
























Tabata Thuane no momento da documentação estava com 33 anos, é natural de Paulista, na região metropolitana de Recife. É formada em design de interiores, mas acabou seguindo os passos da família de músicos e se dedicou à música e à cultura. Estudou violão no conservatório, além de canto e percussão, e hoje se apresenta em restaurantes e hoteis do Recife, além de construir uma forte atuação na cena cultural das cidades de Olinda e Recife entre dança, percussão e carnaval. Uma de suas maiores conexões com a tradição vem do pastoril, dança natalina de origem portuguesa que aprendeu com a avó e transformou em um bloco que percorre as ruas no Natal. Lá, também ensina percussão, e foi nesse caminho que se aprofundou no frevo, na ciranda e no maracatu. Hoje, divide o palco e a dança com Emelly, tocando juntas no pastoril e em diversos blocos desde ciranda, maracatu, coco e xaxado, onde Thuane cuida da harmonia e Emelly assume a percussão.
Emelly estava com 22 anos no momento da documentação. Nasceu em Olinda, mas hoje mora em Paulista com Thuane e Otto, o filho delas. Estudante de pedagogia, trabalha na área e tem uma paixão especial por atuar com crianças neurotípicas. Paralelamente, dedica-se à cultura popular, tocando percussão nos blocos e eventos onde se apresentam. Além disso, adora maquiar, pintar o rosto, ler e escrever, mas reconhece que, no momento, toda a atenção e energia estão voltadas para Otto e para a construção de uma maternidade cuidadosa e afetuosa ao lado de Thuane.
A música e a cultura popular são o elo que fortalece a relação das duas, mas entendem que o que vivem hoje vai além dos palcos e blocos. Enxergam a família que construíram como um reflexo da tradição e do amor que carregam, tanto na dança e no som, quanto na dedicação diária à criação de Otto. Encontraram na música um ponto de encontro, mas é no dia a dia que constroem, com cumplicidade, os laços mais importantes.
Em 2019, Thuane entrou para o grupo percussivo Tambores de Saia, em Olinda, um coletivo de samba reggae formado apenas por mulheres. Incentivada pela namorada do pai, mergulhou na experiência e logo se encantou com a força do grupo. No fim daquele ano, conheceu Emelly tocando lá. Fizeram amizade rapidamente, descobriram amigos em comum e começaram a se aproximar.
No início de 2020, ficaram pela primeira vez. Durante o carnaval, ainda estavam se conhecendo, mas então veio a pandemia de Covid-19. Emelly, recém-completados 18 anos, e Thuane, morando em lugares diferentes, decidiram se isolar juntas. Emelly ainda vivia com a família, enquanto Thuane morava com o pai, que sempre foi muito tranquilo e a recebeu em casa. Desde então, a relação seguiu crescendo e hoje as duas moram juntas num lar só delas - agora com Otto, que chegou transformando tudo.
Elas contam que foi desafiador iniciar um relacionamento no meio do caos, com a sensação de que o mundo estava acabando. Entre elas, não houve grandes conflitos - sempre conversaram muito e se entendem bem. Mas o período trouxe desafios familiares: a irmã de Thuane também se mudou para a casa com os filhos pequenos, tornando a rotina intensa. A pandemia trouxe dificuldades, eram desafios novos para todas as pessoas e elas, enquanto trabalhadoras da cultura, estavam totalmente sem renda, precisaram inventar outras formas de conseguir financeiramente se estruturar. A prefeitura até fez algumas apresentações online na época festiva do São João e assim elas conseguiram algum retorno, mas nada se comparava à vida presencialmente, o que ajudou mesmo a segurar as pontas foi a família. Hoje, comentam ao olhar para trás, que a sensação é como se já possuíssem uma relação de muitos e muitos anos, pela maturidade que precisaram construir tão rápido para passar por todos aqueles momentos (e pelos que viriam em seguida).
Com a chegada das vacinas e uma leve estabilização da pandemia, Emelly e Thuane começaram a reorganizar a vida. Para garantir uma renda, passaram a personalizar kits de festa e entregá-los para quem comemorava em casa. O trabalho deu certo e, pouco depois, conseguiram finalmente conquistar o próprio lar, mudando-se para um espaço só delas.
Aos poucos passaram a refletir sobre a maternidade, um sonho antigo que haviam deixado de lado por conta de frustrações por relacionamentos anteriores. A adoção sempre foi a primeira opção, pois nenhuma das duas pensava em gerar. No entanto, quando entenderam que seriam boas mães, começaram a pensar de fato na adoção e em todas as outras alternativas. Além do pensamento, partiram para a ação: foram estudar qual o processo e, tão importante quanto, o custo de cada processo.
Foi assim que chegaram à opção da inseminação caseira. Queriam ser mães ainda jovens, mas também precisavam conciliar os estudos e outras responsabilidades. Pesquisando no YouTube sobre inseminação e o processo via SUS, entenderam o valor e o quanto isso demorava, assim como o processo de adoção. Diferente da inseminação, entre as pesquisas, encontraram grupos de doadores. Estudaram os critérios com cuidado, até que localizaram um doador e tiveram o primeiro contato.
Para encontrar o doador, contaram com o apoio de uma rede de amigas e marcaram o encontro na casa de uma delas. Não queriam passar por esse momento sozinhas, então se cercaram de mulheres que as acolheram e tornaram tudo mais leve. O doador foi até lá, elas até prepararam alguns doces para ele como presente, e depois passaram a noite na casa da amiga, garantindo que tudo acontecesse de forma segura e tranquila. Ainda incrédulas com a situação, deram risada juntas, sem imaginar que daria certo de primeira. Mas, para a surpresa e felicidade delas, a gravidez vingou e Otto chegou ao mundo.
Queriam um nome simples, mas composto, e escolheram Otto José. Embora já estivessem juntas há um tempo, fizeram questão de celebrar o casamento com uma festa como mereciam. Cada detalhe foi feito com as próprias mãos e com a ajuda da família: serraram troncos da rua para a decoração, a irmã preparou o buffet, a prima fez o bolo… tudo foi construído em conjunto. No mesmo dia, fizeram o chá revelação. A família inteira estava certa de que seria uma menina (ou até gêmeos!). Quando descobriram que era um menino, se olharam sem entender e até brincaram: "Emelly, sorri, senão vão achar que não gostamos!".
Hoje, Otto é uma criança curiosa e esperta, sempre explorando o mundo ao seu redor. Como não tem contato com telas, elas percebem que ele está sempre em busca de algo novo, o que torna cada descoberta mais especial. Desde experimentar comidas diferentes até interagir com as pessoas… ele se mostra um bebê livre e sociável. E, com duas mães ligadas à música e à cultura, não poderia ser diferente: Otto já ama tambores, batucadas e tudo o que envolve ritmo e som.
Emelly e Thuane enxergam o amor na forma como Otto expressa carinho no dia a dia. Apesar de ser agitado, é um menino extremamente afetuoso, que as enche de beijos, pega no rosto e faz carinho nelas. Vivem uma relação de parceria genuína, na qual tudo é dividido de maneira natural e equilibrada. Observam que, em muitas relações heterossexuais, a carga recai quase toda sobre a mulher, e quando o marido participa, muitas vezes é por obrigação. Com elas, tudo acontece por escolha e desejo. Brincam que estão sempre fofocando, rindo e se entendendo, sem precisar dizer muito.
Para elas, nunca é apenas Emelly ou apenas Thuane - são sempre três: Emelly, Thuane e Otto. Por onde passam, são reconhecidas assim, como uma família. Sentem que, após o nascimento do Otto, algumas amizades se afastaram e a rotina mudou, pois não frequentam mais os mesmos espaços de antes. Ainda assim, quando são convidadas para algo, a inclusão é sempre dos três, e isso reafirma o significado de família para elas. Gostam de ser vistas como essa unidade, onde o amor e a presença são inquestionáveis.
Desejam que Otto cresça como uma criança livre, que possa viver com autenticidade e alegria. Embora saibam que ele enfrentará muitos desafios por ter duas mães, esperam que a base de amor e segurança que constroem todos os dias seja mais forte do que qualquer preconceito. Querem que ele enxergue a própria história com naturalidade, carregando consigo a certeza de que foi muito desejado.