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Quando lancei o Documentadas uma mulher lá de Campinas entrou em contato comigo dizendo que queria que eu fosse para lá registrar ela e a namorada e eu respondi aquilo que todas encontram aqui no site quando se inscrevem: se arranjarmos mais casais que topem participar, maior a chance de eu ir (pela possibilidade de organizarmos vakinhas, pela demanda, organização, etc). 

 

Passaram três meses e, por mais que a Camila vez em quando aparecia inbox dizendo "não esqueci de vocês, tá?" eu pensava "tá! hahaha vamos organizar!" e achava que de fato iríamos organizar, porém não naquela hora… ATÉ QUE ela surgiu dizendo que tinha organizado 10 casais que topariam participar, com horário, agenda, local, doação garantida e tudo o que tinha direito. Fiquei chocada, pensando: será que ela realmente existe???

 

E aí ela me contou o motivo: eu quero que o Documentadas venha para Campinas porque preciso do Documentadas registrando o pedido de casamento que vou fazer para a Samantha! 

 

Tá explicado, né? O casamento de duas mulheres é capaz de mover o que for, inclusive levar o Documentadas até Campinas. 

 

Depois que confirmamos a ida e que comprei as passagens, comecei a participar ativamente da preparação do pedido de noivado das duas - que até então seria uma surpresa para a Samantha. Precisávamos manter a seriedade e o segredo para que ela não desconfiasse de nada (e eu não poderia deixar escapar nenhum detalhe pelo perfil do .doc), então deixei para divulgar só quando já estivesse lá. 


Fiquei hospedada na casa dela, tomando todos os cuidados, detalhadamente, perante à pandemia. E diferente dos outros casais com quem tenho contato e converso, fiz uma imersão na vida dessas duas ♥ - foram três dias vivendo a realidade delas, ouvindo suas histórias, vivendo a rotina e trocando conhecimento. 

 

Ao chegar lá, minha mala virou a mala do noivado, enquanto a Sá trabalhava fomos em lojas de decoração, compramos confetes, comidas, acessórios de festas... e a ansiedade da Camila virou a minha - então fiquei a responsável por organizar como seria o momento - e bloquear a Samantha no perfil do Documentadas no Instagram (fingindo que eu estava sem internet!) para que ela não visse as publicações em que eu contava para o público da página que o pedido de casamento seria feito durante as fotografias do .doc (e que eu iria transmiti-lo ao vivo). 

 

Bom, aconteceu! Deu tudo certo. Fomos para uma chácara, junto com a Clara e a Mayara, que também estarão com suas histórias aqui no Documentadas e que auxiliaram em toda a surpresa. 

 

A Cami estava tão, tão, tão ansiosa que quase colocou tudo a ser descoberto várias vezes? Sim. Eu fingi que estava irritada para a Samantha não desconfiar de tanta ansiedade 'à toa' no ar? Também! [O que a gente não faz... né?] 

 

E ela realmente não esperava, foi lindo. 

Vocês podem conferir as fotos do momento aqui ♥



 

Camila tem 35 anos, atualmente trabalha como barbeira e tem um espaço em que atende os clientes lá em Campinas, mas conta que já trabalhou com quase tudo nessa vida: já trabalhou em navio, já foi babá, já foi garçonete, é longa a lista! Morou muitos anos na Europa, em alguns lugares diferentes, foi lá que se entendeu enquanto uma mulher lésbica e decidiu voltar para o Brasil um pouco antes da pandemia pela necessidade de se ver um pouco mais próxima da família e cuidar da saúde mental.

 

Foi aqui que ela conheceu a Samantha, que tem 27 anos, é bancária mas também não perde a oportunidade de fazer um freelance no fim de semana e ganhar uma renda extra! Falando em renda, juntas elas lançaram o Laricas.com, uma marca de comida, vendem salgados de festas, salgados maiores e alguns doces também. A mãe e a avó da Sá participam do empreendimento, ajudando nas vendas e na produção. Quem começou tendo a ideia, na verdade, foi a mãe; As duas toparam, a avó que é super conhecida no bairro por ter várias amizades e organizar bingos decidiu ajudar nas vendas e na divulgação e então todas começaram a vender juntas. A Cami costuma fazer as entregas e elas vendem pelo próprio Instagram (no Instagram no .doc, você chega até elas e por lá pode encomendar, se morar em Campinas ♥ garantimos: é bom demais!).

 

As duas nasceram no mesmo bairro, cresceram na mesma região e descobriram muitas coisas em comum, mas só foram se conhecer mesmo há 2 anos e meio atrás, através de um aplicativo de relacionamento para mulheres, o Wapa. Conversaram pouco por lá, cerca de uma semana e a Cami lembra que tinha algo no perfil da Sá sobre ela gostar de queijo, então decidiu que iria mandar uma foto de uma tatuagem que ela tem que é um queijinho e pensou "ah, vai que rola, né???". E rolou. De lá, ela comentou sobre uma festa que iria acontecer, com música eletrônica em uma parte da cidade, era uma festa cheia de drags, um público bastante ‘underground’... E a Samantha contou que estaria fazendo um freelancer nessa festa! Foi então que elas marcaram rapidamente de se encontrar.


 

A Cami estava enfrentando um momento muito sério e difícil na depressão, não se sentia bem e inclusive, ir para a festa, foi bem delicado. Não queria estar lá, não estava legal e até pediu para que a mãe a levasse porque não poderia ir dirigindo e também não tinha dinheiro para o Uber ou o táxi. Quando ela chegou, encontrou uns amigos e comprou uma cerveja para impressionar, porque o dinheiro era limitadíssimo, mas o charme ela não abriu mão e quando foi fumar na rua a Sá passou por trás dela e encostou a mão nas suas costas, dando um 'oi', mostrando que a viu... e ela brinca 'Aí garanti minha carona para ir embora'. 

 

No dia da festa ela realmente garantiu a carona para ir embora, a Sá deixou ela em casa e perguntou  o que ela ia fazer durante a semana, se elas podiam se ver... E bom, ela estava totalmente trancada num quarto escuro em depressão, claro que não tinha nada agendado para fazer durante a semana. Topou o encontro. Esse encontro virou outro, e outro, e outro. 28 dias depois elas começaram a namorar, no dia dxs namoradxs de 2019.

 

As famílias admiram muito o relacionamento das duas e elas entendem que é pelo tanto que se ajudam. A Sá chegou naquele quarto escuro, literalmente, trazendo luz. Ela chegava e abria as janelas, falava "nossa, tá muito escuro aqui!" e saía abrindo tudo. Mudava as coisas de lugar, fazia ser diferente. E a Cami se permitia mudar. Da mesma forma que a Cami, nesses 2 anos, vêm trazendo diversas novas perspectivas para a Sá - trouxe a terapia, um novo olhar sobre o trabalho, a vida dela, a forma que ela vê os outros... tudo é muito mais saudável. 

 

Desde o primeiro momento em que eu estive com elas percebi o quanto as realidades delas são diferentes, a Cami vem de uma família onde o pai é provedor, enquanto a Samantha é uma casa que só tem mulheres fortes e independentes. O tempo todo a Cami lembra o quanto conviver na casa da Samantha muda o olhar dela sobre as coisas e o quanto aprende sobre a sociedade. 

 

A mãe da Cami, por sua vez, considera tanto ambas famílias uma coisa só que sempre fala: ‘’A Samantha é gente da gente’’.  


Juntas, a Samantha e a Camila adotaram duas cachorras, a Cacau e a Tulipa (Tuli, para os íntimos). Elas amam a rotina com as "crianças": cuidar delas, assistem vídeos de adestramento, sonham em trabalhar com animais, ter alguma creche de cães ou um hotel... em casa tem as duas cachorras, o cachorro da avó e um papagaio também da avó, todos encantadores (Principalmente a vó! Que é um amor e joga bingo como ninguém!). Elas adoram, no fim da tarde, ir na Pedreira do Garcia com as cachorras brincar, correr e se divertir.

 

Além disso, costumam comemorar coisas dentro da própria rotina. Comemorar de um jeito único. Desde aniversários de namoro, aniversários das cachorras, datas que elas adotaram, momentos que elas consideram especiais... Comemoram o crescimento, a conquista, o sonho em conjunto. 

 

A Cami completa "Tem outra coisa que a gente faz, a gente ri muito. Tipo, toda a noite junto, é engraçado. A Sa riu tanto ontem que disse  ’Mor, eu não tô enxergando’’. Eu amo fazer ela rir." 


Por fim, elas sonham com um dia em que vão fazer esse casamento acontecer de fato e ter filhos, para além das "crianças" caninas. Querem que seus filhos vivam num mundo diferente do que vivemos. A Cami demorou 27 anos para se assumir lésbica, para se permitir esse entendimento também e não quer mais ver as pessoas passando pelo mesmo que passou, não quer ver as pessoas dentro desse armário. Deseja que as pessoas vivam com respeito e dignidade. Ela quer permitir a educação de forma livre, como não foi permitida à ela, porque acredita que assim seria o mundo ideal: livre. E que isso seja ensinado na escola, que ao redor dos filhos delas o contato com o mundo seja plural e diverso.

 

A Sá conta que quer espelhar a realidade dela para o mundo: com mulheres fortes, guerreiras e independentes, que não abaixam a cabeça e não se diminuem. Ela sempre teve um círculo LGBT muito presente, desde pela melhor amiga da mãe ser solteira com um filho gay, até a avó que também tem amigas lésbicas... E sobre como tudo sempre foi visto com a naturalidade que é. Ela quer isso para o mundo, até porque, o amor, em si, é simples. E o que nós, LGBTs, fazemos é: amar.  

 

Ambas falam do amor e do respeito como base de tudo, desde a família (a Cami relembra em alguns momentos que todos os dias quando era criança a mãe dela acordava ela falando o quanto ela era muito linda. E que isso é uma coisa que ela carrega como referência de afeto, para si e para os outros), até os amigos ou um desconhecido por quem sentiu empatia. 

 

Elas falam também da importância do amor próprio e do autoconhecimento. Você aprende a se respeitar também, entender o seu limite. O amor próprio vem com muito custo, é uma jornada bastante longa, mas que vale a pena porque respinga nos outros amores de um jeito positivo.

 

Para finalizar, deixo um trecho em que a Camila fala sobre amor que me marcou bastante perante o diagnóstico dela de ansiedade, o que ela sente sobre o amor e a forma que ela entende o amor entre mulheres:

 

"A Sá me trouxe um amor diferente, que é um amor calmo. Sei que não vai ser só calmo, mas a gente vai enfrentar. Teve uma coisa que ela me falou e me marcou muito, é que eu sempre fiquei muito na defensiva e ela olhou pra mim e falou e disse ‘’A gente tá no mesmo time’’. Aí eu posso puxar essa deixa pra falar sobre o amor entre mulheres: por mais que a gente tenha caminhado juntas, dessa vez é de igual, é entender de uma forma que eu nunca antes fui entendida." 

 Samantha 
 Camila  
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