não lida) bem. Marcela costuma contar que foi a madrugada mais longa que ela já viveu. A mãe não aceitou e ela decidiu sair de casa. Renata deixou a porta de casa aberta, para que ela pudesse, ao voltar, entrar. Ela voltou com uma mochila cheia de roupas e assim passaram os meses seguintes, juntas, tentando se cuidar. Marcela começou a fazer terapia (inclusive, o pai acompanhou algumas sessões também), e começou a dividir o apartamento com a Renata. Ela contou que não acha justo mentir. Não queria dizer que estava num bar se estava na casa da Renata, por exemplo. Além do mais, elas sentem algo tão bonito, tão bom, que merece ser compartilhado, por mais que existisse o medo de contar. Hoje em dia, ela ainda tenta, aos poucos, ficar bem com a família, mas comenta sobre o quanto é difícil. Hoje em dia, elas sentem muito que os pais não estejam presente nos detalhes bons da vida, como a forma que elas montam o apartamento delas, os motivos que dão risada, as plantinhas que acabaram morrendo mas que elas estão determinadas a aprender a cuidar, os gatos e o que as fazem felizes ou tristes. E o quanto valem esses detalhes, afinal? Vale a pena não tentar quebrar esse preconceito que existe em troca de conviver e compartilhar a vida com os filhos? Perder essa fração de vida? E tudo isso por não aceitar que o amor? No fim, a conta não fecha. Renata tem 39 anos, ama andar de bicicleta, dançar e escrever. Marcela tem 25 anos e na quarentena tem descoberto que gosta de trabalhar com edição. Elas vivem num apartamento juntas, com seus dois gatinhos e os milhões de pássaros agapornis que chegam até a janela para fazer uma visita e comer umas sementinhas. São mulheres que possuem uma vida cultural e social muito ativa, sempre estiveram entre teatro, cinema, bares, etc. Tiveram um primeiro encontro meio sem querer - queriam assistir uma peça juntas, mas não conseguiram chegar em tempo. E aí decidiram ver uma peça chamada ‘40 Anos Essa Noite’, que fala sobre vivências LGBTs. Depois da peça pegaram um uber para o bar e era engraçado que no caminho, como uma não sabia se a outra se considerava hétero ou LGBT, acabaram contando suas experiências, para deixar bem claro, estilo “uma vez vivi isso com A minhA namoradAAAA/e ai elAAA/na perspectiva delAAA”. Depois disso começaram a se permitir conhecer, se apaixonar e viver a relação. Enquanto estudavam juntas no Tablado, os exercícios cênicos eram sempre feitos através de grupos e as cenas improvisadas com temas da atualidade. Os grupos eram escolhidos de forma aleatória, então elas nunca acabavam caindo juntas. A primeira cena que fizeram de verdade foi uma cena de Orange Is The New Black, da qual interpretavam a "Pennsatucky” e a “Boo” no dia das mães. Após atuarem juntas no Tablado, se juntaram com um grupo de amigos e decidiram fundar uma companhia de teatro, os Banalizadores do Evoé, que durou alguns meses antes da pandemia. "O Amor entre duas mulheres e a rejeição social desse "comportamento" gera a dor gigante daquela cujo sentimento só sabe ser livre..." Foi através de ‘O Efeito Urano’ que Fernanda Young chegou até a Renata e a Marcela e se tornou uma das primeiras cenas que fizeram juntas, no começo do relacionamento, após se encontrarem no teatro Tablado. Renata e Marcela são atrizes, além de professora e de advogada. Elas se conheceram estudando teatro juntas, já em palco. A Renata sempre se viu um pouco na Fernanda Young, as obras dela permitiram com que entendesse que seu corpo também era livre. Fernanda sempre dizia que não cabia nos lugares, enquanto, Renata, também se sentia assim… até que ambas entenderam que não precisamos caber em lugar algum, mas que criar nosso próprio lugar. Renata apresentou O Efeito Urano para a Marcela. Virou o livro delas. Marcela leu e Renata releu, simultaneamente - assim grifaram tudo o que achavam importante, depois juntaram os papéis, no chão de casa, separando em três atos: a paixão, o relacionamento e o ato final. Foram para a praia, com os textos em mãos, e passaram o dia ensaiando. Depois disso, qualquer momento se tornou oportuno: passaram o texto enquanto estavam cozinhando, dirigindo e andando por aí. Se tornaram muito parceiras em ensaios, sempre trocando muito aprendizado. Hoje em dia o livro virou a parede do quarto delas, literalmente.

  • Luiza e Mariah

    Luiza Mariah

  • Janelle e Gyanny

    Foi no Rio de Janeiro que encontrei a Janelle e a Gyanny, depois de elas enviarem uma mensagem para o Documentadas falando sobre um projeto que possuem e nos convidando para ir até Belo Horizonte fotografar alguns casais por lá. O motivo do encontro no Rio, diferente do local de residência, é a paixão e o carinho que possuem por aqui: a Gy é carioca e a Janelle é encantada pela natureza misturada na cidade. Janelle, no momento da documentação, estava com 41 anos. Ela é natural de Belo Horizonte e trabalha na área da fisioterapia. Gyanny, no momento da documentação, estava com 39 anos. Ela é carioca, mas mora em Belo Horizonte há cerca de 4 anos - antes, inclusive, de se relacionarem - e por mais que tenha se formado em educação física, hoje em dia trabalha enquanto analista de mídias sociais. Juntas, elas fundaram um projeto chamado Jesus Hope. Foi pela necessidade que sentiam de ver LGBTQIA+ sendo representados no meio cristão que decidiram criar um perfil no Instagram para divulgar conteúdos de pessoas e igrejas que falassem sobre o tema. Entendem que muitas pessoas não sabem que existem igrejas inclusivas (são mais de 200 no Brasil!) e o papel do perfil, além de comunicar e ensinar, é evangelizar entre a comunidade de uma maneira inclusiva e acessível. ​ Quando a Janelle e a Gyanny se conheceram, há oito anos atrás, não imaginavam que um dia iriam estar juntas. Na época, a Gy morava no Rio de Janeiro, ambas tinham outros relacionamentos e a única coisa em comum é que frequentavam a Igreja Contemporânea. Como a igreja tem bases muito fortes no Rio de Janeiro e em Minas Gerais, ela promove diversos encontros e retiros. Foi numa viagem ao Rio através de um desses encontros que o encontro das duas aconteceu, mas não virou uma amizade logo de cara. O tempo passou, ambas terminaram seus relacionamentos, a Gy se mudou para Belo Horizonte e durante a pandemia elas começaram a conversar, de forma online. Foi no dia das namoradas que se encontraram pela primeira vez depois de passarem um tempo trocando mensagens. A Gy conta que nunca quis morar no Rio, sempre procurou outros lugares e que amou Belo Horizonte desde o primeiro momento, então um amigo a incentivou a ir, ela conseguiu um emprego e foi. Mesmo que ainda veja muitas pessoas com mentes fechadas e situações de machismo acontecendo na cidade, deseja participar da mudança ativa para as coisas melhorarem; Hoje em dia, morando com a Janelle, sente que lá é o seu verdadeiro lar. ​ Atualmente, a rotina da Gy e da Janelle circula entre a família, os trabalhos e a igreja. Têm suas responsabilidades para além do Jesus Hope, organizam encontros e grupos de jovens, vão nos retiros e congressos. Intercalam seus dias com as orações, os encontros de fé e os encontros familiares. Começar a gravar vídeos para a página foi um salto, assim como usar alguns materiais de pastores. Entregam diversos conteúdos falando a Palavra e também trazendo debates sobre inclusão, chamando pastores de diversas igrejas para opinar, etc. Elas contam o quanto a “cura gay” atrapalha e machuca as pessoas. O quanto, também, são altos os casos de suicídio por pessoas que não se sentem parte do mundo e/ou sentem que estão cometendo algum pecado por amar alguém do mesmo sexo. Por isso, prezam pelo acolhimento mostrando isso através da fé, não da condenação. Gy conta que quando se assumiu para a família dela houve um ponto que a fez pensar muito: ela era da Igreja Batista, mas a mãe dela não frequentava igrejas. Mesmo assim, a mãe falou que não aceitaria, que era pecado, que Deus não aceitaria, e fez questão de falar com o pastor. Ou seja: a Igreja vai muito além de um local físico - suas crenças atingem quem está fora, que ouve e acaba reproduzindo de alguma forma. No entanto, a Jesus Hope vem justamente para transformar isso: mostrar que não é pecado. ​ A Janelle e a Gy possuem uma relação muito calma e caseira. Acreditam que fazem o amor dar certo porque se doam para ele - através das preocupações, dos cuidados, estando junto e respeitando de verdade, acolhendo ambas família e aceitando como todos são. A Gy acredita que o amor vem de Deus e fala sobre amar o outro como a si mesmo, com empatia, pensando no outro até mesmo antes de pensar em você. “Amar é uma construção e também um suporte”. Por fim, também reflete sobre como até os sentimentos hoje estão muito descartáveis: estamos vivendo relações em que se acontece alguma coisa que a pessoa não goste/não queira, ela já se desfaz. Entendem que o amor não é isso, se queremos viver o amor, precisamos passar por cima de algumas coisas em algumas situações, ceder um pouco, relevar um pouco para tentar construir algo (e, claro, respeitando uma a outra sempre!) mas entendendo que é uma situação passageira que servirá para fortalecer e viver situações melhores futuramente. ↓ rolar para baixo ↓ Janelle Gyanny

  • Carla e Cynthia

    A Carla e a Cynthia tiveram seus caminhos cruzados pela primeira vez em 2004, quando Carla entrou na Rede Municipal de Macaé, sendo pedagoga. Nessa época, aconteciam alguns seminários de educação, que ambas participavam, e foi assim que a Carla observou a Cynthia pela primeira vez. Pensou no quanto ela era focada e sentiu curiosidade, por achar ela bastante diferente, mas elas não conversaram e não se encontraram mais. A Cynthia, por sua vez, nem se quer viu a Carla. Foi só em 2009, numa coordenação que ela mesmo ministrava, que as duas finalmente se conheceram e conversaram pela primeira vez. Esse “jeito” diferente da Cynthia persistiu pelos anos que se passaram, porque afinal, não é um jeito… é a essência dela: ela é uma mulher quieta, reservada, adora ler, vive rodeada de livros porque entende que a palavra salva - e isso, segundo ela, pode ser usado de várias formas: como algo divino, como o poder da leitura (como ela usa), como consciência… cada um tem o seu jeito - através da leitura ela enxerga o mundo de forma diferente. No mais, é uma mulher reservada, tímida e sem um jeito muito espalhafatoso. Carla não sabia nada sobre ela. Não imaginava se ela tinha interesse em mulheres, quem ela era, se havia espaços para interesses (até porque, sendo tão reservada, não havia como surgir esse tipo de assunto), mas queria estar ali e ter aquela amizade misturada com outro interesse. Assim, aos poucos, as duas se aproximaram. ​ Carla entende que o interesse entre elas existia, mas que a admiração se multiplicava enquanto conhecia cada vez mais a profissional que a Cynthia era. Quanto mais trabalhavam e conviviam juntas, mais queriam estar juntas também. E por mais que ainda não existissem brechas para falarem sobre relacionamentos ou assuntos do tipo, por conta da Cynthia ser uma mulher muito reservada, ela respeitava isso e queria estar ali, de qualquer forma. Carla já tinha vivido relacionamentos anteriores - com homens e mulheres - e inclusive tinha uma filha. Já a Cynthia, nunca tinha se envolvido com alguém, por isso também pisava em passos mais lentos. No começo, não entendia que a Carla poderia ter algum interesse, apenas gostava dela pelo o que tinham em comum - iam ao teatro, tomavam cafés. A vivência da Cynthia era algo totalmente diferente, uma pessoa caseira, com grupos pequenos de amigas (essas, reunidas pela leitura, com idades mais velhas). Enquanto Carla era do grupo de teatro, fazia amizade com todos, era super extrovertida. Entender que poderiam dar o primeiro passo foi um processo interno para ambas. Sentiam-se como adolescentes. Cynthia foi entendendo sobre o seu interesse, conversou com a sua psicóloga e ela disse: “Essa moça está afim de você”. Isso despertou diversos olhares novos. Enquanto Carla, por sua vez, tentava em um ritmo diferente. Não atropelava nada, deixava com que tudo fluísse para que ela também entendesse seu processo. Chamou a Cynthia para ir na sua casa, não deu certo na primeira vez, mas com o tempo convenceu. ​ Nessa época, em que tudo era um mistério entre não saberem se existia algo a mais entre a amizade delas ou não, elas não moravam na mesma cidade, mesmo que trabalhassem juntas. Foi em Rio das Ostras, na região litorânea do Rio de Janeiro, que elas se encontraram, próximo da casa da Carla. Foram até um restaurante na praia (local em que fizemos as fotos, inclusive) e na hora de ir embora, quando estavam esperando uma van, ao sentirem frio esquentaram suas mãos umas nas outras. Foi, assim, um primeiro tato/uma primeira demonstração de afeto físico, como um pontapé inicial. Ao chegarem em casa, assistiram um filme estratégico que era nada mais, nada menos, que um amor entre mulheres, mas simplesmente não falaram nada sobre o filme e assistiram o filme cada uma em seu canto. Na hora de dormir, já ao anoitecer, foi quando - cada uma olhando para o teto - a Cynthia resolveu perguntar algo do tipo: “Você já beijou alguma mulher/você gosta de mulheres?” e, finalmente, elas se beijaram. Hoje em dia, 12 anos depois, elas riem e brincam muito sobre toda essa situação que viveram. Afinal, duas adultas, agindo dessa forma. Mas entendem que essa demora, ou melhor, esse processo, a forma que foi vivido, os intervalos, o tempo em si, tudo foi uma forma de respeito e de entendimento sobre o que estava acontecendo. Por a Cynthia nunca ter estado com alguém, viver isso dessa maneira, foi a forma mais real/pura e respeitosa possível sob o que ela é. Já a Carla, se permitir esse processo, foi um novo entendimento sobre algo que ela gostaria de viver e que nunca tinha se imaginado, também. ​ No começo, todos olhavam a Carla super extrovertida, com sua gargalhada alta, com os seus amigos mais jovens, do teatro, das artes, de festa, bares, e a Cynthia sendo reservada, da leitura, de um mundo oposto e diferente e já diziam: “Não vai dar certo.” O mais importante, em toda a história, foi que mesmo entendendo que são pessoas diferentes, suas afinidades são muito boas e uma não quis mudar a outra. Inclusive, era suas diferenças que faziam com que uma gostasse tanto da outra. A Cynthia conta o quanto ela se diverte com as palhaçadas da Carla, às vezes até sem querer - e a Carla o quanto sempre se encantou com tudo o que a Cynthia representa no seu tom reservado, quieto, leitor. O processo inicial, lento, de amizade e conhecimento, também foi muito importante porque enriqueceu quem elas são. Depois de tantos anos, sentem que tudo acontece com muita fluidez. Desde uma gostar de café e a outra de cerveja, cada uma sabe o gosto e a forma de acontecer. ​ Na noite em que elas se beijaram, havia um detalhe - o dia seguinte era aniversário da Cynthia. Ela estava radiante! Quis logo assumir o namoro. Contar para a família. Porém, haviam alguns problemas, né?! Primeiro que, assumir um relacionamento hoje em dia não é fácil, imagina antes de 2010. Segundo, Cynthia sempre foi muito ligada com a sua família e Carla teve muito medo de que isso fizesse com que a família reagisse com preconceito e acabasse a afastando ou a tratando mal, portanto, não aprovou que ela contasse. Ela decidiu conversar com a sua psicóloga, que também achou melhor esperar. Mas se sentiu muito triste, era como se estivesse fazendo algo errado, sendo que não estava. Estava amando, finalmente amando! Fazendo algo tão bom, queria tanto compartilhar. E, principalmente, pela família dela sempre apostar no amor, não entendia porquê não poderia compartilhar. Esperou uma semana, não se sentia bem estando lá, dividindo a casa, os cômodos, e não contando. A mãe aceitou tranquilamente, disse que em nome da felicidade dela, estava tudo bem. Ela ficou muito feliz em ter apostado no amor - como foi ensinada a fazer. Ela e a Carla passaram mais um tempo sem contar sobre o relacionamento delas no trabalho, por conta da pressão que isso envolvia, mas também não durou muito. Ao fim da nossa conversa ela falou algo importante, sobre fazermos o exercício de passarmos horas falando da nossa vida e ver se conseguiremos não falar de quem a gente ama. Porque ela, sinceramente, não conseguia/não consegue não citar a Carla, e reprimir isso por conta do preconceito social é absurdo, sufocante. É algo que não há motivos para permitirmos. Ela queria sentir a liberdade, da mesma forma que as pessoas perguntam “e o seu marido, está bem?!” perguntarem “E a sua companheira, está bem?”. ​ Hoje em dia, a Carla está com 50 anos, trabalhando como professora, pedagoga, sendo atriz e artista plástica. Adorando desenhar e pintar. A Cynthia está com 44 anos, segue enquanto coordenadora de professores e alunos na Secretaria de Educação. Eterna apaixonada por leitura. Elas estão juntas há 12 anos. Atualmente, morando em Rio das Ostras. Mas, no começo da relação, Cynthia tinha acabado de comprar um apartamento em Macaé, então passaram pela ideia de morar lá. Já moraram, também, com a filha da Carla, que hoje em dia é uma mulher adulta (mas que no começo do relacionamento delas tinha 11 anos) e que convive com as duas direto. Elas brincam sobre o enfrentamento da adolescência e sobre a Cynthia sempre ficar do lado de ambas (tanto da Carla, quanto da filha), na hora dos conflitos. Hoje em dia a filha também foi para a área da Educação, cursando História, no interior do Rio de Janeiro. Por mais que, antes de se relacionar com a Cynthia, a Carla dizia que não gostaria de se relacionar com ninguém, hoje em dia ela vê a vida e o amor de formas bem diferentes. Entende que não queria se mudar por ninguém: se fechava nessa ideia, dizia que era assim, a pessoa que aceitasse. Hoje em dia ela entende que segue na sua essência, mas que todo relacionamento precisa de ajustes e acordos para acontecer. Foi a partir do relacionamento delas que sentiu um cuidado único - tanto ela, quanto sua filha - e ambas ganharam uma nova família. Esse cuidado ensina diariamente. Antes, elas eram sozinhas, ela e a filha, no mundo. Hoje, elas têm uma parceria e com quem contar. Cynthia conta, finalizando, que a mãe dela faz a comida favorita da Carla e que tudo dentro do relacionamento delas é feito com um amor único. “O ódio é mais fácil. Sentir ódio. Mas o amor é a única forma de salvar as pessoas. Por isso precisamos escancarar o amor em todos os cantos… e a gente escancara mesmo!” - Carla. ↓ rolar para baixo ↓ < Carla Cynthia

  • Beatriz e Marina

    Quando estávamos fazendo as fotos ela brincou com a Bia dizendo para fazermos algumas fotos dançando e a Bia argumentou que ela não dançava com ninguém “só contigo”, e na fala da Marina ela traz essa ocasião, sobre a Bia se permitir à dança. E nesse permitir-se damos gancho ao assunto de que estamos em busca de nos permitirmos porque queremos justamente nos entender, nos cavucar, nos desvendar. E chegamos ao questionamento de: por que, na sociedade em geral, tão pouco as pessoas se permitem? Então entendemos também que o amor, de alguma forma, dialoga com estar dispostas a despertar coisas na gente para mudar o outro também. Um não-querer ser quadrado o tempo todo, estar limitado ou não ser um ser-pensante. Brincamos com a palavra “gelecas” porque Marina diz se sentir uma geleca, sempre em mil movimentos e não-sólida, como algo que consegue se moldar - mudar. Por fim, ficou a sensação de não querer nunca que essa “geleca” cristalize, se conforme, se adeque. Estejam sempre se transformando para que transforme, também, os outros. Por fim, entramos em um papo muito importante sobre o amor e sobre como as relações acontecem - não só afetivamente, mas como nos permitimos estar uns com os outros. A Bia entende o amor enquanto reconhecimento e enquanto uma força muito grande, uma vontade de estar de verdade com alguém - no companheirismo, na vontade de fazer coisas juntas - e de reconhecer, mesmo se não entender. Ela acha que a base do amor é a confiança e o diálogo e que, para além disso, nas relações com mulheres, sejam amigas, as mulheres da família, ou relações amorosas, existe uma força em querer se fazer o bem sempre. Essa força envolve o zelo, a escuta e o querer-justiça. São relações que ela preza muito. Para a Marina, existem duas coisas que estão muito relacionadas com o amor: a permissão e a pressa. A pressa, na verdade, é a espera, o ritmo, o tempo. Temos que aprender a esperar as coisas, a entender o ritmo do outro, a se adaptar ao ritmo do outro também… porque quando temos pressa, acabamos por cortar um pouco a graça das coisas, atropelar e deixar sem sentido. Já a permissão entra enquanto uma importância em se entregar, em tirar tabus, tanto sexual quanto emocionalmente: ter a confiança e a leveza de se permitir. ​ Em seguida do começo do namoro (e no dia seguinte que o foraBolsonaro foi eleito), elas alugaram um carro e fizeram uma viagem para a Bahia. Foi muito importante ter esse momento não só pela situação tensa que todas nós mulheres estávamos passando (e elas, tendo uma a outra, estando juntas, se acolhiam e se ajudavam), mas por ser uma forma diferente de dar início ao relacionamento. Ao decorrer de toda a relação tudo sempre foi construído com muito diálogo e conversa. Elas estão juntas em muitos momentos e contam uma com a outra para tudo. Inclusive, o apartamento surgiu em um momento muito especial de mudanças e de olharem para si e entenderem que seria um passo importante morarem juntas. Foram meses procurando um lugar que fizesse sentido, que elas pudessem arcar com os valores e quando acharam esse, foi um completo acolhimento. Tudo nele tem a carinha delas e cada detalhe é pensado em conjunto. As duas são mulheres muito divertidas e acreditam que isso possa estar ligado à forma que, tanto elas foram criadas, quanto ao meio que estão inseridas. Acreditam no corpo enquanto livre e sem julgamentos e para elas é muito importante que as pessoas estejam realmente à vontade. A Bia conta que sua construção enquanto ser e suas maiores inspirações vêm da irmã e também da amiga, Mariana, que é colega de trabalho e quem a colocou dentro da agência. É uma pessoa que traz bastante admiração pelo estilo de vida, pelas questões profissionais dentro da fotografia e por tudo o que já ensinou. Já a Marina contou que ter feito balé desde criança a fez ter muita disciplina e aprender muito sobre a forma de lidar com os outros e ter responsabilidades, por isso também as professoras que a acompanharam durante todo esse processo são de grande importância para que ela tenha se tornado a mulher que se tornou. Ela fala sobre o quanto o olhar das professoras moldou o olhar que ela tem sobre as coisas. Além disso, a avó dela também é fonte de inspiração diária, por ser uma mulher da roça, sempre muito alegre, e sendo uma mulher não-branca, muito forte, que carrega muitas coisas na sua existência. No começo do relacionamento delas, ou melhor, antes de ser realmente um relacionamento sério, quando perceberam que estavam bastante envolvidas, surgiu uma certa insegurança. E aí dialogaram sobre o que fazer: encaravam? desistiam e seguiam suas vidas? Foi quando entenderam que estavam dispostas a encarar e começar algo em conjunto. Um tempo depois de ter terminado um relacionamento, a Bia se reconectou com uma amiga da escola e essa amiga estava namorando uma menina que era de Vitória e trabalhava na mesma empresa que a Marina, então a amiga e a namorada tiveram a ideia de apresentar as duas e uni-las enquanto um casal. A versão da história contada pela Bia é bastante simples: a amiga dela mandou uma mensagem falando da Marina e passando o Instagram dela para a Bia seguir e conhecer. Ela achou a Marina bonita, curtiu, mas não começou a seguir na hora. Um tempo depois a Marina começou a seguir ela e ela seguiu de volta. Foi isso. A versão da Marina, por mais que seja com o fim semelhante, começou de outra forma. Ela estava em uma fase que se permitiu se envolver e conhecer novas pessoas, mas estava indecisa ainda e uma amiga aleatória, naquela semana, chegou dizendo que tinha alguém para lhe apresentar. Quando mostrou o Instagram de uma menina, ela olhou e achou ok, mas não teve muito interesse, porém a menina tinha uma foto com outras pessoas marcadas e nessa foto estava a Bia, foi aí que ela entrou no Instagram da Bia, se interessou e passou a segui-la. No dia seguinte, ao encontrar a amiga em comum que ela e Bia tem, essa amiga disse que queria apresentar uma pessoa para ela e ela ainda brincou “nossa, o que tá acontecendo essa semana, que todo mundo quer me apresentar alguém?!” e quando viu o Instagram ficou em choque, porque era logo a menina que ela tinha seguido. Pensou: ok, eu realmente preciso conhecer essa menina, de alguma forma ou de outra, a gente vai ter que se encontrar! E foi então que Bia começou a segui-la de volta. Numa interação de stories sobre gatos, elas marcaram de sair. E o que era para ser um encontro em um restaurante todo bonito, bacana e conceituado, deu errado, mas deu certo: o restaurante estava fechado e o único lugar próximo era um boteco super “pé sujo”. Elas se deram tão bem que ficaram no bar até 4h da manhã, foram para a casa da Marina, a Bia saiu de lá no dia seguinte e, para fechar com chave de ouro o date de sucesso, saiu com as roupas da Marina porque o gato tinha feito xixi em todas as roupas dela. A Bia e a Marina são duas mulheres incríveis em cada detalhe do que constróem dentro do relacionamento e dentro do lar, desde o cuidado que têm com a casa, com o preparo da comida, com a forma que se tratam, até em suas visões de mundo, de poder de escuta ativa e da forma que lidam com as pessoas e com os animais. O encontro delas aconteceu por intermédio das amigas, mas ao decorrer da explicação a gente entende que era mesmo para ter acontecido. A Bia tem 24 anos, é carioca, fotógrafa e trabalha enquanto assistente em uma agência que presta trabalhos visuais para marcas de moda. Adora videogame, sonecas durante o dia, ler e acompanhar a Marina nas aventuras na cozinha. Marina tem 29 anos, é natural de Vitória, no Espírito Santo, mas mora no Rio de Janeiro desde 2014, quando cursou a pós-graduação. Ela trabalha enquanto publicitária e produtora, ama cozinhar, principalmente inventar receitas, quase como uma alquimia, testando comidas e temperos. O que ela e a Bia mais amam fazer juntas é assistir reality shows: de todos os tipos possíveis. Bia Marina

  • Carla e Yasmin

    A Carla e a Yasmin são duas mulheres apaixonadas - pela arte, pela vida, pelas pessoas e pelo relacionamento que elas construíram desde o momento em que começaram a namorar. Carla tem 25 anos e é natural do Rio de Janeiro. É publicitária, comunicadora e poetisa. Ama escrever poesia e de todas as suas paixões, acredita que essa é a maior. Durante a pandemia ela também desenvolveu desenhos e pinturas enquanto arte-terapia, algo muito intuitivo e que hoje em dia acompanha sua rotina. Pinta em aquarela, misturando texto e desenhos. Yasmin tem 22 anos e é natural de Niterói. É astróloga e professora de yoga, além disso, também está na faculdade fazendo graduação em filosofia. Ela tem vários hobbies, adora mexer com a terra, planta tudo no quintal de casa, cuida dos jardins e adora usar o que planta para cozinhar. Além disso, se vê enquanto alguém que vive a arte em detalhes e brinca: “Coloca em letras grifais: VIVE A ARTE” - porque gosta muito de desenhar coisas abstratas, pontilhismos, ouvir músicas, tocar violão e estudar sobre o mundo. O que mais gostam de fazer quando estão juntas é curtir a companhia uma da outra, estando sozinhas em algum lugar. Amam viajar, conhecer lugares novos, ir à praia ou ficar em casa desenhando. Gostam de tomar açaí geladinho, fazer lanchinhos veganos e descobrir novos restaurantes (também veganos). Uma coisa, em especial, que fazem e que adoram, é a poesia livre! A ideia é que alguém comece escrevendo uma linha, depois a outra escreva logo em seguida e assim sigam, intercalando... formando uma poesia. ​ Para Carla, a maior referência de pessoa que ajudou na construção sobre quem ela se tornou, é a sua mãe. Ela diz que entende a mãe enquanto uma força de pulsão para tudo o que precisa ser feito, de maneira geral: incentivo e inspiração. Vê a mãe enquanto uma mulher muito corajosa, forte e criativa. Ela também é artista, mas de formas de expressão diferentes (na área do bordado e da costura). Ela cita as formas de expressar específicas da mãe sobre as encomendas que recebe das clientes e o quanto aprende com isso. Para Yasmin, sua inspiração são seus avós. Mais que uma inspiração pessoal e/ou familiar, eles remetem principalmente a uma referência cultural - por conta de ensinar ela a ser livre, darem introdução à liberdade de ser. Eles sempre cantavam e tocavam juntos e na literatura a avó é grande entusiasta dos autores brasileiros. Além dos avós, se pudesse citar alguém entre famosos, seria Maria Bethânia, que inclusive foi uma das pessoas responsáveis por ela e a Carla terem se conhecido. A Carla e a Yasmin observam muito o mundo desde criança e tiveram famílias que instigaram e incentivaram diversos pontos culturais dentro de casa. Quando falamos sobre a cidade e a sociedade, elas trouxeram diversas visões. A Carla, por morar bastante longe do centro, comenta o quanto ainda falta nos ver nos espaços públicos nas periferias, sem medo de pegar na mão da companheira dentro do ônibus, do metrô ou do BRT (Sistema de transporte em massa). E o quanto quer ver as mulheres ocupando espaços de trabalho em níveis altos, com projetos informativos e educativos vencendo violências. Yasmin complementa o ponto sobre a educação vencendo quebrando muitas barreiras - para ela, é quando o educativo se move que as leis de igualdade e incentivo também fazem sentido, mas não só nas escolas. Educação para que as mulheres se entendam enquanto mulheres em sociedade, saibam seus direitos e lutem juntas. ​ As duas se conheceram em meio a pandemia de Covid-19, ou melhor, na verdade elas já se conheciam e seguiam no Instagram, mas não tinham contato algum. Foi durante a pandemia que Carla declamou um poema autoral no instagram e Yasmin respondeu elogiando. Elas trocaram mensagens a partir dali, foi quando Yasmin disse à Carla que sua poesia lembrou muito Maria Bethânia e chegou até a enviar uma música de Bethânia para ela. Toda a conversa era realmente sem tom de flerte, era uma troca de conteúdos artísticos de muito valor para as duas e estavam aproveitando bastante porque interessava trocar e dialogar sobre arte (e sobre quem admiravam). Passou um tempo, continuavam trocando mensagens até que decidiram “se encontrar virtualmente” (por chamada de vídeo). Não tinha nenhum clima de terem um encontro ou algo do tipo, era realmente um café da tarde no domingo para baterem um papo e falarem da vida, algo que estava acontecendo bastante no começo da pandemia. A conversa aconteceu e, por mais que o dia tenha sido um pouco caótico para a Carla, o papo foi ótimo e elas se deram muito bem. Foi depois da conversa que, pela primeira vez, surgiu um sentimento de: “Acho que quero encontrar ela pessoalmente”. Se encontraram em Botafogo, num dia de ventinho carioca, um tempo depois do encontro virtual. A Yasmin estava interessada também, mas tinha acabado de sair de um relacionamento e sentia um certo receio de se envolver novamente, estava mais ‘fechada’. Entretanto, à medida que foram conversando e os ideais foram batendo, isso já estava se amolecendo. Elas contam que uma amiga em comum participou do encontro por um tempo, mas que lá, ainda no primeiro dia, se beijaram. Depois elas foram para um outro espaço e hoje em dia, elas brincam que a partir desse momento que saíram do café (espaço 1) e foram para o restaurante (espaço 2) já estavam namorando, porque já se viam enquanto um casal. Hoje em dia, mais de um ano depois, elas possuem um relacionamento de muito diálogo e expressão. Definem-se (ao menos, nesse momento do relacionamento) como “compreensão”: Se entendem e sempre conversam. Yasmin fala que desde o início do relacionamento elas já conversavam muito sobre como queriam coisas sólidas, porém, sem peso, então criaram a base da relação na espontaneidade, liberdade e construção. E completa dizendo que, considerando todas as dificuldades de uma pandemia que envolve incertezas, ansiedades, momentos de luto, e inúmeras instabilidades, respeitam ainda mais essa liberdade, o tempo e o espaço uma da outra. ​ Yasmin cita Vinicius de Moraes para falar de amor: “A vida é a arte do encontro embora haja muito desencontro na vida”. E diz que o amor é a capacidade de você se encontrar, se perder, misturar, se fundir e separar, tudo dentro de uma coisa só! O amor não é só os detalhes, ele é o cenário e o espaço para as coisas acontecerem. É uma entidade viva, embora tentamos colocá-la em caixas... Para depois descobrir que na verdade ele é tão fluido como o ar, nós não vemos. Ela finaliza o pensamento sobre o amor dizendo que muitas vezes ele é o motivo e a razão das coisas acontecerem. Concluímos que o amor nas relações humanas é o que faz abrir mão um pouco do “meu” pelo “nós”. E que o amor entre mulheres, foi por tanto tempo (E ainda é!) abnegado - mesmo que, em contrapartida, ele seja o amor em sua maior expansão: um amor que tem potência máxima de gerar coisas. Amar uma mulher é estar disposta. Carla conta a história de um livro que ela leu, da Letrux, como forma de dizer o que representa o amor pra ela. Fala de um menino de 5 anos que entra no mar pela primeira vez: o amor é tudo isso que existe em um menino de 5 anos entrando no mar pela primeira vez... Ele vai sentir o coração pulsando e vai ficar maravilhado, mas também vai odiar - porque vai arder os olhos, ele pode se afogar, vai ficar confuso mas pode também aprender a nadar e descobrir a imensidão de possibilidades (e aí descobrir a liberdade). Isso é o amor. Yasmin Carla

  • Luiza e Maria Pérola

    Quando elas se encontraram tiveram um dia bom e logo em seguida e Luiza viajou de volta para o Rio de Janeiro, elas seguiram conversando de forma online e surgiu uma nova oportunidade: dessa vez, um colega de apartamento da Maria que viajava muito iria até o Rio e ela poderia ir junto, então ela topou, avisou a Luiza e elas conseguiram se encontrar novamente. Quando o encontro aconteceu, elas entenderam que queriam novos encontros e que, melhor que isso, não queriam parar de se encontrar. Enquanto o relacionamento da Luiza já estava em um ponto que era muito mais amizade que relação amorosa em si, ela optou por conversar sobre a bissexualidade e pelo término. O namorado entendeu, realmente, inclusive incentivou as duas, por ver o quanto isso estava fazendo bem à ela - e hoje eles são bastante amigos (ele quem instalou as prateleiras no apartamento delas! haha) e no fundo eles comentam que sabiam que a relação não iria mais para frente e que ambos estariam mais felizes em novos caminhos, era o mais justo a ser feito. A Luiza nunca foi uma pessoa impulsiva e diz que essa foi a coisa que ela mais teve certeza ao fazer em toda a vida. Elas começaram a namorar em dezembro de 2019 e a maior dificuldade na época foi enfrentar a forma dos amigos e da família de lidar, tanto pelo relacionamento anterior ter terminado, quanto pelo fato da Luiza ter ficado com uma mulher. Ao mesmo tempo, como tudo era muito claro para ela, o jogo foi quase que ao contrário, ela sabia que quem estava passando por “uma fase” eram os amigos e a família: a fase de lidar com a mudança e aceitar, porque ela, a Maria e o ex namorado estavam muito felizes e bem resolvidos. Existe uma troca muito genuína entre as duas, desde os escritos, as músicas, as composições… a Luiza também participa de uma roda de choro e samba feita apenas por mulheres no Rio, que é um estilo musical muito presente e está aprendendo e desenvolvendo a música popular para além da música erudita, coisa que a Maria Pérola ajuda muito! É sempre um aprendizado. ​ Quando a Luiza e a Maria Pérola se conheceram, ambas já viviam de música e moravam no sudeste. A Maria viu um conteúdo que um amigo em comum entre elas publicou sobre mulheres artistas e seguiu as pessoas que ele marcou, para acompanhar o trabalho delas, sendo que uma delas era a Luiza. Na época elas trocaram uma ideia quando se adicionaram e foram, com o decorrer do tempo, acompanhando o trabalho aos poucos uma da outra. A Luiza postava algo e a Maria interagia, vice versa, era um troca profissional de admiração. Nisso mais de um ano se passou, até que aconteceu delas conversarem de fato, por conta do poema… e aí foi tudo muito rápido: interagiram durante um mês quase que diariamente e a Luiza foi chamada para fazer uma apresentação com a orquestra em São Paulo, convidou a Maria Pérola e ela foi assistir. A Maria conta que tentou não criar muitas expectativas no encontro das duas sob o viés amoroso, porque a Luiza vivia um relacionamento de três anos, com um homem, e não tinha ficado com uma mulher. Por mais que eles estivessem vivendo um relacionamento aberto e ela já tivesse compartilhado com ele sobre os sentimentos que estava desenvolvendo pela Maria, tudo era muito novo e elas não sabiam o que poderia acontecer, então ela apenas tentou não nutrir expectativas. Maria Pérola tem 27 anos, é pernambucana e nasceu em Jaboatão dos Guararapes, cidade da região metropolitana de Recife. Morou num local chamado Alto da Colina e foi lá onde passou toda sua infância. Como sua família viajava bastante para São Paulo por conta do trabalho, ela acabava fazendo essa ponte aérea e foi aos poucos se familiarizando. Sempre gostou de música, mas se formou em psicologia e só depois, quando se mudou para SP, decidiu que seu caminho e sua carreira eram, de fato, cantando. Por muito tempo a família não aceitou que ela seguisse o caminho da música popular periférica nordestina, acreditavam que ela precisava de uma “profissão de verdade” e que a música não traria um futuro profissional digno, mas ela seguiu atrás desse sonho e dessa paixão. Hoje em dia, vive sendo uma artista e é uma entusiasta da música autoral. Adora ouvir gente cantando. Vou deixar as redes da Maria Pérola aqui, porque vale MUITO (muito mesmo!) ouvir, é sensacional: ​ YOUTUBE SPOTIFY INSTAGRAM Luiza tem 26 anos e é natural de São João del Rei, uma cidade histórica localizada no interior de Minas Gerais. Por lá ela estudou música no conservatório desde criança e decidiu se mudar para o Rio de Janeiro em 2014, quando entrou no Conservatório Brasileiro, por conta de alguns contatos que criou com professores da UFRJ. A Luiza é uma violinista incrível! Já fez parte de várias orquestras, inclusive a Orquestra Sinfônica Cesgranrio e a Orquestra de Mulheres do Rio de Janeiro, das quais faz parte/fez ativamente antes de entrarmos em pandemia, e também a Nova Orquestra, com quem se apresentou no Rock In Rio. Além disso, ela dá aulas particulares de violino e há pouco começou um projeto social ensinando violino para crianças em uma vila militar no bairro de Realengo, na zona oeste do Rio. A Luiza, além da sua ligação intensa com a música, também escreve desde pequena. A poesia foi talvez um dos pontos chave que tenha conectado ela com a Maria Pérola logo de início, fazendo com que ela voltasse a escrever mais e que também despertasse a vontade de postar suas poesias na internet. A Maria tem uma poesia que a Lu fez pra ela tatuada (e que inclusive tatuou antes de elas se conhecerem pessoalmente!) e isso fala muito sobre essa troca que elas possuem (entre as poesias que a Lu escreve para a Maria, e as músicas que a Maria compõe para a Luiza) - inclusive, brincam que dá para escrever um livro e lançar um CD com tudo o que já produziram. ​ Explicar sobre o amor da Maria Pérola e da Luiza é um desafio imenso porque elas representam aquele tipo de encontro que você não sabe como dimensionar, como colocar dentro de palavras ou expressões, porque são acontecimentos e experiências muito grandiosos. São encontros que quando você bate o olho, passa a entender e tudo faz sentido. A Maria comentou duas coisas que talvez expliquem um pouco sobre esse amor, a primeira é que ela nunca tinha pensado em morar no Rio, mas ao mesmo tempo ela nunca tinha se sentido realmente pertencente à algum lugar, e a partir do momento que passou a morar com a Luiza entendeu que o apartamento era o lugar dela - ou melhor, não o apartamento, nem o Rio em si, mas a Luiza. O lar que ela sente é muito mais pela expansão do encontro dela com a Lu do que por todo o resto, é isso que fez ela realmente se sentir em casa. E a segunda é que a Luiza é a pessoa que ela mais confia no mundo e com ela, aos poucos, foi aprendendo a gostar de tanta coisa que se viu gostando de coisas que antes ela até mesmo odiava (desde o furo no queixo que lhe causava muita insegurança na pressão estética, até detalhes na convivência familiar). O amor foi acontecendo porque elas se apoiam muito, tentam resolver as coisas juntas e de forma rápida e por mais que em algum momento até existiu uma resistência sobre morarem juntas, hoje em dia não mais se veem morando longe. Entendem que o amor transparece no que são: muito acolhedoras e cuidadosas. O ato de estarem juntas sempre significou muita coragem e quando falamos de amor, surge essa palavra. Como elas já estiveram em outros relacionamentos, falam sobre alguns terem sido abusivos, por exemplo: a Maria já esteve em relacionamentos com outras mulheres que não gostavam que ela cantasse… que não a “permitiam” cantar, não apoiavam. E explica como é diferente estar com alguém que te apoia e te impulsiona, como foi importante ter a Luiza na vida dela sempre incentivando ela na música. Falamos muito sobre a presença de relacionamentos abusivos e como é muito fácil mascararmos eles, não verbalizamos o que estamos vivendo ou como estamos nos sentindo, sendo que muitas vezes nos vemos privadas de fazer algo tão nosso, como é o ato de cantar para ela, e que não merecemos mais viver relações assim, que é importante procurarmos apoio, procurarmos ajuda para sairmos desse tipo de relacionamento, seja hetero ou homoafetivo. “Amor entre mulheres é uma revolução. Você ama reafirmando. Você ama existindo. Eu não consigo olhar para o amor sem pensar no amor entre mulheres. É coragem, pra mim, o amor… pra gente amar… tem que ter muita coragem.” A Luiza diz que o amor tem a ver com entrega e com estar aberto porque você entrega e também recebe muita coisa de volta. E no amor ela se viu disposta a ajudar, a doar, a ser intensa e potente. E que isso exige muito da gente, que não é fácil, que também significa muita resistência. Mas que também acontece muito reconhecimento nesse encontro, que a Maria Pérola trouxe muita leveza na vida dela, desde saber que ela está em casa tudo já fica mais leve… e que o amor no fundo envolve o tanto que elas se dividem e se entregam. A Maria Pérola trouxe uma história interessante sobre uma vez que o Dominguinhos foi numa rádio se apresentar e no intervalo começou a tocar Chopin na sanfona. E então todos ficaram surpresos, chocados, como se ele não pudesse gostar de uma música considerada clássica por tocar forró, e quando ele é questionado sobre isso ele explica que ele é músico, um artista, que ele é gente, que pode gostar de tudo. Com esse assunto, começamos a falar sobre as múltiplas formas de cultura, não só a música ou a escrita, por ser mais presente na vida delas enquanto mulheres artistas, mas na cultura desde o circo, a feira de rua, as artes cênicas, tudo. O quanto essa inclusão e essa valorização é muito importante. A Luiza trouxe informações da roda de choro e samba que ela participa e sobre o acesso à elas, só que como ao mesmo tempo é difícil a cultura chegar até as pessoas, desde o erudita até o próprio popular, e o questionamento: o que de fato é considerado “cultura”? Ela conta também que por mais que ame participar de orquestras, hoje em dia não se vê mais longe dos trabalhos sociais e de levar música para as pessoas - e ressalta que isso não quer dizer que todo mundo tenha que gostar de orquestras, mas que todo mundo possa ter a oportunidade de gostar, possa ter acesso aos teatros, roupas para entrar nesses lugares e tempo para consumir cultura. Rolar . . . Luiza Maria Pérola

  • Maria Vitória e Fernanda | Documentadas

    Quando ela era mais nova, aos 14, na época da novela Amor à Vida, com o personagem gay Félix, ao debater sobre homossexualidade a mãe da Fernanda chegou a desconfiar de algo, mas ela negou fielmente. Na vida da Maria Vitória, a referência veio mais tarde, na novela A Força do Querer, com a/o personagem Ivana/Ivan, da qual surgiu o debate com a avó e fez com que ela se abrisse sobre a sexualidade. Hoje em dia, ambas famílias lidam bem com os relacionamentos, elas brincam com eles que eles nem deixam elas cogitarem um término, são grandes entusiastas. Mas sabem respeitar e elas também entendem tudo o que passaram para chegar até o momento em que estão, tudo o que precisaram enfrentar, inclusive, seus próprios medos. Ainda sobre suas dificuldades, entendem que a maior delas também está relacionada à comunicação. Até hoje é algo que buscam explorar, cuidar e cultivar. O momento do pré vestibular da Mavi foi muito difícil, passar em medicina requer muita pressão, muito stress, saber colocar cada coisa no seu lugar, lidar com a distância… são muitas coisas que precisam estar em equilíbrio e nem sempre estão. A Fernanda faz o papel de sempre incentivar a Mavi a falar, enquanto a Mavi sempre foi uma pessoa que pouco falou sobre seus sentimentos. Cada vez mais ela tenta se abrir, mas ambas também entendem aquilo que eu comentei no começo, que possuem diferentes linguagens. Jeitos diferentes de ver as coisas. A melhor forma que encontram é enxergar o lado de cada uma, entender múltiplas interpretações, se encaixar de jeitos diferentes. Na linha de explorar e cultivar, entender que não precisam ser quadradas, que tudo tem seu tempo, que não precisam das coisas na hora, urgentes e emergentes. E que se precisarem, estarão dispostas também, porque tudo pode ser conversado e ultrapassado. ♥ Quando elas começaram a ficar, a Mavi entendeu logo de cara que queria namorar com a Fê, ela diz que sabia que o terceiro amor é o amor verdadeiro na vida e que a Fê é o terceiro amor da vida dela. Mas foi muito difícil elas começarem a namorar de fato, inclusive, brincam que foi preciso pedir vááárias vezes em namoro até a Fê aceitar (e que se a Fê não aceitasse, aquela seria a última vez, porque ela não iria mais pedir!). Ela sempre dava um jeito de adiar, até que foi colocado um limite... e adivinhem? O pedido aconteceu dentro do carro. O carro foi muito importante em vários momentos, não só nesse. É o local onde elas têm as conversas mais sérias, onde viajam, onde se sentem à vontade, onde estão sempre indo para Porto Alegre, Laguna… passam muito tempo lá. No começo do namoro elas não eram assumidas, então o carro era o lugar que representava segurança. "Às vezes quando a gente anda de carro, a gente não vê nada... mas também vê tudo” Como a Fê não era assumida, elas entendem que essa foi uma barra muito forte que passaram juntas. Ela não se aceitava, foi um período muito longo. A Mavi não quis mais ficar escondida, entendia que não era mais justo viver assim. Antes de começar a namorar, nem passava pela cabeça da Fernanda se assumir, não pensava em contar porque tinha muito medo da reação (e spoiler: hoje em dia a mãe dela gosta tanto das duas que se emociona vendo elas). A Fê odiava pensar em contar e em não contar, porque ama tanto a mãe dela, é tão próxima, mas tinha medo de alguma reação de não aceitação. Acredita que se não fosse a Maria fazer esse movimento, talvez ela não tivesse se assumido até hoje. E teria se privado de todos os momentos em família que já viveram, em todas as vezes que andam juntas pela cidade (porque isso era o que mais as incomodavam, passavam bastante tempo “escondidas” por medo de encontrar pessoas conhecidas)…até que chegou o momento que mais pesou, pelo falecimento de uma familiar da Maria, em que a Fê entendeu que gostaria de estar presente com ela, de estar dando apoio à ela, mas que não podia. E aí resolveu abrir o jogo, contar, não podia mais segurar isso, precisava mudar. Ela explica que quando o medo de não estar vivendo fica maior que o medo da mudança, a gente entende que precisa mudar. E foi isso que aconteceu. A Fernanda tem 22 anos e é natural de Criciúma, Santa Catarina. É designer, trabalha com branding e social media. Estuda psicologia, é apaixonada pela mente humana, ama estudar isso, pensar sobre como as relações acontecem. Também adora desenhar e estudar comunicação. Maria Vitória tem 23 anos e é natural de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. É estudante de medicina e estuda em Pelotas, no Rio Grande do Sul. Ela adora tudo o que envolve música, desde o piano (que toca e que aprendeu admirando a avó tocar), até a dança que vem de toda a família no palco. É entusiasta da história, sonha em um dia cursar uma faculdade de história também. Ambas adoram viver em Criciúma, são entusiastas da cidade, por isso, também, se preocupam em como seria importante levar mais cultura para lá. Mavi comenta que traria mais história, mais acesso à informação de verdade, conhecimento de verdade e formação de opinião. A Fê mora em um bairro mais afastado do centro e fala sobre como é bom sentir que vive em comunidade e os vizinhos serem considerados uma grande família, só que conta também como ainda falta o bairro ter a mesma visibilidade que o centro e ser tão valorizado quanto. Por fim, mas não menos importante, falam sobre a importância que seria ter na cidade um espaço que valorizasse a vida LGBT, a nossa cultura, os nossos valores, não só pela questão do medo de estarmos sempre em locais públicos, mas por ser um lugar nosso, com a nossa cara, um lugar que estivéssemos sendo nós mesmos, porque nós merecemos isso. ​ ​ Quando perguntei como a Mavi e a Fernanda se conheceram, elas disseram que foi por uma coincidência ou por um erro que deu em acerto, chamem como preferir. Vamos lá: A mãe da Mavi é professora de dança e trabalha também em uma universidade. A Mavi estava lá acompanhando uma audição e uma menina chegou atrasada, ela viu a menina, se interessou e fim. Um tempo depois, estava rolando um evento na principal praça da cidade, ela viu uma menina muito parecida e pediu para o amigo ir lá saber se a menina beijava mulheres. A menina disse que era bissexual, mas que namorava. A Mavi não sabia o nome da menina, mas sabia que ela tinha uma pinta no rosto e colocou, absolutamente do nada, na cabeça dela: acho que o nome é Fernanda. Decidiu desbravar no Facebook e achou uma Fernanda, com uma pinta no rosto. Que era quem? a Fê. Adicionou a Fê em todas as redes sociais, curtiu tudo o que ela postava: no Facebook, no Instagram, no Twitter… e a Fê pensando “meu Deus… quem é essa menina hétero curtindo tudo o que eu posto???”! Até que uns meses depois, em outro evento, nessa mesma praça, ela viu a Mavi e decidiu falar com ela, chegou dizendo “ei, você é a Maria Vitória do Twitter?”, que respondeu “não!” e foi descoberta pelos amigos “é ela sim!!!” e envergonhada, rebateu “e tu foi fazer teste na companhia de dança, né??”. As amigas da Fê gargalharam e ela só disse “não???”, então a Mavi entende que de fato, não era a guria da audição, mas achou a Fernanda muito mais bonita que a menina. Nesse dia elas acharam a situação muito engraçada, riram, conversaram e decidiram continuar se falando de forma online. Foi só um tempo depois que elas saíram pela primeira vez, tendo um primeiro encontro (que por sinal, foi fazendo as compras de natal no shopping), depois conversaram em um bar e entre o natal e o ano novo deram o primeiro beijo. Quando comecei a conversar com a Maria Vitória e a Fernanda, ouvindo elas falarem, eu ainda estava desacreditada de que o encontro tinha dado certo. Todos os planos foram, literalmente, por água abaixo - dois dias antes decretaram a volta do lockdown em Criciúma, cidade catarinense, onde estávamos - e uma hora antes de nos encontrarmos caiu a maior chuva possível. Além de que no dia seguinte, de manhã cedo, eu viajaria de volta para o Rio. Não tinha jeito, teríamos que cancelar. Aí elas falaram: “vamos fazer dentro do carro! É o nosso lugar. Sempre foi nosso lugar.” Quando eu saí do encontro com elas, pensei muito sobre o amor porque acredito que nunca falei tanto com um casal sobre as múltiplas formas de olharmos esse sentimento. Tudo começou porque uma vez a Fê compartilhou um post sobre as 5 linguagens do amor e disse quais que ela mais se identificava, que eram três, enquanto a Mavi disse quais que ela mais se identificava, que eram as únicas duas que a Fê não disse, ou seja, elas viam o amor de formas totalmente diferentes. Desse mesmo jeito, elas entenderam que vivem esse relacionamento porque o amor e as relações, como muitas coisas na vida, tem múltiplas interpretações e para entendê-las precisamos estar abertas a isso. A Fê entende que o amor é uma junção de coisas, o carinho, o olhar, a atenção. O amor é olhar reconhecendo os defeitos. Ela fala sobre em toda a construção do relacionamento dela com a Maria, desde o comecinho, ver o amor. Em cada detalhe, cada entendimento, cada passo que deram juntas, ela sempre soube onde esteve presente o amor. Fala também sobre o amor entre mulheres ser mais intenso porque quando um homem e uma mulher se relacionam eles estão em mundos que foram construídos socialmente diferentes, enquanto duas mulheres estão em mundo socialmente construídos iguais, então elas se identificam, se entendem, são corpos semelhantes. ​ Já a Maria Vitória fala sobre como o amor pode ser doloroso também, como podem existir relações tóxicas transvestidas de amor. Como as pessoas podem se machucar em nome do amor, e como isso pode deixar pessoas mais ariscas, menos abertas a viver coisas boas. O amor tem que ser cuidadoso. Ela disse que o amor entre mulheres pode ser (e na maioria das vezes é) diferente, mas que o que difere realmente cada relação é o jeito que cada pessoa se olha, se vê, se respeita. Elas brincam o quanto foi difícil no começo da relação a Mavi também demonstrar carinho, ela não abraçava, dava dois tapinhas, como quem encontra um conhecido na rua. Foi preciso muita calma e investimento para ela entender que podia ter carinho. Enquanto, por outro lado, a Fê também não se entregava de cabeça, pisava em ovos, ia com calma demais. Uma foi tentando permitir a outra, até que por fim, pudessem caminhar juntas. Tudo foi muito novo. ​ Fernanda Maria Vitória

  • Iasmim e Nathália

    < A Nathália e a Iasmim começaram a namorar em 2019 com um detalhe: elas já moravam juntas. Dividiam um apartamento com diversas outras pessoas enquanto estavam fazendo a graduação em Direito, no Rio de Janeiro. De lá pra cá, passaram por vários espaços: optaram por morar sozinhas num apartamento bem menor, em Caxias, na Baixada Fluminense, lá enfrentaram a pandemia juntas e depois voltaram ao Rio, com um relacionamento muito mais amadurecido e fortalecido. Na mudança de volta foi que a ficha caiu sobre o quanto cresceram: quando foram pela primeira vez morarem sozinhas enquanto um casal, tinham uma mala de cada e uma televisão; Quando voltaram, precisaram de mais de um caminhão de mudanças. Construíram a casa juntas, os móveis, lembram de quando chegou o fogão, a cama e a máquina de lavar. No momento pensaram: “Como saímos de uma mala e chegamos nisso aqui?!”. Como tudo foi muito batalhado para ser conquistado, é também muito valorizado. Cuidam de cada detalhe, dos móveis, ao amor que dão aos gatos, o cuidado com as plantas, até o quanto ainda desejam crescer juntas. Sentem que o que vivem é um sentimento puro de família, seja no momento de fazerem um churrasco juntas com vários legumes e uma carne só ou no momento de sentar e conversar sobre o que estão sentindo. ​ Nathália é advogada e cantora. Ela estava com 26 anos no momento da documentação, chegou ao Rio de Janeiro para estudar Direito em 2015, mas é natural de Salvador e toda a sua família reside lá até hoje. Antes entendia a música enquanto um hobbie e hoje faz isso de forma mais profissionalizada: possui conteúdos no Spotify (segue ela, gente!) e trabalha nas suas próprias canções. A Iasmim também é advogada. Estava com 28 anos no momento da documentação e é natural de Caxias, na Baixada Fluminense. Na pandemia descobriu vários hobbies, como desenhar, cozinhar e auxiliar a Nath na sua carreira musical. A Nath acredita que a relação que elas constroem é muito baseada nas ações - nos atos de serviço. Ela traz o exemplo de que não consegue conversar com os gatinhos em casa, por exemplo, mas mostra nas ações e dialoga com eles, demonstra o quanto ama e recebe o amor deles. Assim, no relacionamento delas, elas dialogam e se sentem seguras. Além disso, o amor envolve muitos desafios e enquanto vivem isso sentem que surgem novas perspectivas sobre o mundo. ​ Quando a Nath se mudou para o Rio de Janeiro, foi logo encontrar uma amiga que já estava fazendo faculdade de Direito e acabou adentrando no grupo de amigos cariocas dela. Nesse grupo, estava a Iasmim. Um tempo depois, cansada de transitar por vários espaços, decidiu morar em uma república - foi aí que começaram a dividir apartamento. Lá elas viraram amigas, interagiam com todos da casa, viam shows na TV, faziam refeições juntas etc. Elas não eram suuuuuuper amigas e lembram que a Iasmim era uma pessoa mais fechada, mas em um dado momento começaram a se aproximar mais - se aconselhavam, ouviam músicas juntas… As pessoas ao redor notaram essa aproximação, mas elas não viram nada demais acontecendo. Foi em agosto de 2019, num momento em que a Nath estava mais tristinha pois vivia em torno da prova da OAB, que a Ias chegou até ela e a convidou para sair e ficar bem. Elas estavam num momento ruim de grana, acharam que não ia rolar, mas encontraram um evento chamado “Isoporzinho das Sapatão” e decidiram ir - pela primeira vez saíram juntas/só as duas em algum lugar. No evento, se divertiram muito. Conversaram sobre as músicas da Nath, sobre coisas super profundas, antigos relacionamentos… até que alguma chave, em algum momento, virou. Foi ali que elas sentiram que algo poderia acontecer - e se viram de uma forma diferente pela primeira vez. O cigarro acabou, elas tiveram que comprar cigarros avulsos e a Nath ensinou uma forma de conseguir desconto, mas nessa conversa chegou muito próximo da Iasmim para falar. Ela se desconcertou, sentiu algo acontecendo e numas brincadeiras entre cigarros se beijaram. ​ Nos dias seguintes ao evento (e ao beijo) tudo ficou meio caótico. A Nath foi assaltada, então estava sem celular e, para ajudar, a Ias evitava ela dentro de casa. Todos os dias a Ias acordava mais cedo, ficava pronta antes do horário da Nath levantar e só batia na porta dela para acordá-la (já que ela não tinha despertador), mas saía logo em seguida, não dando a chance de uma conversa. Num dia conseguiram conversar um pouco enquanto fumavam um cigarro, mas no momento em que a Nath se aproximou a Ias logo deu a desculpa de que estava tarde e que precisava dormir e saiu do ambiente. Isso deixou a Nath muito frustrada, pensava que a Ias não ia querer mais nada com ela e os amigos falaram: “Foge enquanto é tempo!”. Mas ela decidiu conversar com uma amiga em especial, que confiava, tomando uma cerveja no bar e essa amiga orientou: “Dê tempo ao tempo”. Na mesma semana a Ias mandou para ela a playlist do evento que elas foram e assim elas começaram a conversar pelo Facebook. Uns dias depois, conversando na terapia, a Ias percebeu que isso era apenas um medo momentâneo e que ela merecia se permitir viver aquele momento bom com a Nath - então decidiu falar com ela e chamar para beber uma cerveja. ​ É um sentimento gostoso para elas relembrar que no começo, mesmo se conhecendo e convivendo há anos, elas passaram pelo nervosismo de não saber lidar uma com a outra. Surgiam perguntas como: “Você gosta de pizza?” sendo que a resposta era óbvia porque elas viviam comendo pizza em casa com os outros moradores. Mas, mesmo sendo algo bobo, era uma forma de se redescobrirem aos poucos. Depois de um tempo, a Nath chamou a Ias para conversar e elas decidiram vivenciar de verdade o que tinham enquanto um relacionamento. Foi um pouco depois disso que o contrato do apartamento estava por vencer e elas decidiram seguir morando juntas, mas num espaço novo e só delas. Elas não esperavam que a pandemia de Covid-19 começaria em seguida. Foi um baque, mas seguiram nessa descoberta diária: conviver juntas obrigatoriamente, sem a opção de sair de casa, é também descobrir muito sobre a convivência com a pessoa que se ama. ​ Entendem que viver a pandemia naquela situação de imersão em um relacionamento recente era delicado, mas fizeram de tudo para dar certo. Hoje em dia, trazem o conhecimento que se criou uma com a outra algo muito positivo, mas não descartam as dificuldades nas ansiedades, nos atritos e no ato de aprender a conviver com as diferenças, de conversar e de dialogar sobre os sentimentos. Na pandemia, também passaram pelo desemprego da Ias, a situação financeira apertou e isso também influenciou muito sobre o valor que dão às coisas que conquistaram. Além disso, a Nath fazia um exercício intenso de incentivar a comunicação do casal - e principalmente de incentivar que a Ias falasse mais sobre o que sentia/a procurar o que sentia. Tudo partiu do entendimento de que o que ela sentia também afetava o dia a dia do relacionamento. Foi assim que seguiram juntas e que hoje em dia não se veem de outra forma: estão noivas! Planejaram o casamento aos poucos, com ideias em casa, mas querem vestidos e coisas tradicionais porque acreditam que merecemos isso. Contrataram uma cerimonialista que gostam e, por mais que já tenham passado por uma situação de lesbofobia na hora de procurar um local, encontraram outro e estão super empolgadas! Será lindo ♥ ​ Conquistando também o apoio da família, ficam muito felizes em compartilhar as coisas do casamento e receber conselhos dos familiares que acreditam na potência do amor que elas vivem. A Ias contam que se sente num grande oceano. Ela nada em amor pela Nath - tudo ao redor dela é água; tem coisas que ela gosta ali e tem coisas que pode não gostar, mas não sabe separar o oceano do mar, tudo está junto e ela ama tudo. Acredita, também, que no dia que souber reconhecer o que ela ama e o que ela não ama, de forma específica, vai entender que esse sentimento provavelmente acabou, então ela ama por completo tudo aquilo em que ela se vê nadando: o amor. A Nath completa de que esse amor é de uma forma livre também, no sentido de não sentir medo, de poder ser quem são. E que, amar da forma que amam, não representa que todo dia seja bom. Há dias muito puxados, difíceis e chatos, mas o bom é saber que nada vai acabar por isso: é só um dia ruim. Por fim, amam os atos que envolvem a relação delas: desde o pai da Ias levar caldo quando a Nath está doente, até a forma revolucionária de ver mulheres se amarem através do respeito. Entendem que não vivem regras sociais como as colocadas no mundo heterossexual: se estão casando, por exemplo, é porque querem. E isso as deixa muito confiante de que a relação se baseia somente naquilo que constroem. ↓ rolar para baixo ↓ Nathália Iasmim

  • Malu e Joyce

    Tudo o que envolve a arte une a Joyce e a Malu. Elas amam mexer com tintas, cantar juntas, fotografar, pintar, fazer customização de roupas, assistir filmes… enfim, respiram arte o tempo todo. São pessoas que se enxergam de formas diferentes e que entendem que possuem alguns jeitos diferentes, mas sabem admirar e respeitar os diversos detalhes uma na outra. E, através desses detalhes, elas se encontraram em 2019. Foi uma mecha de cabelo na cor verde da Malu que chamou a atenção da Joyce, que estava sentada na mesa de bar com uns amigos. Na época, a Malu não cogitava em engatar novamente em um relacionamento, visto que tinha recém saído de um e estava ainda se recompondo e reestruturando. Mas hoje, ela conta que chegou a viver momentos em que foi reparando cada palavra e cada gesto, através da presença ativa que construíram no relacionamento, onde entendeu e agradeceu o presente que foi ter aceitado viver essa relação. Ela olha para a Joyce e diz: “Que mulher incrível, que mulher forte” e a Joyce complementa dizendo que nesses momentos, ela também pensou “Meu deus, não acredito que to tendo essa conexão que eu sempre quis ter”. As duas se viram pela primeira vez no bar, em 2019, enquanto cada uma estava na sua mesa, com os seus amigos. A mecha de cabelo verde da Malu chamou a atenção da Joyce, que sempre quis pintar o cabelo de verde. Ela ficou olhando, olhando e olhando… a Malu percebeu os tantos olhares, retribuiu alguns e a Joyce resolveu ir até ela e perguntar sobre o cabelo. O fato é que, quem fez a mecha foi a própria Malu, já que ela é cabeleireira! Então, ela deu um cartãozinho, com o contato profissional para que a Joyce mandasse uma mensagem. Elas brincam porque ambas sabem que o contato no cartão não era apenas por conta do cabelo, mas ele de fato aconteceu: elas conversaram e marcaram de se encontrar. Logo a caminho do local do encontro, o primeiro beijo aconteceu e sentiram que as coisas dariam certo. Na época, a Joyce trabalhava no bar em que elas estavam, mas era dia de folga e ficaram por lá se divertindo com os amigos e conhecidos dela. Ao decorrer do começo do namoro e dos primeiros meses, passaram por muitas coisas juntas e entendem que ao mesmo tempo que o relacionamento em si era algo que trazia o sentimento de leveza, ao redor delas aconteciam muitas coisas, e acabaram passando por todas essas coisas juntas. No período que a pandemia começou, tiveram que enfrentar mudanças, sentiram muitas saudades uma da outra e isso fez parte de um processo grande sobre autoconhecimento também. Nos momentos mais difíceis, não deixaram de se ajudar e de seguir enfrentando os desafios, mesmo entre perrengues e apertos. No fim, mesmo com o começo tendo esse sentimento leve entre as duas, elas se fortaleceram o tempo todo no apoio mútuo. ​ A Joyce tem 30 anos, trabalha como tatuadora e atendente. Atualmente ela mora em Barão Geraldo, distrito de Campinas, interior de São Paulo. Também é cantora e musicista, toca violão, guitarra e ukulele. A Maria Luiza tem 20 anos, é formada enquanto cabeleireira e também trabalha atendendo em uma loja. Mora em Barão Geraldo, também, e no tempo livre ama fotografar e restaurar móveis. Junto com a Joyce, ela criou um projeto para também restaurar e customizar roupas, que se chama Lava. Além disso, elas fazem pulseiras e colares de miçangas. Em novembro de 2020 elas ficaram noivas, durante uma viagem para o Rio de Janeiro, que intitularam como “A melhor viagem da vida!”. ​ O amor de forma leve surgiu porque tanto a Joyce, quanto a Malu, já passaram por relacionamentos que foram mais conturbados e abusivos. Logo no começo do relacionamento, pelo receio de se envolverem com novas pessoas, foi como um trato: só podemos acontecer se formos leves. Um trato que seguiu de forma natural, até porque, a leveza não deve ser forçada. O trato era para que tentassem resolver atritos ou questões sempre da melhor maneira possível, com diálogo, escuta e carinho. A Joyce entende que amar é respeitar e ter confiança, enquanto a Malu entende que amar é ser sincero e ter fidelidade. “Não é uma questão de ser fiel só naquela ideia de traição” ela diz “mas fiel para o que a pessoa se propõe. Se você é um amigo, seja um amigo fiel. É uma escolha”. Comentamos sobre nos sentirmos mais à vontade entre mulheres, porque já vivemos em situação de medo o tempo todo. Elas contam o quanto se sentem bem quando consomem algo feito por mulheres, quando se sentem seguras quando chamam um carro no aplicativo e a motorista é mulher e como a presença feminina em si traz paz. Concluem a conversa dizendo que as mulheres podem chegar aonde quiserem porque têm uma força incrível, só precisamos nos acreditar e nos impulsionar. Temos muita capacidade e maturidade. Além de que, tudo que é feito por mulher é nítido e intenso, sabe ser bonito e forte. Maria Luiza Joyce

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