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Espaço de Pesquisas

Oi! Este é um espaço do qual você pode pesquisar e encontrar histórias de mulheres que participaram do nosso projeto por todo o Brasil! Legal, né? 

Pra usar, basta digitar no espaço de pesquisa alguma palavra-chave, por exemplo: alguma profissão, alguma cidade, algum tema... 

 

É o nosso verdadeiro banco de dados - o primeiro, da história das mulheres que se relacionam afetivamente

com mulheres - e precisa ser valorizado! ♥

162 itens encontrados para ""

  • Kelly e Maíra

    Para a Kelly e a Maíra, lar significa o lugar que elas estão juntas. Esse pensamento teve início desde o começo da relação, em que elas se conheceram/se encontraram/e vivenciaram todo o início da pandemia de Covid-19 juntas. Para superar os desafios, estabeleceram o que chamam de “protocolos de bem-estar”: se uma está num dia mais corrido, a outra passeia com o cachorro, por exemplo, fazem de tudo para que a casa esteja harmonizada, assim como a relação entre elas. Kelly conta de um dia que ela levou uma “bronca” de um chefe e que a Maíra rastejou - para não aparecer na câmera - até chegar ao lado, pegar na mão e dar apoio durante aquele momento que sabia que estava sendo muito difícil para ela. Desde o começo da relação enfrentaram vários desafios e dificuldades. A Maíra, por exemplo, estava sem trabalhar porque seus atendimentos ainda não haviam migrado para o mundo online e estava bem difícil sustentar, enquanto a Kelly estava finalizando uma empresa que passava pela crise. Foi um suporte e apoio mútuo que uma proporcionou à outra. Elas relembram que isso ficou claro desde o início: partilharam felicidades e dores. Não houve um jogo único e exclusivo de sedução/de mostrar que a vida é só incrível, até porque estavam ali, literalmente sem maquiagens, desde o início. Hoje em dia, o relacionamento é um lugar seguro para ambas - serve de auxílio também. Elas sentem que terem se encontrado foi a mola propulsora para que vários outros ciclos se fechassem (como a Kelly parar de fumar, melhorar a relação familiar e encontrar sua família biológica). Entendem que nesse encontro algo realmente se encaixou e, não à toa, tatuaram um triângulo que se completa quando estão juntas. ​ No momento da documentação a Maria estava com 32 anos. Ela é psicóloga e é natural de Curitiba, no Paraná. Já Kelly estava com 39 anos. Ela é natural de Governador Valadares, em Minas Gerais, e passou por algumas cidades até chegar em Curitiba, no Paraná. Hoje em dia trabalha enquanto programadora e estuda engenharia de software (esse, um sonho antigo, mas que nunca achava que seria capaz. Voltou a estudar através de um processo de incentivo que a Maíra colaborou muito para que acontecesse ♥). Quando elas deram match num aplicativo de relacionamentos nem imaginavam que teriam tanta coisa em comum: foram 5 horas conversando (e brincam que não pararam de conversar até hoje!). Entre a conversa, foram descobrindo que frequentavam muitos espaços em comum, mas que não se conheciam pessoalmente, por exemplo: a Maíra fazia pós graduação no prédio que a Kelly trabalhava, elas já moraram em lugares muito próximos e, além disso, a Kelly morou no prédio que a mãe da Maíra morava. Também descobriram que ambas são formadas em artes cênicas como primeira graduação e ficaram chocadas com tantas coincidências. Se pegaram pensando: será que já pegaram o elevador juntas? Ou foram na farmácia na mesma hora? Mas entendem que o momento certo de se encontrarem foi aquele, no aplicativo. ​ Depois de alguns dias conversando, foram pensando em protocolos de segurança que poderiam enfrentar para se encontrarem - estavam ambas isoladas em suas casas e gostariam de ficar isoladas numa casa só. Na época, não tínhamos informações precisas sobre a Covid-19 então tudo era muito perigoso, contagioso, mas ao mesmo tempo havia uma sensação de que “na semana que vem” tudo iria acabar. Num sábado a Kelly mandou uma foto para a Maíra de um frango com batatas, chamando-a para a janta, e ela decidiu ir. Foi a primeira vez que se encontraram: tirando a roupa que achavam estar contaminada (porque teve contato com a rua) na porta, colocando na máquina de lavar e correndo para o chuveiro para tomar banho. Assim, elas ficaram de sábado até segunda juntas. Como a pandemia não estava nem perto de dar uma trégua, o relacionamento delas foi acontecendo, elas se encontravam e passavam dias juntas e decidiram depois de pouco mais de um mês fazer uma mudança mais sensata de viver na mesma casa. Maíra pensava nas comorbidades e temia o Covid-19, perante ser uma mulher com um corpo sobrepeso, então elas cuidavam ainda mais do isolamento e decidiram juntar os gatos com o cachorro e ficar em casa, no estúdio em que a Kelly morava. Foi um momento bastante intenso de estarem num espaço, juntas, 24h por dia. Porém deu tão certo que até hoje vivenciam essa realidade trabalhando de home office, numa rotina bastante caseira. ​ Hoje em dia, elas têm um cuidado com a espiritualidade bem grande, por mais que não possuam religiões específicas. Já chegaram a estabelecer um ciclo de 52 semanas (um ano) com rituais espirituais entre textos, propostas, conversas etc. e a Maíra também faz parte do círculo sagrado feminino. Entre a fé e a espiritualidade, elas adoram comemorar as datas: desde casamento, aniversários e outras datas importantes. Não necessariamente com festas, mas celebrando rituais como banhos de ervas, revendo anotações, trocando conversas… acreditam na valorização da trajetória que estão traçando juntas. Nesse caminho que está sendo o relacionamento, lavaram muita roupa suja de vivências anteriores que tiveram - e isso tudo aconteceu dentro de casa - então sentem que esses rituais colaboram na criação de um lar muito seguro, que nem sequer imaginavam ter. ​ Kelly acredita que só o amor é capaz de transformar as coisas - se você consegue amar, você consegue propor mudanças reais no mundo. Maíra acrescenta que amor não é hierarquia, é algo mais democrático. Tem espaço para a verdade e o papel de estabelecer conexão com as coisas que estão ao redor. Entre mulheres, amar é também nos protegermos, não é algo violento, é um elo. Ela cita um exemplo da presença do bolsonarismo no condomínio onde moram e da política do medo que isso implica ao ver bandeiras do Brasil nas janelas - a importância que há no nosso amor porque ele vira algo revolucionário, que demanda coragem. A Kelly conta que foi percebendo ao longo da relação o quanto a visibilidade lésbica é importante. Este foi o primeiro relacionamento que ela assumiu de verdade, que não diz que divide o apartamento com uma amiga, que trata a Maíra enquanto esposa. Termos atendimento num posto de saúde, por exemplo, acontece a partir do momento que mostramos a nossa existência e que as pessoas entendem o quanto é necessário ter atendimentos voltados à saúde da mulher lésbicas. A visibilidade é muito importante para mostrar que existimos porque isso reflete em termos documento, constatação social, políticas públicas, conhecimento e reconhecimento das nossas vidas. ↓ rolar para baixo ↓ Maíra Kelly

  • Joyce e Lorrayne

    A Joyce e a Lorrayne entendem que o relacionamento delas já chegou numa fase em que não existe mais a ansiedade da expectativa, ou seja, querem estar juntas porque estão dispostas a isso. Não despejam uma expectativa gigantesca uma na outra, sentem que fazem o que gostam e não precisam se vestir de forma impecável ou estar sempre de bom humor todos os dias. Com a maturidade, a naturalização dos corpos foi se construindo aos poucos. Hoje em dia moram em uma casa que elas mesmo construíram. Na zona periférica de Belo Horizonte, vivem em uma ocupação de terras que antes era um local improdutivo e hoje recebe centenas de famílias. Na ocupação sempre foram tratadas enquanto uma família - e ressaltam como essa representatividade é importante. Por alguns anos, todos os salários que ganhavam voltava ao lar: na compra de materiais de construção, mantendo as contas em dia e pensando em uma decoração para a casa. Hoje em dia, dentre todos os cômodos que construíram e tudo o que aprenderam (fazer massa, assentar forma) é a parede de tijolinhos que mais se orgulham. Sempre sonharam em ter uma parede desse jeito, com os desenhos, pinturas e bordados que fazem pendurados nela. Foram anos planejando porque haviam outras prioridades a serem feitas e hoje se orgulham de finalmente ter conquistado. Quando relembram tudo o que já viveram juntas, falam que realmente amam a companhia uma da outra, fato que ficou ainda mais evidente na pandemia, quando dentro de casa o vínculo se fortaleceu perante as dificuldades que enfrentaram. Não sentem que vivem entre controles, ciúmes possessivos ou coisas do tipo entre elas ou familiares e amigos. Entendem que estarem juntas é algo que escolhem diariamente e depositam sua fé nesse sentimento. Claro que valorizam muito as conversas, a terapia, o cuidado com o corpo e a mente para se manterem bem. Não querem projetar as relações dos outros nas suas, então exercem a conversa e verbalizam o que sentem. Entendem que amar é se sentir feliz, assim como ver e querer o outro feliz. Por isso, não se enxergam numa relação solitária. A Lorrayne conta que tinha uma ideia de amor muito romântica, ligada aos livros de romance que lia… e que essa ideia também é um tanto doentia: A sensação de não ter a pessoa amada é igual a morte, o pedestal que existe para o amor, etc. Hoje em dia enxerga tudo de forma mais leve. Cita que ama os almoços de domingo, os dias que passam juntas sem fazer nada em específico e que assim ela se sente muito mais realizada amando a Joyce. ​ No momento da documentação a Joyce estava com 31 anos. Ela é bordadeira e, além de vender os bordados, começaria um trabalho enquanto vendedora em breve. A Lorrayne, no momento da documentação, estava com 28. Ela trabalha enquanto desenvolvedora de sistemas, na área da tecnologia, fazendo estágio - mas também consegue diversos freelas, o que acaba ocupando todo o seu dia. Brincam que são duas velhas, amam ficar em casa e na pandemia isso se agravou ainda mais. Além disso, por morarem em um lugar distante do centro, se torna inacessível estar saindo o tempo todo pelo valor do transporte, acabam se apegando em atividades mais caseiras. Quando se conheceram, de forma online há muitos anos atrás - mais especificamente na transição do Orkut para o Facebook - interagiram numa postagem que a Lo fez dizendo que estava se sentindo triste. A Joyce soube quem era a Lo e a adicionou nas redes por conta de um amigo em comum, que falava muito sobre ela, e acabou descobrindo um blog que ela escrevia textos, poemas, contos e desabafos. Naquela época, Joyce nunca tinha ficado com uma mulher, mas até comentou com o amigo que se ficaria, gostaria que fosse com a Lo. ​ Um tempo depois de terem interagido na postagem, se adicionaram no MSN (saudades, né?) e conversaram por três horas, falando de músicas e outros assuntos que surgiam, onde perceberam que tinham muito em comum. No decorrer daquele ano (2011) conversavam de vez em quando durante a semana; A Joyce passou pela experiência de ficar com a primeira mulher (que não foi a Lo! mas uma pessoa na Parada LGBT de Belo Horizonte), passou um mês na casa da bisavó de férias e, quando voltou para Belo Horizonte, ainda na rodoviária, ligou para a Lo diretamente de um orelhão marcando um encontro. Se encontraram no dia seguinte na pracinha de bairro próxima aos locais em que moravam, Joyce estava super insegura de ir, mas encarou e levou uma flor para a Lorrayne, que estava sentada na pracinha desenhando e achando que iria levar ‘um bolo’. Joyce brinca com a música da cantora Letrux que diz “Meu look eu pensei o dia inteiro/Só pra te encontrar” e quando chegou lá toda arrumada viu a Lorrayne vestida de qualquer jeito, com chinelo e meio desengonçada. No momento não falou nada, mas a piada surge até hoje. Joyce era muito comunicativa, enquanto a Lo ficava mais tímida, mas deu certo. No segundo encontro marcaram de ir ao cinema, em Contagem (cidade da região metropolitana de Belo Horizonte) e tiveram a infelicidade de serem assaltadas. Depois disso, passaram a se encontrar pontualmente nas segundas-feiras, porque a Lorrayne fazia aula de desenho próximo à casa da Joyce e, como não era assumida, elas conseguiam se encontrar sem precisar dar muitas desculpas. Nesse período começaram o namoro e assim seguiram pelos próximos dois anos, namorando e estudando na mesma faculdade. ​ Foi durante o processo de estudos que aconteceu a ocupação de terras onde elas residem hoje. Nessa época, a Lo cuidava dos irmãos mais novos, enquanto ela e Joyce desejavam morar juntas pelos problemas que enfrentavam com a família. Sendo jovens e com muitos sonhos, decidiram procurar casa para alugar desesperadamente. Estavam com 21 e 18 anos, enfrentavam diversas barreiras na hora de alugar e o fato de terem um cachorro (o Vovô, que aparece nas imagens documentadas) acabava piorando pois nenhum lugar aceitava animais. Adotarem o Vovô, inclusive, foi um processo muito importante para elas; Ele ficava próximo do trabalho da Joyce e era um animal muito bravo, portanto tinham medo que acabassem matando-o pela agressividade que tinha ao atacar as pessoas. Foram 2 meses tentando a aproximação até conseguir acolher e levá-lo para a casa, portanto, jamais abririam mão dele. A mãe e a irmã da Lorrayne conseguiram casa na ocupação e ela e a Joyce ajudavam na luta: desde as reuniões, os atos e as manifestações pela terra. No momento inicial a Lo até morou com elas, em uma época que tinham um cômodo apenas, o banheiro e cozinha eram espaços coletivos da ocupação. Nesse momento, Lo até aponta para o sofá em que está sentada, falando que ele vem desde àquela época: o espaço em que dormiam. ​ Como a irmã acompanhava a saga delas por uma casa em que pagassem aluguel, deu (e insistiu) na ideia de que elas colocassem seus nomes na lista de famílias da ocupação e tentassem um local para construir e morar. Acabaram conseguindo por algumas desistência e/ou outras famílias que não seguiam as regras de convívio. O terreno era pequeno, havia uma vizinha bastante bagunceira e acabaram enfrentando muitas dificuldades no início - não havia janelas, entravam muitos bichos como ratos e acabavam não conseguindo ver aquele local como uma casa de verdade. Até que conseguiram trocar de moradia - pagavam somente o material de construção usado - e, depois de duas mudanças, chegaram na casa em que estão hoje, o lugar que entendem como lar. Logo de início fizeram um muro para soltar os cachorros, depois uniram dinheiro para construir um banheiro e outros cômodos. Hoje em dia, nessa última (e atual) casa, com os cômodos mais elaborados e da forma que sonhavam (construíram o segundo andar, fizeram um mezanino etc), entendem que tudo foi muito árduo, mas necessário. Estão completando cinco anos nesse novo local e agora a irmã mais nova da Lo divide a casa junto com elas. ​ Dentre todas as dificuldades, contam como foi construir em meio à pandemia. Naquele ano (2020) choveu muito em Belo Horizonte, então a obra que duraria 2 meses acabou triplicando em tempo, enquanto elas viviam em três pessoas sob um espaço que chovia dentro, tinha cimento para todos os lados e toda a sujeira incomodava muito. Entre o trabalho, faziam parte do corpo de funcionárias da creche da comunidade, então conseguiram receber auxílio mesmo nos tempos mais fortes de Covid-19, mas a regra era simples: todo o dinheiro ia para a construção. Durante a pandemia, também, o grupo de teatro que a Lorrayne faz parte passou em um edital para realizar apresentações na comunidade, o que ajudou muito a se manter em contato com a arte e trazer renda para a casa. Entendem como é bom ter realizado as coisas. Não foi nenhum pouco fácil viver todas as dificuldades que viveram, mas sentem muito orgulho em ver a casa montada. Ressaltam que fazer isso, enquanto mulheres, é ainda mais grandioso. Sempre existe alguém para apontar e dizer que não será possível, homens querendo nos ensinar a fazer coisas mínimas, opinando em algo que não cabe à eles e fazer a casa da forma que sonham é um firmamento muito grande sobre quem são. ​ Hoje em dia, adoram os processos artísticos que fazem juntas (mesmo que a Lo faça parte do time de tecnologia, ela estudou artes por seis anos) e se dedicam aos bordados, à pintura e ao desenho. Além disso, amam jogos, no tempo livre gostam de assistir séries e filmes e fazer refeições juntas. Mesmo com as grandes dificuldades financeiras e desentendimentos que aconteciam no começo do namoro por depositarem muito de relações alheias sobre elas, hoje dão muito valor ao entendimento do corpo e da relação enquanto algo político. Lo comenta que a sociedade não as considera uma família, então fazem questão de trazer a naturalização do amor delas para todos, seja no ambiente de trabalho, entre a comunidade ou a família. Ao ver as pessoas da creche que trabalhavam (mães, pais, funcionários e crianças) tratando o amor delas enquanto algo natural, como merece ser tratado, percebeu o quanto importa essa luta coletiva. Por fim, fazem questão de dizer o quanto a sociedade precisa de mais acolhimento mental. Pouco se vê de investimentos nessa área, as terapias são caras e não há propagandas governamentais sobre isso, portanto desejam viver num país em que principalmente as mulheres que estão na base tenham cuidados mentais garantidos. ↓ rolar para baixo ↓ Lorrayne Joyce

  • Bianca e Ellen

    Encontrei a Ellen e a Bianca num bar em Curitiba - PR, num dia chuvoso de domingo. Neste bar são frequentadoras assíduas, já que adoram estar lá com os amigos e também enxergam o local enquanto um espaço de resistência da esquerda, de diversas culturas que se misturam e do público LGBTQIA+. Durante a nossa conversa, contam sobre a história do local (que passou por diversos donos), a expansão depois da pandemia e compartilham momentos que já estiveram lá com muitos amigos, se divertindo e bebendo uma cachaça única, produzida em Paranaguá, na região litorânea do estado. É nesse bar que elas se sentem confortáveis, são bem recebidas e bem tratadas. Citam também que viver em Curitiba no momento de eleição não estava sendo fácil, havia muito medo de pessoas radicais que possuem posse de armas, assim como as festas e espaços da esquerda acabavam estando sempre alertas, redobrando a segurança, mas que isso para elas ressalta o quanto precisamos ocupar ainda mais os espaços e as ruas. Ellen, no momento da documentação, estava com 29 anos. Ela é pedagoga e trabalha no interior do estado dando formação continuada (para diversas séries com idades diferentes). Bianca, no momento da documentação, estava com 27 anos e trabalha sendo psicóloga, mas nos momentos livres gosta de praticar esportes e crossfit. Além de frequentar o espaço que fizemos as fotos, elas contam o quanto adoram sair, viver a vida boêmia e também receber amigos em casa - sempre prezam pelas socializações com quem amam. ​ O relacionamento delas vem durando cinco anos, mas se conhecem desde quando a Ellen passou no vestibular, entrou na faculdade e começou a se interessar por política. Naquela época, passou a fazer parte de um coletivo estudantil e encontrou a Bianca numa viagem ao Congresso da UNE, no Rio de Janeiro. Ellen nunca tinha namorado uma mulher, apenas beijado em algumas situações, mas de cara se apaixonou pela Bianca. A Bianca estava namorando naquela época, então a Ellen não demonstrou nenhum interesse. Com o passar do tempo, já em 2017, a Bianca terminou o relacionamento e a Ellen ficou sabendo - só que dessa vez, quem namorava era ela, mas como o relacionamento era aberto decidiu chamar a Bianca para sair. Bianca brinca que foi um chamado bem direto, através do Instagram, porque elas não eram amigas ao ponto de manter conversas e não fazia a menor ideia do interesse da Ellen, mas chegou a mensagem inbox e topou o encontro. A Ellen, por sua vez, conta que o interesse era gigantesco e não sabe como isso não estava explícito, porque encontrava a Bianca nos lugares e acompanhava ela nas redes sociais. ​ No primeiro encontro, Bianca estava ainda muito triste pelo término do antigo relacionamento. Elas se encontraram, saíram, continuaram saindo por um mês e não se envolveram fisicamente. Foi no último dia de aula da Ellen, quando ela estava bebendo uma bebida de qualidade duvidosa depois da aula, que ficou com a Bianca e entendeu que gostava dela e não queria mais seguir o relacionamento aberto que vivia. Depois do primeiro beijo e do processo de término da Ellen, continuaram se encontrando o tempo todo. Era dezembro e elas passaram o ano novo juntas, quando depois, em 2018, a Ellen pediu a Bianca em namoro depois de assistirem um show da AnaVitória. ​ Nesse período em que estão juntas, já passaram por muitos altos e baixos. Comentam que possuem uma comunicação “de centavos” e que nem fazendo vários cursos acreditam que melhorariam. Entendendo que nem sempre conseguem comunicar o que sentem, prezam por entender qual é o lugar de cada uma dentro da relação, tentando sempre deixar a escuta ativa e pensando nos meios termos que agradem ambas. Desde 2018 a Ellen já morava sozinha e, depois de um tempo, a Bianca decidiu sair da casa dos avós, foi quando decidiram morar juntas. Visitaram um apartamento e alugaram, do qual apelidaram de “batcaverna”, depois disso, adotaram dois gatos, resgatados em ONGs. Bianca fala sobre a pressão que envolve se relacionar no mundo e no sistema que vivemos hoje. Se espera muito da produtividade, até mesmo nas relações humanas, então tenta enxergar o amor na contramão: como um ato de cuidar e ser cuidado, se permitir estar vulnerável, sem hierarquia, amando outra mulher. Por fim, ainda não é fácil lidar em como a sociedade trata esse amor de forma diferente: desde tentarem sempre ver a Bianca como “o homem da relação” provando um vinho num jantar, pagando a conta ou em diversos outros momentos, até o quanto gostariam de educar a sociedade para que fossem lidas mais natural possível. Ellen fala sobre a importância da educação enquanto uma questão social: a importância de passar conhecimento, educar e ouvir as pessoas, inclusive a população mais jovem, e tratar os espaços educativos enquanto também espaços de acolhimento. ↓ rolar para baixo ↓ Bianca Ellen

  • Anik e Isabelle | Documentadas

    No início da conversa, Isabelle e Anik contam de onde surgiu a ideia dos nomes para os gêmeos Zuri e Nilo: ficaram muito tempo pensando referências que falavam sobre a ancestralidade da Isa, queriam nomes indígenas ou africanos, curtinhos como o nome da Anik, que significassem algo. Também pensavam no quanto a gravidez representou água, pesquisaram nomes de rios, sempre chegavam em diversos nomes femininos e também adoravam os nomes que serviam para ambos gêneros. Gostaram dos dois, e acabou dando tudo certo: ficaram felizes de gerar um menino e uma menina. Entendendo o projeto enquanto uma documentação do momento atual em que vivem, Isa e Anik fizeram muita questão de mostrar o quanto a gravidez foi parte de muita luta. Entendem que as crianças já possuem muita história antes mesmo do parto e que as mães sempre souberam que ia dar certo pelo quanto de energia que colocaram nisso. Mesmo que muita coisa tenha dado errado no caminho, continuaram sabendo o quanto resultaria em algo concreto/e correto pela energia que destinavam. Isa comenta o quanto deseja que as crianças sejam acolhidas em suas escolhas. Entende que não tivemos o mesmo privilégio e que por isso morremos em vários níveis durante a nossa vida, por isso quer proporcionar algo diferente à elas, começando pelo respeito. Escolhemos o lugar para fotografar como a Câmara dos Vereadores, no Rio de Janeiro, com essas roupas, para que as crianças vejam no futuro que a luta vem desde sempre para que elas possam ser quem desejam. O afeto sempre vai existir, o romantismo, mas o destaque na documentação quanto à gravidez foi a luta que passaram para chegar onde estão porque também precisamos nos refazer entre os novos algoritmos, rostos e famílias que ainda não nos vemos. ​ Isabelle no momento da documentação estava com 32 anos, é natural do Rio de Janeiro, trabalha na UFRJ como coordenadora de ensino e também é advogada. Anik no momento da documentação também estava com 32 anos e também é natural do Rio de Janeiro, trabalha enquanto pedagoga e é advogada, agora especialista em causas LGBTs. No primeiro ano de relacionamento, Anik e Isa cancelaram suas carteiras da OAB, achavam que advogar era lidar com muita burocracia e estavam bem frustradas em suas carreiras - tanto que partiram para uma área mais pedagógica. Quando nos encontramos fazia cerca de semanas que tinham pego de volta sua carteira para voltar a exercerem seus papéis, vontade que surgiu após a gestação, dando início também ao Instagram que criaram e que alimentam hoje em dia: o @duplamaternidadecritica. ​ Isabelle sempre sonhou com a maternidade, mas não foi fácil achar informações sobre os métodos e como um casal composto por duas mães poderia engravidar. No começo, tentaram a inseminação (cujo não deu certo) e depois tentaram a FIV (fertilização in vitro) de uma forma que reduzissem os custos fazendo doações de óvulos para a clínica. O começo do processo foi muito difícil, viveram situações que entenderam ser erradas e por isso enfrentaram discussões, brigas, processos e enfrentamentos com a clínica até chegar à direção da empresa. Depois, entenderam que se estavam passando por isso, outros casais poderiam passar também… e decidiram educar e prestar auxílio: tanto à clínica quanto às pessoas que procuravam esse tipo de serviço, por isso, fizeram o Instagram. Começaram a auxiliar a clínica na questão legislativa e educacional, mostrar como tratar casais LGBTs que procuram o serviço e também orientar pessoas LGBTs que passam por LGBTfobias a como saber seus direitos. Assim, surgiu uma nova ideia: para além de voltar a advogar com algo que faria sentido, teria propósito, também conseguiriam trabalhar de casa, dando cuidado e suporte aos gêmeos quando nascessem. ​ Durante o começo da gravidez viveram diversos processos difíceis e se sentiam até mal em como tudo se tornou tão monotemático nas rodas de amigos e nos grupos de apoio que possuíam, mas não teria como ser diferente visto que era o momento que viviam. Justamente por ter sido muito marcante, não poderia passar sem resultar em algo realmente grandioso, que fizesse sentido em mudar as coisas - como esse divisor de águas em suas carreiras. Sentem que, se logo elas que possuem consciência sobre a legislação, não estiverem dispostas a tentarem mudar coisas… Como outros casais, que muitas vezes desconhecem os próprios direitos, iriam conseguir? Em diversas situações, por exemplo, não sentiam que eram tratadas da forma correta. Tanto nas questões de saúde - a própria doações dos óvulos da qual faziam Isa ter diversos sangramentos, questões biológicas do corpo dela, hormônios à flor da pele, oscilações de humor - quanto nas invalidações da voz da Anik. Ressaltam que ambos corpos poderiam gestar, porém optaram pelo sonho da Isa de querer gerar as crianças. Mesmo assim, o papel que precisavam assinar dizia que apenas a Isa era a mãe, a Anik era a responsável legal das crianças. Anik cita uma situação em que viveu jogando tarot em que a própria taróloga à colocou enquanto o pai das crianças… e que não, ela não é pai, é mãe também. Em nenhum momento as cartas falariam que ela é pai, isso é algo enraizado na cabeça das pessoas e precisamos mudar esses pensamentos - fazem questão de serem lidas enquanto duas mães, por isso acham tão importante a dupla maternidade. ​ Por mais que as duas fizeram direito na mesma época e na mesma faculdade, não foi lá que elas se conheceram, mas sim através de um aplicativo de relacionamentos (bem conhecido por aqui: o Tinder). Anik morava na sala da casa de uma amiga e estava numa fase um pouco esgotada de usar aplicativos para conhecer pessoas. Isa era completamente o contrário: nunca tinha baixado aplicativos, nem usava Instagram ou Facebook, decidiu baixar porque uma das colegas de apartamento se mudou e estava se sentindo um pouco sozinha, queria novas companhias para passear pelo Rio. Baixou no intuito de fazer amizades, mas cheia de receios. Conheceu a Anik no primeiro dia e, literalmente, no dia seguinte excluiu. Era fim de ano e elas demoraram bastante para se encontrar, Anik estava finalizando o ano letivo, fez um mochilão e só em fevereiro do ano seguinte (2019), por um impulso da amiga (e dona do apartamento cujo ela morava na sala), chamou Isa para ir lá um dia à noite. ​ Isa já estava de pijama em casa, vendo um álbum de fotos reveladas, mas colocou uma roupa e foi. Anik estava há muito tempo sem ficar/se relacionar com alguém e sentia que se conhecesse a Isa iria “abrir um portal”, alguma coisa iria destravar, acontecer ali. Enquanto a Isa se arrumava para chegar lá, Anik surtou. Foi tomar banho, ficou nervosa, já estava arrependida de ter convidado. Como Anik era pedagoga, na época tinha várias fotos com crianças… E Isa sempre quis casar e ter filhos, então rolou uma piada interna com a amiga que dividia apartamento com ela antes de sair, dizendo: “Amiga, beleza vai lá… Mas assim, se você decidir casar, me avisa com antecedência porque preciso achar lugar pra morar, tá?”. Acabou que tinham vários amigos na casa, Isa se deu bem com todos e Anik estava tão nervosa que elas mal conversaram. Ficou o tempo todo em silêncio enquanto Isa interagia com as pessoas. Elas nem se beijaram, e foram conversar e interagir mesmo em outros encontros seguintes. Até que não se desgrudaram. Na terceira vez falaram te amo, se sentiam vivendo uma grande história de amor… Anik precisou voltar para a casa da mãe dela, um tempo depois foi expulsa e, em pleno dia das mães, chegou na casa da Isa com um mochilão e de lá nunca mais saiu. ​ Em 2021, casaram, já pensando no quanto isso era importante legalmente na hora de ter as crianças. Planejaram uma casa, escreveram tudo o que gostaria que existisse nesse lar, e acharam uma que era exatamente como sonhavam (incluindo a banheira!). Anik explica o quanto aprendeu sobre o amor nesse processo. Para ela, amar é trocar energias - e todas as pessoas trocam energias o tempo todo. Mas o amor e o afeto são energias especificamente poderosas e nelas envolvem resistências, momentos não tão fáceis e bonitos. Isa completa que para isso existir é preciso muita parceria, porque nesses momentos existem também muitos perrengues. Para ela o amor se move através da admiração, não consegue estar com pessoas ou em espaços que não admira. Por fim, mas não menos importante, elas contam que sempre pensaram como seria trabalhar juntas. Sempre sentiam que daria muito certo e quando aconteceu foi um totalmente inesperado de: “Uau! Aconteceu!”. Tudo se encaixou. Virou algo muito político e necessário que almejam. O direito foi como um caminho sem volta, porque ficar só falando não adiantava, era necessário mudar na base. E hoje em dia, quando chega alguém nas suas redes pedindo ajuda, veem que deu certo. Entendem, também, que fazer o que fazem foram seus próprios processos de cura - viveram um período de isolamento muito grande e ter o perfil no Instagram, compartilhar suas vivências, dores e reviravoltas fez com que fossem acolhidas, ajudassem e também tivessem ajuda, ressignificassem as coisas. ↓ rolar para baixo ↓ Anik Isabelle

  • Karol e Camilla | Documentadas

    Quando a Cami decidiu entrar no internato militar, ela não passou na primeira vez porque precisava fazer uma prova de corrida e ela não conseguiu um bom desempenho, mas se dedicou e no ano seguinte já estava preparada. O primeiro ano lá dentro é realmente difícil, uma prova sobre quem tem psicológico e aguenta ficar, mas depois foi ficando mais tranquilo e ela decidiu seguir lá dentro. A vontade e a empolgação que tinham vendo os navios e a maior interação quando puderam conviver mais com as outras pessoas foi colaborando com a vontade de estar lá também. E quando ela entrou, por ter tido uma boa colocação na prova (as pessoas que passam em primeiro lugar viram líderes de pelotões), virou líder e passou a ter uma presença muito forte, sendo muito cobrada. Foi assim que a Karol a conheceu, ouvindo falar dela e vendo ela circulando pelo espaço. Elas não podiam conversar por um tempo, mas na primeira oportunidade, a Karol lançou diversos elogios por realmente ser uma figura que admirava: falou sobre a ver como uma guerreira lá dentro - e a Cami abriu um sorriso (que, diga-se de passagem, levou o coração da Karol embora). Como elas não eram do mesmo ‘camarote’ (do mesmo espaço/pelotão), ficavam organizadas em ambientes diferentes e tinham pouco contato, mas com o passar do tempo passaram a se ver mais. Aos fins de semana a Cami saía para visitar a família e a Karol ficava lá e, durante a nossa conversa, conta que lembra de vê-la com outra roupa sem ser a farda e o quanto isso a marcou, dizendo o quanto era bonita e o quanto ela mexia com os sentimentos dela. Além de que, sempre foi completamente apaixonada por mulheres inteligentes e nessa posição a Cami já estava com a luta ganha. Para quem não faz ideia do que seja a EFOMM, ela é a Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante. Lá, as pessoas passam por um concurso, fazem uma formação que dura cerca de três anos + um período de um ano em embarcações e, então, se formam. Hoje em dia, a Karol e a Cami seguem trabalhando embarcadas (enquanto oficiais de máquinas da marinha mercante - área de engenharia da embarcação), mas não possuem mais ligações diretas com a área militar, por mais que para sempre sejam consideradas militares da reserva não-remuneradas, ou seja, fora de serviço oficial. É muito importante resgatarmos o quanto é um trabalho braçal e pesado, pouquíssimo feito por mulheres. Elas relatam a pouca presença de mulheres nos navios e como se sentem no meio disso tudo. Vemos as diferenças de tratamento entre a Cami, que transmite um estereótipo mais feminino e a Karol, que possui um estereótipo de jeito mais despojado e cabelo curto. Como os comportamentos masculinos mudam ao lado delas e como as posições em alto mar também. Além disso, elas contam como é a vida de decorar um apartamento e viverem juntas enquanto passam tanto tempo longe fisicamente. A Camilla decorou boa parte do apartamento enquanto a Karol estava embarcada, desenhou as almofadas, fez muitas coisas nos cantinhos da casa. E cada vez mais compartilham as coisas quando as agendas se encaixam e elas conseguem ficar juntas. Gostaria que esse texto pudesse expressar o sentimento que tenho de carinho pela tarde que tive na casa da Karol e da Camilla, pela admiração que sinto pela história delas e, também, pela gratidão (sem clichês nessa palavra) que tenho por elas me permitirem registrar esses tantos anos de relacionamento que começou de forma tão pouco provável. Antes de escrevê-lo, não sei se de fato ele irá cumprir o papel, mas espero que ele sirva como um abraço à quem elas são e um presente à quem irá conhecê-las agora. Aproveitem e acreditem nas histórias improváveis! ♥ Acho que podemos começar assim: a Karol e a Cami se conheceram em um internato militar. Mas antes de falar sobre o amor delas, queria explicar quem elas são. A Karol é natural de Rondônia, de uma cidadezinha chamada Alta Floresta D’Oeste, mas como a família é de uma mistura brasileiríssima, ela foi morar em São Paulo quando era mais nova. Ela sempre curtiu bastante a área de exatas, mas não era muito dos estudos. Curtia também a área militar e queria fazer parte da esquadrilha da fumaça. Ela viveu o momento em que as mulheres começaram a ser incentivadas a participar do exército e nunca pensou em trabalhar em escritório ou alguma profissão relacionada a isso - inclusive, acha muito cedo a época em que somos obrigadas a escolher qual carreira seguir. Porém, antes mesmo de decidir o que iria fazer, aconteceu o que não esperava: ela foi expulsa de casa. E foi aí que ela investiu em estudar e passar no internato militar, afinal, era uma ótima opção para quem não tinha lugar para morar e nem para onde ir. Veio ao Rio de Janeiro para estudar na EFOMM. A Camilla tem 24 anos, é natural do Rio de Janeiro e morou (quase) a vida toda na mesma casinha. Ela é uma mulher apaixonada pelas artes e pelo artesanato, já estudou na UERJ e descobriu o internato militar e a vida nas embarcações por conta do avô, que era dessa área e também trabalhava em navios. Ele contava das viagens, então ela conhecia as histórias e sabia que era uma profissão que pagava bem, foi por isso que decidiu se inscrever na EFOMM. Nunca foi algo muito sonhado, mas sempre foi algo que esteve ali. Se dedicou e passou no curso. Hoje em dia, ainda arrasa (e muito!) nos artesanatos. Hoje em dia, no apartamento com os gatinhos, o cachorro e várias decorações lindíssimas feitas pela Camilla, elas vivem entre os encontros e reencontros um espaço de lar muito confortável. A Cami comenta que sonha em juntar dinheiro e fazer alguma outra coisa voltada à arte e a Karol complementa: “qualquer coisa que ela pegar pra estudar, vai arrasar!”. Quando pergunto sobre o lar e sobre o que, nesse momento da vida delas, elas identificam como amor, a Cami diz que amar é uma escolha. Desde escolher estar com a pessoa até aceitar essa pessoa e se sentir disposta a compartilhar a vida com essa pessoa. Ela sente que amar uma mulher é também uma escuta ativa, um entender, uma empatia. Está sempre se inspirando em outras mulheres e sente que as mulheres se entregam com muito mais facilidade. Disse também que, por mais que tenha tentado, não se viu capaz de amar um homem ainda, mas que não generalizaria no sentido de ser totalmente incapaz - mesmo reconhecendo o quanto as mulheres mostraram que a completam mais em muitos sentidos. A Karol entende que o amor é feito na base da amizade e do diálogo e fica sempre muito feliz pensando no quanto ela e a Cami são realmente amigas. Por mais que o relacionamento delas já tenha envolvido brigas e já tenha sido essa montanha russa, para ela, tudo isso faz parte porque se trata de um amadurecimento conjunto. Não acha que o amor tenha gênero e forma para acontecer, que possa ser melhor entre mulheres ou não, porque muitas mulheres também podem ser bastante abusivas e trazer traços de machismos e do patriarcado que estão dentro delas de uma forma cultural. Por fim, completa que o relacionamento não se resume sempre só em amor, mas na forma como a vida se construiu e se constrói diariamente. ♥ Hoje, antes de postar o texto aqui no site, falando com a Karol, ela me trouxe a notícia em primeira mão de que elas deram mais um passo nesse meio tempo desde que nos encontramos: e estão noivas! Muito amor pra vocês! Perguntei para a Karol como era, para ela, essa sensação inicial de ser uma mulher, sapatão assumida, chegando num internato militar. Ela disse que sentiu um medo no começo, mas que nunca pensou em esconder a orientação sexual dela. Quando chegou lá, logo no segundo dia, as mulheres já vieram perguntar para ela se ela realmente gostava de outras mulheres e ela achou tudo muito engraçado. No fim, ela não fazia questão de se relacionar com alguém na frente de todo mundo ou deixar os relacionamentos explícitos nos espaços em comum, mas também não se escondia. Fala que não sentia as coisas de forma absurda, mas que a vivência, em geral, foi tranquila. “As pessoas sabem que existimos e está tudo bem.” Quando elas começaram o relacionamento, foi uma montanha russa de sensações. Nesses mais de 6 anos juntas, praticamente os primeiros 4 anos foram de relacionamento aberto, porque permitiam que ainda precisassem viver outras coisas. Não foi nenhum pouco fácil, mas conversavam muito e trabalhavam muito sobre o que sentiam. Enfrentaram distâncias, preconceitos muito pesados e por um tempo a Cami tentou se entender, se descobrir sobre o que sentia enquanto uma mulher que se relaciona com outras pessoas… foram muitos momentos diferentes entre duas pessoas que crescem e amadurecem. E somente quando a Karol foi para o estágio dela (o período de um ano embarcada) que elas conversaram muuuuuuito e entenderam que realmente já tinha esgotado o tempo e que agora querem estar sozinhas - mas juntas. Foi então o momento que decidiram assumir um relacionamento sério, pensar em um lar, um apartamento aos pouquinhos, a vida e tudo foi acontecendo. Com o tempo e com elas conversando enquanto amigas, a Karol foi entendendo quem ela era e como a cabeça dela funcionava, como ela foi criada e como as duas estavam em realidades diferentes. Enquanto eram amigas, a Cami chegou a se envolver com um menino e a Karol conheceu algumas meninas e saiu para várias festas no Rio. Foi um tempo depois, durante um fim de semana no internato, em que a Cami estava lá por ter ficado de serviço, que elas estavam juntas e que já eram amigas o bastante para trocarem carinhos e serem mais próximas nas conversas (sem malícias, justamente, pela Karol entender que a Cami não a via com malícia), que elas passaram bastante tempo conversando juntas em uma noite. E, depois de uma amiga alertar a Karol algo como “você não vai mesmo ficar com a Cami???” e ela cismar que não porque jamais a Cami ficaria com uma mulher, ela tomou coragem para investir e com muita calma o beijo aconteceu! Ressalto a calma porque tudo aconteceu muito aos poucos, com cuidado e respeito à primeira experiência da Cami e pela Karol saber que não era algo que ela já tivesse pensado sobre. Não queria um sentimento de invasão, de arrependimento no dia seguinte, de desconforto na amizade. Elas comentam que, se estão juntas há 6 anos, foi graças há tudo ser feito com tanto respeito à amizade lá no começo, não saindo atropelando todas as coisas, porque era um dos maiores medos da Karol naquele momento. Depois daquela noite, elas passaram a ficar juntas todas as noites em seus camarotes, ou seja, em seus espaços dentro do internato. ♥ Por mais que a Cami tivesse uma posição muito importante e que exigisse uma maturidade imensa dentro do internato, ela sempre foi uma pessoa muito ingênua e teve uma realidade muito diferente. Poucas vezes alguém lhe ensinou alguma malícia ou maldade no mundo. Ela foi criada por uma avó que casou absurdamente jovem e viveu a vida toda com a mesma pessoa, nunca foi alertada sobre sexo, sobre relações amorosas e sobre como essas coisas acontecem. A mente dela funcionava tal qual a ideia de que chegaria um príncipe encantado e que tudo ficaria bem, que o homem sempre seria perfeito e a respeitaria. Ela nunca tinha conhecido o próprio corpo ou pensado sobre isso e também sobre mulheres ficarem com outras mulheres (na verdade, na nossa conversa ela falou sobre já ter visto uma menina lésbica no programa Ídolos quando era mais nova e que a família dela repulsou, mas que ela entendeu que pessoas se apaixonavam por pessoas, porém nunca se permitiu pensar sobre quem ela gostaria de ficar). E essa ingenuidade e desconhecimento da Cami fez com que ela tivesse muitos casos de desconforto na vida sob relacionamentos - desde coisas que, para quem já se envolveu sexualmente, são realmente muito básicas e ela achava muito desrespeitosas, até colocar inúmeras barreiras que faziam com que os relacionamentos não acontecessem de fato. No começo, quando a Karol teve sua paixão quase que platônica por ela e lançou uma brincadeira em estilo de cantada, recebeu em troca um corte gigantesco. E, quem dera, ela soubesse, que esse corte nem planejado tivesse sido, porque de tamanha ingenuidade a Cami nem se dava conta das coisas serem assim levadas na maldade. Era tudo muito mais simples na cabeça dela. Karoline Camilla

  • Louise e Thayane

    Louise e Thayane constroem sua vida numa base de amor e afeto familiar muito grande - tanto que soa meio impossível falar delas sem falar em família. O tempo todo enquanto nos conhecíamos, visitando o lar em que moram no centro de São Paulo, a sensação mais presente era de que ali existe uma família. Elas são naturais do Rio de Janeiro, mas se mudaram há pouco tempo para São Paulo por conta do trabalho da Louise. A casa, aos poucos, vem tomando forma, mas o mais importante é o samba, que toca o dia todo, embalando as atividades cotidianas. A música, na vida de ambas, vem desde crianças: suas famílias são muito ligadas ao samba, nos encontros cantam, fazem bagunça, gostam do movimento. Para o futuro, planejam filhos, uma família cada vez mais unida, grande e que valoriza suas raízes. Acreditam que enxergar o futuro enquanto uma construção é também um ato de amor. ​ Tanto a Thay, quanto a Louise, no momento da documentação, estavam com 30 anos. A mudança para São Paulo foi bem rápida, durante o processo seletivo que a Louise participou elas conversaram e decidiram que só daria certo se fossem juntas, não cogitaram viver num relacionamento à distância. Hoje em dia, o trabalho da Louise envolve coordenação de vendas, enquanto a Thay é geóloga, apaixonada por defesa civil e está estudando para o concurso público dos Bombeiros. Diariamente ela corre, nada, cuida do corpo para a prova física e estuda para a prova teórica. Ambas têm a paixão do samba e do futebol em comum, mas com isso vem o motivo das brigas na relação: uma é Flamengo, a outra, Vasco. Querendo ou não, o amor que elas possuem pelo Rio é enorme, são pessoas que iam muito à praia, amam o sol, os bares… então está sendo uma nova vivência descobrir São Paulo. Por outro lado, sentem o quanto são companheiras juntas, o quanto mesmo com as dificuldades e a saudade da família elas se apoiam e se fortalecem estando nesse novo local. Tentam explorar a cidade descobrindo novos restaurantes, botecos, eventos com samba e culinárias diferentes. ​ Quando elas se conheceram, a Thay estava em um relacionamento que ia muito mal, chamou uma amiga para conversar porque precisava desabafar e a amiga perguntou se podia levar outra amiga. Na hora, ela pensou que não era o ideal, né? Afinal, teria uma desconhecida ouvindo suas lamúrias, mas tudo bem, aceitou. Quando chegou lá, a menina convidou uma pessoa que ela estava ficando para as encontrar e a Thay pensou “Pronto, mais uma desconhecida pra me ouvir desabafar…” e então chegou a Lou. A Lou estava um pouco irritada, tinha saído do trabalho num dia bem agitado, mas segundo a Thay ela estava com uma roupa maravilhosa e isso já a chamou atenção. Depois desse primeiro dia, a Thay terminou seu relacionamento e todas elas (a Thay, a amiga dela, a Lou e a pessoa com quem ela estava ficando) passaram a se encontrar com frequência. No início de 2019 surgiu um flerte entre a Thay, a Lou e a menina que ela se relacionava. Elas ficaram e o que era para ser um divertimento acabou se tornando um relacionamento entre as três: durou oito meses. Por fim, não deu mais certo, terminaram, mas a Thay e a Louise continuaram juntas - tiveram a ideia de recomeçar devagar, e quando perceberam já estavam 100% entregues e vivendo como casal. ​ Um tempo depois, com o início da pandemia, o que tinham era uma a outra e um quintal para ver o céu. Isso foi um espaço de precisarem aprender a se comunicar de forma fluida, já que tudo dependia das duas. Uma foi contando cada vez mais com a outra. Elas acreditam que, por mais que tenha existido muita coisa ruim na pandemia, há o sentimento de que esse tempo serviu como um acelerador de futuros: se a coisa não foi pra frente, ela acabou ali - e o que foi pra acontecer, aconteceu de verdade. Foi um momento divisor de águas em que elas sentaram e repensaram o futuro: planejaram o que gostariam de ser, estando juntas, tendo filhos, uma carreira, etc. Hoje em dia, mesmo a Thay que não é de falar muito o que está sentindo, consegue colocar pra fora com a Lou. Elas sentem que, quanto mais se abre, mais geram apoio uma à outra. Lou conta do momento que ela contou para a mãe dela, já adulta, sobre se relacionar com uma mulher. O medo que existia, pois é muito próxima da mãe, mas entende que ela teve uma criação evangélica muito forte e poderia reagir de várias formas. No fim, ela ficou assustada, mas abraçou e tratou com afeto. Isso se tornou um exemplo do que a Lou espera ser para as pessoas, ela acha que isso é lidar com amor sobre as coisas, e também fala sobre o acolhimento que ela espera ter mesmo nos momentos mais delicados. ↓ rolar para baixo ↓ < Thayane Louise

  • Camila e Laura

    Gostaria de começar a história da Laura e da Camila premiando-as com o título de casal mais brega que já passou pelo Documentadas. Este, um título naturalmente conquistado, não enquanto um brega em tom ridicularizado, cômico demais ou até enjoativo, mas genuinamente delas, algo que se faz parte em cada móvel do apartamento, história engraçada que contam ou fotografia realizada dentro do projeto. O brega não veio através de “eu te amos” falados o tempo todo - bem pelo contrário, Camila explica que o “eu te amo” parece nem ser o bastante para elas. O brega existe mais pelas bicicletas que representam ela ensinando a Laura a andar de bicicleta na praia, o fusquinha verde que ela tinha no começo do relacionamento, o livro de poesias (que sim, ela mesmo escreveu e lançou um livro de poesias para a Laura) e uma casa inteira de bonecas que representa a casa delas. Olhar para esses anos de relacionamento enquanto contam suas histórias representa enxergar o quanto acrescentaram uma à outra. Anexaram suas coisas boas e ensinaram/aprenderam o que ainda não sabiam. Enxergam como mudaram (e que bom que mudaram!), ficam felizes com suas novas versões e entendem que se não estivessem juntas não teriam vivido tantas evoluções. ​ Laura, no momento da documentação, estava com 36 anos. É natural de Porto Alegre - Rio Grande do Sul e trabalha enquanto auxiliar administrativa sendo servidora pública. Camila, no momento da documentação, estava com 33 anos. Também é natural de Porto Alegre e trabalha enquanto professora de história, sendo servidora pública. Além de ser professora, Cami faz paródias sobre história, então usou o hobby de tocar violão para ensinar os alunos (criou um canal, tem músicas muito legais e acaba fazendo paródias não só sobre história). Além disso, participa de grupos de pesquisas sobre gênero e a presença de mulheres na história. Dentro de casa, contam com mais duas companhias: a Pagu e a Chica, suas cachorrinhas que estão no lar desde a pandemia de Covid-19. Adotaram pelo tanto de tempo que passaram em casa e por sempre desejarem ter cachorros, àquela era uma boa hora para fazer a adaptação. ​ Ao começar a contar sobre como se conheceram e trazerem os fatos, logo surgem brincadeiras sobre se perderem nas datas - e logo a Camila, que é professora de história, foi muito cobrada sobre. Foi em outubro de 2014, que aleatoriamente, Camila adicionou a Laura no Facebook. Ela jura que não costumava adicionar pessoas que não conhecia nas redes sociais, mas viu uma foto da Laura, com um amigo em comum, fazendo campanha eleitoral presidencial para a Dilma e decidiu adicionar para fazer amizade. Na época, tudo estava à flor da pele com a campanha acirrada Dilma X Aécio (e no Rio Grande do Sul o Estado estava Tarso X Sartóri, que também não era nada fácil) e ela se sentia muito cansada de não ter pessoas sensatas para conversar. Procurava alguém que tivesse uma ideologia política em comum. Laura perguntou da onde elas se conheciam, Camila explicou que não se conheciam mas que gostaria de fazer amizade. Na época, Laura passava por um término de relação e topou conversar. Um tempo depois, quando já estava sozinha, chamou Camila para sair e de lá em diante começou uma paixão relativamente avassaladora: Cami tinha uma viagem agendada, foi e quando voltou já se sentia totalmente apaixonada pela Laura. ​ Desde o começo do namoro passaram por diversos processos: moraram juntas, o relacionamento foi caminhando com o apoio da família (a irmã da Laura inclusive que apoiou que morassem juntas), meses depois Camila fez o pedido de casamento usando a casinha de bonecas, os anos se passaram e chegaram até a segunda casa - que moram hoje em dia. No momento de viver a segunda eleição presidencial em que o [sempreFora]Bolsonaro foi eleito, decidiram firmar a ideia do casamento: não teria mais como adiar, era uma decisão política. Realizaram a cerimônia em janeiro de 2019. Em 2020, viveram o desafio da pandemia. Com ele, refletem sobre como mudaram questões de comunicação - como a Camila chama para conversar o tempo todo, por exemplo, puxa para resolver os problemas - e como é muito raro brigarem. Tudo fala sobre questões cotidianas e como tentam resolver a rotina no entendimento. Entendem que uma trabalha muito mais que a outra, então tudo bem em alguns dias a que trabalha menos resolver a bagunça do sofá, da casa, enquanto a outra está ocupada, assim, se equilibram das formas que conseguem. A ideia é não sobrecarregar justamente para não desenvolverem brigas desnecessárias. Camila acredita ser uma vantagem se relacionar com alguém diferente dela. Laura ri e concorda, elas se complementam. Dá o exemplo: Cami é organizada nos prazos e planos de vida, coisa que Laura nunca foi e que hoje em dia adora ser - porque Camila é pelas duas. Laura entende que isso também é amor. Toda essa disposição que elas possuem de entender, de se compreender, de estarem dispostas a se completarem e realizarem trocas. ↓ rolar para baixo ↓ Laura Camila

  • Beanca e Ana Carolina

    Ao decorrer da história da Carol e da Beanca você entende que elas terem se conhecido, era no mínimo, muito necessário. Carol procurava uma pessoa que vivesse a vida de forma diferente da dela, que fosse mais calma, circulasse em outros espaços. Enquanto a Beanca procurava alguém que vivesse na área da saúde e que construísse a vida de forma mais dinâmica, tendo uma rotina. Assim aconteceu: a Beanca chegou na vida da Carol trazendo muita leveza, amigos novos, bagagem cultural, pé no chão… enquanto a Carol trouxe uma carga de conhecimento gigantesca, uma nova realidade, iniciativas e muito carinho. Enquanto Carol conta tudo o que precisou fazer até que elas conseguissem se beijar ou começar o relacionamento, Beanca olha para ela e ri, tímida, depois diz “que bom que essa iniciativa ela tomou”. Carolina tem 36 anos, é enfermeira chefe em um hospital público. Beanca tem 38 anos, é formada em jornalismo, trabalhou com assessoria de imprensa e comunicação durante anos, mas largou tudo para seguir seu sonho: fazer odontologia. Por mais que tenha feito muitos trabalhos legais na comunicação (e cita Esconderijo, a websérie LGBT, da qual participou da produção na segunda temporada), não se via mais no mercado, sentia tudo muito saturado. Foi aí que resolveu se dedicar ao seu sonho e hoje em dia, além da faculdade, ocupa boa parte do tempo fazendo diversos cursos especializantes. Quando as duas se conheceram - pelo Happn, Carol logo de cara achou ela interessante pelo fato de ser jornalista… e Be queria muito conhecer alguém da área da saúde, já que estava entrando no mundo da odontologia. Pra quem não sabe, o happn funciona mostrando pessoas que passam fisicamente perto de você em algum caminho durante o dia. Elas se esbarraram algumas vezes, mesmo que morressem em lugares bem distantes, pelo motivo da Beanca morar próximo ao hospital onde o padrasto da Carol estava internado. Quando elas se encontraram pela primeira vez, Carol estava passando por um momento bem difícil. Estava muito triste, queria sair um pouco da realidade dela e conhecer pessoas novas, conversar sobre novos assuntos, ter alguém que ajudasse a colocar uma calmaria no turbilhão de sentimentos que estava sentindo. Beanca chegou trazendo tudo isso e introduziu a Carol no seu grupo de amigas, que são pessoas mais voltadas à arte e que falam sobre todos os tipos de assunto - de cinema, política, fotografia, música… coisas que não fossem só voltadas à saúde. “Pra mim, foi muito importante esse contato com pessoas alegres. Era o que eu precisava. Me sentir animada de novo”. Pouco tempo depois rolou o pedido de namoro. Carol comenta que toda mulher é muito intensa e pecamos em romantizar demais isso. Antes de pensar em namorar, ela passou por um relacionamento bastante abusivo (forte e intenso), então a Be significava ser muito mais vida real, mais tranquila, numa frequência melhor. O amor veio com o tempo, quando elas deixaram a paixão se transformar. “Dar tempo ao tempo não significa ser uma tarefa fácil”. Elas já passaram por diversos momentos difíceis no relacionamento - chegaram a ser diagnosticadas com depressão durante um período e optaram pelo afastamento para conseguirem tratar. Quando entenderam que já estavam num quadro melhor e perceberam que não queriam perder uma a outra, decidiram voltar, já tendo uma mentalidade diferente sobre o relacionamento. Hoje em dia, estão sempre conversando sobre tudo. A pandemia também ensinou que não adianta você se esforçar ao máximo para atingir um nível de coisa que não vai existir, ou seja, um relacionamento sem erros, romantizado demais. Pelo contrário, a pandemia mostra que não precisamos ter controle de tudo, que a vida é um sopro e que devemos usar a energia com algo que realmente valesse a pena, como o cultivo e cuidado diário do relacionamento. Devido ao momento de pandemia que vivemos e à importância da profissão da Carolina enquanto enfermeira chefe, decidi perguntar sobre como está sendo a experiência difícil de estar na linha de frente contra o COVID-19. “É muito complicado” - foi a primeira frase que Carol disse. Toda a equipe de enfermagem saiu com alguma sequela, principalmente psíquica. Você pode ter muita ou pouca experiência, ser mais velho ou mais jovem, todos sairão da pandemia muito diferentes. É muito difícil até hoje pensar em quantos amigos ela perdeu, quantas pessoas desesperadas sabendo que morreriam entubadas ela viu. Dar as notícias, emprestar o próprio celular para as pessoas se despedirem da família por vídeo, entender que o vírus é um inimigo invisível… foi tudo muito chocante. A sensação é de que ninguém vai sair ileso, os profissionais dentro das equipes começaram a mudar muito rápido, tanto para melhor, quanto para pior. O corpo dói, a mente dói, existe muita tensão e muito medo de levar para a família, preconceito das pessoas não quererem estar por perto… Ela diz que toda vez que precisa correr para conseguir o último remédio ou o último cilindro, entende que a vida passa muito rápido. Precisamos pensar também na importância da profissão. Por mais que médicos tenham um papel muito importante no hospital, quem está na linha de frente mesmo, correndo, atendendo e cuidando são os enfermeiros. Hoje em dia o descaso com a saúde pública no Brasil é gigantesco, principalmente no Rio de Janeiro, e é resultado também de diversas gestões que não tratam a saúde com devido respeito, destinando poucas medidas efetivas e recursos necessários. Por fim, Carol comentou também o quanto eles envelheceram, o quanto estão cansados e o quanto foi difícil perder amigos e familiares, vendo eles morrerem completamente sozinhos. O COVID é uma doença muito cruel que não escolhe entre uma pessoa ou outra. Quando você vê, já era. Surge novamente a frase na conversa: a vida é um sopro. Quando perguntei sobre como foi a sensação de ter tomado a vacina, o tom da voz mudou completamente: alívio. Disse que abraçou muito uma colega de profissão, que chorou e que entendeu que isso, em algum momento, vai passar. “Poder voltar a abraçar as pessoas é muito surreal”. Beanca sente que o amor entre mulheres é muito mais cuidadoso, íntimo e que as mulheres se entendem mais. Carol acha mais fácil se relacionar com outra mulher do que com homem, levando em consideração que relacionamentos em si não são coisas fáceis. No fim, chegam à conclusão de que não sentem vontade de se relacionar com homens porque falta companheirismo - o que há muito na relação delas. Se uma cozinha, a outra limpa. Não ficam fazendo algo no sentido de “servir”, como vemos em diversos relacionamentos heterossexuais, mas fazem no sentido de construir juntas, fazer juntas. “Quando eu faço a janta é porque eu quero fazer, esperar ela chegar para comermos bem. Não faço porque sou obrigada a fazer e deixar um prato na mesa pronto esperando ‘o marido chegar do trabalho'''. A coisa que mais gostam de fazer está entre: reunir os amigos (sendo anfitriãs, recebendo eles em casa), estar com suas famílias e viajar estilo bate-e-volta para alguns lugares (a casa em Teresópolis, regiões do interior do Rio de Janeiro, etc). Quando falamos sobre a cidade, elas contam o quanto nossa visibilidade melhorou muito, já que quando se assumiram, há uns 20 anos atrás, a coisa era bastante diferente. Naquela época uma mulher só poderia amar outra se estivesse em guetos, escondidas, suburbanas. Eram lugares horríveis, submundos, não eram restaurantes e festas legais. Carol lembra muito de ter que se esconder para viver um amor e sobre não falarem abertamente sobre homossexualidade. Até mesmo para ela foi difícil entender. Achava que só podia ser lésbica quem se vestia de forma estereotipamente masculina… e só entendeu que não era bem assim quando viu uma mulher bastante feminina beijando outra (e isso fez com que ela se entendesse também). Além disso, conta que foi nos grupos do UOL/BOL e no ICQ que ela pode conhecer outras pessoas LGBTs e assim se encontrar - em shoppings, em guetos. Para a Be foi mais difícil a questão de se aceitar. Já tinha uma referência de LGBT na família, então lidava com isso tranquilamente. Mas internamente só conseguiu se assumir quando formou um grupo de amigas que também se sentiram assim e decidiram que se assumiriam juntas. Hoje em dia ficam felizes quando veem o quanto está sendo falado sobre LGBTs - na mídia, nos espaços de convívio e na política. Acreditam que cada relação se constrói aos poucos e que precisamos falar quem nós somos, amar de verdade, para que a luta siga avançando. < Beanca Carol

  • Ari e Ane

    O encontro da Anelise, da Ariana e dos gêmeos Liz e Lucca com o Documentadas aconteceu num momento bem inicial da vida dos pequenos, antes mesmo de completarem 4 meses, num parque em São Paulo. Com entusiasmo, elas contam sobre como tem sido a vivência inicial da maternidade em dupla e como já ouviram diversas vezes as pessoas falando sobre os dois serem sortudos em ter duas mães. A partir do que vivem agora perceberam que qualquer mãe em um relacionamento heterossexual passa a ser uma mãe solo pelas necessidades básicas que enfrenta, muitas vezes sozinha/sem apoio para dividir intimidades - precisa fazer xixi, tem diversas questões com o corpo (a amamentação, o pós parto) - e como é diferente positivamente compartilhar isso com outra mulher na dupla maternidade, não é algo solitário. Também compartilham medos e situações inesperadas, como as primeiras noites, os choros e os momentos difíceis. Sabem que podem contar uma com a outra. Entendem que querem proporcionar coisas diferentes para as crianças, coisas que as famílias héteros talvez não precisem se preocupar porque não precisaram passar pelos desafios que passamos. Querem criar crianças conscientes. Ari comenta que viver a maternidade sem vincular à política é quase impossível, principalmente porque a fertilização de casais homoafetivos pelo SUS não é possível, o acolhimento do sistema único de saúde precisa melhorar, precisamos de representatividade, desde fisioterapia para a gestante até enfermeira que fale sobre amamentação. Ane completa que só está ali hoje porque brigou muito pela licença maternidade, mas que não deveria brigar, e sim ser lei, para então termos maneiras mais justas de vivenciarmos nossas formas de amor. ​ Ane e Ari se conheceram em 2016. Ane sempre foi festeira, morava próximo à Av. Paulista e tinha uma vida agitada. Ari terminava a residência médica. No meio da semana, num feriado, Ane foi ao show da Preta Gil e Ane trabalhava no Hospital da Santa Casa, quando se cruzaram num aplicativo de relacionamento que funciona pela distância física (quando as pessoas passam uma pela outra em lugares próximos, elas aparecem no aplicativo). No dia seguinte, Ane acordou de ressaca e viu a Ariana no aplicativo. Deu um superlike, assim, apareceria logo que a Ari abrisse o app. Acabaram dando match - e afirmam que se não fosse essa “chamada de atenção”, provavelmente não teria rolado, já que Ari nem dava bola para os aplicativos (e nunca tinha saído com alguém assim). Decidiram sair, foram em um restaurante que não combinava nenhum pouco com elas, comeram salada e depois atravessaram a rua para ir num pub, que também não combinava com elas, mas ao menos tinha cerveja. Deu certo! Tudo fluiu e continuaram se encontrando aos poucos. ​ Depois de dois meses, Ane estava com uma viagem agendada com um amigo para Cuba e chamou Ariana para ir. Ari recém tinha acabado a residência, estava querendo viajar e topou. Decidiram ir juntas e já entenderam que estavam se relacionando. Depois de um tempo de relacionamento, mas ainda no começo, Ane recebeu uma proposta de trabalho muito boa, porém que precisaria se mudar para Porto Alegre. Pensou muito, Ari apoiou, a encorajou, mas acharam que o relacionamento não iria durar pela distância. Ane acabou indo, morou lá por dois anos, e elas se encontravam aos finais de semana quando conseguiam, fazendo a ponte aérea POA X SP e usando uma manutenção diária para manter o relacionamento de todas as formas. Contam que não foi fácil, existia a saudade, a vontade de estar junto… Mas nesses momentos se usa todas as alternativas possíveis: se davam mais presentes, bilhetinhos, dedicatórias, chamadas de vídeos, aproveitavam 100% do tempo quando estavam juntas… Ari acrescenta que mesmo sendo pessoas diferentes, quando se conheceram, já se viam de formas completas. Isso auxiliou muito nesse processo. Já tinham suas profissões (e eram valorizadas), já valorizavam uma à outra, tinham suas redes familiares, seus amigos… Então tudo foi muito mais fluido, as cobranças quase não existiram. Depois dos dois anos em Porto Alegre, voltando à São Paulo, juntaram os animais de estimação, os móveis, a casa, e foram morar juntas. ​ Anelise estava com 35 anos no momento da documentação. Ela é do interior de São Paulo, mas mora na capital há muitos anos e trabalha como advogada de empresas. Hoje em dia, o tempo livre é 100% ocupado pelos pequenos, mas também gosta de ir em rodas de samba, tocar violão e assistir filmes no cinema. Ariana estava com 38 anos no momento da documentação. É natural de São Paulo e trabalha enquanto médica pediatra. Conta que o tempo de agora é para fazer um conhecimento - conhecer os filhos e os filhos conhecer as mães. Nos primeiros momentos, o tempo era para fazer coisas básicas (comer, dormir, tomar banho…) e agora, com eles no carrinho, tem sido possível tomar café da manhã, por exemplo, o que é um grande prazer compartilhar esse momento com eles. Foi durante a pandemia que começaram a pensar sobre a maternidade, sobre quem iria engravidar e como seria. Tentaram uma vez e não deu certo. Depois, tentaram novamente, com aquela possibilidade - dois óvulos, podem ser gêmeos. Tinham medo pelas questões financeiras, mas encararam. Descobriram a gestação na semana da Parada LGBT de São Paulo, e agora, um ano depois, irão na Parada novamente - com eles no colo. ​ Anelise conta que aprendeu com a Ari que o amor pode ser algo leve, com diálogo e respeito. Ela sempre foi muito afobada, atarefada… e hoje em dia é diferente. Não acha que só o amor sustenta relações, é preciso uma série de coisas, como respeito, carinho, atenção, um esforço orgânico, natural. Ambas entendem seus privilégios, mas entendem também que mesmo ocupando o local que ocupam ainda enfrentam diversas questões de preconceito por serem duas mulheres mães que se relacionam afetivamente. Por isso, aprenderam a enfrentar essas questões com o tempo. Falam também sobre como é importante a rede de apoio que possuem. Podem contar com os amigos, com a família, e isso facilita muito para a existência do privilégio de viver um amor leve. ↓ rolar para baixo ↓ Ariana Anelise

  • Pamela e Gabriela

    Foi num parque em meio à área florestal do Grajaú, no Rio de Janeiro, que encontrei Pamela, Gabi e Kauan. Ele completamente sorridente, com seus 5 meses de idade. Começamos a conversa com elas contando o quanto amam viajar. Sempre planejaram viagens e agora, depois de ter feito a primeira viagem breve com o Kauan, anseiam o primeiro andar de avião nas próximas semanas. Pamela explica como esse primeiro momento da maternidade não é fácil, por mais que tenha essa viagem que traga felicidade, a vida real demanda muito, envolve cansaço e esforço das duas, mas que mesmo nessas circunstâncias conseguem sentir as coisas leves porque sempre relembram o quanto sonharam com isso e o verdadeiro motivo de viverem tudo: resgatam o amor para o dia a dia. Entendem que o amor é muito político, principalmente na criação do Kauan. Citam os olhares, as burocracias que viveram e questões mais ‘invisíveis’, como o quanto pensavam sobre política muito antes de saber se era um menino ou uma menina que iria nascer. Gabi explica que se fosse menina, queriam criar uma menina forte, corajosa, que tivesse consciência do machismo, etc. Sendo menino, mudava de forte para sensível; Queriam a consciência e a coragem, mas ensinando que pode demonstrar sentimentos, chorar, ser gentil. Conta, também, sobre um dia que estavam numa padaria e um desconhecido brincou com ele e comentou: “Esse é macho, tem cara de macho!” e ela disse “Não… Ele é um bebê” e completa que não tem que ter cara alguma, além da cara de um bebê. ​ Foi em 2015 que elas se esbarraram pela primeira vez, numa festa durante o carnaval. Pamela tinha saído com um amigo, estava recém solteira e perguntou se o amigo tinha alguém para apresentar. Ele apresentou a Gabi e elas se beijaram na noite, mas não conversaram, nem trocaram mensagens depois. Em 2017, se encontraram novamente no carnaval, de forma aleatória num bloco e com os mesmos amigos em comum. Perguntaram se estavam solteiras e ficaram. Isso já era de madrugada, estavam bêbadas e depois de terem ficado, a Gabi simplesmente comentou com o amigo: “Sabe quem eu queria encontrar?! A Pamela”. Ele ficou sem entender nada: “Ué?? Mas você acabou de ficar com ela!”. E ela não lembrava. Se esbarraram de novo, beijaram de novo, e o amigo chegou dizendo “E aí, Gabi, agora foi, né?”. Quando ela respondeu: “Não?! Não vi a Pamela”. Achavam que era alguma brincadeira dela, mas entenderam que ela realmente não estava relacionando/lembrando. Então combinaram: se elas se beijassem de novo, iriam fotografar. E assim foi. Depois do carnaval, ambas tiveram breves relações e no meio do ano estavam novamente solteiras, então começaram a se falar pelas redes sociais. Decidiram ter um encontro, a Pamela decidiu que não podia envolver álcool, porque queria ser lembrada, então chamou Gabi para ir ao cinema. Acabaram chegando cedo e só tinha o filme dos Minions para assistir, toparam mesmo assim e sentem que aquele dia foi o começo de tudo. Começaram a conversar, ficaram juntas mesmo. ​ Nos próximos dias que seguiram desde o primeiro encontro, já entendiam que queriam namorar. Fizeram a primeira viagem e lá Gabi comprou uma aliança, na pracinha da cidade, e deu para a Pamela selando o início do namoro. O primeiro ano não foi fácil, contam que foi um ano de “ajustes”. Tinham muitas conversas para se entender, também não havia muita estrutura, ainda estavam na faculdade… Foi depois de completarem um ano que decidiram morar juntas, em Caxias, por ser mais acessível financeiramente. Sempre falaram sobre casar e ter filhos, então começaram uma conta poupança juntas, entendendo o quanto isso demandava, e os planos foram se concretizando. Em 2019 casaram, fazendo uma festa para amigos e familiares. Em seguida, se mudaram para um novo apartamento, entre o centro e a zona sul do Rio de Janeiro. Durante a pandemia o apartamento se tornou pequeno para o que desejavam. Ainda mais passando o dia todo em casa, se sentiam enclausuradas, sem tanta luz solar. Sendo assim, em 2021 conseguiram um novo lar, dessa vez na Tijuca, e lá a vinda do Kauan começou a ser planejada. Começaram com a bateria de exames, depois a primeira tentativa que já deu certo. Pamela gerou, Kauan nasceu em abril de 2023. ​ Gabriela estava com 31 anos no momento da documentação, é natural do Rio de Janeiro e, mesmo tendo a formação em Engenharia Química, migrou de área e hoje atua enquanto Product Manager. Pamela, com 33 anos no momento da documentação, é natural de Duque de Caxias, baixada fluminense. Também formada em Engenharia Química, não atua na área, trabalha enquanto analista de negócios. Gabi conta que desde pequena sempre quis ter um filho com o nome Kauan. Falava isso tanto que, quando a mãe engravidou, perguntou se ela queria dar esse nome ao irmão e ela respondeu que não, Kauan seria o nome do filho dela. Quando deu essa ideia para a Pamela, ela adorou, principalmente pela escrita do nome. São duas mulheres muito diferentes: Gabi, por exemplo, passou o processo de gravidez todo chorando (seja por felicidade, medo, ansiedade…), enquanto Pam internalizou tudo e segurou a barra, foi muito racional, só chorou quando deu certo. Entendem que no dia a dia o exercício é fazer Pamela lidar com as emoções, se comunicar, falar o que sente. Gabi instiga a comunicação, sempre procura conversar. ​ Para Gabi, o amor é muito mutável perante os períodos que as pessoas estão vivendo. Quando começaram a namorar, por exemplo, sabiam que se amavam e por mais que em muitos momentos estivesse sendo difícil se entender, o amor estava ali e queriam continuar juntas, por isso seguiam em frente. Hoje em dia é diferente, já passaram por questões difíceis no emprego, na família… e continuam juntas, se sentem fortalecidas. Vê muita parceria na forma que elas constroem a relação e a educação do Kauan. Atualmente, fazem parte de um grupo de dupla maternidade no Rio de Janeiro e querem muito que o Kauan viva com crianças da mesma configuração familiar que ele. Buscam o tempo todo espaços inclusivos, desde o grupo, até escolas que não tenham o dia das mães-dia dos pais, mas o dia da família. Pamela fala sobre todas as crianças, as tantas que vivem sem pais, por exemplo, e como esses dias podem se tornar algo ruim. Não queria ver o Kauan crescendo com esse sentimento, portanto, querem sempre propor algo melhor - e que elas não tiveram, na sua infância, como escolher. ↓ rolar para baixo ↓ Gabriela Pamela

  • Kamylla e Marcia

    Marcia e Kamylla se conheceram na faculdade, ambas cursando Engenharia na UFRJ, quando um amigo em comum perguntou para a Márcia se ela se interessava pela Kamylla (e por qual motivo elas nunca teriam ficado) e ela contou que não sabia quem era/que também nunca tinha pensado na possibilidade, foi aí, então, que se adicionaram nas redes sociais. Na época, final de 2019, Kamylla começou a se envolver com uma mulher e logo namoraram brevemente - o que descartou qualquer possibilidade para Márcia - mas elas seguiram ali, uma na rede social da outra. Foi um tempo depois, já na pandemia de Covid-19, que a Kamylla fez um post de madrugada no Facebook, dizendo se sentir uma idiota por conta de um desastre na cozinha e Márcia respondeu, obrigando-a pedir desculpa para si própria, porque ela não era uma idiota, não deveria se tratar assim. Nessa madrugada, elas começaram a conversar. ​ Com a abertura da primeira conversa, surgiram outras: falavam principalmente sobre dúvidas que tinham em relação à faculdade. Márcia sentia que não queria falar apenas sobre a faculdade e sim demonstrar algum interesse além, foi quando pediu o Whatsapp da Kamylla, mas ela numa brincadeira/num flerte equivocado, disse que não iria passar. Continuaram conversando pelo Instagram e pelo Facebook, até que descobriram que moravam próximas e tinham coisas em comum. Como estavam num período de aulas interrompidas pelo início da pandemia, elas conversavam o tempo todo. Era uma conversa que durava o dia todo, tanto que, quando iam dormir, sonhavam que ainda estavam conversando. Por morarem próximas, depois de um tempo entre conversa e aproximação, decidiram se encontrar ao ar livre, indo até o local caminhando e usando máscaras. Tinham muito medo, pois seus familiares pertenciam aos grupos de risco, então tomaram muitos cuidados e se encontraram em praças do bairro. Aos poucos, com os encontros, foram se apaixonando e se permitindo uma aproximação mais física, mesmo que envergonhadas e tímidas, até que finalmente se envolveram. ​ Desde que o namoro começou, já vivenciaram diversos momentos difíceis. Para a Kamylla, foi a partir dessas dificuldades que ela aprendeu a entender o que era o amor - e amar de verdade. Não diz isso com romantizações, pelo contrário, é de uma forma bem direta e real. Tudo o que elas já enfrentaram juntas, entre problemas de saúde física, saúde mental como depressão, ansiedade, vida financeira, ou outros extremos como felicidades e bons detalhes cotidianos - mas principalmente, as dificuldades - a faz entender que não é qualquer pessoa que conseguiria aguentar isso com ela. O sentimento que faz a coisa acontecer, elas continuarem ali e a vida seguir é o amor. E hoje em dia, ela não consegue se imaginar fazendo qualquer coisa sem a Márcia porque as coisas são mais divertidas com ela, uma segue ensinando a outra aos poucos o propósito do que é a vida. No lugar onde estávamos, o Forte de Copacabana, foi onde elas comemoraram o primeiro ano de namoro. Lá, Márcia deu um colar de concha para a Kamylla, essa concha representa um dia que foram até a praia e a encontraram na areia. O colar foi feito pela própria Márcia e, desde então, a Kamylla por trabalhar na Marinha e ter contato com a Baía de Guanabara encontra algumas conchas e traz para a Márcia de presente. É um símbolo que sempre as une. ​ A relação que tanto a Kamylla, quanto a Márcia possuem com suas famílias é muito forte, e esse laço também se faz presente no quanto a família de ambas apoiam o relacionamento delas. Kamylla acredita que por serem pessoas humildes, sempre farão de tudo para ajudar uma à outra. Para ela, amar é também sempre estar disposta a ajudar, é a forma que ela pode demonstrar esse amor presente: se apresentar com disposição quando existir alguma dificuldade. Assim, ela já ajudou diversas formas não só a Márcia, como a família dela, e teve a ajuda da Márcia e de sua família como retorno - é uma grande parceria. Elas entendem que estarem juntas é o mais importante e, para a Márcia, não há como aceitar pouco no amor. “Quando amamos, amamos de verdade”. Ela explica que amar o próximo também fala muito sobre amor próprio, porque não podemos aceitar menos do que merecemos, e amar a si próprio faz com que você ame o outro melhor - até para evitar traços tóxicos, abusivos, ter mais carinho e melhor comunicação. ​ Márcia gostaria de viver em um lugar com menos violência contra mulher. Está cansada de ver tantas situações diárias em que somos violentadas. Cita o caso recente do anestesista que violentou uma mulher grávida durante o parto, os casos de violência contra mulher que acontecem diariamente nas ruas ou dentro de casa, o racismo que não é levado a sério, os homens que não pagam pensão e não são punidos por isso… tudo é passado batido e não é cobrado como deveria ser, tratado com respeito e seriedade. Nos cansa lutar diariamente, mas é o que ela gostaria de ver mudando para que pudéssemos viver em um país mais justo. Já a Kamylla, fala um pouco sobre a sua rotina no trabalho, entre o que ela vivencia na Marinha. Lá, ela não é militar, mas também não vive em espaços de subordinação. Entende que isso é o correto: todos são tratados iguais e, mesmo que ela seja a única mulher e a única lésbica dentre todos os homens do seu setor, segue sendo tratada bem e é assim que precisa ser. Porém, também não há representatividade. Sente muita falta de ver mulheres em posição de liderança, de protagonismo, de voz. Cita Jaqueline Góes, biomédica que ela leva como referência, e o quanto é importante ver trabalhos de mulheres atingindo espaços que antes eram predominantemente masculinos. ↓ rolar para baixo ↓ Márcia Kamylla

  • Ana e Paula

    Conheci a Paula e a Ana num almoço muito agradável e acolhedor que elas fizeram para me receber na casa recém mudada, no ano passado, em Porto Alegre. Lá também conheci o João, criança que me encantou desde o primeiro momento e que faz despertar muitas risadas de todas as pessoas que estão por perto. O João é filho da Paula com a ex-companheira dela, mas que agora também forma uma família entre a Paula e a Ana, já que eles se divertem juntos e adoram estar um na vida do outro. Na casa-meio sítio, o João adora colher bergamotas, brincar com seu cãozinho Bidu, acompanhar a Paula e a Ana na cozinha, assistir documentários de bichos e comer doces. Na relação delas, tudo envolve muito cuidado. A Paula explica isso com uma reflexão sobre alguns padrões de gênero acerca das imposições que as mulheres passam durante a vida, e que agora, num relacionamento homoafetivo, tratam tudo de forma colaborativa e com muito acolhimento, para que as coisas sejam mais leves no cotidiano - e que assim, elas sejam mais felizes também. A casa estava recém tendo as coisas retiradas das caixas, mas já contava com muita confiança no que elas estão dispostas a construir juntas: o amor. A Paula tem 34 anos, trabalha como gestora de TI, desenvolvedora, artista visual e designer. Já a Ana, tem 35 anos, estudou Medicina Veterinária, mas não chegou a se formar. Passou a trabalhar na área da comunicação com mídia social, produção de eventos e produção cultural. Durante essa trajetória, já residiu em coletivos urbanos e rurais em Goiás, trabalhando nestes espaços, e também já trabalhou com algumas terapias integrativas, como massagem e Reiki. Atualmente trabalha com Comunicação Social, ministrando alguns cursos, fazendo campanhas de sindicatos e partidos políticos. Fez alguns trabalhos artísticos de literatura e pintura, principalmente poesia, coisa que gosta muito de trabalhar. Elas se conheceram no Vila Flores, um centro cultural muito interessante em Porto Alegre, no ano de 2018. O evento se chamava Conexões Globais e a Paula estava se apresentando no coletivo de arte que faz parte. A conexão entre as duas aconteceu porque elas têm uma amiga em comum (que trabalha no mesmo coletivo com Paula). Ana foi prestigiar essa amiga, se encantou com a Paula e depois da apresentação quis saber mais sobre quem era essa “moça que estava se apresentando”. Nisso, a amiga explicou que a Paula era casada e que tinha até um filho, bebê, o que deixou a Ana um pouco chateada mas que super entendeu. Com o passar do tempo, Ana foi morar em Goiás para residir e trabalhar em comunidades rurais e quando retornou ao Rio Grande do Sul, trabalhou em uma comunidade urbana no centro de Porto Alegre. Neste período, um dos seus colegas de morada ia embora, mas indicou uma pessoa para ficar no lugar dele: a amiga recém separada que tinha um filho pequeno. Ana conta que os amigos diziam que a moça que iria morar lá já tinha frequentado o espaço algumas vezes, mas ela não conseguia lembrar quem era. Até que na semana seguinte chegou a Paula, para fazer uma visita na casa. A reação da Ana foi estar incrédula por ser a mesma Paula de anos atrás… Mas focava em uma regra que mantinha consigo mesma sobre não se envolver com ninguém que dividisse uma casa, pois isso poderia gerar conflitos no lar. De qualquer forma, tem coisas que não há como querer controlar, né?! A Paula brinca que quando a Ana passou por ela, parecia um gato se esfregando, pois estava muito próxima (mesmo tendo bastante espaço no ambiente que estavam). Na hora ela achou engraçado, não percebeu de cara que era um flerte. Por fim, elas não conversaram muito e de última hora a mudança não aconteceu: o amigo cancelou a saída e precisou se manter na casa, não abrindo lugar para a Paula se mudar. Elas não se tinham nas redes sociais e acabaram perdendo contato novamente. No começo da pandemia, em 2020, elas se encontraram num aplicativo de relacionamento (o já famoso por aqui, Tinder). Elas conversaram e, depois de um tempo, se encontraram para tomar um vinho. Brincam que desde então não se desgrudaram mais. Nesse período, em virtude da pandemia e das dificuldades de morar em grupo, Ana se mudou para um apartamento com uma amiga e o filho dela e a Paula seguiu morando no mesmo local em que estava com seu filho. Isso fez com que elas se sentissem mais seguras de se encontrar também - e de compartilhar várias coisas sobre as crianças no dia a dia. Após dois meses de relacionamento, a Paula convidou Ana para almoçar junto com ela e o João. Foi um dia super importante, Ana conta como ficou nervosa, mas que fluiu tudo de modo muito tranquilo - João e ela brincaram e rapidamente ele demonstrou afeto e inclusive quis almoçar sentado no colo dela. Aos poucos Ana foi sendo inserida na rotina da casa e da família. João também foi entendendo essa presença, perguntando sobre ela. Quando passaram por uma mudança ele perguntou onde seria o quarto dela e quando ela não estava ele questionava por qual motivo/o que ela estava fazendo. Num dia, Paula perguntou para o João se ele gostava de estar só os dois e ele afirmou que sim, e quanto questionado sobre o que pensava da Ana, disse que era mais legal quando a Ana estava junto. Isso foi como um divisor de águas para elas entenderem o processo dele na adaptação. Ana conta que não era uma ideia fácil inicialmente se relacionar com alguém que tivesse filhos, mas que por viver essa paixão com a Paula quis realmente abraçar toda a vida dela. Paula complementa relembrando um dia em que foi difícil lidar com o João, então ela chegou a pensar que a Ana iria desistir, mas que isso não passou pela cabeça da Ana. É muito legal ver a educação dele se desenvolvendo, a participação dela nisso, os limites colocados e toda a relação sendo construída com base no amor. Elas se emocionam contando a primeira vez em que ele disse que amava a Ana e sobre o quanto viraram parceiros-cúmplices do dia a dia, fazendo o que gostam e ele também trazendo muitos ensinamentos para Ana - que passou a participar de grupos de madrastas lésbicas e a seguir redes sociais sobre parentalidade também, pois não queria criar um território de disputa com as mães ou o pai. Destaca o quão sempre foi importante para ela poder ser uma figura de referência e afeto, mas sem competições, disputas ou invasões de espaços. Ana traz também sua reflexão sobre os aspectos sociais do seu lugar enquanto madrasta e das pré concepções e preconceitos existentes acerca desse papel na família a fim de abraçar esse universo com todas as ferramentas possíveis. Fala sobre o amor ser onde nos sentimos seguros para ser quem somos, e nesse cenário de família tradicional brasileira que elas são, elas querem ser de verdade e amar de verdade, sem medo. Ambas concordam que não é uma receita de bolo e que amar e construir a relação que constróem envolve se desafiar todos os dias. Paula reflete também sobre a concepção de construção familiar não ser feita para contemplar o amor e sim o poder - traz que para poder registrar o João tiveram que defender a família que ele tem, afirmando que o que importa é o amor, na concepção de que ele tá sendo privilegiado por ser amado por mais pessoas. Enquanto o “medo” alegado pela Justiça, era de que ele seria maltratado por ter uma família diferente do padrão esperado, ao invés de ser entendido como alguém de sorte por ter duas mães, agora uma madrasta e um pai. É muito injusto ter que se justificar para que o ciclo de amor em volta de uma criança seja criado, mas é incrível ver a forma que elas se firmam nesse relacionamento para que as trocas entre as duas (e o João) sejam as mais bonitas possíveis durante o trajeto. ♥ Paula Ana Carolina

  • Mariana e Vivien

    Porém, a Vivi tinha uma passagem comprada para passar o ano novo em Belo Horizonte, enquanto a Mari ia voltar com a família de vez para o Rio. O réveillon do ano de 2018 para 2019 estava acontecendo e ela não tinha mais previsão de volta para Porto Alegre. Além de que, a Vivi estando acampando em Belo Horizonte, estava incomunicável com a Mari. Elas tiveram um dia maravilhoso em Porto Alegre e depois cada uma foi para um estado diferente e não conseguiu se comunicar mais, só que não estava nem entendendo ou sabendo explicar o que estava sentindo. A Vivi conta que na volta de Belo Horizonte chegou a cogitar mudar a passagem para o Rio de Janeiro, só que não sabia se fazia sentido, se tudo estava sendo recíproco ou se estava delirando porque tinha passado dias estando incomunicável. Quando suas vidas voltaram ao “normal” elas seguiram se falando pela internet e no fim de janeiro decidiram comprar uma passagem para a Mari voltar à Porto Alegre. Ela ficou 5 dias. A Vivi odiava a ideia de namorar à distância e a Mari disse que não poderia cogitar a ideia de namorar também… mas quando se encontraram entenderam que não fazia sentido elas NÃO namorarem. A Vivi disse “Mari, eu acho que eu tô te amando”. Começaram a namorar. O namoro à distância durou quatro meses e a Vivi insistiu muito para que a Mari se mudasse. Então a Mari disse que só se mudaria se ela fosse buscar ela no Rio, por conta de conhecer a realidade dela no Rio, conhecer de fato a mãe dela, estar no Rio. Ela comprou a passagem e foi. Assim que chegou no Rio, começou a chorar. Se emocionou com o Rio, com tudo. No dia das namoradas, a Mari chegou com as malas em Porto Alegre para morar com a Vivi. Elas mudaram todos os móveis de lugar para sentirem que estavam morando em um novo apartamento, compraram coisas juntas, procuraram coisas novas para fazer… e então descobriram a aula de canto. Foi quando a Vivi decidiu começar também, para fazer companhia. Conheceram um professor que ficou muito encantado com a sintonia da voz das duas juntas e instigou-as a pensar em fazerem um clipe juntas. Fizeram algo simples, caseiro, lançaram no YouTube. Pensaram em um nome, gostavam do nome AMARela. Vivi fez o logo, elas começaram a produzir covers, postar com frequência. Logo depois disso veio a pandemia e elas estavam ansiosas porque lançariam um EP, mas nesse meio tempo a Mari foi demitida do lugar em que ela trabalhava. Foi um período muito turbulento em que precisaram se reinventar, pensar em como conseguiriam uma nova fonte de renda, porque o AMARela acabava gerando mais gasto do que ganhos financeiros… e como conseguiriam reverter essa questão? Resolveram repensar tudo o que elas gostavam de fazer. E a Mari entendeu que ela ama compor, sempre foi apaixonada por ouvir histórias e pensar sobre elas. Ela tentou começar a criar composições pelas histórias das pessoas e oferecer isso como um serviço para presentear alguém, para homenagear, para registrar… e assim nasceu o Canta Minha História (confere aí que é lindo!) Enquanto o Canta Minha História começou a ter uma estrutura e dar certo, a Vivi começou a pesquisar sobre tudo o que precisava e entrar com apoio também, até que em setembro, também por motivos de cortes da pandemia, ela foi demitida. A música foi crescendo, tomando conta e espaço, virando a fonte de renda única na casa, e elas foram estudando, se aprimorando, comprando equipamentos, formando um estúdio, fazendo parcerias, se mantendo, chegando em muitas pessoas…hoje, sentem muito orgulho em ver tudo o que estão construindo juntas e o quanto a música faz muito mais do que a parte financeira e a rotina delas, também traz muito do sentimento, da vida, da alma da casa e transformam o lar com a carinha de cada uma. A Vivi se desenvolve no teclado, no canto, na edição e no violão. A Mari nas composições, nas cordas, nas mixagens, nos estudos… e vão se completando o tempo todo. Enquanto mulheres artistas, ambas falam que nós podemos e devemos ter uma corrente muito maior ajudando artistas e musicistas menores no mundo da cultura no Brasil. Elas comentam que é muito fácil vermos artistas grandes se ajudando e sendo amigos, mas precisamos ver os pequenos se puxando para o alto também. Da mesma forma que é muito fácil quem tem dinheiro estar sempre chegando no alto, é preciso que quem esteja no alto puxe quem não tenha e que ainda seja pequeno. Precisamos estar nos apoiando, nos fortalecendo, compartilhando o nosso conteúdo entre nós. No dia seguinte, de manhã, elas se seguiram no instagram e a Mari resolveu perguntar como era o nome da banda que ela disse naquela hora, que afinal, era: Versos Que Compomos Nas Estradas!!! (e que elas pediram para eu colocar o link aqui, então, ouçam!!! é muito bom, galera! mas o nome é difícil mesmo aí ó hahaha) e ai conversa vai, conversa vem, a Mari soltou um: “e tu, toca violão? porque toda sapatão que é sapatão toca violão!” e então a Vivi finalmente entendeu que a Mari era realmente sapatão e que aquilo era de verdade um flerte, não era só uma menina sendo simpática. Elas seguiram conversando por alguns dias e decidiram marcar uma cerveja no bar para se encontrar. Comentaram de se encontrar sexta-feira, mas a Vivi já ia sair com uma amiga dela e a Mari já ia encontrar o primo, sábado também não podiam… domingo! Domingo ia rolar. Chegou sexta, a Vivi estava a caminho do encontro com a amiga e a Mari a caminho do encontro com o primo, na Rua dos Andradas, centro de Porto Alegre… quando de repente, se esbarram na rua. Eita. Tô indo ali. Encontrar. “meu primo ta ali” “minha amiga ta ali”. Mesmo bar. Mesma hora. Mesas diferentes. Não entenderam nada, mas brincaram “eu não te segui não, tá??”. No domingo decidiram que o mais justo seria voltar nesse bar. Foi um encontro ótimo. Beberam muito, comeram muito, conversaram muito. Dormiram na casa da Vivi. Detalhe: o encontro foi no dia 23 de dezembro, o dia seguinte era véspera de natal e 5h30 da manhã a Mari saiu correndo da casa da Vivi para ir no aeroporto buscar a família dela que estava chegando do Rio para passar o natal em Porto Alegre. Depois do natal, no dia 26, a Vivi mandou aquele textão emocionado pensando em marcaram um segundo encontro e a Mari respondeu com aquela palavra que resume tudo: “claro”. Se encontraram no apartamento da Vivi. Passaram o dia ouvindo MPB, descobriram mil músicas em comum, entenderam que realmente se encontravam na música. Nessa época ela já tocava ao vivo em alguns lugares, tinha um certo repertório e a prima dela, da qual ela estava na casa hospedada, tinha um escritório no Vila Flores, um centro cultural de economia criativa que hospeda empresas, cafés, etc. e pensou em levar a Mari lá para apresentar o espaço e um dos cafés que fazia um happy hour para quem sabe a Mari poder tocar lá e conseguir fazer um trabalho. Ela decidiu ir, se apresentou para a dona do local e se propôs a tocar lá. A dona topou e agendou para uma data próxima, foi aí, nessa história, que entrou no caminho: a Vivi. A dona do café é irmã da Vivi. E a Vivi estava trabalhando em todos os lugares possíveis para juntar dinheiro, inclusive no café. A irmã dela sabia que a Vivi ia se interessar pela Mari, então imediatamente marcou a Vivi num vídeo da Mari cantando (no Facebook), e disse para ela no Whatsapp “te marquei em um vídeo, acho que tu vais gostar”. Só que como ninguém mais usa facebook, a Vivi não olhou, achou que fosse uma bobagem da irmã dela. A irmã encheu o saco para ela olhar e ela não olhou. No dia do trabalho ela estava com muita preguiça de sair de casa, não queria ir, ficou enrolando, mas foi porque pensou “ah, vou, vai que eu encontro uma guria legal”. Quando chegou lá para trabalhar ela viu a Mari e um fotógrafo que estava trabalhando no evento queria postar uma foto que fez de todos e queria marcar cada pessoa na foto, mas não sabia o nome da cantora. Ela também não sabia, e ele pediu ajuda para ela descobrir. Então ela pegou o celular dele e precisou ir lá perguntar o nome da Mariana, absurdamente sem jeito e sem graça, com mil justificativas, gaguejando e dizendo que era exclusivamente porque o fotógrafo tinha pedido, ela perguntou qual era o Instagram para poder marcar a Mari na foto. Depois disso, o show todo aconteceu e no fim a Mari pergunta: alguém quer pedir alguma música? e foi a Vivi, lá perto, e disse…“você tava afinando teu violão né… era versosquecompomosnsduienarada?” e a mari “era o que?” “versouqmenajdartrada” “não conheço isso” “hum então era castello branco” “ahh castello branco eu conheço” “ah então toca castello branco pra mim!!”. Ela tocou, acabou o show, trocaram uma ideia super rápida e na hora da despedida e Mari voltou para dar tchau especialmente para a Vivi, ambas ainda sem jeito. Se eu pudesse, deixaria de fazer esse texto e colocaria um áudio da nossa conversa aqui para vocês ouvirem. (Alô, eu ouvi um Documencast?). Porque a Mariana e a Vivien são de um nível de humor contando a história delas que eu jamais saberia como colocar em palavras! Mas vamos lá, vou tentar. Esse texto vai se resumir na história de como elas se conheceram, porque como elas se conheceram, é o que elas são hoje. A Mari tem 26 anos e é carioca, super carioca. A Vivien tem 32 anos e é gaúcha porto alegrense, super porto alegrense. A Mari é formada em Artes Visuais - Licenciatura, mas nunca atuou enquanto professora, sempre curtiu mais a área da música. A Vivi é designer e hoje em dia também vive no mundo da música. A mãe da Mari é gaúcha, mas foi morar no Rio de Janeiro quando era muito novinha, ainda criança. Mesmo crescendo e vivendo no Rio, ela sempre teve uma conexão muito grande com Porto Alegre, por ter grande parte da família lá - e inclusive, quando a Mari era criança, por um tempo, chegaram a voltar e morar um tempinho em Porto Alegre de novo. Mas não deu certo, a mãe decidiu voltar para o Rio (nunca gostou muito do sul e dos gaúchos, sempre preferiu o agito carioca). Quando a Mari cresceu, fez a faculdade e no final da faculdade, em 2018, se viu muito perdida sobre em que carreira seguir e sobre o que fazer da vida. Pensou em passar um tempo em Porto Alegre, por gostar da cidade, por tentar respirar novos ares… e antes de viajar a mãe disse: - Mari, vê se não fica por lá, hein? - Mãe, eu só fico se eu encontrar o amor da minha vida! Eu conto, ou vocês contam? Enfim. Botão Vivien Mariana

  • Karol e Beatriz

    Não tem jeito, preciso começar essa história falando sobre como a Karol e a Beatriz se conheceram. Poderia dar uma introdução dizendo quem elas são, o que elas gostam de fazer, enrolar vocês… mas não tem como. Não tem. Essa história é insuperável pra mim. Talvez por ser uma daquelas que eu queria ter transformado num podcast porque o áudio é muito mais engraçado do que eu escrevendo (alô, roteiristas dos streamings do momento, estão preparadxs?)... ou talvez porque não seria nenhum pouco justo deixar o melhor para o final mesmo. Só algumas informações importantes: hoje em dia a Karol tem 27 anos e a Beatriz 26 anos. Ambas são do interior de São Paulo, mas de cidades interioranas diferentes. A década (meu deus, a década é ótimo. risos) era de 2000-2010 e uma das coisas que fazia muito sucesso era o famoso bate-papo UOL... foi lá que Karol conheceu uma pessoa chamada Tânia. A conversa entre elas fluiu bem e ela adicionou a Tânia no MSN, no Orkut e a Tânia foi apresentando de forma virtual outros amigos dela (a Maiara, a Poliana e o Gustavo). A Karol, com o passar do tempo e o “convívio” diário, descobriu um interesse pela Tânia, foi aí que elas começaram a webnamorar (SIM, jovens, a Karol praticamente fundou o webnamoro). Quando todos os amigos conversavam em grupo no MSN o ícone de webcam ficava visível, então ela sabia que todos ali possuíam webcam, mas por algum motivo os amigos não gostavam de ligar e sempre quem ligava na chamada era ela e o Gustavo (ou seja, ela só conhecia a Tânia por fotos). Isso já faz muito tempo, né gente? Então precisamos lembrar que naquela época era super normal as pessoas se mostrarem muito menos que hoje em dia na internet (e serem muito menos cobradas por isso também). Com o passar do tempo e do webnamoro se desenvolvendo, todos ali criaram laços muito fortes. Na época, a Karol estava na escola, o Gustavo estudava teatro e viajava por São Paulo e a Tânia passou por um período muito difícil em que a mãe ficou muito doente. Foi um tempo em que o Gustavo (que morava na mesma cidade) a acolheu em casa, já que a mãe dela foi internada e depois de um tempo a mãe dela veio a falecer. Isso gerou um choque bem grande para todo o grupo, já que eles trocavam muitas mensagens diárias e, principalmente na Karol, pelos sentimentos que ela tinha pela Tânia, somados ao fato de ser menor de idade, estar em uma cidade distante e não saber como poderia ajudar nesse momento. Ela conta que lembra de nessa época uma outra menina do grupo, a Poliana, também estar passando por dificuldades e o quanto ela comentava em casa com a mãe sobre essas amigas, sobre querer ajudá-las… e o quanto isso também a angustiava. Mais uma vez o tempo seguiu e um belo dia, alguém a adicionou no MSN… o MSN, pra quem não sabe, não é uma rede social da qual você posta coisas... era tipo um Whatsapp, apenas um bate-papo. Ninguém adicionava lá sem te conhecer. E então, essa pessoa que adicionou a Karol do nada, chegou logo soltando um: “POR QUE VOCÊ ESTÁ NAMORANDO A MINHA NAMORADA?”. ​ Que? Pois é. Eu também soltei isso quando eu ouvi. Essa pessoa, é a Beatriz. Vamos à versão da Beatriz. Beatriz conheceu a Tânia jogando um jogo, o Habbo (só quem viveu, sabe, né? como era bom ser jovem nos anos 2000). As duas conversavam bastante e a Tânia também apresentou o Gustavo para ela… com o passar do tempo as coisas se desenvolveram na conversa e elas também começaram a webnamorar (as precursoras do webnamoro, parte 2). No caso, a Karol e a Beatriz foram as precursoras do webnamoro e da traição do webnamoro, ou seja, o webcorno. Até que um dia O GUSTAVO (gente… a balbúrdia) chamou a Beatriz para dizer “que tinha uma menina dizendo que estava namorando a Tânia” (!!) e ela disse “como assim, eu sou namorada da Tânia, não tem essa!!” (risos) e então ela foi tirar satisfação com a Karol, assim, adicionando no MSN. Se fosse o MSN Plus na versão 2009, garanto que tinha até aquele efeito de som no fundo que dizia “eu estou sentindo uma treta!!!” Quando a Karol e a Bea conversaram elas entenderam que não ia dar certo e decidiram de alguma forma se afastar da Tânia. Elas não lembram especificamente como aconteceu, mas o afastamento rolou. A Karol começou a se envolver com uma menina na cidade em que ela morava e a Bea foi seguir a vida dela também, sem mais contatos com a Tânia e os webamigos dela. Mas calma, aí você pensa… ah, só isso? a Tânia nunca mais apareceu? kkkk meu amor… o mundo não dá uma volta, não. Ele dá um duplo twist carpado. Pois um dia chega o Gustavo (logo quem…) chama a Bea no MSN e dá a triste notícia: a Tânia morreu. .. que²? Ela estava enfrentando um período de muita tristeza e depressão após a morte da mãe dela e cometeu suicídio. Ao saber da notícia, tanto a Bea, quanto a Karol, ficaram muito mal. Foram dias de choro, um sentimento de dor estranha e uma sensação de perda imensa. Novamente venho lembrar que: hoje em dia é muito fácil para nós, que vivemos em uma década depois, num momento em que a internet está muito mais avançada, pensar que algo nessa história estava muito estranho. Mas precisamos nos transportar para os anos 2000-2010 e lembrar que por lá estava tudo bem as coisas não terem muito encaixe, né? ​ Foi no momento após o luto que a Bea teve uma luz e entendeu que as coisas não tinham encaixe, que a história que o Gustavo estava contando era muito ríspida, muito estranho falar sobre uma depressão assim… e foi então que resolveu dar uma de stalker. Ela começou a ler o Orkut da Tânia que ainda estava ativado, pesquisou pelo nome do colégio que aparecia na foto dela de uniforme e viu que o colégio não ficava em São Paulo… TCHARAM! Começou a ir mais a fundo nas buscas do próprio colégio e… finalmente achou o perfil da menina verdadeira, descobrindo, assim, que a Tânia nunca existiu. Gente. Vocês têm noção??? A pinta nunca existiu. Se ela nunca existiu, ninguém ao redor dela existia também! Com isso caindo por terra, ela foi descobrindo uma série de fakes que o Gustavo tinha. Inclusive, por um momento, pensou que até mesmo a Karol fosse um dos fakes, mas entendeu que não era e chamou ela para conversar e contou tudo… e ela ajudou nessa busca por mais fakes. Até hoje elas acreditam que a única verdade em toda a história é que o Gustavo trabalhava com teatro (não por ele ser um ótimo personagem, porque o que ele era tem nome: criminoso, rs) mas porque ele viajava bastante pelo interior de São Paulo fazendo peças. A primeira atitude que elas tiveram foi falar com a menina que ele usava as fotos para se passar por Tânia, mas ela nem ligou, não deu bola. Então elas não souberam mais o que fazer. Elas desmascararam ele nas redes sociais e alertaram as meninas que estavam próximas dele para que se afastassem, mas naquela época os crimes virtuais não eram considerados, então era realmente muito difícil conseguir barrar o Gustavo, ainda mais elas sendo menores de idade e ele não. Foi muito engraçado pensar em toda a história e ouvir toda a história sendo contada por elas, da mesma forma que é muito incrível ver a forma que elas ressignificam algo que poderia ter sido traumático e horrível (como foi o período conversando com esse cara e com seus vários personagens), mas a única coisa que elas tentam pensar sobre, é que foi por conta disso que elas se conheceram e que passaram a ficar todos esses anos juntas e que isso, sim, foi bom. De qualquer forma, não queremos NUNCA, JAMAISSSSS, deixar de lembrá-las que os tempos atuais são outros e que precisamos denunciar homens iguais o Gustavo! Ele tinha um perfil MUITO claro: meninas, novas, lésbicas (que estavam se descobrindo) e provavelmente em algum momento usaria de tudo o que sabia sobre elas para se aproximar fisicamente, então, por favor: denunciem! Hoje em dia já temos leis, já temos um preparo e uma consciência maior e não podemos deixar nenhum caso passar. Além disso, Gustavo, se um dia você ler isso: a gente ainda consegue te enquadrar em crimes cibernéticos, seu escroto! :) Agora, sim. Ufa, essa história é boa demais. Depois que o crime foi desvendado e que as duas ficaram iguais aos integrantes do Scooby-doo tirando as máscaras dos inimigos e descobrindo que são todos a mesma pessoa, a Karol, que vivia um relacionamento um tanto quanto abusivo, foi meio que “proibida” de continuar conversando com a Bea porque a namorada estava com ciúmes… mas ela estava muito intrigada com essa história, não estava acreditando no que tinha vivido (também pudera… né?) e deu um jeito de continuar falando (!!hahahahaha). Elas resolveram se encontrar pessoalmente um tempo depois numa cidade que ficava entre as cidades em que elas moravam (Praia Grande e Vargem Grande Paulista), e essa cidade foi Cotia. Lá elas se viram para ficar em silêncio, basicamente (kkkk), porque estavam com vergonha e não tinham o que dizer. No fim, elas não se beijaram (obviamente, porque a Karol namorava, né? se não conversaram, imagina beijar kk) e na hora de ir embora pra ter um grand finale a Karol li-te-ral-men-te caiu no colo da Bea dentro do ônibus (!!!) quando ele freiou. Nessa época, a Bea começou a fazer faculdade em São Paulo, então ela ia diariamente e voltava para a capital (ou, algumas vezes, ficava na casa da tia). Era uma rotina exaustiva e durou muito tempo. Por outro lado, a Karol terminou o relacionamento e cerca de um mês depois a Bea soltou um “ah então agora a gente pode namorar, né?” e ela disse um “é.” pois foi assim que começaram a namorar. Quando se viram pela segunda vez, já estavam namorando. Com as fundadoras do webnamoro não se brinca, né? A Bea ainda teve a patchorra de soltar um “primeiro a gente namora, depois a gente beija” hahhahaha. ​ Quando elas já estavam namorando, a Karol passou em um curso que acontecia em São Paulo também, então elas acabavam se encontrando durante a semana na capital. Elas contam que o começo do namoro foi bastante difícil porque tinham realidades muito diferentes. A Karol tinha uma condição financeira mais conflituosa, precisava correr muito atrás para conseguir as coisas e pela condição da Bea ser mais favorável ela não tinha consciência de classe e consciência dos privilégios que o dinheiro trazia. A Karol se sentia bastante triste, não conseguia acompanhar e trazia muito do antigo relacionamento junto com ela… para elas mudarem isso e se equilibrarem exigiu um esforço em conjunto de cederem e se entenderem aos poucos. Entenderem os limites, abrirem mão de algumas coisas para ouvir mais a outra… e por aí vai. Foi nesse período de equilíbrio e de entenderem que estaria dando certo que a Bea sentiu que era o momento de contar à família sobre o relacionamento delas. Ela deixou uma carta para a mãe antes de sair de casa a caminho da aula em São Paulo e, quando a mãe dela acordou e leu, ligou para ela e elas conversaram. Foi um momento que misturou um choque, com um “é isso mesmo que você quer?” e um tentar respeitar ao máximo. Com o tempo, a mãe e o pai da Bea foram entendendo e respeitando, assim como o resto da família e hoje em dia super apoiam as duas ♥ Depois do fim da faculdade, elas decidiram que seria legal escolher um apê e irem dividir uma vida sob um lar. Foram morar juntas em Cotia, a famosa cidade, lá da primeira vez em que se viram. A Karol trabalha lá até hoje escrevendo notas no cartório, mas elas já estão morando em outro apartamento, na cidade de São Paulo. Hoje em dia, adotaram gatinhos, se desenvolveram profissionalmente e a Bea é analista de marketing. ​ Hoje em dia, a Karol e a Bea fundaram uma marca de camisetas para o público lésbico (que inclusive já apareceu no Documentadas), a @vestsapatao! Conversando sobre marcas LGBTs, elas comentaram que geralmente produtos LGBTs focam no público masculino, desde o nome (gay gay gay gay gay) até as coisas serem sempre arco-íris, unicórnios, coisas de homens afeminados, confetes e quando pensam na sapatão é só a mulher tipo caminhoneira e/ou a Ana Carolina/Maria Gadu. Automaticamente imaginam a lésbica como masculina. Enquanto elas não se enxergam nem enquanto masculina, nem enquanto feminina, mas enquanto duas mulheres que se amam, apenas. Além disso, falam também sobre a importância de fazerem roupas em modelos maiores porque só encontram coisas pequenas que caminham entre o P e o M e que elas pensam em corpos grandes porque se identificam assim. A VestSapatão é da gente e para a gente. ♥ As duas também estão noivas! O pedido foi feito em Ubatuba, num comecinho de dia super fofo e estão planejando uma boa festa depois da pandemia. A Karol, quando fala no amor, acredita que amar é transparente e verdadeiro. Completa que sente que não existe nada que não possa ser compartilhado com a Bea. A Bea diz que a relação exige muito respeito, respeito por quem elas são e por quem querem ser. Esse respeito resume a liberdade. E diz que aprendeu a amar e a respeitar com as mulheres da família dela, porque a mãe dela tem 8 irmãs, que são muito diferentes, mas que são grandiosas de amor, de criação e de laço, porque sempre tiveram respeito. Quando pergunto se elas gostariam de mudar algo na cidade em que elas moram, sendo São Paulo a residência, ou Cotia na convivência, elas dizem que gostariam de mudar a forma que são tratadas pelos homens, por sempre ouvirem comentários (ou por sermos colocadas como quem quer roubar o lugar deles). Além disso, falam que gostariam de um lugar com segurança, porque lá em Cotia não conseguem caminhar nas ruas de mãos dadas. Bea comenta a importância de ver escolas falando sobre a diversidade e o quanto isso mudaria as nossas vidas, traria consciência para as pessoas desde a educação de base. É algo que ela gostaria de ver diretamente. Ela acredita que ninguém quer ser ignorante e fala sobre a família dela, no caso, as avós, estarem querendo entender e se esforçando ao máximo para compreender o relacionamento que ela têm com a Karol - e que o papel dela, nessa história, é de ensinar e explicar, dar o suporte para que elas entendam e vejam que está tudo bem… para conseguirmos, assim, quebrar o preconceito. ​ A história da Bea e da Karol te ajudou de alguma forma? Gostaria de mandar uma mensagem para elas? Beatriz Karol

  • Drika e Jana

    A Drika, a Jana e a Nick moram em Canoas, na região metropolitana de Porto Alegre. São uma família que se escolheu e se permitiu construir de múltiplas formas, e dentre todas, o que fica estampado é a parceria que mantém a todo tempo. Quando elas conheceram a Nick, no abrigo de adoção, tiveram a primeira interação e no dia seguinte levaram ela para passar uma tarde na nova casa. Seguiu-se assim por uns dias de visita, até que ela ficou direto. No começo, não foi nada fácil - tanto a adaptação, quanto saberem coisas básicas, como medicações exatas, cuidados que ela necessitava… tudo era novo e precisava de calma. Como a Nick passou três anos no abrigo, isso significava metade da vida dela, e todas precisavam entender o tempo dela também. Viveu muitas coisas lá, passou pelo contato de mais de cem famílias e era difícil acreditar que ela fosse ser adotada por alguém. Quando as mães chegaram, fizeram de tudo para mostrar que tinham compreensão do sistema de saúde, que estavam muito dispostas a cuidar dela e que todos poderiam contar com elas para o desenvolvimento da Nick. O desenvolvimento não foi da boca pra fora, quando a Nick chegou ela não conseguia andar, mas em dois meses já tinha desenvolvido e estava com acompanhamentos, o cuidado e o afeto fizeram com que ela também tivesse muito progresso na comunicação, na socialização com outras pessoas adultas e com crianças e diversos progressos saudáveis para ela. Por mais que no começo tudo demorou a entrar em sintonia (era difícil identificar os choros, organizar a alimentação, etc) elas foram se conhecendo e se amando cada vez mais. Hoje em dia, vivem uma rotina intensa! Entre fonoaudiólogas, escolinha (Nick está na segunda série!), terapeutas, nutricionistas, gastros, psiquiatras, a alta que ela já ganhou na fisioterapia (♥), o ritmo de trabalho da Drika e da Jana que super se adaptou e a família que nasceu, é nítido ver o quanto as três crescem grandiosamente juntas. ​ Drika tem 37 anos, é professora de educação física e está fazendo doutorado. Trabalha enquanto coordenadora de um projeto social e também participa de coletivos de militância política. Jana também é professora de educação física, mas concluiu a residência em saúde mental coletiva e atende num centro de orientação psicossocial para pessoas que fazem uso abusivo de álcool e drogas. A rotina dela é intensa, mas acreditam que é justamente nessa rotina que mora o amor: nos rituais diários, nos detalhes, na família que estão construindo - e que escolheram construir, nos laços de afeto que estão existentes quando compartilham decisões. Diariamente chegam em casa e conversam sobre o dia, sobre como estão ou o que viveram e acreditam que nesse ato está muito sobre o amor que vivem. Mesmo construindo uma relação entre muito afeto, elas têm muito medo sobre o que a Nick pode passar por ser uma menina negra, com deficiência e com duas mães. Por isso, elas querem que o crescimento da Nick seja numa sociedade sem LGBTfobia, num lugar que ela possa ser quem ela é. Nesses processos de desenvolvimento, estabelecem também em volta dela várias referências de raças, de pessoas, de crianças das quais ela consiga se ver representada. Querem que onde a Nick esteja, exista acolhimento, referência e afeto. Em 2016 a Drika e a Janis começaram a conversar mais, no diretório acadêmico da faculdade, quando militavam juntas. A Drika passou por um relacionamento bastante abusivo e a Jana deu um suporte para que se livrasse disso, foi um momento bem difícil que ambas passavam em suas vidas pessoais e se apoiaram enquanto amigas pela primeira vez. Logo depois, vieram as ocupações das universidades públicas e elas ocuparam o campus da educação física. Como se tratava de um campus menor, diferente dos outros, elas definitivamente foram morar lá. Haviam-se escalas para ficar na portaria, cuidar da segurança, etc. e elas ficavam juntas, além de ir nas reuniões, assembleia e participar do mesmo coletivo, o Alicerce. Na época, por ficarem sempre muito juntas, já brincavam de ‘shippar’ os nomes: era Drikaina ou Jaka. Tudo faziam em dupla. Quanto à ocupação, foi um sucesso! Tiveram os objetivos negociados e na comemoração foram todos para uma festa. Nessa festa, elas se beijaram - mesmo com muito medo de estragar a amizade, mas deu certo. Logo depois, Drika passou o ano novo com a Jana, alguns amigos e familiares dela. De lá em diante, não se desgrudaram mais. Logo no começo do relacionamento, a Jana se formou e a Drika ainda iria estudar mais um tempo. Drika morava em Canoas e, na época, a Jana morava em um bairro mais distante em Porto Alegre: o Belém Velho. O campus que elas estudavam ficava em um bairro que não conversava com essas distâncias, então era tudo de certa forma longe, e elas decidiram mudar esse ponto: a Drika chamou a Jana para morar com ela em Canoas. Aos poucos ela veio trazendo as coisas, em mochilas mesmo, ou como elas brincam: em prestações. No começo, ao morarem juntas, enfrentaram uma questão muito difícil: a dificuldade financeira. Elas sobreviviam com a bolsa que ganhavam da universidade - de R$ 400 cada uma, e nisso entrava tudo: as passagens, a alimentação, as contas. Na época da formatura, Jana ganhou de presente o dinheiro para fazer a carteira de motorista, mas nunca a fez, visto que esse dinheiro foi usado para salvar elas por alguns meses. Entre a bolsa e a faculdade, elas vendiam camisetas, Jana chegou a trabalhar em bar e procuravam sempre uma forma de se virar. O primeiro respiro que tiveram foi quando a Jana conseguiu um estágio, depois tudo foi mudando. Dentre os altos e baixos, o mais certeiro era o quanto elas se apoiavam. Se fortaleceram, foram fortalecidas por suas mães e estavam sempre em parceria. Juntas, passaram pelo fim da faculdade, pela residência, pelo mestrado e pelo doutorado. Nesses processos, elas sempre se consideraram casadas. Não sentiam urgência em oficializar, até que o foraBolsonaro foi eleito e elas resolveram mudar as coisas. Viver a campanha dele foi exaustivo, estavam ativamente na rua em oposição e sentiram que o melhor que poderiam fazer depois dele eleito era reafirmar o amor delas em um ato oficial. Foi então que juntaram os documentos, os amigos - que tocam em uma banda - foram para um sítio, cada um levou uma bebida e fizeram uma festa que uniu todos: os amigos, a família, a militância, a música… quem amavam. Contam que foi a melhor noite que já viveram. Já o tema de aumentarem a família, chegava de vez em quando: primeiramente, pensaram na inseminação. Drika tinha vontade de gerar, chegaram a procurar, fazer exames, mas sentiram que não havia tanta necessidade - desconstruíram a ideia e partiram para uma nova: a adoção. A Drika é adotada e elas sempre falaram sobre a família ser uma escolha que o coração faz, então começaram a pesquisar sobre e participar de grupos. Ainda em 2019 entraram com todos os papéis necessários. Fizeram uma série de entrevistas com psicólogas, assistentes sociais e então começou a pandemia. Isso atrasou tudo, ficaram muitos meses com tudo parado no curso inicial obrigatório de adoção porque o sistema ainda não tinha se adaptado para o modo online. No começo, antes da pandemia, elas tinham colocado no formulário uma faixa etária diferente, depois recorreram para uma idade maior e também para a opção de ser mais de uma criança, poder ter doenças tratáveis e com questões de saúde mental. Quando foram para a parte final do curso, acabaram fazendo sozinhas (sem outros casais acompanhando) e isso fez com que ficassem muito livres para conversar e tirar todas as dúvidas com as assistentes sociais. Foi quando uma delas falou sobre uma menina que poderia se encaixar para elas, mas não deu mais detalhes. Em janeiro de 2021 entraram em contato, pediram para elas irem até o fórum porque tinha uma criança e não queriam que elas fossem habilitadas no sistema de adoção antes de conversarem sobre ela. Foi quando, pela primeira vez, conheceram a história da Nick. Nesse momento, já sabiam que iriam adotá-la, Drika se emocionava toda vez que estavam falando sobre ela. Conheceram a Nick por vídeo, deram seguimento no processo da adoção, fizeram testes de Covid-19 necessários e foram conhecer ela pessoalmente pela primeira vez. Nick nasceu com microcefalia por conta de uma toxoplasmose congênita, tem impacto na visão e está dentro do “guarda chuva” da paralisia cerebral. Sua dificuldade está no ato de comer e engolir saliva, o que pode causar acúmulo de líquidos nos pulmões, tornando-a do grupo de risco para qualquer doença respiratória - como o Covid. Por mais que possua algumas diferenças no quesito saúde, é uma criança repleta de amor, carinho e risadas, que se diverte muito com as duas mães. ↓ rolar para baixo ↓ Drika Janaina

  • Maíra e Eduarda

    Assim como os momentos delas serem leves, a família também aprendeu a lidar de uma forma legal com o relacionamento delas. Foi criado até um grupo no whatsapp com elas e as mães e a foto do plano de fundo do celular do pai são as duas juntas. Entretanto, não foi tão fácil no início. A Duda resolveu se assumir, num ato de coragem, durante o segundo turno das eleições de 2018. Estava vendo a grandiosidade do retrocesso na eleição do então presidente foraBolsonaro e entendeu que não cabia mais espaço para se esconder. Foi um período que a violência e os discursos de ódio estavam batendo recorde, então se tornou muito significativo e importante se reafirmar e resistir, mesmo com nossa sensibilidade muito fragilizada somada ao processo de "saída do armário". ​ ​ Hoje em dia, Duda conta que se inspira demais na mãe e fica feliz de ver as famílias unidas. Quando pergunto sobre onde elas encontram o amor e o que elas pensam sobre, dizem que amor está envolvido com a liberdade porque amar é respeitar e permitir ser livre. E amar outra mulher é se identificar, principalmente por entender que a outra passa pelo mesmo que você. A Duda e a Maíra se conheceram na universidade, em 2016. Foi durante a ocupação da UFRGS, que pedia melhorias no sistema de ensino, que elas ficaram amigas e que fizeram um grupo de mulheres lésbicas e bissexuais que participavam da ocupação, onde todas viraram amigas e mantém contato até hoje - inclusive, tatuaram o número da sala que dormiram durante a ocupação, por ter tanto significado nesse grupo. O primeiro beijo entre as duas rolou na ocupação mesmo, mas não virou algo sério em seguida, demorou um tempo... até que (por coincidência) uma foi morar próximo da outra e passaram a se encontrar com frequência. Decidiram tentar algo e foram, cada vez mais, se apaixonando. ​ ​ A relação delas é composta por uma convivência muito leve. Possuem bastante abertura para falar sobre tudo e contar com o apoio mútuo. As duas têm diversas tatuagens juntas, de divertidas à frases significativas e as histórias sempre remetem à: estávamos bêbadas e tivemos a ideia de tatuar isso, no fim, amamos. A Duda tem 22 anos e é natural de Progresso, uma cidade bem pequena no interior do Rio Grande do Sul, além de ter morado boa parte da vida em Lajeado, também no interior. No fim do ensino médio, passou no vestibular e se mudou para Porto Alegre. Cursou história e hoje em dia faz mestrado enquanto trabalha como Analista de Relacionamento em uma startup, a TAG. ​ ​ A Maíra tem 23 anos, é natural de Porto Alegre, está se formando em ciências sociais e em busca de um emprego atualmente (mandem jobs! tem alguma vaga para indicar? clica aqui! ). Ela adora assistir o jogo do Inter, ler, caminhar por aí e cozinhar. ​ ​ Cozinhar, inclusive, é o que elas mais amam fazer juntas. Além disso, brincam que estão sempre sendo taxadas como "pessoas que não param quietas". Gostam de caminhar pelo bairro, de viajar, de ir em trilhas, cachoeiras... de ver gente e de ver mato. Elas já participaram de diversos projetos envolvendo uma certa militância também, como o Lésbicas que Pesquisam (um espaço de visibilidade à presença lésbica na academia) e o Pedal Pela Memória (passeios ciclísticos que envolvem contar a história da cidade de Porto Alegre). Logo que cheguei no apartamento da Duda e da Maíra vi que o nome do prédio era 'Maíra' e brinquei "já entendi porque vocês escolheram morar aqui". Então, desde o começo, subindo as escadas, fui ouvindo o quanto elas terem se mudado para o novo apartamento foi tão importante. Antes de chegarem aqui, a Duda dividia apartamento com umas amigas. Era legal, mas a relação delas não era a mesma coisa, sempre sonhavam em ter um cantinho só delas. A Duda decidiu procurar um apartamento num bairro vizinho, mais calmo, na zona central de Porto Alegre. A pandemia foi como um "test drive" para a Maíra passar um tempo nessa nova casa e elas entenderem se conseguiriam viver juntas assim. Aos poucos foram decorando como gostam, colocando a carinha nas estantes, na sala, na cozinha... Têm sido muito bom e dado muito certo. Hoje em dia elas tiram momentos no dia para conversar sobre assuntos aleatorios e trabalham dentro de casa. Comentam que sair da Cidade Baixa, o bairro mais movimentado (e por consequência violento) e ter se mudado para o Bom Fim ressignificou até a forma que olhavam a cidade. Sentiam muito medo e planejavam sair do estado antes de encontrarem esse apartamento, agora, sentem que tem conforto para colocar os planos de mudanças mais para frente e ir planejando com calma. Eduarda Maíra

  • Mariana e Thalassa

    Entenderam que para o relacionamento acontecer de verdade precisavam ter uma comunicação muito ativa e transparente. Mesmo em dias ruins, tentam conversar antes de dormir e dormem abraçadas. Thalassa diz o quanto se sente completa: na casa, com os cachorros, as plantas, tendo o carro, tudo. Entende que é uma mulher adulta que conquistou o que sonhava. Ela fala também sobre o quanto aprendeu a admirar a Mari, a persistência dela e a forma que lida com as coisas. Para a Mari, amar é ter cuidado, ter respeito. Tenta sempre entender o ponto de vista da Thay sobre as coisas do mundo. Amar é um exercício diário. Por fim, falamos sobre o amor ser um mosaico - tem a risada, o tempo, o respeito, a compreensão, a lealdade… não tem como falar dele sem todas as coisas que completam. Cada parte é importante para construir o todo. ​ ​ A história da Thay e da Mari te ajudou de alguma forma? Gostaria de mandar uma mensagem para elas? Vem cá que conectamos vocês ♥ ​ Tem alguma proposta de trabalho para elas? Opa! Pode mandar por aqui! Thalassa tem 32 anos, é professora de biologia e ciências para alunos do Ensino Fundamental II e Ensino Médio. Está atualmente no chamado “ensino híbrido”, do qual a carga de trabalho é muito maior que em tempos comuns (que já é grande!). Ela trabalha em Niterói e mora próximo ao Recreio, é uma distância longa, costuma demorar 2h para chegar (mas já chegou a demorar 5h, em dias de trânsito). Fala sobre como é ser professora no Brasil e como os desafios triplicaram na pandemia. Mariana tem 27 anos, é bancária, trabalha com abertura de empréstimos. Está cursando psicologia e fala sobre a vontade de ouvir e poder auxiliar pessoas. Trabalhar com o público não é fácil, ainda mais em grande escala. Existem muitos desafios e com a modernização dos aparelhos bancários e precisamos sempre exercitar o cuidado com todos os tipos de público, entendendo suas especificidades. Mari cuida muito de si, quer viver com tranquilidade. A maior dificuldade que elas passaram foi quando decidiram morar juntas, em janeiro de 2015. O dinheiro era muito curto e precisavam mobiliar a casa, Thalassa chegou a pegar diversos freelas - sendo Uber, professora em outros lugares... foi um momento bastante turbulento. Se conheceram de uma forma um tanto quanto aleatória. A Thay ainda mantinha uma amizade com a ex namorada e a Mari ficava com essa menina (tá ouvindo esse barulho???? é o som do rebuceteio!). Na época, a Thay já namorava outra pessoa e conhecia a Mari porque já estiveram entre amigos algumas vezes. A menina (amiga/ex de Thay e amiga/atual da Mari) estava de aniversário e elas foram numa festa comemorar (a Thay e a namorada + a Mari e a aniversariante), mas ambas se meteram em confusão, a Thay já não andava bem no relacionamento, brigaram na festa e ela optou pelo término. Enquanto a Mari acabou ficando no canto e um pouco chateada por outros acontecimentos simultâneos. Ambas se viram sozinhas e o que restava era aproveitar a festa juntas. Alguns outros amigos chegaram para aproveitar a noite com elas e numa brincadeira, inventaram de todo mundo se beijar. Até então tudo bem, afinal, estavam só se divertindo. Mas quando a Mari e a Thay se beijaram, logo se sentiram totalmente diferentes, algo único. Não entenderam muito bem o que era esse sentimento/essa sensação, mas passaram a noite juntas aproveitando a festa. Nos dias seguintes elas continuaram se encontrando. Por um momento foi até meio escondido, com medo das pessoas saberem, mas depois entenderam que não tinha outra saída, ficariam juntas. Hoje, 7 anos depois, o sentimento é o mesmo. Quando fui encontrar a Mari e a Thay, não imaginava que iria gostar tanto (delas e do lugar). Marcamos num horto, no Rio de Janeiro. Com espaço para café (e cervejas), foi lá que nos sentamos para conversar. Elas tinham escolhido este lugar porque amam plantas, cuidam de vários tipos e espécies e falam sobre a importância de respeitar o tempo da terra e da natureza. O amor que passam para as plantinhas é de um jeito muito especial, gostam de usar os temperos na hora de fazer comida, esperam ansiosamente as frutas crescerem… acreditam que mexer na terra e acompanhar esse processo faz com que a gente aprenda a ter mais respeito pelo mundo. Depois que elas descobriram o horto, na primeira vez que vieram (ainda moravam longe), se apaixonaram. Agora, por morarem muito próximo dele, criaram uma memória afetiva forte e tentam frequentar o máximo que podem. Tanto a Mari, quanto a Thay são pessoas muito tranquilas. Moram com seus bichos, têm suas rotinas de trabalho… e também são mulheres muito divertidas. Elas acreditam que o encontro que tiveram nessa vida foi um fenômeno da natureza - a partir do primeiro beijo tiveram certeza que ficariam juntas. < Mariana Thalassa

  • Camila e Rafaela

    Rafa e Camila começaram o relacionamento entre passear no parque, ir em livrarias, tomar cafés e caminhar pela rua. Hoje em dia, compartilham o dia com os filhos da Camila, adoram fazer tatuagens (inclusive possuem algumas juntas), debater sobre leituras (e livros escritos por mulheres), tirar fotos e frequentar o local que nos encontramos. Entendem que o relacionamento (e os processos individuais que viveram no período em que se relacionam) fizeram entender o amor sob uma nova perspectiva. Camila agora enxerga o amor enquanto um fenômeno, uma ação que está dentro de tudo o que você faz. Depois que viveu a depressão passou a ver como abertura de diálogo também, ou seja, amar é conviver com conversas difíceis, passar pelas coisas. Sente que é uma pessoa que se fecha nos momentos ruins e a Rafa vem ensinando ela a se resgatar, voltar e compartilhar as dores também no amor. Rafa complementa, fala que respeita a liberdade. Estar presente nesses momentos não é para invadir qualquer espaço, mas sim dizer: “Tô aqui para o que precisar”. ​ Rafaela, no momento da documentação, estava prestes a fazer aniversário. Como a data já aconteceu, o texto foi lançado no momento em que completou 40 anos. Ela é natural de Santos, litoral paulista, mas reside em São Paulo há mais de 10 anos. Trabalha enquanto tradutora e adora música e fotografia, considera grandes hobbies. Camila, no momento da documentação, estava com 39 anos. Ela é natural de São Paulo e trabalha enquanto produtora de eventos. Brinca que seu grande hobbie é dedicar 100% do tempo aos filhos (de 10 e 7 anos), já que ser mãe é o maior desafio que vive. Enquanto pensávamos em hobbies surgiu a brincadeira de que um grande hobbie é o quanto elas gostam de fazer tatuagens, então contaram a história de uma tatuagem em específico, quando tudo começou indo num sebo e achando um livro da Virginia Woolf com uma dedicatória escrito “E isso é só o começo”. Compraram o livro porque acharam lindo, ficaram com isso na cabeça e, numa viagem para a Patagônia, Rafa escreveu isso num guardanapo e mandou para a Camila. Rafa disse que estava doida para dizer que a amava, mas queria dizer pessoalmente, então acabou mandando só a frase numa foto. Resultado: virou uma de suas tatuagens favoritas. ​ Elas se viram pela primeira vez num parque, mesmo já se conhecendo pelas redes sociais. Conversavam online e tinham uma expectativa em se conhecerem, estavam bastante ansiosas - Rafa até levou um presente e conta que falou sem parar. Saíram com a sensação de “Ufa! Aconteceu! Nos encontramos.” Encontraram-se diversas vezes depois disso, foram passeios em cafés, livrarias, praças… conversavam muito e nunca se beijavam. Decidiram então viajar juntas, foram para Visconde de Mauá (uma viagem feita para um casal, com quarto de casal, no inverno, lugar romântico…) e finalmente se beijaram antes do dia da viagem! Ficaram mais tranquilas, com a certeza de que daria certo. Cerca de três meses depois, se afastaram. Camila se sentia muito deprimida por diversas questões em sua vida e se isolou de muitas pessoas. Passou meses triste, em tratamento, e quando decidiu sair desse espaço, nas palavras dela, “do fundo do poço”, contou para todos o que tinha passado: as violências, a depressão… Expôs isso em suas redes e sentiu que quem gostaria de ficar, quem estaria ao lado dela, ficaria. Na versão da Rafa, ela sentiu um baque muito forte com o afastamento da Camila, mas respeitou e tentou curar isso aos poucos. Depois de meses, quando viu o retorno às redes, decidiu que iria mandar uma mensagem. Não queria surgir ‘do nada’ e lembrou que elas tinham um show para irem, pois compraram os ingressos juntas. Decidiu falar “Vamos no show? Não precisamos conversar sobre coisas pesadas, só curtir”… Camila topou e elas foram. O show era do Harry Styles e Rafa não conhecia nada sobre ele, mas Camila apresentou, até hoje ela gosta e escutam bastante juntas. Foi nesse momento, pós show, que se reaproximaram, então ficaram juntas novamente. ​ Aos poucos foram introduzindo as crianças na rotina - e Camila explica que como já teve experiências se relacionando com outras pessoas depois de ser casada e que se afastar dessas pessoas representa um corte abrupto para as crianças, isso precisava ser alinhado com a Rafa; Que a relação com os pequenos é uma relação diferente, o carinho, afeto e vínculo continuam existindo mesmo se um dia elas terminarem. Rafa compreendeu tudo e foi abraçando isso aos poucos, no começo era uma amiga da mãe, então foi introduzindo afetos, elas foram percebendo, perguntando e ficando à vontade com isso. O dia em que contaram mesmo foi no parque (local que inclusive fizemos as fotos), elas estavam sentadas bebendo um vinho, as crianças correndo brincando, um dia bastante frio e todos estavam bastante felizes. Hoje em dia, a Rafa e eles dividem muitos gostos em comum, por exemplo futebol, curiosidades sobre sistema solar… Camila, quando fala sobre a vida socialmente, conta o quanto gostaria de ver o programa educacional mudando, entende que hoje em dia perdemos muito das coisas que realmente devemos aprender. Queria ver as pessoas respeitarem as diferenças de seus filhos, não fazendo-os entrar nas caixinhas. Cita sobre o problema que a filha enfrenta aprendendo a leitura e a escrita, se sentindo algumas vezes excluída, enquanto ela tem muitas coisas incríveis que sabe fazer e que poderia ter isso sendo explorado e valorizado. Deseja ver ela sendo respeitada por completo. ↓ rolar para baixo ↓ Rafaela Camila

  • Sofia e Carol

    Entre tudo o que gostam de fazer juntas na rotina caseira num apartamento no centro de da cidade, Sofia e Carolina descobriram o maior dos hobbies em comum: o gosto pelo café. Apelidaram carinhosamente de “ritual”, mas estudam, adoram organizar todos os equipamentos e descobrir novos tipos de grãos. É o momento mais precioso dentro de casa. Sofia, no momento da documentação, estava com 47 anos. Ela é natural de São Paulo, trabalha com um blog de viagens e morou um tempo em Salvador. Carol, no momento da documentação, estava com 38 anos. Ela também é natural de São Paulo e trabalha enquanto fisioterapeuta. Brincam sobre como são pessoas preguiçosas, porque só vão em shows que tenham assentos e que não são muito festeiras, não curtem muito viver o carnaval. Por outro lado, adoram explorar a cidade de outras formas, como andar de bicicleta e de moto. Desejam em breve começar viagens juntas de moto para lugares um pouco mais distantes que o comum. Carol entende que foi Sofia quem trouxe ela de volta à vida através do amor. Foi esse amor que permitiu um redescobrimento sobre quem ela era: desde usar o cabelo que sempre quis (mas que nunca pode por conta de outro relacionamento bastante abusivo), até usar as roupas que deseja sem sentir medo de acharem que ela “está muito sapatão”. Entende, agora, que isso nem é um problema - o problema era ela não viver a vida antes. Hoje, acredita nas energias, nas espiritualidades. Sente que o caminho delas estava para se cruzar há muito tempo e que isso só aconteceu para crescerem juntas, pois estão sempre dispostas uma para a outra. ​ Foi através do Happn, um aplicativo de relacionamentos, que o caminho delas literalmente se cruzou. Sofia, antes de entrar no aplicativo, foi casada por 11 anos. Decidiu baixar e se render à tecnologia porque antes, em outra época, isso não era possível. O ‘match’ aconteceu no final de dezembro, dia 28, mas não se encontraram até o réveillon (ela tentou, Carol não se sentiu confortável sendo tão rápido). Dia 31, foi para Salvador, passar a virada do ano. Conversaram pelo Whatsapp por um tempo, compraram um ingresso para o show do Milton Nascimento que teria em São Paulo (e era uma boa desculpa para se encontrarem pela primeira vez). Porém, a conversa foi esfriando até a data chegar. Sofia estava decidida: iria se mudar para Salvador. Conseguiu um apartamento lá para alugar, conheceu pessoas e se interessou afetuosamente por uma delas… Quando voltou, não sentia mais tanto clima para interagir com a Carol, então marcaram de pegar o ingresso e tomar um café antes do show, como amigas. Inicialmente, a ideia não era nem verem o show juntas, se não sentissem à vontade. Mas ao chegar no café, conversaram por duas horas e se deram muito bem. Decidiram ir ao show, encontraram uma amiga da Carol antes, beberam cerveja e depois do show continuaram a noite em um buteco. Porém, mesmo ficando até 4h da madrugada na noite, existia uma questão: a mudança para Salvador era na manhã seguinte do show. Depois do buteco/e do show, quando chegaram em casa, se falaram pelo Whatsapp e abriram o jogo: sentiram muita vontade de se beijar. Até cogitaram se reencontrar, mas o dia estava quase amanhecendo, a mudança teria que acontecer, Sofia também pensou na pessoa que gostava em Salvador e seguiu seu caminho. Carol ficou triste, passou uns dias bastante abatida, parecia que tinha vivido um término de namoro. No dia 2 de fevereiro, logo em seguida, chegou a ir para Salvador porque já tinha a viagem agendada com uma amiga, mas lá não encontrou Sofia. Depois disso, a pandemia começou e ficou tudo mais difícil. Sofia começou relacionamentos por lá, mas seus planos de viver a cidade em si não deram certo, acabava a maior parte do tempo trancada em casa. ​ Carol, por sua vez, vivia outra situação em São Paulo. Conta que por cerca de 6 anos se relacionou com uma pessoa, que chegou a morar com ela. Não era um namoro porque elas não assumiam (nem publicamente, nem aos mais próximos). Ela já tinha rompido essa relação, porém, quando a pessoa descobriu a existência da Sofia, ‘mudou’ suas atitudes e quis estar de volta. Acontece que as atitudes não mudaram, de fato. Aos poucos Carol entendia o quanto isso era abusivo. O fato de ter gostado de alguém virou um fantasma na vida dela, uma sombra. A pessoa olhava o celular dela o tempo todo, tudo virava uma briga, o nome da Sofia sempre rondava a casa. Acabou bloqueando Sofia no Instagram, como forma de tentar cessar as brigas. A importância que Carol vê em falar sobre essa vivência vai muito de encontro ao que ela viu na Sofia como uma oportunidade de viver algo que sempre quis, um relacionamento assumido, com afeto, sem cobranças sobre como ela deve se vestir, que respeita como ela é, com comunicação. Mas além disso, fala muito também sobre precisarmos falar que existem relacionamentos abusivos entre mulheres e que precisamos nos conscientizar. Não relativizar quando as pessoas nos fazem sentir mal, nos cobram, nos ditam o que devemos ser, desconfiam. É preciso buscar acolhimento e sair dessas situações. ​ Depois desse hiato em que Sofia viveu Salvador na pandemia e Carol se livrou mais uma vez daquele relacionamento que vivia, decidiu adicioná-la no Instagram novamente, porém por outro perfil. Conversaram sobre a pandemia, sobre a vida, e passaram a se comunicar novamente todos os dias. Um tempo depois, Carol comprou uma passagem e foi para Salvador. Elas não sabiam se iriam se dar bem, era uma primeira convivência de dias, mas tudo deu certo. Depois disso, Sofia também veio a São Paulo, ficou um bom tempo. Aos poucos, foi conhecendo sobre a relação que Carol viveu e trazendo acolhimento. Queria muito pedir ela em namoro, achava que ela merecia isso, e o pedido acabou acontecendo nessa vinda, quando aproveitaram e foram para um chalé na serra paulistana. Viveram a distância Salvador - São Paulo por um tempo, ainda na pandemia, e estava tudo bem difícil. O contrato da Sofia estava próximo de vencer, então pensou em voltar para São Paulo. Decidiram morar juntas, justificam: “Se a Carol fosse morar em Salvador, ela iria morar comigo. Por que eu vindo pra cá não poderia morar com a Carol?”. Depois da mudança, casaram-se. No dia de Iemanjá. ​ Sofia e Carol adoram as coincidências que possuem juntas. Para além do café, as músicas, os lugares… Sofia fala como é importante poder ser quem ela é de verdade com a Carol, como ela nunca tinha vivido isso de forma tão plena, a forma que se sente à vontade com alguém, em liberdade. Carol só conseguiu entender a relação que viveu depois que passou por tudo. Hoje em dia, valoriza o quanto ela e a Sofia podem ser quem são na rua, nas redes sociais, podem pegar na mão quando saem pela cidade. E aprende diariamente a viver uma relação saudável, a superar os traumas e a não querer pesar as coisas. Adora a rotina agradável que vivem. Ambas mudaram muito suas visões sobre o amor depois que passaram a se relacionar. Não são muito próximas de suas famílias e nem possuem um número extenso de amigos, mas os que existem são pessoas que amam, confiam, que estão na vida delas há anos. Entende respeitar o tempo de cada pessoa, o limite das coisas, é o essencial para que tudo dê certo. Querem um amor leve, que conversa e que entende. ↓ rolar para baixo ↓ Carolina Sofia

  • Jaque e Tainá

    Ao conversar com Jaque e Tainá no Pelourinho, em Salvador, nem imaginava que minutos depois ao fazermos as fotos iria rolar o pedido de noivado delas. Nada estava combinado, seria uma surpresa da Jaque para Tainá e ela aproveitou uma ida ao banheiro para me contar (e perguntar se era possível que eu registrasse entre uma foto e outra). Achei a ideia maravilhosa e a cara do Documentadas. Assim, em meio ao inesperado, perguntei mudando de assunto repentinamente, o que elas pensavam sobre o amor: Tai explica que desde a primeira vez que o projeto chegou para ela, por conta de algum repost de conhecidos no Instagram, pensou sobre a potência do amor entre mulheres. Refletiu as suas vivências. Conta que já vinha trabalhando e entendendo o feminino, pensando nas mulheres ao seu redor, no quanto vivencia isso diariamente enquanto a maternidade, o trabalho, o relacionamento… Sente que as mulheres precisam cuidar uma das outras porque nosso amor é muito potente. E, por mais que tanto tenha demorado para pensar sobre sua sexualidade, hoje em dia entende o quanto é importante conhecermos nossos desejos. Tai passou o maior período da sua vida silenciando suas vontades, não se questionando e nem se permitindo nada por conta da sua criação, sempre fez o que mandavam fazer e hoje, ter uma vida cada vez mais livre, é também um ato de amor. Jaque completa que o amor está nesse insistir, na disposição. Nem sempre vai ser feliz, alegre, porque existem dias muito difíceis e por isso tentam buscar calma uma na outra. Conta o quanto admira na Tainá todo o feminino que ela carrega e no quanto juntas confiam nas mulheres. Para Jaque, o amor está em todas as ações diárias. ​ Jaque e Tainá hoje em dia moram em Camaçari, região metropolitana de Salvador. Tainá, no momento da documentação, estava com 28 anos. Trabalha enquanto enfermeira na maternidade e num hospital em outras alas. Depois de muitos anos foi chamada para um concurso que passou, por isso, decidiu fazer a mudança para Camaçari - ou melhor, para Abrantes, cidade vizinha. Lá, mora com seu filho, de 4 anos. Jaque, no momento da documentação, estava com 35 anos. É professora de história, dá aula para os alunos do ensino fundamental e médio, mas no momento está afastada pois trabalha com assessoria política, é vice-presidente do Partido dos Trabalhadores em Camaçari e também estuda direito, está quase completando a graduação. No tempo livre, elas adoram estar no Pelourinho. Saem para comer, gostam de ir em sambas, beber cerveja e falar besteiras sobre a vida. Também não abrem mão do descanso, afinal, ser mãe é algo muito cansativo. ​ Foi através da irmã mais velha de Jaque que ela e Tai se conheceram, Tai trabalhava na Prefeitura de Camaçari e a irmã de Jaque era sua chefe. Elas saiam bastante, eram bem próximas e no último carnaval antes da pandemia de Covid-19, em 2020, ela conheceu Jaque. Na época, não tinha clareza sobre sua sexualidade, nunca tinha ficado com mulheres e nem cogitava isso. O tempo foi passando, saíram juntas várias vezes, Jaque inclusive iniciou relacionamentos com outras pessoas e Tai foi passando pelos processos de entender melhor a sua sexualidade. Em 2022, Jaque viajou e mandou fotos da viagem num grupo de amigas que possuem em comum. Foi aí que Tai começou a ver as fotos e entendeu que sentia algo diferente por ela; Assim, decidiu investir, mandou algumas mensagens em tom de brincadeira pedindo presentes da viagem, o presente em específico era “Um crush ou uma crush” e Jaque gravou essa mensagem, foi algo marcante para ela. Na versão da Jaque, desde o começo conta que achou a Tai muito bonita, mas nunca cogitou nada porque a via apenas como a amiga hétero da sua irmã. Foi naquele período em 2022 que uma amiga em comum comentou com ela que, pelos comentários da Tai no grupo, parecia que ela estava dando em cima, e ela entendeu que nunca tinha percebido. Começou a dar bola, e depois, quando voltou de suas viagens, a chamou para ir ao Pelourinho numa sexta-feira. ​ Acontece que, no dia que marcaram o samba no Pelourinho como primeiro encontro das duas, acabaram se vendo mais cedo na hora do almoço sem querer entre o pessoal do trabalho da irmã da Jaque. Elas reagiram como se nada fosse acontecer mais tarde, o que deixou Tai muito insegura, pensou até que o encontro não fosse mais acontecer. Mas aconteceu, se viram e Jaque fez diversos interrogatórios para ela, perguntando por qual motivo ela estava desejando se relacionar com uma mulher logo agora. Jaque explica que os interrogatórios não foram à toa, nem para constrangê-la, mas por querer entender de fato. Não gosta de ser objetificada por mulheres héterossexuais e nem ser usada como experiência, queria entender em que pé estava isso, essa “dúvida” e se poderia confiar no que estavam sentindo. Acabou que conversaram a noite toda e ao final do encontro se beijaram. Refletem, nesse processo, o quanto Jaque era de fato uma pessoa muito travada no começo. Se via de forma muito reservada. Foi/é um processo muito difícil de se abrir, Tai foi incentivando que ela se permitisse o ritmo da relação, desde sair nas ruas de mãos dadas para ir em lugares simples como a padaria, até conversar sobre os sentimentos básicos, desde coisas pequenas até grandes acontecimentos. ​ Tainá conta o quanto “os sentires” foram diferentes. Tudo foi muito diferente do que ela já havia sentido e vivido, tanto no físico quanto no emocional. Primeiro, porque Jaque já conhecia muito sobre a história dela e ela já conhecia muito sobre a história da Jaque, então o quanto já se acompanhavam falava muito sobre seus medos, traumas, confianças… A relação ajudou a olhar de outra forma para a amizade que já possuíam, nas palavras dela, foi como dizer: “Tô aqui para você, mas precisamos ir juntas.” Jaque acrescenta o quanto sempre foi de falar sobre todos os assuntos do mundo, menos sobre o que está doendo nela. Então o esforço que Tainá precisava fazer, principalmente no início, foi muito grande. Um grande exercício de conversa. Jaque nunca foi criada na forma verbalizada do “Eu te amo”, mas sim na ação de fazer a comida, de cuidar, de ter as roupas limpas, a casa acolhedora… Fala do quanto viveu com a casa cheia, muitos militantes, o pai sempre foi militante e sempre acolhia os outros, então aprendeu a amar assim, na solidariedade, na ajuda e na caridade. Se fortalece na ideia do amor enquanto algo comunitário. E aprende diariamente nos esforços com a Tai que amor não é só tato, olfato ou audição, é uma mistura de tudo. Para Jaque, a relação que ela vive hoje ensina a amar melhor. Tai conta sobre suas vivências familiares e o quanto o amor pra ela às vezes pode ser diferente do que aprendeu, por isso, tenta dar a melhor educação para o seu filho (que as aceita e vê o relacionamento delas de forma natural), fazendo com que ele entenda o papel dos homens na sociedade, seja educado, respeitoso e assuma as tarefas de casa. Além disso, não quer mais entender o amor enquanto posse ou eterna gratidão, quer uma ressignificação do sentimento, ser ela mesma e ser amada da forma que é. Não quer ver as pessoas sendo donas uma das outras, ver o amor sendo desgastado enquanto relações tóxicas. Fica feliz por ter encontrado um relacionamento diferente de todos os outros que já viveu e por isso tentam sempre entender uma à outra, ouvir, conhecer e viver cada vez mais o que desejam. ↓ rolar para baixo ↓ Tainá Jaque

  • Taynah e Estrella

    Particularmente falando, fazer o texto da Taynah e da Estrella foi um dos mais difíceis que já fiz no Documentadas, visto que a Taynah é uma das minhas melhores amigas (e inspirações!) dessa vida. Desde muito antes de lançar o Documentadas eu compartilhei com ela essa ideia, quando o projeto ainda não tinha nome (ou pior, tinha um nome bem ruim, rs. fases). Além disso, sempre brinquei também: “Agora você precisa arranjar alguém para aparecer no site, né amiga?!” Pois bem. Fui embora de Porto Alegre no dia 7 de março de 2021 para que o Documentadas lançasse no dia 10, no Rio de Janeiro. Naquele dia, a Estrella tinha acabado de chegar na casa da Taynah e foi naquela semana que o relacionamento delas começou. Hoje, subir essa história na plataforma e ver minha amiga de tantos anos, que admiro e que representa tanto na militância lésbica brasileira, com sua companheira, amando e sendo feliz, é, para mim e para todas nós, sim, um marco muito potente. Que vocês sejam felizes e que amem muito! ♥ Agora que já dei uma breve introdução sobre o assunto, rs, posso também dar uma introdução sobre quem é a Taynah e quem é a Estrella. A Taynah estava com 25 anos no dia que fizemos as fotos. Ela trabalha como militante, política há muitos anos e representa o PSOL em espaços como a Assembleia Legislativa. Dentro do partido, ela fica responsável pela produção de eventos e diversas outras tarefas. Ela é natural de Gravataí, região metropolitana de Porto Alegre. Toda a família mora em um sítio e ela brinca que fugiu de lá para militar. É toda da área de exatas, mesmo debatendo o tempo todo ciências políticas. É também uma pessoa bruta, muito justa, com um jeitão fechado, mas um coração gigantesco que na primeira oportunidade tá soltando uma gargalhada. A Estrella estava com 23 anos no dia que fizemos as fotos. Ela é estagiária de direito e também atua o tempo todo enquanto militante. Nasceu em Pelotas, no interior do Rio Grande do Sul, e por mais que grande parte da sua família mora lá, ela reside em Porto Alegre. Estrella adora coisas manuais, como tricotar e bordar. Também adora passar parte do dia com os seus cachorros, o Banguelinha e o Guri. ​ A Estrella conta que tem como referência uma amiga, a Carlinha, que é amiga de militância e uma figura importante na vida das duas (não só enquanto um casal), é alguém que a inspira. A Taynah completa que para ela, as referências femininas estão por perto também, são a Gabi e a Mari, duas dirigentes que possuem um nível de militância e organização política que ela almeja ter. Foi impossível desvincular nosso papo do dia a dia militante em que elas estão inseridas. Foi na militância que elas se conheceram. Não lembram o momento em si porque foi cotidiano, há bastante tempo atrás. Mas foi um pouco antes do ano novo, já durante a pandemia, que elas se aproximaram. Um grupo de amigos em comum, do mesmo coletivo, não tinha onde passar o ano novo porque estavam num momento ruim financeiramente. Eles já se encontravam na casa da Taynah com frequência porque ela costuma receber amigos, mas não queriam ficar lá durante a virada de ano. Alguns desses amigos jogavam vôlei na orla do guaíba para movimentar o corpo durante a pandemia e teve um dia que a Estrella apareceu por lá... Depois do volêi foram todos para a casa da Taynah e ficaram jogando UNO, lá, elas contam que a Estrella deu a “primeira pedrada”, ou seja, lançou o primeiro flerte. Assim, de cara. Na época ela estava saindo de um relacionamento, colocou um ponto final. Nisso, o pessoal passou um tempo reclamando de relacionamentos, ou melhor, de homens. Foi aí que a Taynah falou, “Ah, com mulher também não é fácil!’’ e a Estrella respondeu “É, porque tu não namorou comigo ainda.” e depois de soltar isso ela foi embora. Sim, ela só falou isso quando já estava indo embora. Os amigos até se assustaram de tão direto que foi. ​ Uns dias depois desse susto na saída, chega o famigerado ano novo. Todos foram para uma casa do irmão da Taynah, próximo do sítio em que a família dela mora. Eles chamaram os amigos e a Estrella foi incluída na lista. No último dia do ano novo elas ficaram, numa brincadeira de verdade ou consequência que foi a maior armação dos amigos (afinal, quem tem amigo, tem tudo né). [Eu, enquanto amiga, saindo um pouco desse caráter documentário, posso afirmar que só recebi uma mensagem dizendo assim “Amiga, a gente tem que fazer uma chamada pra eu te contar do Ano Novo!” E respondi com certo receio sabendo do histórico… “Aí… O que aconteceu?” “Aí, muitas coisas” (Risos). Então eu falei “Taynah, tenta dar uma explicada…” e ela foi me contar de CERVEJA. Posso com isso? Quando ela falou o nome da Estrella passei a entender tudo.] Um tempo depois, elas se encontraram novamente, no fim de janeiro, na casa de uma das amigas em comum, mas não se beijaram. Foram enrolando a situação por mais um mês, até que a Estrella foi novamente para a casa da Taynah, exatamente com as pessoas que estavam no ano novo, e finalmente elas ficaram. A partir do momento que elas ficaram, nunca mais desgrudaram. Foram ficando dias e dias juntas, a clássica história da paixão arrebatadora. Inclusive, existiu um super elaborado pedido de namoro, com a participação dos amigos [eu, Fernanda, que escrevo, inclusive, participei] muito lindo e brega. ​ É muito interessante e legal revivermos o brega, de um jeito ótimo, do pedido de namoro, visto que a Taynah sempre teve um bloqueio de não se jogar de fato nas relações, no sentido de sempre ser muito racional. O bloqueio chegava a ser um certo ranço de casais muito apaixonados, dizia que nunca iria viver algo desse tipo. Quando eu falava para ela aparecer no Documentadas, era uma gargalhada e um sinal negativo com a cabeça… E agora ela conta que é um relacionamento totalmente diferente do que já pensou viver. A única dificuldade encontrada é no trabalho e na militância excessiva, por conta das demandas de reuniões até tarde e espaços pequenos para estarem juntas. A Estrella brinca dizendo que às vezes elas precisam marcar na agenda… Marcar e dar uma enrolada, pra dar mais tempo de poder ficarem juntas. Sobre isso, especificamente, elas entendem que vivem fases diferentes dentro da própria militância, a Estrella está no que chamamos de “juventude”, que é algo muito mais dinâmico. A Taynah entende que ela tem que passar por essa parte do trabalho, viver e aproveitar mesmo, inclusive porque não é um problema pra ela militar demais, que admira e também trabalha, mas que precisam entender os limites delas também para que possam ficar juntas um tempo. Esse limite está em não pegarem no celular quando estão aproveitando o tempo unidas, terem um vínculo de conversas ativas, de aproveitar o que gostam e de se doarem à relação. Estão sempre bebendo uma cerveja juntas, jogando um UNO com os amigos, cuidando dos cachorros, jogando jogos online e assistindo Greys Anatomy ou outras séries. São momentos só delas, que elas fazem de tudo para aproveitar esses detalhes. ​ Dentro da militância LGBT, a Taynah teve muito contato com diversos âmbitos diferentes sobre as nossas pautas e ela fala da importância de coisas mais básicas, como a escola e a educação para a diversidade, desde coisas mais pontuais, como os abrigos para LGBTs expulsos de casa. Ela entende a necessidade de um abrigo que dê teto mas que também forneça formação, atendimento psicológico e social, faça o trabalho completo. E um serviço que seja feito pelo estado, por mais que existam ONGs, isso precisa ser oferecido pelo estado! Precisa ser visto como um direito. A Estrella fala sobre esse ser o primeiro relacionamento dela com uma mulher e como isto abriu o olhar para algo dentro da própria maneira de militar, porque ela sempre foi do movimento feminista, mas nunca atuou diretamente em pautas LGBTs. Quando a Taynah falou sobre os abrigos para LGBTs, na mesma hora ela pensou sobre e chegou à conclusão de que no Rio Grande do Sul só tem 14 casas para abrigar mulheres, enquanto LGBTs não há nenhuma. “E a mesma importância que eu dou hoje pra mulheres, porque é onde tô mais inserida na militância, seria o mesmo apontamento que eu daria pra LGBTs porque eles sabem da realidade serem expulsos de casa e não terem nenhum tipo de assistência, seja familiar ou social.” ​ Por fim, para a Estrella, o amor está muito baseado na compreensão, no respeito e na confiança. A compreensão de entender as necessidades do outro, entender o que o outro está passando e querer ajudar. Sem que isso seja uma obrigação, mas por querer ver a pessoa bem. Independente da pessoa ser namorada, amiga ou família. Respeitar a própria personalidade da pessoa, saber respeitar, lidar e mediar. A Taynah conta que por ser uma pessoa lida enquanto bruta, ela nunca encontrou o amor no afeto carinhoso. “Acho que o amor é muito mais na doação do que tu tem em relação a outra pessoa. Então por isso, concordo muito com a Estrella sobre a questão de fazer com que a pessoa se sinta bem, de evitar magoar as pessoas ou se doar mesmo de uma forma pra sociedade, né?”. Ela fala que enquanto vivermos em sociedade, estamos sempre compartilhando, mesmo que num mundo que compete o tempo todo. “Pra nós é diferente o afeto que é ensinado e colocado. Eu acho que é uma coisa totalmente diferente, e eu apesar de ser uma pessoa muito racional, também sinto muito. Sou uma pessoa que sente bastante. Acho que talvez o amor entre mulheres seja um amor revolucionário de fato. Não só de uma frase feita, né? É uma relação onde tu tem que te explicar o tempo todo, te afirmar o tempo todo e por isso acho revolucionário mesmo. Porque tipo, eu já milito há oito anos e faz sete que eu saí do armário e eu não vivi um dia até hoje onde eu não tivesse que me afirmar.” Estrella Taynah

  • Bruna e Manô

    Quando pergunto sobre o amor entre mulheres, Bru diz que sente o amor entre mulheres ser muito diferente que os demais relacionamentos na sociedade. Não só pelo cuidado e pelo respeito, mas sobre saber escutar, tentar e compartilhar as necessidades. Manô diz que o amor em geral, para ela, é ter segurança. É acolher e é sentir algo que te nutre para enfrentar outras coisas na vida. Além disso, o amor entre mulheres é uma força da natureza absurda. “Tem uma conexão absurda, são vivências diferentes, realidades diferentes, mas ao mesmo tempo vão se complementando e se identificando.” Ela conta que se encontrou enquanto pessoa quando começou a se relacionar com mulheres, e isso implica não só conexões românticas, mas relacionar-se com mulheres no dia a dia, no afeto, na amizade, no cuidado. Brinca que é uma conexão mística, uma sintonia e construção de relação diferente de qualquer outra. Falam sobre como é ocupar a rua enquanto uma mulher lésbica também, o medo que sentem por não performarem feminilidade “é como se agredissemos os olhos desses homens”. Ao mesmo tempo que muitas vezes vem um sentimento de só querer rebater o preconceito, em outros momentos se sentem muito fragilizadas. Bru comenta sobre o medo que sente com coisas que deveriam ser tão básicas, como usar um banheiro público, por conta da alta violência... e ambas entendem que as coisas só vão mudar realmente quando mulheres feministas ocuparem espaços de poder, porque a cidade é pensada por quem está ocupando esses espaços. Elas decidiram morar juntas há bastante tempo e a decisão surgiu pela facilidade de locomoção, apoio financeiro e melhoras no relacionamento. A Bruna morava mais distante do centro, numa casinha no terreno da família e Manô foi para lá também, não precisariam pagar aluguel, mas reformaram a casinha e deixaram mais confortável. Na pandemia, por alguns problemas familiares, a mãe dela passou a morar na casa também. O espaço foi ficando mais apertado, mesmo que elas tivessem acolhido a mãe e estabelecido algumas regras para a casa. Contudo, sabemos que não é fácil passar por tempos de pandemia, com todas dentro de casa, o dinheiro curto e sem perspectivas de melhora, então a questão da convivência foi ficando insustentável e elas decidiram sair de lá. Foram acolhidas por dois amigos num apartamento na Cidade Baixa, no centro de Porto Alegre. Ficaram na casa dos amigos por alguns meses, até conseguirem o apartamento em que estão morando agora. Hoje em dia dão muito valor à ele, cuidam bastante, contam como foi muito batalhado conseguirem achá-lo, se mudarem, decorarem com a carinha delas… esse espaço significa um lugar de empoderamento, em que ninguém pode falar nada para elas, é a zona de conforto, o lugar onde o preconceito não entra. Sabe aquela história de rebuceteio bem bem bem clássico? então, aqui temos. Bruna e Manô se conheceram porque ambas possuem uma ex em comum. Manô terminou com uma menina e Bruna começou a namorar a mesma, logo depois, mas elas (Bru e Manô) não se conheciam. Foram se conhecer pessoalmente quando trabalhavam em bares vizinhos e a Bruna, com seu grupo de amigos, vivia frequentando o bar que a Manô fazia uns trabalhos de vez em quando. Decidiram investir em um ‘acordo de paz’, já que, mesmo que ela fosse a atual da ex, não tinha motivo para não conversarem e gerar climão nesses momentos… então criaram uma amizade. Com o tempo, o relacionamento da Bru com a menina desandou consideravelmente, ela não se sentia bem, não estavam conseguindo se comunicar, conversar… uns dias se passaram e numa das saídas entre os bares vizinhos, ela e Manô sentiram algo. Ficaram em um dia, não foi nada combinado, mas na próxima vez que a Bru viu a menina resolveu terminar o relacionamento, não sentia mais motivos para seguir. Depois disso ela ficou com a Manô durante um tempo, meio que sem ninguém saber, até que no dia dos namorados (ou melhor, das namoradas), assumiram o novo namoro. Manô tem 25 anos, é psicóloga e ativista social/uma das coordenadoras da ONG Somos (um grupo situado em Porto Alegre (RS) que realiza ações transdisciplinares, tendo como base os direitos sexuais e direitos reprodutivos) e trabalha no SUS atendendo pessoas que vivem com doenças sexualmente transmissíveis e AIDS - um projeto que traz, através da psicologia, a importância do tratamento, incentivando os novos pacientes a participarem e resgatando os que, por algum motivo, abandonaram. Bruna tem 29 anos, é bartender e sempre trabalhou com bares e eventos. Fez diversos cursos, ama essa profissão. Hoje em dia descobriu também a gastronomia, uma nova paixão. Aprendeu a equilibrar a comida com os cocktails e durante a pandemia desenvolveu uma empresa para vender comidas veganas. Bru fala sobre o quanto pra gente ser ‘bem sucedida’ tem que dar muito mais corre, ainda mais ela enquanto uma mulher negra sapatão trabalhando em um dos melhores bares de Porto Alegre. Ela está sempre se superando, sempre batalhando, sempre melhorando expectativas. Enquanto a militância é o maior “hobbie” da Manô (viver entre reuniões e eventos), Bru conta que sua vivência sempre foi mais longe do movimento - e isso faz com que sua verdade seja o que ela vive diariamente nas ruas, nos lugares, fora dos meios acadêmicos. Manô fala sobre querer estar em espaços mais lésbicos, porém entende que muitas ONGs sempre são, em sua maioria, compostas por homens gays... e justamente por isso quer seguir ocupando esse espaço. Não quer que as mulheres fiquem em lugares mais afastados, mas sim que estejam debatendo e construindo o movimento LGBT como um todo. Manô Bruna

  • Bruna e La Salle

    A Bruna é uma mulher que sempre quis uma relação leve, alguém que a acompanhasse nas suas aventuras de nômade pela vida e que as coisas fluíssem de uma forma sem brigas ou super cobranças, mas achava que isso seria praticamente impossível de encontrar, até que conheceu a La Salle. Inicialmente, foi através de um match num aplicativo de relacionamentos que se encontraram, mas moravam há mais de 200km de distância (entre Curitiba e Ponta Grossa, no interior do Paraná) e decidiram uniram o útil ao agradável: a Bruna procurava uma personal para fazer atividades durante a pandemia e a La Salle fazia atendimentos online, então começaram a ter uma relação profissional de treinos online. Durante seis meses se encontravam online, treinavam e também conversavam sobre outros projetos: a Bruna propôs uma ideia de criar uma academia voltada ao corpo enquanto uma ideia sexual, no sentido de valorizar a sexualidade dos corpos de forma consciente. Enquanto conversavam, Bruna chegou a pensar “Vou casar com essa mulher ainda!” mas o flerte não desenrolava muito porque a La Salle não dava muitas aberturas para além do contato profissional. ​ Não há como não começar essa história falando da forma que elas se conheceram - dessa vez, pessoalmente. Numa das idas até Curitiba, a Bruna, depois de 6 meses de trocas online com a La Salle, falou sobre elas se encontrarem para pelo menos se verem frente a frente. A questão é que tinham pouco tempo: cerca de 8 minutos, entre uma agenda e outra da La Salle, e o encontro seria dentro do próprio carro da Bruna. Elas confessam que os 8 minutos se estenderam um tanto a mais, porém, naquele dia não se beijaram, mesmo com os flertes diretos da Bruna e assim ela voltou para Ponta Grossa sofrida, meio indignada que não tinha dado certo. Quando a La Salle percebeu que a Bruna iria desistir do flerte, resolveu abrir mão. Marcaram um segundo encontro e, como Bruna é muito religiosa, resolveu ir até o seu pai de santo consultá-lo para saber se esse casal tinha chances de dar certo. Aí veio a surpresa: ele disse que sim, que elas seriam bastante felizes juntas, mas que um acidente de trânsito iria acontecer e deixaria a La Salle sem o movimento das pernas. Pensando nas viagens e na distância que moravam uma da outra, não teve escapatória: o segundo encontro foi no terreiro, para benzer as pernas da La Salle e fazer com que esse acidente jamais acontecesse. [e podemos dizer que, mesmo inesperado, deu certo, né?] ​ Depois da reza, comeram uma pizza com o pessoal do terreiro e finalmente deram o primeiro beijo - um beijo todo descompensado e errado, o que trouxe um segundo susto de “Isso não vai dar certo!”, mas nos beijos seguintes tudo se encaixou. Quando perguntei para a La Salle como ela se sentiu quando viu uma pessoa propondo um encontro para benzer as pernas dela, ela riu e disse que por mais estranho que soasse, ela reagiu de forma tranquila. Sua família sempre foi ligada à umbanda e sua avó ao candomblé, então sempre teve a religião por perto. Estava assustada com a questão do acidente, claro, mas não cogitou não ir até o terreiro. Depois disso, resolveram fazer um terceiro encontro: dessa vez, na casa da mãe da La Salle. Bruna levou algumas comidas que a mãe dela fez e fizeram um encontro-de-comidas-de-mães. Brincam sobre esse jeito nada convencional de começar algo ter sido muito gostoso porque fez ser único, nunca tinham experimentado algo assim e se sentem muito felizes de ter se permitido viver isso sem julgamentos. ​ No momento da documentação, a Bruna estava com 43 anos e trabalha na direção de uma agência de marketing que possui sede em São Paulo, mas divide base em Curitiba já que muitos clientes são de lá. Quando ela morava em Ponta Grossa, também era por causa do trabalho e, mesmo não sendo natural do Paraná, ela adora a vida de nômade que leva com muitas mudanças e se permitindo estar em lugares diferentes. La Salle estava com 24 anos, ela é formada em educação física e atualmente cursa nutrição. Como trabalha com consultoria online e suplementação, isso também possibilita que possa estar em outros lugares, não necessariamente em Curitiba. Sendo assim, logo depois do começo do namoro, resolveu que se mudaria para Ponta Grossa e passaria um tempo com a Bruna. Quando chegou lá, a Bruna morava em um apartamento gigante e não tinha móveis, tudo era meio encaixotado e ela vivia lá com os gatos. A La Salle chegou com as coisas dela, a cachorrinha de estimação e foi trazendo também decorações, elas foram comprando móveis juntas e transformando o lugar em um lar de verdade. Depois de alguns meses, a mãe da Bruna teve um problema de saúde e foi para Ponta Grossa também para morar com elas. Bruna conta que a vida dela sempre foi intensa então não tinha porque ser diferente nesse momento de início de namoro. ​ Quando chegou o momento de se mudar de Ponta Grossa, decidiram: “Vamos casar aqui”. Entendem que o relacionamento fluiu muito bem lá, elas adoravam a cidade e tudo o que viveram lá faz parte da história delas, então não encontravam um lugar que mais combinaria com a cerimônia do que estar lá. O único problema é que nenhum convidado morava lá. Isso fez com que os convidados que realmente confirmassem presença mostrassem o quanto amavam elas. No fim, deu tudo muito certo! Até hoje os convidados relembram do dia contando que foi o melhor casamento que já vivenciaram. A cerimônia aconteceu de forma religiosa numa cachoeira, com os pés dentro d’água, só com os padrinhos presentes - e depois, em forma de festa, num espaço aberto e super diferente, com os padrinhos vestidos com as cores do arco-íris e tudo pensado nos mínimos detalhes. A Bruna entende que o amor é a base de qualquer relação humana e que para ele acontecer é preciso muita doação. Quando pensa nas outras relações que teve, lembra que se sentia cansada de só doar e nunca sentir que recebia algo em troca, e talvez por isso conviver com a La Salle seja tão diferente: é muito equilibrado. Ela acredita que o amor entre as mulheres é uma base forte na sociedade, visto que a mulher é de fato a base da sociedade e quando uma mulher ama ela faz algo revolucionário, ela constrói e também desconstrói diversas coisas ao seu redor. ​ Elas entendem que ser quem são e amar quem amam não é uma opção e para entender isso é preciso muito trabalho sobre a autoaceitação. La Salle vê a homossexualidade de forma tão normal quanto a heterossexualidade e trata o amor sempre enquanto universal. Porém, na sua vida, passou por diversos enfrentamentos à desigualdade. Já foi atleta profissional de fisiculturismo e depois de se assumir perdeu diversos seguidores e apoiadores, e se sentiu completamente desvalorizada. Até hoje, dentro da sua profissão, é muito difícil ser uma mulher entre os espaços predominantemente masculinos. Na universidade, por exemplo, sempre precisa tirar uma nota muito alta para mostrar que sabe sobre o conteúdo e por vezes é desvalorizada pelos próprios professores homens já que é uma das únicas mulheres da turma. Entende que é preciso seguir para ocupar os espaços de poder no meio acadêmico e mudar isso, incentivar que mais mulheres estudem musculação, suplementação, nos mostrar enquanto uma nova alternativa e trazer novos projetos com a sua presença. Bruna, dentro da diretoria de uma empresa, fala sobre a importância que sabe que o seu papel têm na representação e na busca por mais diversidade. Hoje a empresa é comandada por três mulheres, mas luta por estar sempre num ambiente mais inclusivo. Ela acredita no poder do cuidado - seja com a natureza, com os bichos ou com os humanos - e acredita que todos devem ser respeitados. Por fim, ela diz: “Desde pequenos passamos por um processo muito dolorido para nos encontrarmos. Passei por momentos que não conhecia ninguém gay, foi muito solitário me encontrar enquanto uma mulher lésbica. Se o mundo fosse mais acolhedor esse processo seria mais fácil”. ↓ rolar para baixo ↓ La Salle Bruna

  • Bruna e Sophia

    Sophia quando pensa em inspiração vem logo a mãe dela na cabeça porque sempre foi a figura que representa todas as superações ao decorrer da vida (beijo, dona Maria Antônia!). Bruna também fala muito sobre a mãe e sobre a bisa - a pessoa que ela mais admira. Pensar na bisa é pensar na paz - era uma pessoa muito boa e querida por todas as pessoas, cujo também pensam nela com esse carinho enorme. A família delas têm lidado de forma respeitosa, tentando, aos poucos, entender. Elas também dão esse espaço e o tempo delas processarem as coisas. A mãe da Bruna hoje em dia adora a Sophia e até sente um pouco de ciúme. E o pai da Sophia chamou a Bruna para passar o último natal na casa deles. A relação delas é formada por uma comunicação muito aberta, falam sobre as outras relações, os traumas de vida, criam laços de fortalecimento. Acreditam que o amor é físico e inatingível. Sentem o amor e consideram algo muito sagrado - por ser imaterial mas por você conseguir sentir. “É um sentimento com vida própria”. Antes da pandemia voltaram mais uma vez ao MAM, durante uma abertura de exposição. Fizemos questão de fotografar exatamente no local que aconteceu o primeiro beijo, naquele quadrado, cheio de memória afetiva. Cantarolei Minha Pequena Eva enquanto fotografava. Conversamos muito sobre o nosso corpo ser político enquanto mulher lésbica e tudo o que isso envolve. Elas acreditam que o amor entre mulheres envolve um cuidado muito maior e acreditam que as relações requerem sempre uma manutenção, uma atenção diária. “O amor entre mulheres é algo que vem na gente, porque ninguém nunca nos ensinou como amar as mulheres, você apenas sente, e então ama”, diz Sophia. Ela comenta que não sabe olhar para o corpo de uma mulher como olham os homens e que já ouviu amigos falando “pô, então você nem gosta de mulher tanto assim, se não acha ela gostosa, se não olha pra bunda...”, e mesmo que ela saiba que isso não signifique nada, entende que ela não liga pra isso porque ela nunca foi ensinada a gostar de mulher como os homens são, ainda jovens, de acordo com o patriarcado - ou seja, não existe regras para nós gostarmos de mulher, nem manual de instruções, porque nem nos consideram (nós, mulheres que se relacionam com mulheres) dentro do sistema patriarcal. A Bruna conta que amigos homens já fizeram ela parar de trabalhar para olhar mulher bonita passando... e que o sentimento sentido foi de desrespeito e desconforto. Bruna contou que uma cidade feliz e ideal para ela seria uma cidade da qual ela possa andar na rua sem medo - que ninguém olhe feio, solte comentários quando ela passa. Ela quer andar com paz. Desde pequena ela se entende enquanto mulher lésbica e comenta que na escola, quando perguntavam o menino que ela gostava, dizia logo o nome do mais bonito e disputado, para assim ficar no canto com um descargo de consciência por saber que ele não daria bola para ela. Sophia tem 21 anos e é lojista, mas cursa Cenografia. É aí que acontecem seus trabalhos no carnaval: ajudando a montar os carros alegóricos. Bruna tem 21 anos também, é cozinheira em um restaurante na Barra da Tijuca, mesmo morando em Niterói - e faz essa jornada diariamente. Ela tem uma cabeça muito aberta, fala sobre amor, diz que amar é muito diverso e que quando você percebe, já aconteceu. Ela demonstra muito cuidado com a Sophia, principalmente cozinhando as comidas favoritas dela e fazendo receitas bem elaboradas (leia-se, um pão cor de rosa, com massa natural, porque é a cor favorita dela…………. pois é, não tem coração que aguente ler isso, foi difícil pra mim também segurar a vontade de abraçá-las). Ambas amam maquiagem e seu maior hobbie é fazer vídeos para o tiktok. Estão na rede social desde antes do grande boom durante a pandemia. Inclusive, vale citar, que o pedido de namoro foi feito por lá, já que estavam separadas pela quarentena. Carnaval no Rio, dia de chuva, tinder ligado, glitter no corpo, bloco lotado, passando pelo Museu de Arte Moderna (MAM). Imaginou a cena? Quando a música toca embaixo do concreto do MAM o eco é imenso. Você sente seu corpo todo tremer. Pessoas em cima de pernas de pau dançam ao redor no espaço entre a grama e a calçada. Ali, tudo faz sentido: de fato, é carnaval no Rio. Foi assim que Bruna e Sophia se conheceram pela primeira vez, entre chuva, tinder e bloco. Se encontraram no meio da multidão… e sabe o que faz tudo ser tão característico de uma cena real do carnaval? o primeiro beijo ter sido ao som de Minha Pequena Eva, contando com todas as pessoas ao redor cantando e pulando muito. Acho que uma das coisas mais instigantes nessa história toda é que a Sophia era crítica assídua do Tinder. Dizia que jamais serviria para algo e que não dava para esperar nada “dessas pessoas”. Melhor ainda é o fato de que elas moram muito longe uma da outra, se encontraram porque foi um dia do qual a Sophia foi até o centro da cidade e assim que a Bruna apareceu ela deu ‘like’ pensando: é bonita, mas sei que não vai dar em nada. A Bruna, pelo outro lado, assim que descobriu que a Sophia trabalhava em um barracão de escola de samba já queria pedir logo em casamento. Apaixonada pelo carnaval e pela Sapucaí, ficou empolgada ouvindo as histórias que Sophia contava. Bruna Sophia

  • Thati e Larissa

    Conheci a Thaty e a Lari no Parque Ibirapuera, em São Paulo, numa tarde de sábado. Estávamos andando, nos apresentando, quando a Lari disse: “Foi aqui que eu caí depois de beijar a Thaty pela primeira vez.” e eu perguntei “Mas caiu, caiu? Ou caiu, tropeçou?” e ela contou que caiu, mesmo, se ralou e teve que fazer curativos. Na hora, pensei: ok, quero muito ouvir essa história. Mas não vou começar por ela porque o começo se começa pelo começo, e, nesse caso, demorou um pouquinho até o beijo (e a queda no parque) acontecerem. A Thatiely e a Larissa trabalhavam juntas na TV Cultura, mas em horários diferentes. Elas se encontravam de vez em quando, a Thaty era estagiária de jornalismo e a Lari já estava lá há mais tempo. Na versão da Thaty, ela conta o quanto nunca tinha se visto numa relação com uma mulher porque vinha de uma cultura muito hétero (e especificamente “hétero top”), além de que naquele momento estava priorizando o estar-sozinha, por ter passado por um relacionamento bastante difícil do qual saiu bem machucada. O período que passou sozinha foi muito importante para aprender o que aprendeu e também para ver as coisas sob um novo olhar. Eis que, nesse meio tempo, ela encontrava a Larissa e sempre chamava atenção, por usar turbantes bonitos e brincos grandes, nas suas palavras: “É uma pessoa que chama atenção”, mas o olhar da Thaty para ela mesma, até então, não era o de ficar com uma mulher a ponto de ter um relacionamento… ou, pelo menos, ela não estava colocando nenhum rótulo na sexualidade - beijou mulheres em bares e foi entendendo o processo, se aceitando, afinal, foram 25 anos vivendo sob outro olhar e outra cultura, entender a bissexualidade era um tempo novo. ​ Era janeiro e a Thaty trabalhou em um sábado - dia que ficavam pouquíssimas pessoas trabalhando, entre elas, a Larissa. Elas conversaram e surgiu o interesse, mas não sabia se era uma amizade ou uma paquera. Até que se adicionaram no Instagram, trocaram reações e quando chegou o carnaval elas tiveram a oportunidade de ir juntas num bloquinho com os amigos do trabalho. A Lari estava vivendo o momento dela sendo solteira no carnaval, ela conta que só se relacionou com mulheres na vida e foram poucas pessoas, então tinha recém saído de um relacionamento longo também, queria aproveitar o momento. A Thaty brinca que ficava não só observando, mas também se questionando, porque nunca tinha chego em ninguém. Na realidade heteronormativa em que ela estava inserida o costume era que os homens tomassem as iniciativas de chegarem até as mulheres, então ela não sabia como dar o primeiro passo com a Lari. Uma amiga até ofereceu ajuda, mas ela não quis, decidiu chegar lá e falar, mas na hora a Lari nem ouviu o que ela tinha pra dizer, as duas se beijaram logo. ♥ Porém, era um beijo de carnaval, né? No meio de um bloco acontecendo. Nesse mesmo dia elas beijaram outras pessoas - e por mais que a Lari em um momento tenha pego na mão da Thaty ela ainda brincou com um “Não me ilude, não!!”. Foi nessa hora que veio ele: o tombo. A Lari caiu porque estava muito bêbada e apostou corrida com uma amiga. Coisas de carnaval, né?! A Thati estava plena, disse que tinha um curativo e pediu pra eu escolher um machucado pra colocar, ou seja, eram vários. A Lari pedia: “Cuida de mim”, pra Thaty. E de alguma forma, deu certo o cuidado. ​ Logo depois do carnaval a Thaty entrou de férias porque a melhor amiga dela estava tendo um neném e ela queria ajudar nos primeiros dias pós parto. Foram 15 dias sem ir trabalhar e, nesses dias, a Lari passou a trabalhar de manhã, no mesmo horário que ela trabalhava. Quando voltou das férias elas estavam sentadas numa mesa lado a lado, e por mais que isso inicialmente tenha despertado uma esperança, aos poucos foi fechando porque a Lari é uma pessoa bastante séria no trabalho. A Thaty justifica dizendo que a seriedade vem dela ser de capricórnio, porque leva o trabalho com muita lealdade, ficando muito fechada. Mas, como ela é mais tranquila, acabava conseguindo puxar alguns papos e distrair, então elas conversavam um pouco ali e continuavam a falar também pelo Instagram - além disso, todos os colegas incentivavam e apoiavam o casal que parecia surgir. Ainda sobre trabalhos, a Lari, no momento da documentação, possui 25 anos e é natural de São Paulo, ela trabalha como roteirista de audiodescrição, além de dar aulas de espanhol e fazer trabalhos com surdos e cegos. No cotidiano, também estuda para sua meta de vida, que é prestar mestrado em literatura (e, inclusive, dá aulas de literatura também em um cursinho pré-vestibular: o Maria Carolina de Jesus, que fica na capital). Já a Thaty, no momento da documentação estava com 26 anos, é natural de uma cidade chamada São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. Thaty trabalha com marketing e experiência/expectativa do cliente em uma startup de alimentos e também dá aulas no cursinho pré-vestibular, porém de Redação. Atualmente, ela cursa Letras na Unifesp, mas já cursou jornalismo e odontologia em outros momentos. Por mais que ela acredite no poder da comunicação e usa muito isso nas suas aulas, não vê mais o jornalismo como uma profissão para si - pois entende que é muito difícil trabalhar com o jornalismo de fato. Sobre a odontologia, ela ainda pensa em voltar (e a Lari incentiva) - por mais que saiba do cansaço que envolve a rotina - acredita que é algo que vale a pena e que vai trazer muito orgulho à família também. Além disso, complementa que um dos motivos para voltar é que o conhecimento é algo que ninguém tira de nós. ​ Foi com essa desculpa de muitos trabalhos e correrias que a Thaty resolveu pedir o Whatsapp da Lari para um projeto de audiodescrição. Por lá, durante a conversa, a Lari a convidou para o aniversário de um amigo em comum e novamente elas se encontraram, mas não ficaram juntas. Logo em seguida, a pandemia começou. E elas passaram todo esse momento inicial pandêmico conversando pelo Whatsapp e adaptando o trabalho para home office. Começaram com ligações à noite, o contato realmente aumentou até que a Lari foi até a casa da Thaty… e assim começaram uma relação que durava o período de se ver quinzenalmente. Até decidirem estar em um namoro, houve uma série de conversas sobre o que elas sentiam sobre isso, visto que a Thaty considerava que o período solteira após terminar uma relação era muito necessário para a pessoa se entender enquanto indivíduo, nos seus problemas íntimos. A Lari, por outro lado, queria viver de fato o romance, se entregar mais e se envolver. Rolou até aquela situação de confundir o ‘tchau’ com o ‘teamo’ e não entender o que está acontecendo de verdade entre elas. Mas foram se encaixando e conversando até chegar no ponto em que estaria tudo um pouco mais equilibrado… e então a Thaty foi apresentada para a família. ​ Ao mesmo tempo que ser apresentada para a família da Lari era um ponto, para a Thaty, envolver a família, era outra questão. A família dela não fazia a menor existência da possibilidade dela se relacionar com uma mulher - e enquanto não acordassem que isso era um relacionamento, ela não sentia a necessidade de contar. Até o momento em que virou um namoro, e aí entenderam que esse passo deveria ser tomado. A primeira questão foi a mãe reagir como uma fase. Entendemos que é um processo familiar e que muitas pessoas passam por isso, que esse processo foi respeitoso sobre o que a filha sentia, mas que houve um certo afastamento - até certo ponto natural para o entendimento de cada uma com seus pensamentos. Contar para o pai que foi mais difícil, pois o passo teve que surgir de outra pessoa e a conversa não aconteceu de fato. Ela conta que, no fim, o processo não é tão doloroso por já não conviverem tanto presencialmente, já que mora em São Paulo há alguns anos. A única coisa que deseja - e luta - é por respeito, e por isso também respeita os processos familiares. Hoje em dia, a mãe dela já trata a Lari com bastante carinho, o que mostra que as coisas precisam de um tempo, e a mãe dela até brinca que as duas já estão se casando, com naturalidade. ​ A família da Lari passou por outro processo, visto que é uma família que está mais próxima do relacionamento das duas e que sempre manteve a Lari muito perto. Desde mais nova eles sabem da sexualidade dela e não foi de uma forma fácil, pelo contrário: foi muito mais abrupta. Mas, também, foram processos. Ela falou algumas vezes na conversa a frase: “A educação me salvou.”, referindo-se à faculdade como um processo de libertação. No processo do relacionamento elas já passaram por muitas coisas, entre tentativas de morarem nos fundos da casa dos pais da Lari, até uma maturidade e um crescimento muito rápido das duas juntas nos primeiros meses de relação. Aprenderam a ter mais cuidado com os outros, não só em relação à empatia, mas em relação ao cuidado com quem se envolve, pois tinham suas energias rapidamente sugadas. Aprenderam a acreditar e ter mais fé na religião, no que está em volta e a serem mais elas por elas, juntas. Hoje em dia morar na mesma casa não significa casar. E casar, principalmente para a Thaty, tem um peso gigantesco. Ela sempre quis casar. Quis e idealizou a vida toda casar com um homem, naqueles moldes que conhecemos, mas hoje está feliz com uma mulher. “Eu quero casar com uma mulher. Quero fazer festa, convidar pessoas que gostamos. Quero viver esse momento, sempre sonhei com esse momento e quero viver isso com ela.” Elas falam sobre a naturalidade do relacionamento que possuem e que querem refletir isso no casamento, mesmo sendo socialmente tratadas diferentes, sabem que o amor que sentem é puro e natural. ​ Por mais que existam idealizações no amor, a Thaty entende que tinha muita referência no amor que via em casa, entre os pais, pois eram muito cúmplices e amigos. Até hoje entende que o amor está na parceria e no cuidado, não nos grandes feitos: o amor é todo o dia. “O amor tá quando minha mãe manda o remédio pra Larissa quando ela tá gripada.” Hoje o relacionamento da Lari e da Thaty representa algo que elas conquistaram juntas, o melhor que elas puderam ser. Isso não quer dizer que não existam uma série de questões individuais próprias, de problemas a enfrentar ou de vida a acontecer, mas que o que era antes uma batalha solitária hoje em dia é uma força conjunta. A Lari conta sobre um livro do qual ela sentiu uma conexão muito forte, o “Amares”, do Eduardo Galeano, em que são crônicas sobre tudo que ele ama - e tudo que ele ama é literatura. Já estava tudo escrito de outros livros, ele só organizou. São várias esferas de amor. Ela fala, também, sobre o quanto encontrou o amor na religião e o quanto isso é importante para o entendimento dela enquanto pessoa: “Eu agradeço muito a Oxum e Oxalá que são os dois orixás que regem a cabeça dela (Thaty), pela vida dela e espero que muitas mulheres possam encontrar outro amor assim. Não só amor romântico, mas amor no geral porque eu acredito que o amor entre duas mulheres pode transformar a vida uma da outra porque tenho certeza que esse me transformou. Eu me sinto livre. Todos os dias eu quero fazer uma coisa nova e ela tá sempre me incentivando. Eu me sinto forte.”. Larissa Thatiely

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